por José António Baço

 



Palmadinhas no rabiosque

Pai e filho portugueses.
Filho - Pai, o que é rabiosque?
Pai - É uma forma carinhosa de falar do rabo.
Filho - Rabo, pai? Como os animais?
Pai - Não, filho. Rabo é o cu...
Filho - Mas cu não é palavrão, pai? O meu amigo brasileiro diz que é...
Pai - No português de Portugal é uma palavra normal. É como dizer bunda. Não há maldade.
Filho - E para que servem as palmadinhas? Os rapazes mais velhos vivem falando em dar "tau-tau" no rabiosque das gajas.
Pai - Ah, filho, isso é uma mania dos rapazes. Eles acham que as mulheres gostam mais do sexo se levarem palmadas no traseiro.
Filho - Hummm... o sexo pode ser bom se tem palmadinhas?
Pai - Na maioria das vezes é...
Filho - Não parece. Pelo menos quando a mãe ameaça me dar umas palmadas no rabo.
Pai - Ora, isso não tem a ver com sexo. Não é a mesma coisa quando se ameaça dar uns sopapos nos putos. Aí é para castigar.
Filho - Se eu sou puto, então sou filho da...
Pai - Não digas disparates. Puto só serve para chamar os meninos. Não vale para as mulheres e as raparigas.
Filho - Mas rapariga não é o mesmo que puta?
Pai - Claro que não.
Filho - O meu amigo brasileiro disse que no Brasil é...
Pai - Precisas deixar de andar com esse brasileiro. Esse totó não conhece a língua.
Filho - Deve conhecer. Ele diz não gosta de língua de veado...
Pai - Qual carapuça!
Filho - ... que não põe uma língua de veado na boca.
Pai - Língua de veado é uma delícia. É um dos nossos doces mais gostosos. Esse brasileiro é um marmelo, só dá calinadas.
Filho - Por falar em marmelo, o que os tapinhas no rabiosque têm a ver com a marmelada?
Pai - Bem... os jovens gostam muito de ficar na marmelada. Às vezes pode acontecer um tapinha ou outro.
Filho - Mas marmelada não é aquilo que vem na lata?
Pai - Também. Mas neste caso é a intimidade entre o casal. Um beijinho aqui, uma mão ali, um apertão acolá... marmelada é o que os brasileiros chamam "dar um amasso".
Filho - Pai, posso pedir um favor?
Pai - Sim, filho. O que é?
Filho - Quero ir para a escola de coreano. Falar português é muito complicado.
É como diz o velho deitado: "Eu, por exemplo, falo o português em dois idiomas".

Histórias de bichas

Talvez o leitor já saiba, mas em Portugal a palavra bicha pode indicar uma inocente fila. É um lugar onde, por estarem à espera, as pessoas têm tempo para conversar ou para ouvir conversas. Os dois episódios que narro a seguir são verdadeiros e mostram as dificuldades criadas pelas diferenças da língua. E o sempre lamentável preconceito.
1. Na bicha do supermercado - Um brasileiro, um bocado espalhafatoso, está próximo do caixa. Mais atrás, um sujeito, com cara de quem quer "levantar uma lebre" (criar problemas), toca no meu ombro e dispara algo assim:
- Já viu? Isto aqui agora é só brazucas. Em todos os lugares há sempre um "fatela" (pessoa sem valor) desses.
Que roubada. Se respondesse, o homem ia perceber o meu sotaque brasileiro. Achei melhor evitar chatices e respondi, tentando parecer um português comum:
- Poissss
Mas o homem estava a fim de "dar ao badalo" (falar). E o tal brasileiro deu uma valiosa colaboração, porque os seus trejeitos efeminados chamavam a atenção. O homenzinho não se continha:
- Está a ver? E agora também vêm os "panascas" todos.
Panasca deve ser uma corruptela de "paneleiro", a palavra mais usada aqui na terrinha para identificar os homossexuais.
Para evitar conversa, mantive a estratégia monossilábica:
- Poissss
Mas o homem, "armado em carapau de corrida" (se achando melhor que os outros), não desistia:
- Esses brasileiros, ainda mais os "larilas" (maricas), deviam ser todos expulsos.
Já farto de tanto besteirol, respondi com o meu melhor sotaque caipira.
- Sim sôr, os brasileiro num presta mesmo.
O homem, com a maior cara de tacho, abaixou a cabeça e finalmente fechou a matraca.

2. Na bicha do banco - A moça, com sotaque mineiro, vai até a caixa e reclama.
- O dinheiro que eu enviei para a minha amiga não chegou.
O rapaz do banco responde.
- Não é possível. Estava tudo certo. Mas, por via das dúvidas, vamos conferir os dados. Qual é o nome dela?
- Maria Emília
- E o apelido?
- Mila.
- Mas é o que consta aqui, Maria Emília Mila. Não entendo por que o dinheiro não chegou.
- Mas o nome dela não é Maria Emília Mila. É Maria Emília Silva.
- Desculpe, mas a senhora acabou de dizer que o apelido era "Mila".
- Sim. O apelido é Mila.
- Afinal, é Mila ou Silva, minha senhora?
- O apelido é Mila. O sobrenome é Silva.
Dispensável dizer que a moça, provavelmente recém-chegada, não sabia que em Portugal "apelido" é o sobrenome da pessoa.
É como diz o velho deitado: "Que 'argolada'. Ou, traduzindo: que mancada".


José António Baço, jornalista e publicitário.

24 - Vão bugiar, senhores deputados

"Vá bugiar" é uma das expressões mais saborosas do português de Portugal. A gente pega fácil. É uma espécie de "vá à merda", mas com alguma sutileza (ou subtileza, como se escreve por aqui) porque não faz referência explícita aos excrementos.
Os leitores brasileiros - em especial os gaúchos - serão capazes de estabelecer uma ligação com a expressão "guerra de bugio". Para os que não sabem, o bugio é um macaco que, quando entra numa briga, defeca na própria mão e atira a porcaria para cima do adversário.
É mais ou menos o que está acontecendo em Brasília, depois que o deputado Roberto Jefferson decidiu abrir a "boceta de Pandora" (calma, sem escândalo, porque é assim que os portugueses dizem "caixa de Pandora"). O Congresso Nacional se tornou palco de uma malcheirosa guerra de bugios. É "trampa" para todo lado. Trampa? Ah... é uma expressão popular portuguesa usada para falar em fezes.
O mais divertido é que um deputado "vai aos arames" com outro (perde a compostura), mas não perde o decoro:
- Vossa excelência é um canalha.
O outro devolve na mesma medida:
- E vossa excelência é corrupto e ladrão.
Não é estranho? Para dizer as piores barbaridades é preciso usar um tratamento respeitoso. O tipo pode ser canalha, corrupto ou ladrão, mas tem de ser chamado de "vossa excelência". Excelente.
Aliás, ladrão é uma palavra que os brasileiros usam mal. O sujeito que rouba no baralho é ladrão. O árbitro de futebol que "faz habilidades" (mete a mão no nosso time) também é ladrão. Mas é uma palavra pesada. Essas pessoas não podem ser colocadas no mesmo balaio que um político do mensalão. É injusto. Os portugueses têm expressões mais amenas. O árbitro é gatuno. E quem trapaceia no jogo é "batoteiro" (batota tem uma sonoridade quase lúdica).
Mas por falar em mensalão, o neologismo também entrou para o vocabulário aqui da terrinha. Um dia destes ouvi num noticiário de rádio:
- A PT nega financiamento ao mensalão do PT.
É que o tal Marcos Valério meteu a Portugal Telecom, que os portugueses conhecem como PT, "ao barulho" (pôs na confusão). Pelo que entendi, o publicitário veio a Portugal tentar arrancar uma grana aos administradores da telefônica e, como não conseguiu, acabou por ir ouvir fado e comer um bom bacalhau.
E já que o assunto é esse, vamos torcer para que a história do mensalão não fique "em águas de bacalhau". Ou, traduzindo para o brasileiro, que os culpados sejam punidos e que a coisa não acabe em pizza.
É como diz o velho deitado: "É tiro dado e bugio deitado".
José António Baço, jornalista e publicitário


23 - As idas e vindas da indústria do sexo

Há coisas que se repetem nas viagens que tenho feito entre Portugal e o Brasil. E têm se tornado cada vez mais freqüentes com o passar dos anos. Um fato que chama a atenção na viagem de ida são homens que nitidamente vão ao Brasil para fazer turismo sexual. É fácil reconhecê-los. E nas viagens de volta os vôos estão sempre repletos de mulheres jovens, muitas vezes sozinhas, que vêm para a Europa tentar a sorte (para muitas não passa de um grande azar).
Da Europa para o Brasil - Não é preciso fazer teses de sociologia ou pesquisas de campo para identificar o turista sexual nos vôos. Parece que os sujeitos trazem as intenções escritas na testa. O perfil da maioria é mais ou menos definido. Um dos sinais mais inequívocos é o fato de muitas vezes andarem em grupos, sempre muito alegres. Outro indício é que são homens aparentemente solteiros, ou que deixam as mulheres em casa e vão para a farra. São quase sempre de meia-idade e com níveis de educação baixos para os padrões europeus. Ah... quase sempre têm uns quilinhos a mais e aquela barriguinha protuberante a denunciar a decadência física. Nada ficam a dever aos deuses da beleza, claro.
É uma autêntica "festa" para esses homens. Porque levam os bolsos carregados de euros, uma moeda muito forte se comparada ao real, e isso lhes dá poder de "compra". Ou seja, podem ter as prostitutas que quiserem e, por estarem longe de casa, têm a vantagem do anonimato. E contam com a conivência e mesmo cumplicidade dos locais - donos dos hotéis, agências de viagens ou mesmo o simples taxista -, que sempre podem dar um "jeitinho" de lhes conseguir boa companhia a bom preço.
Do Brasil para a Europa - Dá pena ver certas moças que vêm para a Europa na crença de que estão a ser contratadas para um trabalho decente e que vão ganhar bons salários. Nem sempre é assim (quase nunca no que se refere aos salário). Há aquelas que acabam na prostituição. Umas por livre vontade, outras sem querer. É este segundo caso o mais preocupante, porque indicia o tráfico e exploração de seres humanos.
Muitas vezes essa moças vêm sozinhas, indefesas, com a passagem paga pelos futuros patrões. Pensam que vão ser garçonetes, trabalhar numa indústria ou coisa assim. Mas o pesadelo começa quase sempre da mesma maneira: têm de pagar a passagem com o trabalho e a primeira coisa que os "empregadores" fazem é tirar-lhes o passaporte. O problema é que o trabalho é a prostituição. Há relatos publicados na imprensa dando conta de que essas mulheres chegam a ter de fazer até 15 "programas" por noite.
Os números não mentem. Segundo um relatório da Organização Internacional de Migrações, cerca de 75 mil mulheres brasileiras são prostitutas na Europa. O principal ponto de entrada é Portugal, uma vez que os brasileiros têm certas facilidades para chegarem no país. O tráfico é feito por quadrilhas especializadas em contactar essas mulheres no Brasil e "proteger o investimento" na Europa. Os caras formam verdadeiras máfias que se apossam totalmente das vidas delas. Sem conhecidos, sem dinheiro, sem documentos e ameaçadas de morte caso tentem fugir... só lhes resta aceitar a prostituição.
Turistas sexuais para o hemisfério Sul. Prostitutas para o hemisfério Norte. É a indústria do sexo pela lógica da globalização e da abertura dos mercados. Ou seja, o mais forte fode com o mais fraco.
É como diz o velho deitado: "Parece que para os poderosos do mercado a dignidade humana é mercadoria sem nenhum valor".
José António Baço, jornalista e publicitário


