Inovação na publicidade
LONGE de se limitar apenas a alterar o consumo televisivo e a lógica de fazer televisão, o digital terrestre vai também ter influência no mercado publicitário.
Há quem defenda que à lógica da publicidade dos canais comerciais sucede a lógica da assinatura. "A publicidade desses canais é sempre residual porque quem paga não está interessado em ver publicidade", considera Nuno Cintra Torres, consultor da TV Cabo. Um dos caminhos a segur para encontrar novas formas de financiamento passa pelo recurso ao patrocínio e à publicidade interactiva. "Fazer concursos ou jogos que decorrem paralelamente à emissão de um determinado programa", exemplifica. Uma coisa é certa: "As receitas dos operadores com origem na publicidade clássica tradicional terno tendência para descer e as receitas com origem na comercialização de produtos em consequência da publicidade interactiva tenderá a subir, assim como as receitas das assinaturas."
Os dados relativos à evolução do mercado publicitário televisivo são, a este respeito, bastante reveladores. Em l991, último ano em que a RTPI e a RTP2 fizeram o panorama televisivo, o mercado valeu 32,2 milhões de contos, com o primeiro canal a recolher a maior fatia de investimento (30 milhões de contos), enquanto o segundo canal ficou com uns modestos dois milhões de contos. No ano seguinte, ainda só com a SIC na jogada, os investimentos publicitários cresceram até aos 44,5 milhões de contos de acordo com os dados Publitex/Scanpress fornecidos pela Tempo OMD. E. desde essa altua, a tendência do mercado tem sido crescente, com a RTPl a não conseguir acompanhar o crescimento da SIC, que acaba por se distanciar dos restantes canais. No ano passado, o mercado televisivo valeu cerca de 190 milhões de contos, tendo a SIC sido responsável por quase metade (85 milhões de contos), seguida pela RTPl com 59 milhões de contos e a TVI (45 milões de contos)
Televisão sem publicidade
Certo de que a assinatura não é suficiente para financiar os novos canais Luís Ribeiro. presidente da Telepac, sugere novas fontes de receita ainda por explorar em Portugal, mas que já têm provas dadas noutros países.
"Por exemplo, a partir do momento em que há a "web TV" e que a pessoa encomenda uma pizza, há um percentual dessa pizza que há de ir para o produtor de televisão, uma vez que a pizza foi vendida sem quaisquer custos para o produtor, em termos de serviço e de atendimento", explica. Apesar de apoiar o recurso a formas inovadoras de fazer receitas, o presidente da Telepac não põe de parte a publicidade no "pay TV". Até porque, adianta, "se o espectador quer ter um canal temático, e quer que esse canal seja cada vez melhor em termos de qualidade, vai ter que estar preparado para a lógica de economici dade desse canal".
Porque, se assim não for, em vez de 16 horas de programação passará a ter apenas, por exemplo, dez. Contra a voz corrente, Luís Mergulhão , presidente da Tempo OMD, considera que "as televisões generalistas não vão perder audiência nem investimento publicitário para os novos canais".
Em relação às audiências, Nuno Cintra Torres defende que a lógica também se vai alterar. Nestes canais os rúveis de "share" não são o mais importante. Porque, frisa, "o que interessa é que as pessoas paguem a assinatura e se mantenham fiéis a pagá la. Não são canais que vivam da publicidade". Lus Ribeiro sustenta que "o conceito de audiência e a forma como se associam vai mudar. Se não muda mais depressa é porque as agências ainda não perceberam que é preciso ter outras maneiras de medir o impacto da televisão sobre as pessoas. Porque a introdução da assinatura prejudica o conceito de audiência tal como o conhecemos".
CN/IV ("Expresso")
Se Dante tivesse sido publicitário
Texto de Carlos Quevedo no "Diário de Notícias"
Não tem nada de novo afirmar que, com frequência, a publicidade que vemos pela televisão é superior aos própnos programas. Não escondo (raio de expressão esta) a minha admiração por essas possoas que, sentadas à volta de uma mesa, procuram uma maneira delicada, nem sempre conseguida, de promover um penso higiénico, um medicamento para as hemorróidas ou uma solução definitiva para o mau hálito. E olhem que não desmereço as soluções clássicas e ligeiramente cobardes, como personificar o consumidor numa gaja muito boa enquadrada num grupo social estupidamente feliz e de quimérico poder aquisitivo.
