Coisas Sérias 2 - 1999  

 
(Artigo publicado no "Público" no suplemento "The Wall Street Journal"

Guerra de anúncios Colgate/Close Up na Índia
POR MIRIAM JORDAN
Repórter do THE WALL JOI1RNA!

BOMBAIM, India Ruby Bhatia sempre sonhou que os seus dentes a tornariam famosa: "Eu escovava os dentes quatro vezes ao dia a pensar que um dia iria fazer anúncios para pastas dentífricas", afirma a modelo, hoje uma personalidade na televisão local.

O seu sonho tornou se realidade e a dobrar. Hoje o sorriso de Bhatia é exibido em todo o país em anúncios das rivais Colgate, da ColgatePalmolive Co., e da CloseUp, da Unilever PLC. A aparição de Bhatia a promover os dois produtos simboliza a guerra das pastas dentífricas que se trava na Índia, onde estão mais de um sexto das bocas do planeta.

Durante mais de 50 anos, Colgate foi sinónimo de pasta dentífrica na Índia. Até 1990, a empresa conseguiu grandes lucros e dois terços do mercado indiano com apenas um produto: um creme dentífrico branco e sem flúor bastante inferior às pastas dentífricas vendidas no Ocldente. A Colgate não tinha muita concorrência dos produtos locais ou ou outras marcas ocidentais.

Mas desde 1991, quando as reformas económicas reduziram as restrições impostas às empresas ocidentais, várias novas marcas chegaram à Índia e as empresas locais cresceram consideravelmente. A firma anglo holandesa Unilever relançou a Close Up em 1989 e desde então tem avançado sobre a rival americana Colgate Palmolive.

A unidade local da Unilever, a Hindustan Lever Ltd., uma das maiores empresas da Índia, possui bastante dinheiro em caixa e quer destronar o líder de mercado. Os números são impressionantes. Num país de quase mil milhões de habitantes, somente quatro em cada dez pessoas usam pasta dentífrica, comparativamente a nove em cada dez na China. Uma estimativa da Colgate realizada em 1995 previa que mais 177 milhões de indianos começarão a usar pasta dentífrica até ao ano 2005.

Reconhecendo estar a enfrentar uma formidável concorrência, a Colgate contratou Bhatia para um anúncio. Bhatia nasceu nos Estados Unidos e cresceu no Canadá, onde conquistou um título de "miss Índia Canadá". Regressou ao país dos seus pais há seis anos e desde então apresenta programas de clips musicais na televisão, tendo emergido no país como um símbolo da cultura pop. Os seus programas são transmitidos em inglês e em hindu, e incluem sempre entrevistas com jovens indianos nas ruas de Bombaim.

Em Janeiro, apenas dois dias antes de a Colgate lançar o seu anúncio comercial na TV, a Hindustan Lever começou a veicular um anúncio da Close Up exibindo a própria Bhatia. Dois anos antes, soube se depois, a Hindusan Level tinha contratado Bhatia para gravar um anúncio da CloseUp, que nunca foi para o ar. Com a campanha da arquirival Colgate pronta a ser lançada, a Unilever decidiu tirar o anúncio da Close Up do arquivo.

Bhatia garante que a Unilever "só utilizou o anúncio porque sabia que a Colgate estava prestes a lançar uma campanha de anúncios". Diz ainda que não contou à Colgale sobre o anúncio da Close Up porque achou que já nem sequer existia. No entanto, a Unilever garante que a "ressurreição" do seu anúncio foi apenas uma coincidência.

Para a Colgate, a confusão é mais um tropeço nos seus esforços para recuperar a força depois das suas vendas caírem ao longo do tempo, à medida que os consumidores foram mudando de preferências. Enquanto o público indiano crescia exigindo mais das pastas dentífricas e doutros produtos, a Colgate não acompanhou o movimento com a oferta de novos produtos ou promoções . Ultimamente, a Colgate decidiu aumentar os gastos com a publicidade e está a adaptar novos produtos nara a Índia..

Por seu turno, a Hindustan Lever apostou na promoção antes da nova vaga de consumidores. Há anos, a empresa começou a reposicionar a Close Up com um "charme" mais voltado para os jovens, uma geração que crescia mais relacionadá com as marcas internacionais e mais influentes nas compras feitas pelas grandes famílias indianas. A Dindusan Lever foi pioneira ao lançar programas de televisão para promover encontros entre casais e concursos de calouros.

Agora a guerra promete aquecer e os dois anúncios com o sorriso de Bhatia continuam no ar.

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(Do "Público" de 5 de Abril Texto de Pedro Lima)

Mais transparência na publicidade

O ICAP organismo auto regulador actividade publicitáira vai passar a divulgar as suas deliberações sobre conflitos na publicidade, até agora sujeitas a algum secretismo. Tudo em nome da transparência do mercado. De fora mantêm se os pareceres prévios, cada vez mais numerosos, que o instituto tem sido solicitado a dar para prevenir eventuais problemas nas campanhas publicitárias.

O INSTITUTO CIVIL DA AUTO DISCIPLINA DA PUBLICIDADE (ICAP) aprovou, na assembleia geral de 26 de Março, o relatório e contas de 1998 e o relatório e orçamento para 1999. A mesma assembleia decidiu permitir que passem a ser divulgadas publicamente as deliberacões do júri do ICAP. Em entrevista ao PUBLICO, Francisco Amaral, presidente do organismo, explica porque é que só agora se decidiu tornar públicas estas decisões.

PÚBLICO Porque é que se decidiu avançar com a publicação das deliberações do júri do ICAP?

Francisco Amaral No último ano o ICAP discutiu algumas vezes a possibilidade de passar a publicar essas deliberações, mas concluiu se sempre que não era a altura indicada, principalmente porque o conceito de autodisciplina é relativamente novo em Portugal. É uma atitude que requer algumas mudanças de hábito e nós pensámos que a publicacão poderia levantar alguns problemas no mercado. Por isso fomos aguardando por um momento mais oportuno. Há dois ou três meses resolvemos fazer uma consulta, que confirmou que seria a altura ideal, já que cerca de 80 por cento dos 51 associados do instituto votaram a favor.