22 - Os neonazistas não gostam de mim

Se está publicado... é público.
Mas hoje em dia, em tempos de Internet, o texto pode chegar aos lugares mais surpreendentes. Um dia destes fui alertado por um e-mail a recomendar que visitasse um certo blog:
- Tem uma crônica tua lá. Mas acho que não vais gostar. Lê os comentários...
Fui ao tal blog e vi que realmente havia um texto meu, publicado aqui neste espaço faz algum tempo. Era uma crônica que, em tom de brincadeira, ensinava uns "truques" aos brasileiros que quisessem imigrar para Portugal. E recomendava que tentassem parecer com os portugueses:
- A melhor maneira é desaparecer na multidão, tentar ficar o mais parecido possível com os nativos.
E, claro, exagerava alguns estereótipos dos portugueses. Ter bigode, cuspir no chão, andar com os pêlos do peito à mostra. Tudo na brincadeira.
Mas os idiotas não têm senso de humor. E ninguém consegue ser mais idiota do que um neonazista. O tal blog era freqüentado por alguns desses skinheads imbecis que andam por aí a defender a tal "raça branca" e querem ver os estrangeiros fora da Europa.
Os comentários feitos por eles, como era de esperar, destilam ódio e violência. E como os textos contêm ofensas pessoais, vou reproduzir aqui apenas as partes mais genéricas. É o suficiente para perceber o grau de indigência mental desses cretinos.
O sujeito mais incomodado, que assina com o singelo nome de Adolf4Ever, não economiza palavrões (por isso a transcrição que segue está cheia de pontinhos):
- Brasileiros filhos da p..., vêm pra cá f... com esta m... toda. Sim, porque são um bando de marginais e criminosos. E ainda por cima tratam mal quem os acolhe. Filho de uma p... Volta pra casa, nojento.
Ah... o Adolf não sabe que eu sou português.
Outro sujeito, que assina com o nome Xixaboi, exacerba o seu ódio contra os brasileiros:
- Desgraçados, hipócritas e ingratos! Houve um tempo em que ainda pensava que os brasileiros seriam gente... Mas chego à conclusão de que não passam de ladrões, paneleiros e p...
Paneleiros, fique a saber, são homossexuais.
E a malhação continua. Um tal Micas dá um jeitinho de falar também nos africanos, que estão sempre na mira dos neonazistas:
- Brazucas dum cabrão, nunca vi maiores calões. Não querem fazer a ponta de um corno. São piores que os pretos. O vosso sustento são as vossas mulheres, essas p... que vêm para cá atacar para vos encher o c..., seus paneleiros.
Eu traduzo. "Calões" significa folgados, pessoas que não gostam de trabalhar. Não fazer a "ponta de um corno" é não trabalhar. "Atacar" é ir para a prostituição. "Encher o c...", neste caso, significa ganhar dinheiro.
E até uma professora chamada Shana (sem risos, por favor) entrou na dança:
- Até hoje discordei de quem vos apelidava de ingratos. Mas estou a rever as minhas teorias. É que, enquanto eu sou professora e me mato a trabalhar para conseguir ter alguma coisa, vocês chegam aqui e é só facilidades. Mas acho que até tem razão. Deus deu-vos boas bundas. Para alguma coisa deve ter sido!
O que dizer? Essa gente não gosta dos meus textos. Só posso sentir orgulho.
É como diz o velho deitado: "Você não gosta de mim? Ainda bem".
José António Baço - Professor e publicitário


21 - Manual de etiqueta luso-brasileiro

O encontro de culturas é sempre fascinante. Mas o entrecruzamento de diferentes estilos de vida pode provocar situações esquisitas: o que é válido para um lugar pode ser uma tremenda mancada no outro. Para estabelecer uma ponte entre as culturas brasileira e lusitana, uma vez que hoje em dia há um grande intercâmbio entre os dois países (e aproveitando que a crônica é reproduzida no site português www.truca.pt), apresento aqui dois breves manuais práticos de etiqueta.
Conselhos para um brazuca não se dar mal em Portugal:
1. Não fique a repetir que "no Brasil é melhor", como fazem muitos brasileiros (aliás, já passam de 100 mil em Portugal). É como cuspir no prato em que se come. Aliás, se fosse melhor, por que imigrar?
2. Nunca saia à rua de agasalho (os tugas chamam "fato de treino"). Não importa se você é desportista e no Brasil sempre se vestiu assim. Em Portugal é roupa de pé-de-chinelo. Ir ao supermercado de agasalho é herético. Ah nunca use meias brancas, mesmo com tênis, porque será chamado "pé-de-gesso". Gafe imperdoável.
3. Não use fio dental à frente das pessoas. O português médio não é propriamente fã dessa prática higiênica e muitos consideram nojento ver alguém a limpar os dentes assim.
4. Tenha cuidado com as promessas que faz. Os portugueses acham os brasileiros simpáticos, mas ficam sempre com um pé atrás. Existe um certo estereótipo de que os brasileiros são "intrujas" (tremendos 171). E onde há fumaça há fogo.
5. O jeitinho brasileiro, como o nome diz, só é válido no Brasil. É certo que os portugueses têm uma versão parecida (a que chamam desenrascanço), mas a lógica é diferente. Tome cuidado, porque em Portugal o jeitinho brasileiro pode dar sérias dores de cabeça.
Conselhos para um tuga ser baril no Brasil:
1. Nunca assoe o nariz em público, especialmente à mesa. É comum para os portugueses, mas não há nada mais nojento para um brasileiro (ainda mais com efeitos sonoros). É mesmo ofensivo.
2. Atenção. Ao contrário do estereótipo, as brasileiras não são todas putas. Portanto, para evitar qualquer saia-justa (complicação), não acredite em todas as histórias que lhe contaram. Respeito é bom.
3. Beber caipirinha durante as refeições, como fazem alguns portugueses nas churrascarias, é para os pacóvios. A caipirinha bebe-se antes das refeições.
4. Não conte para ninguém que come caracóis com cerveja. Para um brasileiro, a idéia de comer caramujos faz arrepiar até a alma.
5. Não cuspa no chão quando está a andar pela rua (ou mesmo quando está em ambientes fechados), como é comum. Por mais normal que isso lhe pareça em Portugal, não é algo a que os brasileiros recebam bem.
É como diz o velho deitado: "Tudo pelo social".
José António Baço - Professor e publicitário


20 - Sem medo de ser feliz
 
Redator sofre.
Ou, em bom português, copywriter sofre (sim, em Portugal falamos português).
Há algum tempo fiz uma campanha publicitária em que usava o conceito de “ser feliz”. Mas quando apresentei os anúncios ao account (sim, em Portugal falamos português), o gajo quase se “atirou ao ar” (teve um treco) porque não concordava nadinha com a idéia. Essa coisa do “ser feliz” simplesmente não entrava nas categorias mentais do sujeito. E eu, “vendo a coisa mal-parada” (a coisa estava ficando feia), tentei defender o conceito.
- Ora, no fim das contas, o que todo mundo quer é ser feliz.
E ele, muito seguro das suas convicções, estabeleceu as diferenças.
- O cliente não vai nessa conversa. Isso funciona bem no Brasil, mas aqui as coisas são diferentes. As pessoas não gostam desses floreados.
Eu insisti nos tais floreados, até porque o deadline (sim, em Portugal falamos português) não permitia tempo para mudar, e a campanha acabou sendo apresentada ao cliente com esse conceito. Mas o certo é que o tal account nunca “gramou” (gostou) a coisa. E nem precisou, porque no final a campanha não avançou. Nem foi pela proposta criativa, mas por problemas de budget (sim, em Portugal falamos português).
Não se pode generalizar, porque é um caso esporádico, mas isso revela uma outra forma de encarar a vida. É uma questão cultural e também da história de cada país. Quem tenha estado no Brasil em 1989, na época das primeiras eleições diretas para Presidente da República, certamente desde então está familiarizado com a expressão “sem medo de ser feliz”, do jingle de Lula. Afinal, a coisa caiu na boca do povo. O “ser feliz” é natural para os brasileiros que, como diz a música, são uma “gente que ri quando deve chorar”. Mas não é o mesmo para um português. Porque o novo-riquismo lusitano associa a felicidade a ter um carrão, um apartamentão e outros “ãos” que o dinheiro pode comprar.
Aliás, quando retornei a Portugal (lembrem que sou português) há mais de uma década, fiz um trabalho onde inadvertidamente usei a expressão “alto astral”. Que foi logo “chumbada” (reprovada). O problema é que naqueles tempos pouca gente conhecia a coisa ou sabia do seu significado. Foi uma falha minha, claro. Não era um código partilhado e, compreensivelmente, não servia para a publicidade.
Mas há uma situação que merece uma análise mais atenta. Os neologismos surgem no momento em que há a necessidade de verbalizar alguma coisa. As palavras descrevem sensações. Os brasileiros acabaram por criar a expressão “alto astral” para nominar um determinado estado de espírito. O mesmo não acontece com os portugueses. O mais preocupante é que não há uma expressão similar. Quer dizer, é um estado de espírito que nunca precisou ser verbalizado. Talvez porque não exista.
Ainda recentemente o ex-Presidente da Câmara de Lisboa (prefeito), ex-Primeiro Ministro e atual Presidente da Câmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, usou a expressão para identificar o Bairro Alto (“Bairro Alto Astral”), uma das zonas mais efervescentes da cidade. Não por acaso, os marketeers (sim, em Portugal falamos português) que assessoram o político são brasileiros. Mas a coisa soa a falso.
Os portugueses dirão:
- Qual carapuça (é uma expressão de incredulidade), isso é treta (conversa para boi dormir).
Mas o fato é que os portugueses são considerados um povo deprê. A prova disso é que são os segundos maiores consumidores de antidepressivos – e outros remédios para a carola (cabeça) – da Europa. E era possível escrever teses psicanalíticas ou sociológicas, mas a melhor maneira de perceber as diferenças entre brasileiros e portugueses vem da publicidade e tem a ver com as bebidas alcoólicas. Há uma assinatura obrigatória por lei.
Em Portugal é assim: “Seja responsável. Beba com moderação”.
No Brasil é assim: “Seja responsável. Aprecie com moderação”.
Perceberam? Uma única palavra pode denotar a forma como se encara a vida.
José António Baço - Professor e publicitário