Mas, enfim, não me compete cantar as glónas dos publicitários. Aliás, não necessitam de mim para nada. Sei que serei mais útil no outro lado da trincheira, ajudando com a minha pena a corrigir certos erros produto do excesso de imaginação e cafeína.
Lembro me, há já alguns anitos, de uma publicidade de um chocolate onde crianças e adultos viajavam entediados num comboio. Em certo momento começam a comer o tal chocolate, cujo nome não quero lembrar me, e pumba, tudo se toma uma maravilha em multicor disneylandiano. Não era necessáno ser arrumador de carros para associar os efeitos do sem dúvida delicioso chocolate com sintomas alucinógenos. Nem a DECO nem, sobretudo, as maravilhosas associações de telespectadores tão preocupadas com o sexo e a violência deram por nada. Como é natural, desembaínhei o meu Word.3 (era o que tinha na altura) para abnr os olhos dos pais, dos filhos, da sociedade civil em geral, das autoridades competentes, em particular. Foi em vão? Talvez. No entanto, depois de quase um ano de constante transmissão do toxicodependente spot, foi, finalmente, retirado dos nossos ecrãs. Enfim, pequena vitória do quinto poder do meu Word.3.
Agora mais uma vez tenho de brandir a minha espada (agora um Window 95, modificado por um amigo que sabe muito de computadores, videos e telemóveis).
O anúncio em causa não incita, pelo menos directamente, ao uso de drogas, nem explora cnançinhas, nem atenta contra a dignidade da mulher, nem se serve do sexo para convencer o consumidor das qualidades do produto.
A sua característica é de ser o anúncio mais irritante dos últimos tempos.
É assim: plano de um pianista. Rapidamente percebemos que estamos num café, talvez no Porto. Os clientes estão todos muito vestidinhos de quadro médio de empresa. Vemos o empregado de mesa a fazer o seu trabalho. Ao ir de mesa em mesa ouve fragmentos das conversações dos clientes. Todos eles, à ganância, falam das facilidades e ofertas dos serviços de um Banco, o BPI, para ser exacto. Não sei se posso mencionar o nome do banco. Mas caso assim não for, espero ser prudentemente censurado.
Que a taxa de crédito, que o sorteio, que a anuidade grátis... e todas essas coisas normais que os bancos oferecem. Imaginem o pesadelo da cena. Quarenta pessoas a falar do dinheiro que podem sacar. Pior ainda, se alguém está a tomar um café com amigos e fala da quantidade de balcões que tem um Banco, só pode incitar ao homicídio. Esse ambiente de avareza e deslumbramento monetáno é realçado com a pouca profissional coscuvilhice do empregado, que, exultante, termina por dizer para a câmara `"Nunca vi isso!".
Todos as personagens são um monumento ao aborrecimento e à chatice. E o anúncio, além de ser exasperante, parece um recrutamento de candidatos ao Quarto Círculo do Infemo de Dante, onde vão parar os avaros e os gananciosos.
Embora, se fosse isso, tivesse tido alguma graça. Se calhar, certa obscena sinceridade nele é aquilo que nos agasta.
Bem, se tivesse sido feito com criancinhas, marginais ou à beira de uma piscina, talvez não tivesse o efeito pretendido. Mas teria tido graça. Ao menos isso.
Texto de Carlos Quevedo no "Diário de Notícias"
DoubleClick viola privacidade
(Diário de Notícias")
Uma cidadã americana da Califórnia apresentou queixa contra a DoubleClick, acusando esta empresa de publicidade online de recolher e vender ilegalmente informações pessoais relativas a consumidores.
O processo foi entregue no Tribunal de Marin County em nome da "população em geral da Califómia", de acordo com um comunicado emitido pelo escritório de advogados da queixosa, Harriet M. Judnick, e divulgado pela CNN.
De acordo com esse comunicado, a DoubleClick utiliza cookies para identificar os cibernautas, aos quais"segue o rasto" na navegação na Internet, ou seja, o tipo de sites
que visitam.