P. E a primeira vez que o ICAP divulga estas decisões?

R. É. De acordo com a clara maioria obtida, decidimos propor em assembleia geral a mudanca do código de conduta de forma a poder divulgar as decisões. Esta publicação vai passar a ser feita, em princípio, num boletim interno que vamos criar. Nós consideramos que vai ter um carácter pedagógico e pode ser um elemento importante de consulta. Muitas vezes os anunciantes, os meios e as agências não têm conhecimento do enquadramento legal da publicidade.

P. Servirá para prevenir algumas situações problemáticas no futuro. Mas estas decisões não estavam já a ser divulgadas pelos membros do ICAP?

R. Não, apenas aos interessados.

P. Que conflitos são mais habituais entre os anunciantes?

R. Ocorrem sobretudo na área dos detergentes, das comunicações móveis e em alguns serviços financeiros. Mais recentemente apareceu o problema entre a Lay's e a Pringles, por causa das batatas fritas.

P. Quantas deliberações foram tomadas no ano passado?

R. Em 1998, tomámos 34 deliberações, e este ano, no primeiro trimestre, já tivemos 14, o que aponta para uma subida.

P. Como é que as vossas deliberações podem afectar os anunciantes em causa?

R. O ICAP pode actuar de diversos modos. O mais frequente é a deliberacão em reunião do júri em resultado de uma queixa. Existe uma outra vertente, para mim mais interessante, que é o pedido de pareceres prévios: as empresas pedem previamente um parecer, que é confidencial, sobre determinada campanha que queiram levar para a frente. Temos já empresas que o fazem de forma sistemática. Seria ideal que o Governo não tivesse de legislar e que a autodisciplina conseguisse resolver os problemas, mas o mundo não é ideal.

P. O que acontece se uma empresa não cumprir a deliberação tomada?

R. As deliberacões do ICAP não têm valor jurídico. No entanto, os anunciantes, ao associarem se, assumem o compromisso de acatar as decisões tomadas. Por isso, qualquer deliberacão do júri que aponte para a necessidade de suspender uma campanha deverá levar a que os meios e os anunciantes suspendam a campanha. O pior que pode acontecer a uma empresa é a sua expulsão do instituto.

P. Em relação a casos passados, não vão divulgálos, tendo em conta que podem apresentar antecedentes que previnam eventuais conflitos?

R. De momento, por uma questão de coerência, não estamos a pensar fazê lo. A publicacão deverá ser trimestral ou quadrimestral.

P. E o que acontece se as empresas que estiveram contra a divulgação das decisões vos solicitarem que não as tornem públicas?

R. Em princípio, as decisões serão todas divulgadas. Mas pessoalmente não acredito que as decisões lesem as empresas. Acredito que venham mesmo a ser positivas, porque os secretismos por vezes tornam as coisas piores do que elas são.

P. Mais ou menos quanto tempo é que demora a tomada de decisão?

R. O ideal é que entre a data da recepcão de uma queixa e a decisão decorra um período de cinco dias, num processo mais simples. O júri é fixo, constituído por seis membros que representam a área de direito e cada área de actividade anunciantes, agências e meios.

P. O aumento do número de deliberações quer dizer que os anunciantes estão mais "indisciplinados"?

R. Não. Por um lado, à medida que há maior consciência do papel do ICAP, aumenta o número de pedidos de pareceres. Por outro e esta é uma previsão pessoal , o aumento das consultas irão mais no sentido de pareceres prévios do que propriamente de deliberações sobre queixas. Neste momento a maioria é de pedidos prévios, mas nem sempre foi assim. Nós criámos também uma comissão consultiva que tem como objectivo verificar e controlar de uma forma regular o que se passa na imprensa, emitindo pareceres e sugestões analisadas pela direcção. Por outro lado, quando aparece uma área nova, como por exemplo as comunicações móveis, onde se preveja que haja alguns problemas, esta comissão pode analisá la e emitir recomendações.

P. Qual é a vossa posição sobre a questão da publicidade não endereçada?

R. Nós não estamos contra a legislação, mas apesar de não termos tomado posição, consideramos que a campanha é no mínimo de algum mau gosto. É demasiado agressiva para a publicidade. Não entendemos a postura do Governo em relação a uma actividade que é perfeitamente compreendida, elogiada e de interesse económico para o país...

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Do "Diário de Notícias" de 29 de Março, com a devida vénia...

As Agências têm relação duradoura com clientes

Os três melhores clientes de uma empresa de publicidade representam 51% da facturação

Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) veio revelar que o mercado de publicidade depende muito mais da fidelidade dos clientes do que da obtenção de novos negócios, apesar de a participação em concursos para atribuição de contas fazer parte do dia a dia destas empresas. Em vez de muitos, as agências têm bons clientes.

O inquérito, intitulado &laqno;Piloto aos Serviços de Publicidade», resultou de uma consulta dirigida a 394 empresas, das quais 338 são sociedades e 56 empresários em nome individual, durante o ano de 1997. No item que pretendeu aferir qual é a repartição do volume de negócios realizado com clientes novos e clientes antigos, segundo serviços prestados, a conclusão do INE é esta: &laqno;A actividade das empresas de publicidade caracteriza se por uma relação duradoura com os seus clientes.» Segundo os dados apresentados pelo INE, 92,4 % do volume dos negócios foi realizado com clientes antigos, com particular destaque para as agências de publicidade. No entanto, o mesmo não se passa com as empresas de exploração e manutenção de painéis publicitários e exteriores, onde os antigos clientes representam 67,1 %.

Os dados permitem ainda concluir que por norma os três maiores clientes das empresas representam uma importante fatia da sua facturação.

Nas agências de publicidade, os três melhores clientes representam qualquer coisa como 51,7 %. A dispersão do investimento por clientes diversos é, na verdade, mais significativa no caso das empresas de painéis exteriores. Com um capital essencialmente de origem portuguesa (55,9 %), as empresas de publicidade contam ainda com a participação de dinheiros provenientes da União Europeia (com um peso de 38,6 %) e resto do mundo (5,5 %).