19 - Ora, vão plantar batatas

Deixe ver se eu entendi.
O tal agronegócio representa cerca de 34% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. As exportações batem recorde atrás de recorde e dão uma contribuição decisiva para o equilíbrio da balança comercial. É um dos setores da economia que mais gera empregos.
Que fartura.
Mas se é assim, por que ainda há tanta gente a passar fome no Brasil? E por que os nossos produtores estão sempre a se queixar da falta de rentabilidade do negócio? É o que permite falar na distorção das relações comerciais entre as nações do hemisfério Norte e do hemisfério Sul. Todo mundo sabe que os países ricos protegem a sua produção e impõem barreiras aos pobres. Mas esse é um tema que deixo para os economistas, os sociólogos ou os políticos.
A ideia é mostrar, de forma prática, alguns resultados dessa distorção.
Quando deixei o Brasil, há mais de uma década, uma das preocupações era deixar de ter algumas coisas às quais estava acostumado. Saborear uma manga. Tomar uma caipirinha. Comer uma picanha. O lado bom é que essas coisas existem por aqui. Mas são caras, muito caras. E convido o leitor para ir a um supermercado comum comprar produtos brasileiros (os preços convertidos para o real):
- Picanha (kg): R$ 61,45
- Vazia (kg): R$ 38,64
- Camarão médio/pequeno (kg): R$ 37,55
- Manga (kg): R$ 15,69
- Limão galeguinho (kg): R$ 5,09
- Goiaba branca (kg): R$ 24,62
- Mamão (kg): R$ 10,22
- Carambola (kg): R$ 34,20
- Mandioca (kg): R$ 8,82
- Coco fresco (kg): R$ 11,93
- Palmito (lata de 800 gramas): R$ 20,14
- Farinha de mandioca (kg): R$ 6,08
- Guaraná (lata): R$ 1,57
- Água de coco (caixinha): R$ 2,90
- Leite de coco (vidro): R$ 6,80
- Cachaça (700ml): R$ 23,76
- Goiabada (400 gramas): R$ 7,83
- Geléia de goiaba (vidro pequeno): R$ 4,75
Não é preciso escrever teses acadêmicas. As distorções são claras. O leitor, mesmo aquele não habituado às prateleiras dos supermercados, certamente percebeu que os preços são absurdos quando comparados ao Brasil. Mas quem deve ficar com uma grande dor-de-cabeça são os produtores, que vendem o que produzem por uma bagatela no Brasil e depois se deparam com os preços supervalorizados no exterior. É a velha história: produzimos soja, milho e outros grãos a preços ridículos para engordar porcos e gado confinado nos Estados Unidos, Europa e Japão. E enquanto isso temos gente a morrer de fome no Brasil.
É como diz o velho deitado: "Ora, vão plantar batatas".
José António Baço - Professor e publicitário


18 - Compre uma casa em Portugal,
ganhe outra grátis no Brasil

Faz alguns dias, quase me "caíram os tomates ao chão" (fiquei boquiaberto) quando vi a matéria na televisão. Uma empresa de construção civil estava vendendo apartamentos de luxo na região de Lisboa e, para estimular as vendas, desenvolveu uma promoção "bestial" (formidável): quem comprasse um imóvel em Portugal ganhava, grátis, uma casa de praia no Nordeste brasileiro.
É certo que o marketing anda cada vez mais inventivo, mas a tal promoção era de "cair de cu" (ficar estupefato), porque a casa que vinha de brinde era praticamente uma mansão. Ah... antes de continuar, um alerta aos leitores mais pudicos: em Portugal a palavra "cu" é usada inocentemente, sem qualquer maldade. É mais ou menos como bunda no Brasil.
Mas é uma promoção "do caraças" (essa o leitor entende fácil). A explicação é simples: os preços das casas em algumas regiões do Brasil são quase quatro vezes menores do que em Portugal. Um exemplo prático: com R$ 300 mil o leitor é capaz de comprar um apartamentaço de frente para o mar em Balneário Camboriú. Mas com esse mesmo dinheiro vai ter de "suar as estopinhas" (se esforçar muito) para comprar um apartamentozinho de "duas assoalhadas" (um quarto) nas zonas periféricas de Lisboa.
Uma casa, então, nem pensar, porque vai custar uma "pipa de massa" (muito dinheiro). Os portugueses chamam "casa" o que os brasileiros chamam apartamento. E chamam "vivenda" o que os brasileiros chamam casa. Há uma diferença fundamental: as casas têm garagem, os apartamentos não. Como a maioria das pessoas mora em prédios, os carros ficam estacionados sobre as calçadas. E quem quiser comprar uma garagem tem que "abrir os cordões à bolsa" (soltar a grana) porque os preços são absurdos.
O negócio imobiliário entre os dois países é tão promissor que já há uma autêntica revoada de construtores para o Brasil. E revoada é o termo certo, porque os sujeitos são conhecidos como "patos-bravos". Quem são essas personagens? Num retrato ligeiro, podemos dizer que são cheios de "bago" (bago é dinheiro, nada a ver com as partes masculinas), mas muito "parolos" (bocós) e com pouquíssima preocupação com os patrimónios histórico e natural.
A sanha dessa gente não perdoa: enquanto houver um palmo de terra vazio, lá estará um pato-bravo pronto a erguer um "mamarracho" (uma construção tão feia quanto a palavra). O problema é que há cada vez menos chão para construir em Portugal. O país tem quase uma casa por família (1,38 habitação por família) e a percentagem de proprietários chega a 76%.
O pato-bravismo é um inferno. E é assustadora a idéia de vê-los a migrar para o Brasil. O leitor lembra das dez pragas do Egito? Algumas tinham a ver com animais e insetos: a invasão das rãs, a invasão dos piolhos, a invasão das moscas ou a invasão dos gafanhotos. Pois isso é fichinha. Porque a praga dos patos-bravos pode produzir uma devastação ainda maior que todas essas outras pragas juntas.
É como diz o velho deitado: "Com a especulação imobiliária, a natureza é que paga o pato". José António Baço - Professor e publicitário


17 - Tudo o que você queria saber sobre o sexo e não tinha a quem perguntar

Dizem que a linguagem do sexo é universal. Mentira. Pelo menos quando a língua é o português a coisa não funciona, porque os "jargões" do sexo de Brasil e Portugal têm um oceano de diferenças.
A começar pelo começo de tudo, quando o "gajo" (o cara) põe os olhos na gaja e fica louco para lhe "saltar para as cuecas" (ter sexo, em brasileiro). Cuecas? Sim, porque em Portugal as mulheres não usam calcinha, mas cuecas. Diga lá, amigo leitor, se não é estranho ir para a cama com alguém e ter que lhe tirar as cuecas? Há quem use "cuequinhas" (ah... a palavra é usada sempre no plural), um termo menos agressivo mas ainda assim capaz de deixar o mais liberal dos brasileiros com uma pulga atrás da orelha.
Mas cueca lembra "queca", outra palavra típica aqui da terrinha e que em bom brasileiro significa transa. Mas em Portugal as quecas têm as suas esquisitices. A começar pela expressão que se relaciona com o orgasmo. Quando uma pessoa está a ter um orgasmo, ela diz que "está-se a vir". A coisa seria mais ou menos assim:
- Ai, estou-me a vir, estou-me a vir, estou-me a viiiiiiiiiiiiiiiiir.
Parece maluquice. Portanto, o leitor está avisado. Fique atento se um dia for para a cama com uma portuguesa e na hora do "vamuvê" ela começar a gritar "estou-me a vir". É a sério, ela não está a gozar com a sua cara. Ou melhor, está a gozar. Missão cumprida.
Ao que parece a coisa tem origem na expressão "I'm coming", usada na língua inglesa para anunciar o orgasmo. Invasão cultural é isso aí: tem que invadir também as nossas camas. It's a cultural fornication. Até na expressão dos nossos orgasmos a gente encontra a hegemonia anglo-saxônica. Mas há um detalhe engraçado: a expressão é "estar-se a vir" e raramente "estar a vir-se". Não me pergunte as razões, porque nunca entendi bem a lógica. Talvez algum especialista em língua portuguesa possa explicar. Ah... quando falo em especialista estou a me referir ao acadêmico, o estudioso, e não ao cara que sabe fazer "minetes". Não sabe o que é um minete? É sexo oral (quando o homem faz na mulher, o tal cunnilingus, muito apreciado desde os tempos do Fred Flintstone).
Deixe adivinhar. Aposto que muita gente ficou curiosa para saber o nome da coisa quando é a mulher que se atira ao "mangalho" (é preciso traduzir?). É um "broche". Portanto, leitora, se um dia estiver em Portugal e algum "matulão" (rapagão) vier com conversas sobre broches, tenha muito cuidado. Nada a ver com inocentes enfeites para pendurar na sua lapela. É uma questão de oralidade.
Como pode ver, as diferenças são muitas e é preciso um certo período para o sujeito se adaptar. E por falar nisso, é bom explicar que aqui deste lado do Atlântico o termo "período" serve para designar quando a mulher está menstruada. A expressão é "estar com o período". É o tempo em que elas são obrigadas a usar um "tampão". Eta palavrinha feia. Mas se não gosta, talvez prefira usar um sinônimo e dizer que é um "penso higiênico". Nada mais do que os nossos conhecidos "modess". É como diz o velho deitado: "Penso, logo menstruo".
José António Baço - Professor e publicitário


16 - Dez conselhos úteis para imigrar ilegalmente

É cada vez maior o número de brasileiros a tentar a vida em Portugal. Não passa um dia sem que a gente ouça um "uai, sô" (é que a maioria vem de Minas Gerais). E se você, leitor brasileiro, está pretendendo atravessar o Atlântico e vir para cá trabalhar ilegalmente, talvez deva ter alguns cuidados para não ser apanhado pelos gajos do Serviço de Imigração. Não vá "o diabo tecê-las" e você acabe sendo despachado de volta (ou seja, não vá dar um grande azar).

A melhor maneira é desaparecer na multidão, tentar ficar o mais parecido possível com os nativos. Há alguns truques simples e eficientes que pode aprender, tendo sempre em atenção que são indicados para o sexo masculino, que forma a maioria dos imigrantes brazucas por aqui.
1. Deixe crescer um bigodão, porque essa é uma marca dos portugueses (as más línguas, no Brasil, dizem que é para ficarem parecidos com as mães).
2. Adote a maneira de vestir do português comum. A camisa é um detalhe essencial. Deve ser de botões, mas tem que ficar aberta até à altura do umbigo, com os pêlos do peito à mostra. E se não tiver pêlos, trate de fazer um implante.