A empresa localiza assim os utilizadores e regista informações por eles transmitidas aos sites que visitam, como o nome, a morada, as preferências de comércio electrónico e até certo tipo de dados de carácter financeiro. Estes gestos, no entanto, são feitos à revelia de autorização do visado.
Um cookie é um pequeno programa a que corresponde um número de série único que é "deixado" pelo cibernauta nos sites por onde vai passando. Os operadores de Internet podem localizar e seguir o percurso destes números de forma a registar o comportamento online do cibernauta.
Segundo Harriet Judnick, a DoubleClick, após ter comprado há cerca de um ano a Abacus Direct (uma empresa de marketing
directo), tem combinado a tecnologia de cookies com as informações de consumidores de forma a recolher e cruzar esses dados sem o seu conhecimento ou consentimento prévio. A queixosa alega ainda que a DoubleClick enganou o público ao afirmar que não recolhia informações capazes de colocar em causa a sua privacidade.
Harriet requereu ao tribunal que fosse imposta uma providência cautelar à DoubleClick, de forma a impedi la de continuar a recolher informações sobre cibernautas.
Por outro lado, vai exigir ainda que a empresa forneça aos lesados os meios necessários para a destruição de todas as informações que já foram recolhidas.
A privacidade dos cibernautas tem sido uma questão sensível nos últimos meses. O ano passado, recorde se, a Real Player foi acusada, num processo semelhantes, de recolher informações acerca do perfil dos utilizadores do seu software Real
Jukebox (que permite fazer downloads de músicas) sem o seu consentimento prévio.
(Nota: o portal português "O Portal" só autoriza que você lá "entre" se estiver disposto a aceitar os cookies que lhe instalam no seu computador. Nem de propósito, leia o texto seguinte)
CNPD EDITA BROCHURA SOBRE OS DIREITOS DOS CIDADÃOS
Proteger os dados pessoais
Os dados pessoais de cada um de nós só podem ser tratados e transmitidos a terceiros com o consentimento do próprio. Eles não poderão ser utilizados para uma finalidade diferente daquela que motivou a sua recolha e deverão ser adequados e pertinentes em relação aos fins para que foram recolhidos. Estes e outros direitos que assistem a todos cidadãos na protecção dos seus dados pessoais estão explicados numa brochura que a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) agora editou e que estará disponível em locais de atendimento ao público. Esta é uma questão particularmente pertinente para todos os utilizadores da Internet, que cada vez mais são alvo da recolha "on line" de dados pessoais, muitas vezes sem o respeito pela devida protecção.
Intitulada "A protecção dos seus dados começa em si!", a brochura aconselha os cidadãos a exercerem sempre o direito de informação (sobre a finalidade da recolha dos dados), o direito de acesso a todos os dados que lhe digam respeito , o direito de rectificação (de dados incorrectos ou desactualizados) e o direito de oposição (ao tratamento dos dados, nos casos em que a lei o permite) previstos na Lei de Protecção de Dados (Lei 67/98, de 26 de Outubro), disponível no sítio da CNPD na Web, em http://www.cnpd.pt
.
A brochura da CNPD lembra que o cidadão "tem o direito de aceder a todos os dados que lhe digam respeito, bem como conhecer a finalidade do tratamento desses dados". Tem também "o direito de exigir que os seus dados sejam exactos e actuais, podendo solicitar a sua rectificação". Além disso, "tem o direito a ser informado da finalidade da recolha dos seus dados, da identidade do responsável pelo tratamento, a quem se destinam, se a resposta é obrigatória ou facultativa e as condiçóes em que pode exercer o direito de acesso e o direito de rectificação".
"Pretendemos, com esta iniciativa, que as pessoas conheçam os seus direitos e fiquem assim mais habilitadas para o seu pleno exercício", explica a Comissão num comunicado. A brochura é, aliás, a primeira de um conjunto de edições destinadas a divulgar a questão da protecção dos dados pessoais. A CNPD é um organismo independente, que funciona junto da Assembleia da República e cuja missão é "controlar e fiscalizar o tratamento de dados pessoais, em rigoroso respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades e garantias consagradas na Constituição e na lei".
"Sempre que considere que a protecção dos seus dados pessoais não está garantida", diz a brochura, "deve apresentar queixa junto da Comissão Nacional de Protecção de Dados, por carta ou por correio electrónico" através do endereço geral@cnpd.pt. A sede da CNDP é na Rua de S. Bento, 143 3Q 1200 821 Lisboa.