Os dados não deixam ainda dúvidas de que são as agências de publicidade (excluindo as centrais de compra) que dominam o mercado publicitário, com 36,3 % do negócio, seguidas pelas empresas de painéis exteriores, com 12,9 %, reservando apenas ao marketing directo 3,3 % e às sociedades que se dedicam à promoção 9,4 %. A rotatividade dos criativos publicitários, tão conhecida no meio, é também uma situação pouco extensível aos profissionais desta área. Nas agências de publicidade os profissionais com mais de cinco anos de casa representam 40,2 %, e os com entre dois e cinco anos 31,7 %.

Finalmente, e já sem novidade aparente, 0 estudo aponta para uma distribuição conhecida a quem acompanha 0 mercado publicitário: a televisão ocupa cerca de 53,7 % do mercado, seguida pela imprensa (31,2 %), os painéis exteriores (8,7 %), a rádio (6 %) e 0 cinema (com apenas 0,4 %)

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 Os meios de comunicação, segundo Ignacio Ramonet, director do "Le Monde Diplomatic"

Contra o Jornalismo Disney

O jornalismo de hoje é simples, rápido e divertido. São as mesmas qualidades dos filmes de Walt Disney ou dos "spots" publicitários. "A maneira actual de fazer informação é exactamente igual à maneira de fazer publicidade". É de jornalismo de ficção que fala Ignacio Ramonet, director do "Le Monde Diplomatique".
(Texto de Amílcar Correia no "Público" de 14 de Março)

 O "Le Monde Diplomatique", uma empresa filial do quotidiano "Le Monde", foi fundado em 1954. Quarenta e cinco anos depois, este jornal de referência, com edições em italiano, espanhol, inglês, árabe, grego, japonês e agora em português (ver caixa), é um projecto de sucesso. O mensal "Le Monde Diplomatique", que duplicou a tiragem em dez anos, difunde 300 mil exemplares em França e 400 mil fora do país. Nesta entrevista, Ignacio Ramonet, jornalista, professor universitário e director do jornal, fala de jornalismo de ficção, publicidade, novos mecanismos de censura e de messias mediáticos.

PUBLICO Como explica o sucesso de um jornal de referência ideológica para a esquerda, antiamericano, antiglobalização, com textos longos e assumidamente crítico para com os meios de informacáo?

IGNACIO RAMONET Nós não temos uma explicação racional para o êxito. Mas é interessante entender que nos últimos dez anos houve um alinhamento ideológico com a aceitação de que o neoliberalismo é a solução global para os problemas do Mundo. No "Le Monde Diplomatique" tentamos manter aquilo que eu chamaria, simplesmente, espírito crítico. Propusemos conceitos como o de pensamento único. Demonstrámos como funcionam os mercados financeiros e quais são os perigos da homogeneização cultural do Mundo. Criticámos os meios de comunicação porque pensamos que hoje em dia fazem parte do poder e é indispensável criticá los. Criticámos os "clichés" do jornalismo curto, rápido, divertido, emocional, etc.

P. Em "Como nos Venden la Moto", escrito com Chomsly, diz que a imprensa adeptou características da televisão: primeira página concebida como um écran, artigos de tamanho reduzido, personalização excessiva dos jornalistas, prioridade ao sensacional. Podem os jornais evitar o "mimetismo televisivo"?

R. É cada vez mais difícil. Antes, havia três esferas: informacão, publicidade e cultura de massas. Essas três esferas fundiram se. Na realidade, uma delas, a publicidade, absorveu as outras. A maneira actual de fazer informação é exactamente igual à maneira de fazer publicidade. O jornalismo de hoje tem que possuir três qualidades: muito simples para que toda a gente compreenda; muito rápido, com frases curtas, textos curtos, palavras fortes; e muito divertido. São as qualidades dos filmes de Walt Disney, do "spot" publicitário da televisão ou da história de Monica e Clinton. Veja o que aconteceu com este caso. A grande maioria da imprensa era partidária da destituição do presidente, mas a opinião pública não. Conclusão? Contrariamente ao que pensávamos, os meios de informação já não fazem a opinião pública. O público gosta de consumir, mas não crê. Encontramos prazer num filme de Hollywood, mas não cremos nele. Sabemos que é uma ficção. É de um jornalismo de ficção que falo.

P. É possível uma imprensa à margem da lógica comercial e da máxima dos noticiários "ver é compreender"?

R. O exemplo do "Le Monde Diplomatique" demonstra que alguns jornais podem sobreviver. As empresas de comunicaçãáo têm de colocar o problema da rendibilidade e da produtividade, porque não têm uma lógica cívica, mas sim uma lógica empresarial. Esta lógica faz com que os próprios jornalistas se encontrem na mesma situação dos trabalhadores das fábricas dos anos 20 e 30 (precarização, especialização, fragmentação do trabalho, anonimato e reducão da sua condicão social, que algumas estrelas ocultam). No final do século XIX, quando surgiu a grande imprensa de massas, o monopólio da informação era da imprensa. Mas logo vieram a rádio, o cinema, a televisão, etc. O jornalista perdeu, entao, o seu monopólio. E ao perdê lo também perdeu a sua identidade.

P. Diz que uma sociedade de sobre abundancia da informação e de asfixia da comunicação degenera em supressão da liberdade. Como?

R. Temos a ideia de que a censura é característica das sociedades autoritárias, o que é correcto. No Portugal de Salazar, na Espanha de Franco ou em qualquer regime autoritário, observamos que a censura funciona como proibição e amputação. Mas quando observamos as sociedades democráticas e livres, onde toda a gente tem direito a proferir, damos conta de que existe outro tipo de censura. A censura actua agora por saturação. Quando há tanta informação, eu já não consigo saber qual é a boa e qual é a má. Encontro me submetido a uma ideologia que diz "muita informação é boa informação". São duas coisas diferentes, porque a sobre informação pode conduzir à não informação, como na guerra do Globo.

P. Que diferenças encontrou entre a cobertura jornalística que a imprensa séria e a popular fizeram sobre a morte de Diana?

