Clara Ferreira Alves
no "Diário Digital"


A Cartilha

Já começou
Clara Ferreira Alves no "Diário Digital"


Já começou : a partir de agora até ao final de Janeiro vão começar a aparecer nos jornais os títulos de notícias sobre os aumentos. Transportes, electricidade e gás, água, comida, bens de consumo, tudo aumenta no princípio do ano, e o ano de 2006 vai ser o ano mais duro de sempre da democracia portuguesa. Não se trata de saber se o regime está em causa, como no PREC ou no período em que civis e militares e partidos de direita e de esquerda disputavam o poder político em Portugal. Trata-se de recomeçar a viver com o nada que temos, o nada que sobrou depois de anos de desperdício e más contas públicas, ausências e fugas de primeiros-ministros e esperanças e capital humano perdidos. Trata-se de recomeçar a viver depois de anos de indecisão e maus gastos.
Entretidos que temos andado com as sucessivas eleições, com a desinformação grosseira da realidade em que se tornou o noticiário político, que cuida do acessório e não do essencial, e com os episódios cómicos da nossa governação, uma vez eleito o próximo Presidente da República fecha-se um ciclo e abre-se outro. Vai haver instabilidade e conflito social, vai haver choro e ranger de dentes.
Portugal está empenhado, no sentido de penhorado, nos próximos anos, e hipotecámos as gerações futuras com um desprezo imenso pelo que vem depois de nós. Se tivesse alguma dúvida sobre as razões pelas quais apoiei Mário Soares como candidato presidencial, elas dissiparam-se no debate entre eles, que Soares claramente ganhou em termos políticos e pessoais, digam o que disserem.
Nada me move pessoalmente contra Cavaco, que reputo pessoa decente e incorrupta, o que não é pouco. Mas, de facto, ele não é um político, e de política nada sabe e nem a quer discutir. A política, para ele, é o exercício da autoridade ou o acordo tácito. O resto é pragmatismo empírico, e chavões sobre desenvolvimento, que conhecemos do tempo do cavaquismo, quando o desenvolvimento era o nosso motor de arranque e Cavaco o seu arauto, como primeiro-ministro. O primeiro-ministro do primeiro «tigre asiático» da Europa.
A verdade é que o modelo de desenvolvimento do cavaquismo, do betão e das auto-estradas ao modelo da Administração Pública, falhou. Graças a ele, e depois à fraqueza de Guterres, e à anedota dos consulados barrosista e santanista, estamos onde estamos. O mais bizarro é que Cavaco continua a falar como se fosse para primeiro-ministro e ainda ninguém o convenceu de que não vai, se for. E se for, vai com o seu partido atrás, que ele despreza. E a sua clientela, o empresariado português, a banca, com as facturas na mão.
O Presidente da República é e tem de ser um político, e um político experiente. Se os portugueses estão convencidos que a única razão que move Soares é a do seu egoísmo e da sua vaidade, e não um interesse nacional (como Alegre quer demonstrar sem conseguir), então merecem Cavaco Silva e a sua vacuidade política e presidencial. Então não perceberam nada do país que temos e somos, e elegerão o seu manequim. Cavaco é um homem de direita com uma visão de direita, incapaz de gerir um dificílima situação internacional e sem nenhum reconhecimento e conhecimento de política nacional, e, mais cedo ou mais tarde, Sócrates e o seu Governo e os portugueses em geral irão dar por isso. Se o elegerem, é porque o merecem.

Clara Ferreira Alves no "Diário Digital"


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