(Texto transcrito do "Público")
Vírus antigos continuam a atacar
Uma análise dos vírus mais comuns em 1999 mostrou que apesar de ter crescido a ameaça de novas estirpes que se autopropagam, como o Melissa, continua a haver ataques de vírus antigos. Um deles, o Form, que afecta o sector de arranque (boot) da máquina, continua a aparecer nos "dez mais", apesar de já existir há dez anos.
O estudo, divulgado esta semana pela BBC Online, foi desenvolvido pela Sophos, uma empresa de software antivirus, com base nos milhares de pedidos de ajuda recebidos ao longo do ano. Na lista dos "dez mais", o primeiro lugar é ocupado pelo Laroux, um programa detectado em 1996 que infecta ficheiros Excel, e o segundo pelo Ethan, que ataca documentos do Word da Microsoft.
Os três vírus com capacidade de se autopropagar através de e mail, o Ska Happy 1999, o Melissa e o ExploreZip, ocupam respectivamente o quinto, sétimo e décimo lugar e o seu problema destes vírus reside precisamente nesta capacidade, que lhes permite propagar se em dias ou meses.
Os vírus mais antigos, no entanto, continuam a constituir uma ameaça importante. "Alguns tornaram se tão comuns que nunca serão extintos arranjarão sempre forma de infectar uma disquete", afirmou Grabam Cluley, consultor da Sophos. Por outro lado, "as pessoas podem estar conscientes das últimas novidades, mas é difícl mantê las alerta para velhas ameaças".
De acordo com especialistas, 2000 será o ano dos chamados vírus hoax, ou seja, e mails, alertando para ataques que, na verdade, não passam de falsos alarmes, mas acabam por gerar confusões. "De certa forma são piores que os verdadeiros, pois geram verdadeiras tempestades de correio electrónico", afirmou Cluley.
Estes falsos alarmes, aliás, provocam grande ansiedade aos utiliadores de Internet. "Recebemos muito mais pedidos de informações sobre um hoax de um jogo relacionado com o Pai Natal do que de ataques causados por vírus verdadeiros."
(Texto transcrito do "Diário de Notícias"
Pivô virtual dá notícias "on line"
(Ricardo David Lopes "Diário de Notícias"
A primeira apresentadora virtual de noticiários vai nascer este ano, por alturas da Páscoa. Ananova uma mistura de Posh Spice, Kylie Minogue e Carol Vorderman, estará nos nossos PC e telemóveis a dar conta das últimas notícias, o que, a avaliar pelo aspecto gráfico da figura, terá certamente um gostinho especial.
Na verdade, por trás da beleza exótica de Ananova estará um computador capaz de actualizar, na Internet, todas as notícias, mais depressa do que qualquer jonalista e a qualquer hora do dia, criando simultaneamente a imagem tridimensional da apresentadora.
A imagem da pivô, criada pela PA New Media, uma empresa britânica fornecedora de noticiários para vários sites de informação possui, de acordo com responsáveis da empresa, o perfíl desejado pela maior parte dos cibernautas. Com 28 anos de idade, Ananova, uma "rapariga urbana", mede 1,73m e adora os Simpsons e os Oasis. Se quer conhecê la um pouco melhor, passe pelo site a partir de onde a iniciativa é divulgada: www.ananova.com. Nesta morada, além de ver Ananova pode fazer pesquisa de notícias e inscrever se de forma a receber em casa actualizações sobre os assuntos que Ihe interessam mais. Por outro lado, os utilizadores vão poder interagir com Ananova (apesar de não ser explicado em que termos se processará esta interacção...) e as suas bases de dados, de forma a encontrar facilmente as notícias sobre as temáticas desejadas.
A ideia, de acordo com a PA Media, vai "transformar a distribui,ção de notícias". "Trata se do produto mais excitante que já desenvolvemos", afirmou à BBC Online Mark Hird, o director da empresa. "Será também aquele que vai ter consequências mais abrangentes em todo o nosso negócio», acrescentou.