R Como é que defeníamos antes um jornal popular? Pela importancia da sua difusão. Eu não conheço o caso de Portugal, mas em Espanha, França e Itália os jornais de maior difusão são os jornais sérios. Antes da sua morte, Diana estava relegada para um universo secundário e marginal às coisas sérias. Em Franca, nunca um noticiário tinha falado de Diana na sua primeira parte. Jornais como o "Le Monde" ou o "El Pais" dedicaram lhe, durante seis a sete dias, as suas primeiras páginas. Produziu se um curto circuito mediático e planetário. Na América Latina, milhares de pessoas passaram uma noite sem dormir para ver o enterro em directo, como se ela fosse uma personagem de telenovela. Foi a primeira vez na bistória mediática que um indivíduo produziu esse efeito.
Hoje, existe a possibilidade de criar uma personagem que todos os meios de comunicação aceitem como messianica. Uma mistura de Ronaldo com João Paulo II, de Teresa de Calcutá com Diana... O que quero dizer é que há a aceitação de um humanismo "soft", que pretende resolver os problemas do Mundo sem criar conflitos. Mas os problemas do Mundo são imensos: uma em cada duas pessoas vive em condicões materiais difíceis, com menos de dois dólares por dia. O "messias mediático" seria aquele que traria uma solucão para esses 3 mil milhões de pessoas. Evidentemente sem dizer "há que protestar", mas dizendo "há que submeter se".
(Texto publicado no "Público" de 14 03 99 e de autoria de Amílcar Correia)

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Transcrição de uma entrevista com o Director Criativo da Leo Buenett publicada no "Público".
Texto de Cristiana Martins

Um italiano tranquilo, apaixonado pela observação do comportamento humano. Enrico Dorizza , director criativo da Leo Burnett Itália, veio a Portugal parar receber um prémio no Epica Awards. Em entrevista ao PUBLICO, explica que uma das dificuidades do momento está em encontrar novos talentos e que a Benetton era um cliente a evitar.

 OBSERVAR, OBSERVAR. ESTAR aberto e atento ao comportamento dos consumidores e descobrir novas tendências no quotidiano da sociedade. Enrico Dorizza, director criativo da Leo Burnett Itália, esteve em Portugal na última semana para receber um troféu do Epica Awards em nome da agência de Milão. Em conversa com o PUBLICO, antecipa o futuro da actividade e explica que uma das grandes dificuldades do mercado italiano está em descobrir novos talentos: "Não há nada, é tudo muito normal."
Num país de tradicão e berço de história, Dorizza, quando questionado sobre para que cliente gostaria de fazer uma campanha publicitária, responde ao contrário, lembrando justamente aquele que prefere evitar: a Benetton. Um caso de "amor e ódio" e um "verdadeiro tabu" para os italianos, a célebre marca foge à regra do país, tendo conseguido vencer as barreiras, transformando se num conceito internacional do mercado publicitário. "Seria muito difícil fazer algo com mais impacto e melhor, sendo preferível nem mexer com a marca", explica.
A Leo Burnett iniciou as suas actividades em Itália há 30 anos. Na altura, segundo Enrico Dorizza, a agência de Milão caracterizava se por uma "excessiva calma". Actualmente, o grupo possui cerca de 150 funcionários e um escritório em Turim, dedicado sobretudo ao acompanhamento da Fiat. Entre os seus principaís clientes destacam se a Coca Cola, a Coca Cola Light e a Sprite Heineken, Kellog, Philip Morris, Procter & Gamble, alguns servicos da Telecom Itália e a United Destillers.
Enrico Dorizza é um veneziano de 41 anos que começou a sua carreira como "designer" gráfico e depois de ter sido director criativo da McCann Erickson (agência líder do mercado italiano) ingressou na LeoBurnett, em 1990, onde trabalhou, entre outras contas, com a Fiat, Coca Cola e Heineken.
Reconhece que, devido à Leo Burnett Itália ter como clientes grandes marcas internacionais "fortes e pesadas" , torna se mais difícil apostar na criatividade. "É uma limitacão" afirma o director criativo, dando como exemplo o Epica, conquistado com uma pequena marca de cerveja, direccionada a um nicho especfico do mercado.
Queixando se do excessivo conservadorismo dos clientes italianos, Dorizza aponta como uma das fragilidades da publicidade no país o excessivo regionalismo, o que dificulta a ultrapassagem das fronteiras internacionais. Na Itália, segundo Dorizza, tudo é testado antes de uma nova campamha sair para a rua.
"O estilo italiano não existe, está se ainda a tentar encontrá lo, acabando por só ser compreendido pelos consumidores italianos", afirma. Mas a situacão já comecou a alterar se. Clientes como a Diesel e a Brooklin escolhem agências de publicidade de menor porte e muito criativas e os resultados positivos das campanhas poderão, segundo, Dorizza servir de incentivo aos demais anunciantes, que acabarão por apostar mais na ousadia na criatividade.
Quanto à unificação monetária, o director criativo da Leo Bumett Itália reconhece que é um assunto claramente ultrapassado pelos criativos, o que na sua opinião se explica pelo estádio "demasiado generalista" que a introducão do euro ainda atravessa: "A criatividade só aparece quando o público alvo é bastante delimitado e os detalhes do produto podem ser explorados. Como ainda não se está neste ponto, tudo o que foi feito é muito didáctico e chato." A construcão de conceitos comuns aos vários países da União Europeia é que constituirá o "grande desafio" do futuro da criatividade.
As novas tendências da publicidade vão passar pelos criativos que "conseguirem tocar a alma das pessoas, fazer o consumidor reconhecer se no anúncio". Assim, na opinião de Enrico Dorizza a publicidade do próximo século não deverá ficar marcada pelas grandes produções, mas sobretudo pela simplicidade e por anúncios muito focalizados nos nichos de mercado a que os produtos se destinam.
Para atingir este objectivo, os criativos terão de estar preparados para compreender melhor o comportamento do ser humano: "Terão de ser capazes de lançar um novo olhar sobre as pessoas." O método utilizado pela Leo Burnett Itália por exemplo, passa pela composição de grupos de conversa em que as perguntas se sobrepõem "porquê? porquê?, porquê?" , descendo a níveis cada vez mais profundos.
Um dos problemas que mais preocupa o director criativo da Leo Burnett é a dificuldade em ver emergir a nova geração de publicitários italianos: "Não se encontram talentos, tudo o que se vê é muito normal, os jovens preferem trabalhar como operadores de computador do que com criatividade." Para Dorizza, ser criativo é conseguir "com simplicidade", falar directamente ao consumidor, tocar as suas necessidades, utilizando uma linguagem compreensível.
Enrico Dorizza considera no entanto que ser criativo depende de se ter um dom inato e uma sensibilidade apurada. Reconhece, ainda, que esta capacidade acaba por amadurecer com a idade. No entanto, "ainda é difícil conven cer o cliente de que é mais eficaz falar para públicos específicos do que para uma população indistinta".
O anúncio premiado com o Epica foi concebido para a Ichnusa, uma cerveja produzida pela Heineken e distribuída na Sardenha. Com o conceito "Pura Sardenha", o anúncio de imprensa associa a bebida ao revolto litoral da região, utilizando a imagem de uma onda capaz de atravessar vários copos da bebida. Para compor a fotografia, foram necessárias sofisticadas técnicas de computação gráfica.