3. A camisa aberta mostra os pêlos, mas umas correntinhas de ouro podem ajudar a "compor o ramalhete" (a formar a figura). Uns anéis também não são mal pensados.
4. Se não tiver medo de cortes no corpo, faça uma tatuagem no braço com a inscrição "Amor de Mãe" (a letra deve ser meio ilegível) ou uma inscrição que lembre as guerras coloniais na África. Algo como "Paraguai 68". Está bem, o Paraguai não esteve nessa guerra, mas passa porque história é uma coisa que as gerações mais novas desconhecem por completo.
5. Fale rápido, alto e coce os "tomates" o tempo todo. Fale como quem está a brigar. Mas não brigue. Os portugueses falam com alguns decibéis a mais por hábito, mesmo nos restaurantes. Parece que vão sair na porrada... mas nada disso.
6. Nunca chegue a um compromisso na hora certa. Isso confunde a maioria das pessoas. Há mesmo algumas que tomam isso como uma ofensa pessoal.
7. Uma jogada eficiente é vestir um "fato de treino" (agasalho de esporte) para ir ao supermercado. O que até nem será difícil porque isso é normal para um brasileiro. A perversão consiste em levar a sua mulher ou namorada com uma roupa igualzinha. Têm que parecer um par de vasos.
8. Ser for dentista, não conte para ninguém. Se perguntarem, negue. "Minta com quantos dentes tem" (na cara dura). Porque até como travesti você teria maiores chances de se dar bem no país.

9. Depois do almoço é sempre recomendável que tenha hálito a vinho. Não importa se trabalha nas obras, no banco ou é diretor geral de uma empresa. O bafo de vinho depois do almoço, mesmo no trabalho, é uma tradição que não se perde.

10. E, finalmente, o truque infalível. Onde quer que esteja, cuspa no chão. Cuspa, cuspa e cuspa. E não seja tímido porque um português que se preze tem que fazer muito barulho ao cuspir. Tem que buscar o cuspe lá de baixo (se for catarro, melhor). É uma verdadeira arte nacional.

Se seguir estes 10 conselhos pode ter a certeza de que o pessoal da imigração nunca vai notar a sua presença.
José António Baço - Professor e publicitário


15 - Volta pra tua terra, pá!
Texto de José António Baço publicado no "Observatório de Imprensa"

Será xenofobia? O fato é que nos últimos tempos têm havido, na comunicação social portuguesa, muitas referências aos "brasileiros". E sempre com um indisfarçado tom de estigmatização. Os casos são inúmeros.

** Caso 1: a cronista de um grande semanário comenta, em jeito de ironia, as escolhas dos marqueteiros "brasileiros" que trabalharam na campanha do candidato a primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, derrotado nas eleições de 20 de fevereiro;

** Caso 2: outra revista nota que, no último debate televisivo para as eleições, o mesmo Santana Lopes esteve acompanhado de cinco pessoas, quatro referenciadas pelos nomes e a outra identificada apenas com um assessor "brasileiro";

** Caso 3: ao analisar os insucessos do Futebol Clube do Porto no campeonato nacional, o comentarista de uma emissora de televisão joga ao ataque e diz que a culpa é dos "brasileiros" enfeudados no clube;

** Caso 4: agência de publicidade veicula um anúncio para recrutar um designer e diz que os candidatos nem precisam ter muita criatividade: a condição é não ser "um gênio ‘brasileiro’ em plágio e idéias gastas". Quer dizer, o sujeito pode até ser fraco como profissional, mas não pode vir dos trópicos;

** Caso 5: o repórter de televisão queixa-se, ao vivo, do operador de câmera "brasileiro" que lhe estaria a tapar a visão num jogo de futebol;

** Caso 6: isso tudo sem falar no clássico dos clássicos: os professores universitários (inclusive nos cursos de Comunicação) que, ao indicarem livros, fazem sempre a ressalva: há uma tradução para o português, mas é feita por um "brasileiro". Então, os alunos empinam o nariz e fazem um infalível arzinho de nojo.

Marqueteiros, jogadores de futebol, publicitários, operadores de câmera ou intelectuais. Era fácil ver apenas profissionais a desempenharem uma função. E, como seria lógico, analisar se esse trabalho é bom ou malfeito (vale dizer que são atividades em que os brasileiros se destacam). Mas, não. É preciso deixar claro que eles são "brasileiros". É assim que a palavra "brasileiro", usada insistentemente em tom negativo, começa a tomar a forma de estereótipo. E o estereótipo é irmão do preconceito.
José António Baço - Professor e publicitário


14 - Já agora, acho que é mais pequeno

Os brasileiros imaginam os portugueses como pessoas cultas, que usam a língua de forma sempre impecável. É um mito. As pessoas comuns cometem muitos erros e a própria linguagem usada no dia-a-dia tem as suas “calinadas” (mancadas) instituídas. Há muitos exemplos.
Uma das expressões que eu mais gosto é “já agora”. Não é estranha? Mas é usada por todos os portugueses, os mais cultos ou não. Afinal, o “já” não é “agora”? É uma daquelas expressões que entram nas frases e não significam absolutamente nada. O fato é que é muito comum ouvi-la em todas as conversas:
- Já agora, ó gajo, por que estás a implicar com o nosso modo de falar?
Outra que está entre as minhas favoritas é “voltar para trás”, também muito usada pelos portugueses. Seguindo essa lógica, poderíamos pensar que é correto usar “sair para fora”, “subir para cima”, “descer para baixo”. Mas não se atreva, porque acaba por ser corrigido e chamado de anarfa. “Voltar para trás” é a única que goza dessa prerrogativa pleonástica.
Os portugueses não usam a palavra menor. É “mais pequeno”. Sempre. Também por essa lógica seria fácil imaginar que não se usa a palavra “maior”, que deveria ser “mais grande”. Esqueça. O certo é usar “maior” porque a regra só vale para o mais pequeno. Mas eu nunca consegui me acostumar: uso a palavra “menor”, porque é mais pequena.
Sabe o que é “treuze”? É assim que algumas pessoas pronunciam o nosso popular número treze. Nunca entendi a razão e sou capaz de jurar que a palavra não existe. Sorte ou azar, o certo é que muita gente usa. Ainda na linha das palavras meio malucas, há um outra que foi instituída pelo uso popular:"inclusivé”. Assim mesmo, com acento. Eu, inclusivé, fui procurar no dicionário e confirmei que não existe.
É impossível comer um bom bife de boi em Portugal. Pelo simples fato de que é sempre carne de vaca. Se você for ao “talho” (açougue) e pedir carne de boi, o “talhante” (açougueiro) é capaz de rir na sua cara, “abardinar” (avacalhar).
Já que se fala em animais, existe um sério problema em Portugal. Há bairros de muitas cidades (em Lisboa especialmente) onde é melhor olhar para o chão quando se caminha. É que as pessoas têm os seus cachorrinhos nos apartamentos, mas levam os bichinhos para cagar na rua. E há uma espécie de moralismo que impede de usar a palavra merda. Então, a merda de cão passou a ser conhecida pelo eufemismo “presente de cão”. Há mesmo uma campanha da prefeitura da cidade a pedir que os donos embrulhem o tal presente e joguem no lixo. O slogan da campanha:
- Presentes do seu cão, não.
Isso de chamar merda de presente é uma frescura, claro. Aliás, já que estamos no campo da frescurite, existe uma coisa muito engraçada. Os ricos, por falta de coisas sérias para ocuparem o tempo, têm verdadeiros debates para saber qual é a palavra mais certa. Prenda ou presente? Parece que é fino dar presentes. Prenda é um termo “chunga” (brega). Os gajos do jet-set só têm tempo para essas palhaçadas “por casa” que não tem nada para fazer. Acredite. Em algumas regiões as pessoas dizem “por casa” quando querem dizer “por causa”.
José António Baço - Professor e publicitário


13 - A sua mãe é uma galinha
 
Se disser a um puto que a mãe dele é uma galinha... está tudo bem. Desde que esteja em Portugal, claro. Primeiro porque “puto” é criança. Depois porque “mãe-galinha” é o mesmo que “mãe-coruja” no Brasil. É a expressão que os portugueses usam para falar das mães superprotetoras, numa referência óbvia ao fato de as galinhas estarem sempre a proteger os pintos.
Pintos? Ooops... sem maldade. É que em Portugal “pinto” é apenas o filhote da galinha. Nada a ver com pênis. Aliás, também é um apelido muito comum. Ih... ficou confuso? Aqui deste lado do Atlântico a palavra “apelido” não é uma alcunha. É sobrenome. É só olhar nas listas telefônicas... tem “Pinto” para todos os gostos... páginas e páginas de Pintos. Há mesmo uma família “Pintão”, mas esses são pouco numerosos e, dizem as más línguas, provenientes da África. É provável que o leitor já tenha ouvido falar de algum Pintão africano.
Mas, por falar nisso, em Portugal há alguns sobrenomes muito estranhos. Como o meu, por exemplo. Quando vivia no Brasil era fatal ter que aturar dois tipos de piadas. A primeira tem a ver com o fato de ser português, coisa que sempre levei numa boa. A única coisa que chateava realmente era a falta de imaginação das pessoas, porque tinha que ouvir sempre a mesma piadinha:
- Sabe por que os portugueses usam bigode?
- Não (bocejo de quem já conhece o desfecho).
- É para ficarem parecidos com as mães.
A segunda sacanagem tinha a ver com o meu sobrenome e rolava sempre algum trocadilho infame.
- Vem cá, Baço.
- Não brinca, Baço.
- Vê se não marca toca, Baço.
Era ca-baço para lá, ca-baço para cá.
Mas se isso parece mau, imagine que Cabaço é um sobrenome muito comum aqui por estas bandas. É só abrir a lista telefônica e lá estão Cabaços aos montes. Lilianas, Eulálias, Cristinas. Até um João, mas esse já tinha tempo para tomar jeito na vida. Aliás, fico sempre a imaginar essas pessoas no Brasil. Ia ser interessante na hora de fazer o registro num hotel.
- Bom dia. Eu tenho uma reserva em nome de Eulália Cabaço.
E o recepcionista, imaginando uma indireta.
- Olhe, minha senhora. Pode ser que entre aqui cabaço, mas só sai assim se quiser.
É claro que os portugueses nem sonham que “cabaço” e “hímen” são a mesma coisa. A palavra tem a ver apenas com a cabaça, fruto de casca dura que os camponeses usam para transportar a água... ou o vinho. “Tirar o cabaço”, portanto, é apenas colher um inocente fruto. Já tirar a virgindade a alguém, aqui em Portugal, diz-se “tirar o três”. Tirar o três? Nem perguntem, não sei de onde é que os gajos tiraram a idéia. Talvez algum professor de educação sexual possa explicar.
Aliás, a questão da educação sexual é um tema interessante. Os burocratas do Ministério da Educação decidiram que não haveria uma cadeira específica para o assunto. Ou seja, os professores das outras disciplinas seriam responsáveis por pela educação sexual nas escolas portuguesas. É uma fórmula que tem as suas vantagens. Imaginem, por exemplo, um professor de matemática a tentar resolver uma daquelas equações cabeludas.
- Como podem ver, este é um exercício fodido.
E, perante o espanto dos alunos, aproveita para vender o seu peixe.
- Então, já que é foda, vamos aproveitar para falar de sexo.
José António Baço - Professor e publicitário