Não é difícil de acreditar. Ananova será, de facto, uma revolução até porque o suporte em que vai "trabalhar", a Internet, é também o media do futuro. "Vamos trabalhar com notícias e informação de forma instantânea, convertendo os dados ou os textos em áudio, ao mesmo tempo que criamos os gráficos animados em tempo real de Ananova a apresentar um noticiário", explicou.
Adivinha se um futuro risonho para Ananova e os seus criadores. Se todas as apresentadoras fossem assim, uma mistura de vários ideais, os telejornais teriam audiências ainda mais elevadas. No entanto, neste caso, como em tudo, há o reverso da medalha: imagine se o que seria de dezenas de profissionais se, de repente, a moda pegasse...
(Ricardo David Lopes "Diário de Notícias")
(Nota prévia: experimente substituir, no interessantíssimo artigo do Ruben de Carvalho, a palavra "notícia" por "peça publicitária" e "trabalhadores do leste" por "brasileiros" e "recém formados" e terá um artigo, também interessantíssimo, sobre publicidade)
Quinze zeros
(Ruben de Carvalho "Diário de Notícias")
A leitura de variados jornais e revistas, o acompanhamento de diversos canais de televisão ou a audição de diferentes rádios provoca frequentemente reacções inteiramente contraditórias.
Por um lado, tem se a sensação de viver num círculo único de acontecimentos, repetidamente abordados pelos diferentes medias, quase só com as diferenças que Ihes impõem ou proporcionam as suas características técnicas ou os padrões ideológicos e políticos que globalmente os enformam.
De há muito que na América se chama a atenção para este problema. Dwight MacDonald produziu sobre ele clarividentes observações há mais de meio século, escrevendo que o problema acabava por não ser fundamentalmente as ideias que os mass
media transmitiam sobre os factos, mas sim a escolha dos factos sobre os quais transmitiam ideias. Mas é igualmente verdade que a multiplicação de órgãos informativos e de diversão forçam a procura de assuntos, mesmo que por vezes a sua importância se meça apenas no facto de poderem ser um elemento de concorrência.
Dir se á que é deformação profissional, mas assumo a condição de leitor compulsivo de imprensa. E a verdade é que, mais até do que o conhecimento deste ou daquele facto, a acidental consulta de uma publicação habitualmente sacrificada às imposições do tempo (e do dinheiro...) me proporciona com frequência fascinantes revelações iluminadas por reveladores contrastes.
Em todo o mundo ocupou lógicas prmeiras páginas a noticia da fusão da AOL com a Time Warner, um negócio que movimentou a dificilmente imaginável quantia de 70 mil milhões de contos e abre caminho ao aparecimento da maior empresa da área, com um peso determinante no desenvolvimento da Internet e do cruzamento das indústrias de telecomunicações, informação e diversão.
Naturalmente, a dimensão do sucedido não se mede apenas em cifrões: estão em causa questões de ordem científica e tecnológica (definição de padrões, estratégias de desenvolvimento e também seguramente progressos), políticas e culturais (controlo de redes e fornecedores, definição e uniformização de conteúdos), militares, profissionais e muitas outras.
No mesmo dia em que os srs. Steve Case e Gerald Levin anunciaram em Nova York o evento, uma revista portuguesa, a Focus, publicou uma interessantíssima reportagem onde se revela a existência em Lisboa, no Campo Grande, de uma perfeita "praça de jornas" que Soeiro Pereira Gomes poderia descrever quase com as mesmas palavras que usou nos anos 40 para narrar a contratação dos operários agrícolas pelos latifundiários alentejanos.
Há engajadores, carros que chegam para levar os trabalhadores contratados à hora para obras de construção civil, total ausência de legalidade, de controlo, exploração desenfreada, manipulação das dificuldades linguísticas.
Há ainda mais um pormenor: muitos desses trabalhadores são originários de países do Leste, têm formações técnicas como piloto de aviões ou engenheiro químico. Trabalham como pedreiros, abrem valas e podem ganhar 650 escudos à hora oito horas por dia. Quando recebem.
Depois, entretive me a verificar que 650 escudos precisa de três zeros e 70 mil milhões de contos de 15. E, apesar de ir enviar esta crónica através de um precioso e:mail, fiquei com a certeza de que vale a pena reflectirum pouco mais sobre isto.