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Do Ciberdúvidas:

Língua remendada *

Francisco Rodrigues Lobo **

 "É branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura.
Para falar, é engraçada, com um modo senhoril; para cantar,é suave, com um certo sentimento que favorece a música; para pregar, é substanciosa, com uma gravidade que autoriza as razões e as sentenças; para escrever cartas, nem tem infinita cópia que dane, nem brevidade estéril que a limite; para histórias, nem é tão florida que se derrame, nem tão seca que busque o favor das alheias. A pronunciação não obriga a ferir o céu da boca com aspereza, nem a arrancar as palavras com veemência do gargalo.
Escreve se da maneira que se lê, e assim se fala. Tem de todas as línguas o melhor: a pronunciação da latina, a origem da grega, a familiaridade da castelhana, a brandura da francesa, a elegância da italiana. Tem mais adágios e sentenças que todas as vulgares, em fé de sua antiguidade. E, se à língua hebreia, pela honestidade das palavras, chamaram santa, certo que não sei eu outra que tanto fuja de palavras claras em matéria descomposta, quanto a nossa. E, para que diga tudo, um só mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedinte!"
25/2/1999

* Título da responsabilidade de Ciberdúvidas. Trecho extraído da obra do poeta português, Rodrigues Lobo (1580 1622), "Corte na Aldeia".

** Francisco Rodrigues Lobo (1580 1622) Poeta português, nasceu em Leiria e morreu afogado no rio Tejo. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, foi um dos primeiros escritores do seu tempo pela pureza da sua linguagem. Autor,entre outras, das obras: "Corte na Aldeia"; "Condestabre"; "Primavera", título geral das três novelas pastoris: "Primavera", "Pastor Pereyrino" e "Desenganado".

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Qualidades e defeitos da linguagem
por Eduardo Pinheiro