12 - Falar português é bué da fixe

  - Ganda cena, chavala! O cromo do men deixou o autocarro ir abaixo e ficámos ali à nora. Demorou bué da taime. Eu já tava m'a passar.
É um dialeto? Um idioleto? Um ET a arranhar o português? Que nada. É a minha filha aborrecente, na volta da escola, a contar a uma amiga que o motorista do ônibus deixou o motor morrer e eles acabaram parados no trânsito por uns dez minutos. Ela ficou muito "lixada" (irritada).
É difícil para um brasileiro entender os portugueses, em especial quando não se está habituado a ouvi-los no dia-a-dia. Mas em se tratando dos jovens a coisa é uma autêntica "carga de trabalhos" (uma dificuldade enorme). Acho mesmo que para serem compreensíveis os adolescentes deviam vir com legendas.
Os jovens estão sempre a subverter a linguagem e a criar novas expressões. E nem podia ser diferente, porque isso é o que eles fazem em qualquer parte do mundo. É a irreverência da "malta nova" (galera jovem) que faz entender a língua como uma coisa viva e dinâmica. E nem adianta reclamar dos muitos pontapés na gramática.
Os portugueses mais velhos têm uma visão conservadora e tratam a língua como se fosse uma vetusta senhora em quem não se deve tocar. E não se cansam de "rezingar" (resmungar) contra os jovens que, entendem, estão a empobrecer o português. Não adianta.
- É gramar e cara alegre, cota.
Ou, traduzindo: aceite e fique na sua, coroa.
De fato, o conservadorismo é muito mais prejudicial do que o "calão" (gíria), porque os mais antigos insistem em manter a língua numa espécie de colete-de-forças (camisa-de-força). É empobrecedor e perde-se em criatividade e comunicação. Ou, brincando com Paul Ricouer, é a morte da metáfora. A língua não evolui, fica estagnada. Como diz a minha filha no seu dialeto:
- É uma seca. Uma gaaaanda nóia.
"Seca" (diz-se séca) aqui na terrinha é chatice. "Nóia", imagino, deve vir de paranóia. "Ganda" significa grande e é uma palavra que os "putos" (a criançada) usam o tempo todo. Tudo para eles é "gaaaanda..."
Outra palavra estranhíssima, mas que a garotada está sempre a repetir é "bué". Se bem me lembro, em muitos lugares "bué" é uma onomatopéia usada na "banda desenhada" (história em quadrinhos) para as situações de choro. Mas não aqui: "bué" significa "muito".
Aliás, "bué da fixe" é, certamente, a expressão mais repetida (em bom brasileiro, significa "muito legal") pelos jovens. Já imaginou quantas vezes por dia um brasileiro usa e expressão "legal"? É o mesmo com o "fixe" em Portugal.
- Tás fixe, meu?
- Sim. Tô bué.
- Bué da louco, meu...
- Iá, bué.
E, como se pode ver, os jovens portugueses conseguem ser tão expressivos quanto os brasileiros.
- Iá. Bué da expressivos, men.
É como diz o velho deitado: "Este texto podia ser fixe, mas ficou uma gaaaanda seca porque tem bué da palavras".
José António Baço - Professor e publicitário


11 - Um país sem motéis
Crônica publicada na "Notícia"

 O leitor já deve ter ouvido dizer que os portugueses são um povo melancólico. É possível imaginar muitas razões. Poderia ser uma propensão genética. Talvez um inexplicável sentimento atávico. Ou, quem sabe, uma questão do inconsciente coletivo. Nada disso. A resposta é simples e não é preciso ser um bam-bam-bam da psicanálise para desvendar o mistério. O "x" da questão é que não há motéis em Portugal.
A esta altura o leitor brasileiro, que com certeza já deve ter dado as suas cambalhotas em algum motel, pode estar a perguntar: "E como é que eles fazem?" O problema é esse. Não fazem. A energia libidinal dessa gente fica acumulando, acumulando, acumulando. E qualquer freudiano de orelha de livro sabe que a repressão dos instintos sexuais pode produzir sintomas neuróticos. No caso dos portugueses a coisa manifesta-se na forma da famosa melancolia.
É claro que existem alternativas para o fuque-fuque. Há os hotéis. Mas mesmo os mais baratos são caros e só quem tenha a carteira sempre recheada pode freqüentá-los com assiduidade. Há as pensões. O problema é que muitas vezes são ambientes ranhosos e o espaço tem de ser dividido com ácaros, pulgas e outros seres menos amistosos. Há os carros. Mas é desconfortável e as pessoas correm o risco de ser flagradas pela polícia (os tipos sempre aparecem nas horas mais impróprias). E há o mato. É o sexódromo mais antigo da história da humanidade, mas é incômodo e não se pode esquecer o perigo de ter as partes pudentas atacadas por animais ou insetos.
É sempre um sufoco. O mais engraçado é que a maioria das pessoas sequer imagina que possam existir lugares como um motel para a liberação das tensões sexuais. Para o português comum, a contenção sexual é uma fatalidade. Ou seja, passar dias, semanas ou meses sem rala-e-rola é um fato normal da vida, nada a fazer. Aliás, dá para dizer, sem medo de exagerar, que um português médio pode ter, ao longo de toda a vida, o mesmo número de parceiras que um brasileiro mais descolado tem em apenas dois ou três carnavais.
Os jovens são os que sofrem mais. E justo eles que, em teoria, deveriam ter uma vida sexual mais ativa. Com os hormônios a ricochetear pelas veias, o que eles fazem? Usam uma lógica bem lusitana: casam. Mas os casamentos são como os melões: é difícil saber como serão por dentro. Não por acaso mais de 30% dos casamentos realizados no país acabam em divórcio.
O país precisa de motéis para desentristecer. Se por um lado haveria menos casamentos, por outro também haveria menos divórcios. Mas as pessoas seriam mais livres, leves e soltas.
José António Baço - Professor e publicitário


10 - As "Bagabundas" brasileiras
 
Faz alguns meses a notícia se alastrou pela imprensa e foi manchete durante vários dias. Um grupo de mulheres autodenominado "Mães de Bragança" (uma cidade ao Norte de Portugal) fez o maior auê contra as prostitutas brasileiras que, acusavam, estavam a causar a ruína dos seus lares e casamentos. Na verdade, as tais "mães" eram apenas uma meia dúzia de gatas pingadas obcecadas por fechar as casas de alterne - é como são chamados os bares de prostituição em Portugal - porque, segundo elas, eram antros de pecado voltados para a destruição da recatada família bragantina.
O certo é que teriam muito trabalho, porque, ao que parece, apenas na região de Bragança há mais de uma centena dessas casas, a maioria cheia de brasileiras. De vez em quando, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras faz batidas nesses locais e enche o camburão. Não falha: as brazucas ilegais são detidas sempre às dezenas. Mas, apesar de toda a repercussão desses fatos na imprensa, qualquer pessoa com dois dedos de testa percebia que as tais mães não passavam de mulheres sexualmente frustradas.
Não se trata de tomar o lado das prostitutas, mas era evidente que essas senhoras, todas elas sem a mínima graça, não sabiam entreter os seus homens na cama. E, cá para nós, até era fácil entender os maridos. Se o tipo chega em casa e encontra uma mulher bigoduda, com corpinho de retroescavadeira e sem o menor apetite para o sexo (talvez devamos dizer "e ainda bem"), é natural que se renda aos encantos de prostitutas que conhecem a arte de fazer um homem gemer sem sentir dor.
O fato é que as ditas senhoras viraram celebridades. Foram muitas aparições na comunicação social, com o público a vê-las entre o picaresco e o paranóico. Vi algumas entrevistas onde elas não se fartavam de repetir coisas como:
- Bamos expulsar as bagabundas brasileiras, essas grandes bacas.
Em Portugal, o povo no Norte não consegue falar os "v" e pronuncia como "b".
Sem preconceitos, mas é fácil imaginar o retrato sexual das tais senhoras. Para elas, sexo oral é substituir o fuque-fuque por conversa mole. Vão para a cama e falam, falam, falam. Reclamam da conta da luz, da goteira na pia, do preço do pão, da piranha da vizinha. Onde está o sexo? É que essa conversa f... (fornica) com a paciência dos maridos. Sexo anal, então, deve ser o sexo que só se faz de ano em ano.
O mais hilariante da história é que as senhoras de Bragança não acham que o segredo das prostitutas esteja na cama. Ao contrário, dizem que as brasileiras têm poderes sobrenaturais e usam macumbas e toda sorte de sortilégios para roubarem os seus maridos. O fato é que muitos dos homens entrevistados - alguns maridos, inclusive - admitiram que a vida da cidade ficou muito mais animada nos últimos tempos.
É bruxaria na certa: alguns conhecem o caminho dos bordéis até de olhos fechados.
Afinal, como já se disse, o sexo só é sujo quando é bem feito.
José António Baço - Professor e publicitário


9 - Nem só de bacalhau vivem os portugueses.