Ruben de Carvalho escreve neste espaço às sextas feirasRubencarvalho@mail telepac pt
O Futuro da INTERNET
Um "bug" para a história
O esqueleto no armário da indústria informática. O "bug" 2.000 não devia ter existido
O CAIR do pano do século XX, marcado pelas conquistas do átomo e do Espaço, o "bug do ano 2000" entra para a História lembrando que a Humani dade continua a cometer erros
O tremendo esforço feito a nível mundial no último ano e meio permite encarar com alguma confiança o que se vai passar na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro, quando os relógios digitais mudarem ou quatro algarismos da data e durante um segundo, exibirem 01.01.2000, 00:00:00.
Confiança que custou biliões de dólares a obter se e que ainda assim não é suficientemente tranquilizadora: em Portugal, dois ministros estarão de piquete durante as horas críticas e por todo o lado haverão técnicos e responsáveis de telemóvel em punho, seguindo minuciosamente toda e qualquer discrepância nos sistemas informáticos de que dependemos em grau cada vez maior.
Parecem postos de lado os cenários mais catastróficos previstos há dois anos, desde os acidentes em centrais nucleares à paralisação das redes de energia, da cegueira súbita dos aviões ao bloqueio dos sistemas financeiros. Essas áreas críticas foram naturalmente alvo de maiores atenções na resolução do problema.
No entanto, a displicência (e a falta de meios) de muitas empresas e o grau de incerteza que permanece mesmo nos sistemas críticos que foram revistos (em áreas como a Saúde, nomeadamente), são garantias de que alguma coisa acontecerá. Mesmo que não seja o pior.
E mesmo que pouco aconteça no momento esperado, o "bug" ficará para a História como um símbolo da fragilidade humana. Não tanto relativamente ao erro original os programadores que reduziram a marcação da data a dois algarismos para poupar memória, numa altura em que os computadores estavam muito longe de serem vitais , mas sim a marcar a negligência de quantos, em seguida e bem avisados, deixaram que o problema se arrastasse, qual vírus a espalhar se por cada sistema que saiu das cadeias de produção da indústria informáhca.
Em finais da década de 50, Robert Bemer era um dos brilhantes jovens programadores de COBOL, a linguagem original do "bug". De início foi responsável pelo formato de dois dígitos, mas depressa arranjou forma de arquivar os quatro dígitos do ano. Mas quer os seus confrades programadores quer os responsáveis da IBM ignoraram o seu "fix" (calão para correcção de "software"). Os Sistemas 360 da IBM, muito populares nos anos 60, podiam ter saído todos sem mácula, mas chegaram ao mercado com o "bug" nas entranhas.
No final da década de 60 a "Big Blue" tinha tornado os dois dígitos num "standard" industrial. Cada computador, cada programa, cada manual, cada técnico de manutenção nos dizia estarmos em 69 e não em 1969. "Era consensual ser essa a forma de programar", diz hoje um porta voz da IBM. "Reconhecemos ter ficado expostos a acções judiciais".
O "mea culpa" devia ser estendido a toda a indústria, porém. A International Standards Organization adoptou a data de quatro dígitos em 1970 e o Pentágono norte americano prometeu adoptá lo em 1974 mas nada aconteceu. Bemer publicou o seu primeiro aviso sobre o assunto em 1971, repetindo o em 1979. "Como acham que me sinto?", declarou à "Time" em Janeiro deste ano. "Tornei a data de quatro dígitos possível e eles lixaram tudo".
A geração seguinte de programadores também forneceu o seu lote de pessoas avisadas. Peter de Jader, um canadiano que entrou para a IBM em 1977, estava no projecto dos Sistemas 370 e informou o "manager" que o computador não trabalharia no ano 2000. Aquele riu se na face do jovem impetuoso e perguntou lhe a idade. "Isso não será problema até teres 45 anos. Descansa, até lá resolvemos o problema".
Não se resolveu. A atitude de displicência deste "manager" da IBM era geral. Nas reuniões e conferências em que alguém puxava o assunto, todos encolhiam os ombros e riam. Era uma piada privada dos programadores.
Uma piada sem graça, afinal, e cuja repercussão custou incontáveis biliões de dólares a minimizar. Que ao menos sirva de lição.PAULO QUERIDO (Expresso)
pquerido@automail.pt