A linguagem tem qualidades que devemos cultivar e
defeitos que é forçoso evitar. Entre as qualidades avultam a
pureza, correcção, clareza, eufonia, precisão, propriedade,
harmonia, conveniência, dignidade e ordem.
Por pureza entende se a conformidade da linguagem com
a índole da língua. Nesse sentido, necessário se torna que
usemos apenas palavras da própria língua e autorizadas pelo
uso dos que bem a falam, e procuremos que as frases e
orações sejam construídas de harmonia com as regras da boa
sintaxe. A pureza da linguagem é uma qualidade primordial e
indispensável para conservarmos intacto o maior legado que
recebemos de nossos antepassados.
A correcção consiste na observância das regras estatuídas
pelo uso autorizado, no que diz respeito à grafia, ao
vocabulário e à sintaxe. A pureza da linguagem é uma
qualidade primordial e indispensável para conservarmos
intacto o maior legado que recebemos dos nossos antepassados.
A correcção consiste na observância das regras estatuídas
pelo uso autorizado, no que diz respeito à grafia, ao
vocabulário e à sintaxe. Ficam, portanto, condenados o
barbarismo (emprego de palavras alheias à língua), o
solecismo (inobservância das regras de sintaxe), o
plebeísmo (emprego de termos de calão ou plebeus) e os
exotismos inexpressivos ou inúteis. Devemos, porém, notar
que os provincianismos vocabulares são admitidos na região
onde correm, quando não sejam deturpações grosseiras da
língua normal. Os arcaísmos (modo de falar ou escrever
antiquado) podem também ser empregados, quando se quer
imitar a linguagem da época em que tiveram uso, ou quando
se faz referência a objectos hoje desaparecidos. O
neologismo (emprego de palavras novas) é ainda admissível,
desde que represente uma aquisição apreciável para o
património vocabular, se dentro da língua não houver palavra
que possa expressar, com precisão, a mesma ideia. A história
da língua demonstra que são inevitáveis infiltrações
estrangeiras no idioma, mas esse facto não autoriza que se
faça uma adaptação quase letra a letra, sob pretexto de
necessária, de uma palavra de nacionalidade francesa,
derivação francesa e fisionomia francesa, como acontece com
"feerique" que aqueles que não têm o menor senso da nossa
língua querem transformar no português feérico. E o que
acontece com este termo, de origem francesa, acontece com
muitos outros de diferentes proveniências. Vem a propósito
citar aqui as palavras de Rui Barbosa: "Venham as novidades,
mas recebendo feição vernácula. Venham os estrangeirismos
assim transformados, contanto que sejam necessários".
À correcção gramatical deve juntar se a correcção musical
que aconselha a eufonia, ou agradável combinação de sons,
e condena a cacofonia, defeito resultante de se formar um
vocábulo de significação desagradável ou baixa pela junção
do final de uma palavra com o princípio da palavra seguinte.
Seja dito de passagem que os maiores homens de letras
cometeram tais deslizes. Assim, Vieira disse: "o oceano que
por sua imensa grandeza se chama mar".
A precisão exige que as palavras mantenham uma justa
proporção com as ideias, de forma que se eliminem
superfluidades e redundâncias. Ofendem, portanto, a
precisão os acessórios supérfluos, a repetição escusada de
sinónimos, os circunlóquios (1) desnecessários, os períodos
demasiadamente extensos, bem como o exagerado laconismo,
que deixa o sentido escuro ou incompleto.
A propriedade é a escolha de termos que traduzam,
adequada e unicamente, o respectivo conceito. Os chamados
lugares comuns, os termos vagos, as expressões de mais um
sentido e a ambiguidade são locuções impróprias. A
propriedade da linguagem mereceu sempre particular
interesse aos mestres mais apurados da língua. Vieira é, sob
este aspecto (como sob muitos outros), um grande exemplo a
seguir.
A clareza requer manifestação fácil de pensamento através
de uma expressão luminosa e transparente. Assim, tem de se
evitar tudo quanto possa causar obscuridade de ideias ou de
expressão: barbarismos, solecismos, provincianismos,
neologismos, arcaísmos, termos técnicos desconhecidos,
transposições, parêntesis extensos, expressões refinadas,
concisão demasiada, ostentação supérflua de vocábulos,
deslocação de termos, etc.
O equívoco, ou incerteza sobre a
função lógica de um vocábulo, ofende a clareza. Bernardes
escreveu, um pouco obscuramente "Assim maldizia Job a sua
mulher". Evite se também a anfibologia ou expressão de
duplo sentido
, como esta: "Então o proprietário desferiu
contra um dos inquilinos um golpe que causou, felizmente,
uma ferida sem gravidade". O correcto seria: "que causou
uma ferida felizmente sem gravidade".
A harmonia é o encanto musical produzido pela escolha e
colocação das palavras. Não se devem, pois, empregar
vocábulos ásperos e duros, assim como se deve evitar a
repetição dos mesmos sons e tudo quanto, na disposição das
palavras e no arranjo do período, prejudique o andamento
rítmico e melódico.
A forma literária terá unidade, se as partes componentes
estiverem sujeitas ao mesmo tom geral e uniforme de estilo e
linguagem. Assim como todos os pensamentos devem estar
ligados logicamente para formarem um todo moral, da mesma
forma os elementos externos (palavras, frases, figuras e tropos)
devem ligar se num todo artístico. Uma carta, um conto, um
folhetim, um poema, um discurso nunca serão um modelo do
género, se, desde o princípio ao fim, não estiverem unidos por
uma concatenação lógica de ideias, e se, na mesma
composição, entrarem estilos diferentes.
Por conveniência, entende se a adaptação perfeita do estilo
ao assunto, às circunstâncias de tempo ou de lugar e às
pessoas. É necessário que se mantenha o equilíbrio entre o
fundo e a forma, entre o termo e a ideia. Peca contra a
conveniência que usa a linguagem familiar com superiores,
jocosa em assuntos graves, folgazã em circunstâncias tristes,
vulgar para ideias nobres, solene e pomposa para futilidades.
Às qualidades apontadas devemos juntar ainda a
dignidade, que consiste no respeito devido às leis que regem
o decoro da palavra. Dignidade não é moralidade; esta
atinge as ideias e os sentimentos, ao passo que aquela alcança
apenas a expressão verbal. Pode ter dignidade de estilo uma
obra profundamente imoral. No entanto, devemos reconhecer
que a natureza do assunto comporta, por vezes, certa rudeza e
realismo. Se devemos evitar o plebeismo e a vulgaridade,
devemos também precaver nos contra o preciosismo ou
delicadeza exagerada.
A ordem é também uma qualidade literária fundamental. A
ordem provém de uma concatenação lógica das ideias, e,
nesse caso, as palavras dispor se ão naturalmente, de forma
que dêem a conhecer a clareza dessas mesmas ideias.
Para terminarmos estas breves considerações, resta nos
dizer que todas as qualidades da linguagem, a que aqui se faz
referência, devem ser cultivadas e respeitadas de maneira que
o estilo não perca a vivacidade e o colorido precisos para
interessar e atrair o leitor. E é nisso que reside a virtude dos
grandes mestres.

Transcrição do 4º capítulo do livro "Linguagem e Estilo", edição Livraria Tavares Martins, Porto, 1942, da Colecção para o Povo e para as Escolas.
Eduardo Pinheiro, professor e ensaísta português, dirigiu, nos anos 40, a Colecção para o Povo e para as Escolas, da Livraria Tavares Martins, Porto.
Este texto foi também publicado no Ciberdúvidas de onde o recolhemos.
(1) Rodeio de palavras ou perífrase.

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Pequena crónica de um desaparecimento anunciado
João Aguiar *

Foi na estrada entre Oeiras e o Cacém, mais precisamente por alturas de Leceia, que senti esta angústia e fiz esta reflexão: será que os nossos trinetos conseguirão falar e escrever o Português sem terem de frequentar um curso de línguas mortas?
Tanto a angústia como a reflexão surgiram pouco depois de eu ter passado junto àquele novo e enorme complexo destinado à instalação de serviços, construído com o empenhado apoio da Câmara de Oeiras e a que foi dado o nome de "Tagus Park". Enquanto seguia na direcção do Cacém, ia me perguntando: mas porquê Tagus e porquê Park? O que haverá de fundamentalmente errado em"Parque Tejo"?
Distracção minha, está bem de ver. No regresso a Oeiras, ao passar novamente pelo parque perdão, pelo park a resposta brotou me, clara, no espírito. O que há de errado é que Parque Tejo é português, pelo que não confere aquele toque especial de distinção capaz de atrair as empresas, os seus gestores e a sua clientela. Pela mesma razão, o País está hoje salpicadíssimo de Shoppings em vez de ter centros comerciais; pela mesma razão, uma gasolineira dotou os seus postos de venda com um cómodo sistema de Self Serve, expressão que, além de ser mais distinta do que um vulgar "auto serviço", tem ainda a particular virtude de não fazer o mínimo sentido nem em Português nem em Inglês.
E foi, sem dúvida, pela mesma razão que aquele jovem e brilhante gestor de empresa a quem há tempos eu explicava que, por vezes, quando tinha trabalhos simultâneos entre as mãos, alternava a execução para descansar a cabeça, comentou abanando sapientemente a sua própria (cabeça): "Compreendo muito bem: você faz o shift".
Aí está: eu fazia o shift. Dificilmente uma língua resistirá a esta atitude, hoje consagrada e colectiva, mesmo se essa língua teve um Camões ou um Vieira , até porque esses e os restantes, se cá voltassem, já mal se entenderiam nela.
Atente se que não sou contra o neologismo afinal, ele é o sangue novo de que um idioma por vezes necessita. O neologismo, porém, há de ter uma lógica e uma justificação e há de, sobretudo, ser o resultado de uma assimilação. Fazer o shift, render se servilmente aos maneirismos de outra língua e às suas designações, elaborar apenas a síntese da asneira mesmo em sistema de self serve não é introduzir verdadeiros neologismos. Ou, pelo menos, não é introduzi los de forma escorreita e aceitável.
Há aqui, evidentemente, uma boa dose de incultura, que é o mais importante factor de vulnerabilidade e fragilidade de uma língua.
Mas há também, e sobretudo, um grande desamor. O que é particularmente grave, porque sobretudo num povo e num país como os nossos na língua reside boa parte da identidade. Desamor à língua é desamor a nós mesmos. E não vale a pena culpar o Governo. Ou antes: vale sempre a pena, porque os Governos existem para isso (se não servissem para desabafarmos, que real utilidade teriam?), mas não será muito útil. O Governo pode fazer e deveria fazer muito mais pela defesa da nossa língua, mas não deve e nem sequer pode instituir por decreto o amor dos Portugueses ao Português.
Daí que, tendo em conta o que se ouve e o que se vê o Tagus Park é um mero grão no areal deste meu descontentamento... , eu pergunto: será que os nossos trinetos ainda falarão português e não uma forma qualquer de crioulo americano?
Pergunta que de modo algum é feita com simples intenção retórica. E a quem pensar que eu exagero, respondo apenas: We shall veremos, my frendes, we shall veremos.