Enquanto vivi no Brasil, sempre recomendei às pessoas que viessem conhecer Portugal. E na maioria das vezes a resposta vinha em tom de piadinha: “eu não vou a Portugal porque prefiro conhecer a Europa”.
         E o fato é que o país raramente entra no roteiro dos turistas brasileiros. Para a burguesia do patropi só existe Paris.
         Mas quem já andou por terras lusas não se arrependeu. E concorda que Portugal é um lugar que vale a pena conhecer. Pelos seus monumentos, pelas belezas naturais, pelos laços históricos, pelas suas gentes. E até mesmo pela língua, que muitos ingenuamente acreditam ser a mesma...
         E  por falar em língua...é justamente pela boca que Portugal conquista muitos turistas. Os “camones” (uma gíria que designa os estrangeiros, principalmente os ingleses, e tem origem no “come on”) quando neste cantinho da Europa dedicam-se a “encher o bandulho”. Ou seja, comer à “fartazana”. Não é de estranhar. Alguém já disse certa vez que os ingleses só partiram à conquista do mundo porque não suportavam a própria cozinha.
         Mas se imagina que a cozinha local restringe-se a comer bacalhau 365 dias por ano, vai ser apanhado pela proa. O bacalhau é mesmo o prato nacional - não é tão nacional, já que vem quase todo da Noruega -, mas há outras delícias a saborear. Porque, apesar de ser um país pequeno, tem muitas regiões e hábitos alimentares diferentes.  
         E uma coisa é certa: come-se bem em qualquer “sítio” (lugar).
         Já comeu uma “sapateira”, por exemplo? Nada a ver com fabricantes de sapatos. É uma espécie de caranguejo, só que muito maior. Aliás, o mais parecido com os caranguejos brasileiros são as “navalheiras”.
         E  gosta de “grelos”? Os portugueses comem grelos o tempo todo. É um vegetal importante na dieta mediterrânica - baseada em peixes grelhados e verduras - que é considerada uma das mais saudáveis. Mas por falar em grelos, se imaginou sacanagem, desta vez acertou. Grelo é um vegetal, mas também tem o mesmo significado sexista que no Brasil.
         Já comeu alguma “cadelinha”? Epa, não é zoorastia. É um fruto do mar.
         E “joaquinzinhos”, já comeu? Calma, seu Joaquim, nada a ver. É um peixe pequeno - como o lambari, só que do mar - que se serve frito inteiro, desacompanhado ou com um arroz de grelos, por exemplo, outro prato típico. Delicioso.
         A cozinha regional portuguesa tem muitos pratos que podem parecer exóticos aos olhos, mas ótimos ao paladar.
         Que tal uma “Feijoada de Gambas”? Atenção ao acento, não confunda com gambás. São gambas, mais conhecidas no patropi por camarões. Feijão e camarão? Uma delícia... Mas se acha a combinação esquisita, então experimente “Carne de Porco à Alentejana”. A carne é “estufada” (cozida) com molho de “pimentos” (pimentões) e serve-se acompanhada de “ameijoas” (marisco) ainda com casca.
         Como dizem os portugueses, é de “comer e chorar por mais” - expressão que dispensa tradução.
         E tão famosos quanto o bacalhau são os “enchidos” portugueses (linguiças, chouriços, morcelas, etc), que os povos do norte fazem com “mãos de fada” (na perfeição). Aí estão exemplos da autêntica culinária portuguesa. Não há quem resista a um bom enchido. Tanto que as pessoas nascidas no Porto (a segunda maior cidade do País) são chamados pelos do sul, em tom pejorativos, de “tripeiros”. Mas faz sentido: o enchidos não podem faltar à mesa de um nortista. E, dizem as más línguas, por causa disso até os restaurantes chineses tiveram que adaptar as suas “ementas” (cardápios) incluindo esses produtos.
         Já se imaginou a comer um chop-suey de chouriço?
         “Grande galo”, hem? Ou, traduzindo, por essa você não esperava.

José António Baço - Professor e publicitário


8 - O BANHEIRO PODE SALVAR A SUA VIDA

        Um português só precisa de um banheiro se estiver se afogando.
         É que aqui pelos litorais lusos “banheiro” é o famoso salva-vidas. A profissão, também conhecida por “nadador-salvador”, é exercida na temporada por jovens nadadores - a maioria surfistas - que querem faturar umas “massas” (dinheiro) durante as férias de verão.
          Aliás, o número de interessados nesse trabalho parece crescer a cada ano. Devem ser as influências da infindável série “Baywatch”(“S.O.S Malibu” no Brasil e “Marés Vivas” em Portugal), um desfile de loiras peitudas que há anos foi sucesso na televisão local. “Marés vivas” é também o termo usado para indicar o mar bravio (quase como as ressacas brasileiras).
         Mas é graças a esses jovens salva-vidas que os balneários portugueses são mais seguros. Balneários, não. Porque aqui “balneário” é o que no Brasil chamamos vestiário, lugares coletivos (geralmente em ginásios de esportes) onde se toma banho e troca de roupa.
         Os banheiros - ou nadadores-salvadores - estão sempre atentos aos movimentos nas praias. A função também é preventiva. Se alguém fizer alguma besteira, como nadar para muito longe, ele entra em ação antes que o sujeito se “meta em trabalhos” (ficar numa situação perigosa): apita e manda voltar. Se você não obedece, ele vai atrás.
         Portanto, se um dia estiver numa praia portuguesa e ouvir os apitos, não pense que é o pessoal do fumacê a avisar que a “bófia” (polícia) vem aí. Isso é coisa do Brasil.
         Por falar em surfistas, tenho um amigo aí no Brasil que chama “paneleiros” aos sujeitos que vivem com a prancha embaixo do braço, mas só “fazem figura” (desfilam) e nunca entram no mar. Mas já avisei ao gajo: em Portugal não é uma boa idéia chamar alguém de “paneleiro”. É que aqui paneleiro é bicha.
         Aliás, até algum tempo atrás, para os portugueses “bicha” era uma inocente fila. Mas, com a influência das novelas, adquiriu a mesma conotação que no Brasil.
          Portanto, além de paneleiros, os homossexuais - que são chamados de outras coisas do tipo “rabeta”, “mariconço”, “panasca” - agora, graças à contribuição brasileira, também são “bichas”.         
         Mas voltemos aos banheiros. Se um dia estiver em Portugal e precisar fazer uma “mijinha” (um chichizinho), então é melhor ir à “casa-de-banho” ou “quarto-de-banho”. Se for tomar um “duche” (banho) certamente vai estranhar a falta do chuveiro em algumas casas. Só tem o chuveirinho. E nesses casos o banho pode se tornar um autêntico “bico d´obra” (uma coisa difícil). Com uma mão você segura o chuveirinho e com a outra ensaboa as partes.  Garanto: é uma autêntica “banhada” (uma fria)... coisa para iniciados.
         Aliás, uma pesquisa que circulou no ano passado dizia que os portugueses são o povo que mais toma banho na Europa, com uma média próxima dos 5 banhos semanais. Não é um número para, propriamente, “embandeirar em arco” (festejar). Mas quem “mete água” (dá mancada) mesmo são os franceses, com uma média pouco acima dos 3 banhos por semana. Assim é fácil entender a razão para terem tantos perfumes bons...
         E por falar nos franceses, um dos seus eventos esportivos mais tradicionais é a “Volta a França” de ciclismo. Uma competição muito valorizada pelos europeus e que tem sido marcada pelos escândalos de doping. Mas também tem proporcionado excelentes manchetes nos jornais. Coisas do tipo: “Italiano trepa mais rápido”, “Trepador mais eficiente é italiano” ou “Italianos são os melhores a trepar”.
         Claro, é bom esclarecer que “trepador” nada tem a ver com sexo: é o ciclista que se dá melhor nas provas de montanha.
José António Baço - Professor e publicitário


7 - Intérprete, precisa-se.

         Imagine, leitor brasileiro, como seria se, num passe de mágica, você pudesse viver um dia da sua vida em Portugal. Ou seja, de um momento para outro viver um dia à portuguesa.
         Pensa que seria fácil?
         O problema é que mesmo as coisas simples no dia-a-dia exigiriam uma adaptação. Ou, talvez, até mesmo um intérprete.
         O que vem a seguir é uma descrição do que seria um dia em terras lusas. Acha que conseguiria safar-se? Por via das dúvidas, as palavras diferentes estão numeradas e os significados no final do texto. O significado de algumas é fácil depreender. Outras, nem tanto.
         Vamos imaginar como seria o dia de um brazuca em Portugal.
         Logo ao acordar pela manhã, enquanto veste as peúgas (1) e aperta os atacadores (2), você ouve na telefonia (3) o aviso de que o trânsito está virado num oito (4).
         É que houve um toque (5) entre uma carrinha e um TIR (6) e, apesar de os socorristas já terem retirado os veículos para a berma (7), há ainda alguns troços (8) condicionados, onde os condutores (9) permanecem no pára-arranca (10).  
         Há bichas (11) por todos os lados e talvez as melhores alternativas sejam o autocarro (12) ou o comboio (13).
        Você toma o último gole da sua bica (14), termina o pequeno-almoço (15) e, como tem que levar os putos (16) ao infantário (17), a única hipótese é mesmo ir de cu-tremido (18). Depois de uma seca (19) de quase três quartos de hora (os portugueses medem o tempo por quartos de hora) no trânsito, finalmente chega ao trabalho e logo recebe uma ligação.
         A telefonista avisa que para atender a chamada na sua extensão (20) tem que carregar (21) no botão. Do outro lado da linha está a sua mulher a lembrar que é a semana de pagar a mulher-a-dias (22) e pede que passe no multibanco (23) para levantar (24) dinheiro, porque o livro de cheques (25) acabou.
          Você vai ligar o computador e tem um post-it pregado no ecrã (26). Logo percebe que vai ficar entalado (27). É um recado do seu chefe a avisar que hoje não vem trabalhar. Quer dizer: ele se baldou (28) e você tem que resolver os todos problemas.
         Depois de um intensa azáfama (29), lá pelo final da manhã a barriga já está a dar horas (30). Mas ao invés de ir almoçar à tasca (31) de todos os dias, prefere comer apenas uma sandes (32) no “snack” (33) da esquina. É que assim tem mais tempo para ir até o pronto-a-vestir (34) comprar a prenda de anos (35) da mulher. Fica indeciso entre um fato-de-treino (36) e umas cuequinhas (37) de renda mesmo a matar (38). Mas acaba por levar uma camisola (39) em xadrez castanho e encarnado que estava na “montra” (40).
          Ao final do expediente, você está com os azeites (41) e, para complicar, o trânsito está novamente um caos. Então só lhe resta pegar no telemóvel (42) e avisar a sua mulher que vai demorar a chegar. É o cabo dos trabalhos (43).
        Bem... o dia ainda não acabou, mas a esta altura você já deve estar convencido de que precisa mesmo de um intérprete. Ou não?
 
DICIONÁRIO
(1) meias - (2) cadarços - (3) rádio - (4) caótico - (5) uma pequena batida - (6) - jamanta - (7) acostamento- (8) trechos - (9) motoristas - (10) andamento lento - (11) filas - (12) ônibus - (13) trem - (14) café - (15) café da manhã - (16) crianças- (17) jardim de infância - (18) de carro - (19) espera - (20) ramal - (21) apertar - (22) diarista - (23) caixa 24 horas - (24) sacar - (25) talão (26)tela - (27) com problemas - (28) tira o corpo - (29) correria - (30) com fome - (31 restaurante simples - (32) sanduíche - (33) lanchonete - (34) loja de roupas - (35) presente de aniversário - (36) agasalho esportivo - (37) calcinha - (38) bonitas - (39) camisa - (40) vitrine (41) irritado - (42) celular - (43) uma coisa muito difícil


6 - O que vai almoçar hoje?