14/03/1997

* jornalista e escritor português nascido em Lisboa, em 1943. Autor, entre outros romances de "A Voz dos Deuses", "O Homem Sem Nome", "O Trono do Altar", "Os Comedores de Pérolas" e "Inês de Portugal".

(Este texto foi trancrito do Ciberdúvidas)

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Do "THE WALL STREET JOURNAL".

 ACÇÕES DA INTERNET PRESTES A REGREDIR?

Euforia de investidores e subida das acções não vão durar sempre.

Se está à espera da explosão do preço das acções das empresas da Internet, veja de mais perto: de muitas formas, isso já aconteceu várias vezes. Apesar da juventude do sector, a Internet já viu algumas chamas perderem o brilho, como a Spyglass, pioneira entre os "browsers" da rede, e a Compuserve, que em determinada altura liderou os serviços de Internet da America Online.
De facto, um impressionante número de accões da Internet já foram enterradas e esquecidas. Mas foram obscurecidas pelo espectacular comportamento de algumas firmas com espírito ganhador. A licão? A actual mania da Internet pode não dar apenas uma explosão, mas várias. De facto, muitas vão dar o estoiro, ao mesmo tempo que outras ganharão força numa indústria cujas constantes mudanças elevam vencedores e eliminam perdedores.
Por certo, o enorme avanço das accões da Internet, com poucos lucros ou vendas para suportar essa alta, vai levar à existência de significativas correccões a qualquer momento. Se o índice da Internet da Bolsa de Chicago caísse hoje em 50 por cento, o seu valor ainda seria o dobro do de há um ano.
Como frisa Byron Wien, estratega de investimentos da Morgan Stanley Dean Witter, quando for feita a correccão a mesma será feita a níveis mais altos que os de hoje.
"É um mercado de momento. As pessoas compram as acções que estão a subir. Enquanto o mercado se mantém hospitaleiro, o que já está a correr bem continua a subir."
Na sexta feira, o índice industrial Dow Jones subiu 77,5 pontos, ou 0,8 por cento, para 9358,33. alta de
238 pontos na semana. E o índice Nasdaq, o que alberga a maioria das acções de Internet, ultrapassou os 2500 pontos pela primeira vez, fechando a 2505,89, o que representa uma alta de 1,15 por cento.
Afinal de contas, algumas empresas da Internet vão emergir com mais valor ainda do que hoje, e a maioria terminará na mó de baixo dos anais da história.
"Quase toda a grande indústria nos Estados Unidos foi construída com o suporte da mania de Wall Street: os canais no início dos 1800, as linhas férreas, os automóves, as aeronaves e, ultimamente, os computadores", frisa Roger McNamee, sócio geral da Integral Capital Partners, empresa de investimentos especializada do ramo tecnológico. "O resultado é que um enorme número de empresas que alinham nessa "mania" não vão lá estar quando a indústria se tranformar numa força fulcral da economia."
Os sinais já se podem vislumbrar. Bill Burnham, analista de comércio electrónico no Credit Suisse First Boston, examinou o desempenho de 12 empresas da Internet que procederam à sua primeira oferta de acções em 1996, quando a euforia por acções do sector era idêntica, embora menos radical que a de hoje.
"Essas empresas tiveram que suar para cumprir as promessas de desempenho feitas nos bons tempos de 1996", referiu Burnham no seu relatório de Dezembro.
A conclusão é que muitas foram votadas ao fracasso. Até sexta feira, seis entre 12 das referidas empresas estavam abaixo dos seus preços de oferta pública de acções, e sete tinham preços mais baixos que no primeiro dia em que foram negociadas, normalmente a primeira hipótese de o investidor médio comprar as acções.
Burnham também concluiu que as mais espectaculares ofertas públicas de acções das empresas de arquivo de software electrónico Edify e da vendedora de softwares de Internet Open Market, as quais dobraram no primeiro dia se posicionaram entre as "piores comportadas". A E*Trade Group e a Broadvision, por outro lado, cairam nos primeiros dias, mas ambas quintuplicaram os ganhos. Burnaham conclui que as cotações dos primeiros dias criam geralmente expectativas que são, na sua maioria, impossíveis de ser aingidas.
Por seu turno, a análise da Piper Jaffray de 86 ofertas públicas de accões relacionadas umas com as outras, parte das quais são do início dos anos 90 e 80, concluiu que até 13 de Janeiro estavam a ser negociadas a um preço mais baixo do que quando foram lançadas. O comportamento médio da bolsa era, simplesmente, tão bom como o da média da Nasdaq.
O rápido crescimento e a queda das acções da Internet simplesmente reflectem o sector. "As coisas movem se com celeridade na Internet", afirma Michael Moe, director para a valorização das acções na Merrill Lynch. "Algo que hoje parece morto pode mudar por completo amanhã." McNamee garante que, "se pensarmos em 1996, tudo o que sabíamos sobre a Internet naquela época acabou por não ser verdade. Na altura pensávamos que os "browsers" seriam super importantes e que os fornecedores de acesso à Internet estavam, de facto, valorizados. Hoje já sabemos que as suas portas de acesso, como o Yahoo!, são os melhores negócios. A minha opinião é que daqui a dez anos essa conclusão vai também ser arremessada pela janela."
A Spyglass Inc. é, com frequência, identificada com a concepção do primeiro "browser" . Quando abriu o capital em Junho de 1995, as suas acções eram cotadas a 8,50 dólares cada (1.491 escudos). As acções da empresa chegaram a 60,50 dólares (10.612 escudos) naquele ano, atribuindo à Spyglass um valor de mercado de 700 milhões de dólares (122,8 milhões de contos) e caindo abaixo dos cinco dólares (877 escudos) há um ano. A empresa está a tentar a reviravolta, mas continua a perder dinheiro. As suas acções fecharam a 12,56 dólares (2.203 escudos) na sextafeira, e estavam a ser transaccionadas a 11,06 dólares (1.940 escudos) a meio do dia de ontem.

(Do "The Wall Street Journal" e publicado no "Público" de 2 de Fevereiro)

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Para nós, publicitários, a solidariedade tem muita importância. E não estou a referir me aos que atribuem aos sentimentos de solidariedade valor primordial. Valores que, cada vez mais, vale a pena defender, etc., etc. Refiro me a aspectos mais "terra aterra", ou melhor...mais interesseiros. A grande maioria das participações dos publicitários em campanhas de solidariedade são "ofertas" mas a verdade é que elas (as campanhas) desempenham uma grande oportunidade de "negócio". Passo a explicar: é na criação e produção deste tipo de campanhas que as agências e produtoras, livres dos condicionalismos do marketing, do cliente, podem brilhar pela originalidade das soluções criativas e de produção. É ou não verdade que a grande maioria dos prémios ganhos em concursos internacionais são no com peças produzidas para estas campanhas? E prémios são divulgação. É publicidade. Não é por acaso que por cada prémio ganho as agências publicam grandes anúncios a divulgar o "feito". E já agora (há que aproveitar!) anúncios onde raramente é referida a produtora que trabalhou "à borla" para já não falar de actores, técnicos, locutores, modelos, etc. que cobraram a mesma coisa: nada! Claro que há excepções e a essas agências os nossos agradecimentos!
Para lançar achas para a discução leia "Histórias da Publicidade"

Solidariedade vale 70 milhões
(Texto de Carla Aguiar publicado no DN de 25 de Janeiro)

Nas grandes cidades dos Estados Unidos, os "abrigados" acondicionam a comida antes de a deitarem ao lixo. Sabem que os seus restos serão a refeição de alguém. É um pequeno gesto de respeito.
Mas a solidariedade organizada é feita de muito mais do que pequenos gestos. É cada vez mais um gigantesco mercado, que movimenta milhões de contos e emprega milhares de pessoas, num circuito onde a singela caridade deu lugar a um universo complexo onde há, regras, candidaturas, burocracias, marketing, contas e acções de fiscalização.
Em Portugal, o circuíto formal da solidariedade movimenta qualquer coisa como 70 milhões de contos por ano, se atendermos apenas às transferências que as instituições particulares de solidariedade social (IPSS) recebem do Ministério da Trabalho e da Solidariedade para fazerem o trabalho que o Estado não consegue assegurar. Gerir infantários, lares de idosos, de doentes, deficientes, apoiar famílias pobres, toxicodependentes, etc.
A esta contabilidade há ainda a acrescentar os financiamentos autonomamente obtidos pelas organizações ao abrigo de programas comunitários e internacionais. Bem como o incalculável valor da solidariedade anónima de particulares e empresas que respondem a peditórios e campanhas de angariação de fundos para acudir às mais variadas causas. Na rua, à porta de casa, por telefone, rádio ou televisão.
É um universo próprio que cresce à medida que surgem novas realidades (ou novas formas de as encarar) como o desemprego, a toxicodependência, a violência, a sida. E à medida que, embora lentamente, vai vingando a ideia de que, "se os ricos não tratam dos pobres, são os pobres que "tratam" dos ricos".
É neste contexto, muito europeu, de preocupação com a exclusão social que se dá, por exemplo, a transformação do Ministério do Emprego e Segurança Social em Ministério do Trabalho e da Solidariedade. E que se adoptam instrumentos de combate à pobreza já implementados noutros países, como o rendimento mínimo garantido, ou as empresas de inserção, com incentivos fiscais para a contratação de desfavorecidos. O mercado humaniza se um pouco e abre se, à força, um espacinho para os desadaptados. Até o fisco incentiva o mecenato social, com deduções até os 140%.
Acompanhando as necessidades, as IPSS têm crescido substancialmente nos últimos anos. Hoje existem 2850 entidades activas com acordos de cooperação com o Estado, se bem que estejam registadas 3220.
E se, em 1986, empregavam 16 mil trabalhadores, são hoje responsáveis por 51 mil postos de trabalho, segundo dados fomecidos ao DN pela União das Instituições Particulares de Solidariedade Social. Uma dimensão de tal manera expressva que se, por absurdo, os desfavorecidos desaparecessem de um dia para o outro a taxa de desemprego seria agravada em cerca de 20 %.
Todos os anos o Estado reforça substancialmente as verbas para acção social, que este ano totalizam os 130 milhões de contos.
Olhando apenas para os números dir se ia que Portugal é muito solidário. Olhando se só para as desigualdades por resolver concluir se ia o contrário. Não há métodos eficazes de medir a solidariedade, pois, como diz o sociólogo Alfredo Bruto da Costa, "a medida depende do grau de tolerancia de cada sociedade às desigualdades".

(Texto de Carla Aguiar publicado no DN de 25 de Janeiro)