Há muitos motivos para se visitar Portugal. Mas um deles é, com certeza, a culinária regional. A minha balança é a maior testemunha de que por aqui se come e bebe muito bem. E como os prazeres da mesa merecem ser compartilhados, neste domingo pós-Natal faço a minha sugestão para um almoço à portuguesa aí na sua casa. Lá vai.
Aperitivo - Punheta de Bacalhau:
Enquanto faz o almoço, nada melhor do que reunir os amigos para uma punheta rápida. É um bacalhauzinho desfiado, temperado com cebola, azeite e vinagre. Simples e dá muito prazer. Fácil de fazer, é uma boa opção para os solitários.
Entrada – Sopa de Grelos ou Sopa Seca que se Agarra às Costas:
Por alguma razão a sopa de grelos é a preferida dos marmanjos. Já os que não se importam de ter algo agarrado às costas preferem a segunda, típica da Beira-Litoral e feita à base de feijão e pão.
Prato principal - Arroz de Pica no Chão:
É uma especialidade da região do Entre-Douro e Minho, no extremo norte do país. O Arroz de Pica no Chão é feito à base de frango e toucinho, levando os devidos condimentos. É um prato delicioso, mas um tanto pesado e por isso deve ser apreciado com moderação, em especial por quem gosta de um “rala-e-rola” depois do almoço. Com Pica no Chão a coisa fica mais difícil.
Acompanhamento: Caralhotas ou Cacetes.
Uma refeição portuguesa tem sempre pão à mesa. As caralhotas são pequenos pães típicos da região de Almeirim. Já os cacetes são comuns em todo o país. É fácil encontrar um português com o cacete na mão.
Bebida - Vinhos Portugueses:
Os vinhos são classificados por regiões e há para todos os gostos. Como é verão no Brasil, talvez seja bom optar por um vinho com aspecto mais leve e feminino. Pode escolher um Monte das Abertas (Alentejo), um Quinta da Pellada (Dão) ou, talvez, uma garrafa de Rapadas (Ribatejo). Mas se insiste em uma bebida mais encorpada e masculina, uma boa opção pode ser o Três Bagos (Douro). Ou, ainda mais intenso, um Terras do Demo (Beiras).
Sobremesa - Mamadinhas da Pousadinha de Tentúgal ou Espera-Marido à Transmontana:
A confeitaria portuguesa é muito rica e os doces conventuais são mesmo objectos de culto. O Espera-Marido é um doce simples que se faz com açúcar, ovos e canela em pó. Já a mamadinha é uma das maiores delícias surgidas nos conventos.
Digestivo – Licor de Merda:
É uma bebida da região de Cantanhede, feita à base de leite, baunilha, cacau, canela e frutas cítricas. Quem experimentou diz que é uma merda, mas muito gostoso.

5 - O QUE VAI PELOS ECRÃS

José António Baço

        Um dia destes a tevê educativa aqui da terrinha estava a anunciar a exibição do filme “A Boceta de Pandora”.
         Uau, pornografia na televisão do estado, pensei logo. Mas não. É aquele clássico do cinema, do início do século, que tem a atriz Louise Brooks como protagonista. Nem é preciso dizer que no Brasil a coisa atende pelo nome de “Caixa de Pandora”. O filme faz uma referência à mitologia grega e, em sentido figurado, fala da “fonte de todos os males”.
         É um exemplo para mostrar como o significado dos nomes de filmes podem mudar de um país para outro.
         Já viu, por exemplo, o filme chamado “O Puto”, do realizador (diretor) Stephen Frears? O título original é “The Snapper” e conta a história de uma rapariga (moça) solteira que fica grávida de um homem mais velho. “O Puto” em questão é a criança. É assim que se chamam os meninos pequenos.
         E “A Mulher do Homem do Talho”? O nome é estranho? Pois fique a saber que é uma comediazinha com a Demi Moore e que no Brasil atende pelo nome de “A Mulher do Açougueiro”. Porque aqui deste lado do Atlântico, açougue é “talho” e açougueiro é “talhante”.
         E, permitam um parênteses, há por aqui alguns “talhos equídeos”. Ou seja, açougues especializados em carne de cavalo e aparentados. A verdade é que esse não é um hábito alimentar muito comum entre os portugueses. Nunca vi ninguém comprar ou comer esse tipo de carne, mas se há talhos equídeos é porque deve haver consumidores. De qualquer forma, a diferença em relação ao Brasil é que por aqui as pessoas que comem carne de cavalo sabem que estão a comer carne de cavalo. Alguém, no Brasil, sabe o que acontece aos burros quando eles ficam velhos?
         Mas voltemos aos filmes que temos visto nos ecrãs (tela) portugueses.
         Já viu “O Melga”? É que no Brasil esse filme, protagonizado pelo ator Jim Carrey, aquele das “carantonhas”, recebeu o nome de “O Pentelho”. O significado de pentelho e melga é o mesmo: um chato. A origem é a “melga”, aquele inseto zunidor que no Brasil chamamos pernilongo.
         Os portugueses não demorariam para entender o significado de “O Professor Aloprado”, filme com o Eddie Murphy. É quem em Portugal a palavra é parecidíssima. Diz-se “alorpado” e vem de “lorpa” (tonto). Mas os brasileiros não saberiam o que significa “O Professor Chanfrado”. É a mesma coisa. “Chanfrado” é um sujeito “pírulas”.
         “Voando Sobre um Ninho de Cucos” foi escolhido recentemente como um dos 50 melhores filmes da história do cinema norte-americano. Tudo a ver com o “Estranho no Ninho”, que tem o Jack Nicholson como ator principal.  
         A mesma lista inclui ainda “O Padrinho”, mais conhecido no patropi como “O Poderoso Chefão”.
E “Os Salteadores da Arca Perdida”? Essa é fácil.
         “Um Eléctrico Chamado Desejo”? Não tem erro: “Um Bonde Chamado Desejo”. É que em Portugal os bondes são chamados de “eléctricos” e ainda hoje são uma das principais atrações turísticas de Lisboa. O itinerário 28 é algo que se recomenda. Passa por perto de Alfama, um dos bairros mais famosos da cidade, pela Graça, de ruas estreitas e casario centenário, e próximo ao Castelo de São Jorge, o principal cartão-postal da cidade.
         Aliás, por falar em “eléctrico”, permitam-me contar uma anedota que ouvi de um amigo português. O jogador brasileiro veio para o time do Belenenses e nos primeiros dias de treinos ia para o Estádio do Restelo no tal bondinho. Num desses dias “chovia a potes” e o único passageiro do eléctrico era o tal jogador. O “guarda-freios” - o motorista da coisa - percebeu que o gajo estava sentado sob uma goteira e a tomar a maior “molha”. Então sugeriu:
- Ó brasileiro, por que não trocas de lugar?
E o jogador respondeu:
- Trocar com quem, se eu tô sozinho no bonde?
É mole? Agora até já contam piada de brasileiro...


4 - BACALHAU É BOM PRA CHUCHU

        Um dia destes voltava para casa de “autocarro” (ônibus, em brasileiro) quando à minha frente dois homens, já meio “entradotes” (de idade mais avançada) proporcionaram um diálogo que, ouvido por um brasileiro, seria de “partir a moca” (rir muito).
         É que àquela altura apareceu uma novidade nos supermercados: o chuchu.
         O problema dos dois senhores, que seguramente estavam à frente de algo desconhecido, começava já pela pronúncia. Não diziam chuchúúú, como no Brasil. Era algo parecido com chucho.
         Depois era a questão da origem. Um dos homens, com um ar  professoral, dizia ao outro que o chuchu vinha dos Açores, que nascia em grandes árvores e que os maiores chegavam a pesar 3 ou 4 quilos...
Fruto estranho esse chuchu.
         E o que se faz com o chuchu? O homem começou a elaborar todas as hipóteses. Sopa, suflê, tarte. A única coisa que não lhe pareceu provável é que o chuchu servisse para uma simples salada.
         Mas surrealista mesmo foi quando disse que ia bem com bacalhau. O outro homem, que nada sabia sobre o chuchu  mas via no bacalhau a glória nacional, pôs logo um ar de dúvida. O primeiro, com um jeitão de “saca-buchas” (astucioso) respondeu no ato. “Então, nunca ouviste dizer que o bacalhau é ‘bom pra chuchu’? Vem daí...”
        Os portugueses usam a expressão “bom pra chuchu”, que, como é óbvio, foi tirada das telenovelas brasileiras.
        Aliás, a maioria  conhece o Brasil das novelas e muitas vezes entende as coisas pela metade.
         A caipirinha, por exemplo.
        É um pedido infalível quando vão às churrascarias brasileiras (aqui há várias e uma refeição num rodízio não sai por menos de 70 reais). O que eles não sabem é que no Brasil a caipirinha é tomada como aperitivo e não a acompanhar as refeições. Os sujeitos tomam caipirinha como quem bebe cerveja e depois ficam a reclamar que cada vez que vão a uma churrascaria apanham uma grande “bisana” (bebedeira).
        “O Xangô de Baker Street”, de Jô Soares, também fez um enorme sucesso em terras lusas. E o fascínio pela caipirinha é tanto que toda vez que algum português cita o livro acaba por falar na parte em que o autor põe-se a “magicar” (inventar) sobre o surgimento da bebida.
         É sempre bom lembrar que os portugueses são um povo “dado aos copos” (bebem muito). O que não é de estranhar, já que em Portugal são produzidos alguns dos melhores vinhos do mundo.
          Outra bebida brasileira que está no imaginário luso é o chope. Há um similar por aqui e que atende pelo nome de “imperial”. Portanto, se estiver em Portugal, peça uma imperial ou “cerveja de pressão”. Mas se não gosta de chope, tente uma “bejeca”, que é como chamam a cerveja em garrafa. Se quer uma coisa mais forte, experimente um “submarino”, mistura de imperial com bebidas destiladas. Dizem os portugueses que o submarino dá uma “grande pica” (traduzindo: pega forte). A propósito, por aqui “pega” tem dois significados. Pode ser uma alça ou também uma prostituta (mas neste último caso diz-se “pêga”).
        E por falar em “grande pica”, na verdade os mais jovens pronunciam a expressão de maneira diferente. Dizem “gaaanda pica”. Outra coisa que soa estranho é a subversão da palavra “muito”. Dizem “muita”. Tipo “aquela garina é muuuita boa”. Ou “aquele chavalo é muuuita porreiro”. “Garina” é uma moça bonita, “chavalo” é um rapaz e “porreiro” é legal.
        E, como pode ver, o português e o brasileiro são mesmo línguas muuuita diferentes.


3- O BOM SEXO E A MÁ LÍNGUA

“Má língua”.
É provável que o leitor brasileiro nunca tenha ouvido esta expressão, mas consegue deduzir facilmente o seu significado. Isso mesmo: é falar mal de tudo e de todos. É engraçado que ela exista em Portugal mas não se tenha espalhado para os outros países de língua portuguesa. Mas tem explicação: a “coscuvilhice” (bisbilhotice, mexerico) é o “desporto” preferido de muitos portugueses.
É só andar nos transportes públicos e ouvir. As pessoas estão sempre a falar mal dos outros, em especial dos colegas de trabalho. Por algum motivo o português comum acha que os outros são todos uns “calões” (folgados), que não fazem “népia” (nada).
Aliás, não há nada mais irritante que a palavra “colega”. Tudo é o colega que resolve. Você vai a um bar e chama o garçom (aqui é “empregado de mesa”) e ele vem logo dizendo: esta mesa quem atende é o meu colega. Vai a uma repartição pública e lá vem a ladainha: “isto não é comigo, é com a minha colega”.
Há muitos portugueses do tipo “fala-barato” (adoram conversa fiada) que não conseguem controlar a língua. Uma pessoa mal fica a saber alguma coisa e vai logo “meter no cu” da outra.
Oooops, perdão. Mas é que a expressão “meter no cu” significa contar qualquer coisa a outra pessoa. Sem malícia, por favor.
Se você juntar mais que dois sujeitos, pode esperar que a má-língua vai começar.  Os caras estão sempre a dizer que não-sei-quem deu uma “facada no matrimónio” (traiu a mulher) e deu uma “queca” (trepou) com não-sei-outra-qualquer. Ou então vêm com papo do tipo aquele gajo é “paneleiro” (viado), que aquela  gaja é “fufa” (sapatão). Mas, neste caso, entre o Brasil e Portugal só mudam mesmo as palavras. O comportamento é o mesmo.
Mas não é de estranhar que o tema sexo seja um trauma nacional.
A vida sexual do português médio é uma tremenda “seca” (diz-se sééééca e significa uma grande chatice). Ainda é frequente, por exemplo, as mulheres casarem com o primeiro namorado. E um sujeito que já transou com mais de 5 mulheres - sem precisar casar ou frequentar as “casas de passe” - tem enormes chances de ser considerado maratonista sexual. A propósito, as casas de passe nada têm a ver com macumba... são prostíbulos.
Com tanta contenção, não estranha que indústria do sexo vá de vento em popa.
Aliás, a má-língua nacional associa as mulheres brasileiras à libertinagem.
E, orgulho da nação, o produto brasileiro tem muita aceitação. É só abrir os jornais e ver os anúncios de sacanagem do tipo “brasileira, morena... recebe para convívio”. Ou “Alô, alô, Brasil... duas morenaças desinibidas...” Num dias destes uma revista nacional publicava uma matéria em que uma prostituta brasileira dizia ganhar mais de 10 mil dólares por mês. Rico “mealheiro” (é o cofrinho da poupança).
Faz alguns anos a “selecção” portuguesa de futebol foi envolvida num escândalo que fez “correr muita tinta” na imprensa: o Caso Paula. Com mais algumas amigas, uma prostituta brasileira - que deu nome ao escândalo - foi infiltrada no hotel onde os jogadores cumpriam o “estágio” (concentração). O problema é que a certa altura um dos tipos decidiu espancar a moça, que foi parar ao hospital, com a “carola partida” (cabeça rachada). Tempos depois a moçoila foi descoberta pela SIC (rede de televisão ligada à Globo), que apresentou um longo depoimento e deixou alguns jogadores metidos em “sarilhos” (problemas).
Mas, de maneira geral, os portugueses pensam muito em sexo. Pensam, pensam, pensam... e ficam apenas nisso.
É que a indústria do sexo tem uma falha estrutural. Não há motéis. E essa gente toda não tem um lugar para liberar as “hormonas”. E depois, quando dizem que os portugueses são um povo melancólico, dá pra entender. Sem motéis, não é para menos.
         A propósito, srs. empresários, aqui está um negócio de futuro: motéis.
José António Baço - Professor e publicitário


2 - Mauricinhos, betinhos e marmanjos de camisola

     Os portugueses não gostam de admitir, mas a verdade é que ao longo dos últimos anos, resultado de overdoses de telenovelas, acabaram por assimilar algumas expressões tipicamente brasileiras (na verdade muitas são portuguesas e ancestrais, mas que os portugueses abandonaram e os brasileiros conservaram). A televisão produz, de certa forma, uma colonização ao contrário.
    Faz alguns anos o GNT (uma coisa parecida com a Globo) entrou na programação da TV por cabo em Portugal. Uma das primeiras atracões, uma espécie de “vale a pena ver de novo”, era a novela “Sassaricando”, que passou em “reposição” (reprise, em brasileiro).
    Não vi acontecer, mas o peixe me foi vendido assim. Quando estreou na televisão portuguesa, já há largos anos, essa novela fez surgir uma expressão hoje muito usada: “betinho”. É inspirada num dos personagens, um publicitário chamado Beto, que era do tipo todo arrumadinho, que só usava roupa de grife e essas coisas. O betinho é o equivalente do mauricinho brasileiro. Não sei se é verdade, mas a coisa faz sentido. Aliás, enquanto no Brasil surgiu a figura da patricinha, por aqui as meninas são betas ou betinhas.
    As transmissões televisivas em Portugal são “em diferido” (videotape) ou “em directo” (ao vivo). As transmissões ao vivo são, na maioria das vezes, os jogos de futebol. E embora os “adeptos” (torcedores) portugueses gostem do futebol brasileiro, a terminologia mantém muitas diferenças.
    Se bem que há um locutor que tem um bordão reconhecível:
-      Ripa na rapaqueca!
    Qualquer semelhança com o “ripa na chulipa e pimba na gorduchinha” do Osmar Santos será mera coincidência?
    O fato é que quase não há influências na linguagem do “desporto”, em especial do futebol. Goleiro é “guarda-redes”. Falta é “livre”. Torcida é “claque”. Gol é “golo”. Time é “equipa” (mesmo com “a”). O Dunga seria “trinco”. Ronaldo “avançado de centro”. Tiro de meta é “pontapé de baliza”. Os jogadores de seleção são “internacionais”. Bola é “esférico”. Escanteio é “canto”. Camisa é “camisola”.
    Você, leitor, gostaria de ser visto vestindo uma daquelas camisolas sexy da sua namorada?
    Futebol é isso: 22 “matulões” (marmanjos) de camisola correndo atrás de uma bola.
    O juiz poucas vezes é ladrão, mas “gatuno”. E aqui a honra das mães é mais respeitada que no Brasil. Não se usa o coro tradicional das torcidas brasileiras:
-      Filho da puta, filho da puta, filho da puta.
    Na maioria das vezes os impropérios são dirigidos à vida conjugal do ofendido: 9 entre 10 adeptos preferem xingar o juiz de “cabrão” (deve ser por causa dos cornos). Bandeirinha é “fiscal de linha”.
    Os jogadores brasileiros formam o maior contingente de estrangeiros em Portugal. E tem neguinho que, mesmo sem suar muito a camisola, anda a ganhar uma “pipa de massa”, “balúrdios”, salários “chorudos”. O que, traduzindo, quer dizer muita grana.
    Por falar em altos salários, um dos jogadores mais bem pagos do mundo é o português Luís Figo, do Real Madrid. O mais engraçado é que a expressão “não vale um figo” é usada para indicar algo que não vale nada. Pode-se também dizer que o “gajo é um nabo”.
    Como se vê, os vegetais têm dado origem a muitas expressões. “Boa como o milho”, por exemplo, é a mais usada para descrever as mulheres boazonas. Mas há quem diga “boa como o bom melão”.
    Portanto, se ainda acredita que falamos a mesma língua, prepare-se para “ficar com um grande melão”. O que, traduzido, significa ter uma grande decepção. Porque algumas diferenças de linguagem são mesmo de “partir o coco a rir” (rir a bom rir).
         E chega de abobrinha. Que aqui, por sinal, chama-se “cougerte” (fino, não?).

José António Baço - Professor e publicitário

1 - O PRESIDENTE E AS CUECAS

"Itamar fotografado ao lado de modelo sem cuecas".
A manchete, publicada num tradicional jornal português alguns carnavais atrás, apanhou-me de supresa. "O presidente fotografado sem cuecas?", perguntei-me, atônito, já imaginando o qüiproqüó que o fato deveria estar gerando no Brasil. Foi necessário ler a matéria para entender o que as "parangonas" (a manchete, em brasileiro) queriam dizer. Estavam a noticiar o episódio envolvendo o então presidente e a modelo Liliam Ramos, líder do Movimento das Sem-Calcinha.
É que em Portugal a palavra "cueca" aplica-se tanto à peça de roupa íntima feminina quanto à masculina. E eu, português recém-retornado, não estava acostumado com o fato de as mulheres usarem cueca (e ainda não estou, confesso). Tudo isso para mostrar o lado curioso da "lusofonia", um assunto de que se tem falado muito nos últimos tempos, em especial por aqui.

Parece que em Portugal e no Brasil fala-se a mesma língua, mas é uma mera ilusão. Se bem que, resultado de anos de telenovelas, os portugueses conseguem entender melhor os brasileiros. Já a recíproca não é verdadeira, e há casos em que os intérpretes são providenciais.

Uma amiga brasileira esteve em Portugal e comprou umas lembrancinhas. Com o pacote na mão, pediu ao vendedor para passar um "durex". O homenzinho pigarreou e, meio sem jeito, disse não entender. "Um durex", insistiu ela. Foi necessária a intervenção para explicar ao pobre sujeito que ela queria uma "fita-cola". Porque "durex", em Portugal, é uma marca que se tornou sinônimo de camisinha.

As diferenças podem produzir um verdadeiro fado do crioulo doido. Se um dia estiver em Portugal e alguém o ameaçar com uma "pica no rabo", não é preciso "andar à pêra" (ou, traduzindo, sair na porrada): é uma simples injeção na bunda. Aliás, os portugueses raramente usam a palavra bunda: o termo mais comum - e que não ofende ninguém - é "cu". Não ruborize: os portugueses usam a palavra com a maior naturalidade. É a mesma coisa com "rabo", que para os brasileiros tem uma conotação algo libidinosa. Em Portugal, é um termo para lá de inocente. Há mesmo uma campanha de fraldas na televisão que usa o seguinte slogan: "Rabinho seco, bebê feliz". Aliás, bebé.

Mas, voltando à questão da "pica". É um termo mais usado quando se fala aos "putos". Os putos, fique sabendo, são as crianças do sexo masculino. Você pode então pensar que as meninas seriam as putas. Mas não: elas são "miúdas" ou "cachopas". Quando crescem, passam a ser chamadas "pitinhas" pelos rapazes, os mesmos que já foram putos e, ao atingirem a adolescência, passaram a ser "chavalos".

E quando quiser falar em dinheiro, não fale em "pilas", como é hábito em muitos lugares do Brasil. É que pila em Portugal tem a ver com as partes masculinas. Um café, por exemplo, não custa 70 pilas, mas 70 "paus". Paus? Pilas? E não é que deu na mesma... Aliás, o café não se chama café, mas "bica". Ou, pasmem, "cimbalino" (no Norte). É um verdadeiro ritual dos portugueses. Já um "bico", que no Brasil significa um pequeno trabalho, em Portugal tem conotação sexual. É o que a Divine Brown fazia no Hugh Grant quando os dois acabaram na "choldra" (traduzindo, no xilindró).

A continuar, dava para escrever um livro. E, quem sabe, um dicionário português/português era um bom começo para o tal acordo ortográfico. De qualquer forma, fica o aviso: se pretende um dia visitar Portugal, talvez um intérprete não seja má idéia. Já no avião, peça informações à "hospedeira". Não sabe o que é hospedeira? Eu bem avisei que não era a mesma língua.
José António Baço - Professor e publicitário