A RAPARIGAS, A REGRAS E SIMILARES Se o substantivo se encontra no plural, como nestes casos e em encadeamentos semelhantes, e quanto a isso parece ninguém ter dúvidas, qual será a razão, a não ser a preguiça mental ou o preciosismo, que leva certos locutores, e até alguns políticos de renome, a deixar o artigo definido no singular, em vez de colocá lo no plural, quando a palavra seguinte começa por um r? Provavelmente nem eles o sabem! Ora, para obviar, portanto, a este lapso, que se está a tornar já muito frequente, será melhor dizer se, como toda a gente de loquela normal: âge raparígâche, âge régrâche em lugar das disparatadas articulações: â râparígâche, â régrâche, que não se devem admitir, nem por brincadeira, na linguagem de pessoas tão responsáveis como aquelas atrás referidas.
Quem se exprime erroneamente de maneira apontada em epígrafe, com os artigos definidos no singular e os substantivos no plural, certamente se esquece de que as leis da concordância gramatical não podem nem devem ser arbitrariamente modificadas, ainda que seja para poupar alguns segundos na leitura do texto exarado no teleponto.
Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costai
in "Jornal dos Olivais"
ALERTA MÁXIMO À semelhança do que já referimos algures a respeito do encadeamento vocabular "certeza absoluta", cujo adjectivo se dispensa muito bem, pois a certeza nunca foi dubitativa, mas sempre categórica, também não precisamos de fazer acompanhar a palavra alerta de qualquer qualificativo, porque a situação de vigilância (alerta) já obriga implicitamente os agentes, que para ela foram solicitados, a dispensar a maior atenção a tudo quanto possa vir a suceder.
A palavra alerta (leia se àlérta) com mais de um século de existência no linguajar português, proveio da expressão italiana all'erta, ao principio de emprego apenas castrense, a qual indicava propriamente um apelo para os soldados subirem com rapidez a encosta, declive ou ladeira (em italiano erta) a caminho das torres do castelo, a fim de se colocarem numa posição defensiva contra os iminentes assaltos do inimigo.
Em conclusão: quando pretendemos empregar o vocábulo alerta, sinónimo das locuções de vigia ou de atalaia, nunca lhe deveremos acrescentar qualquer adjectivo, porque a sua adjunção, como é evidente, tornar se ia supérflua.
Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costai
in "Jornal dos Olivais"
ELISÃO DE SILABAS INICIAIS Na sua precipitação, aliás compreensivel, de se desembaraçarem rapidamente da leitura das noticias facultadas pelos teletextos, alguns locutores televisivos (sempre os mesmos) elidem sistematicamente a primeira silaba de certas palavras começadas por es , facto que pode provocar alguma confusão no espirito de alguns telespectadores menos elucidados. É o que sucede, por exemplo, com as palavras escravos e escolas, que se podem confundir, quando articuladas no plural, com os vocábulos cravos e co/as. Profira se com mais cuidado assim: uzescravos e azescolas, em lugar de os 'cravos e as 'colas, como habitualmente se ouve dizer aos microfones de algumas estações televisivas e radiofónicas.
Barbarismos da Linguagem Corrente
por
Francisco Alves da Costai in "Jornal dos Olivais"
CONTRATUALIZAR Este verbo, de 14 letras, nunca existiu em português. Foi criado arbitrariamente por uma senhora ministra, sempre muito bem falante e voluntariosa, no decurso de uma breve alocução pública sobre problemas do ambiente. Porque se trata de um neologismo dispensável, não consideramos curial a sua adopção. O nosso modesto verbo. contratar, sinónimo de ajustar combinar, constituído apenas por 9 letras, e já com séculos de existência, é mais do que suficiente para exprimirmos o nosso pensamento.
Barbarismos da Linguagem Corrente
por
Francisco Alves da Costa
in "Jornal dos Olivais"
CONTRADANÇA DE IMPERATIVOS Já temos encontrado, no decurso das nossas leituras, particularmente nas de natureza histórica, formas imperativas, de abstrusa indumentária, que nunca existiram na linguagem portuguesa, tais como: abride, saide e ouvide, em lugar de: abri, saí ouvi. Não imitemos, nem que seja por brincadeira, exemplos semelhantes, que só desdouram a prosa de quem os utiliza, embora todos nós dormitemos de vez em quando, como acontecia a Homero.
António de Campos Júnior também incorreu no erro, ao escrever assim, na página 13, IV volume, do seu romance "Rainha Madrasta", dado à estampa em 1957: "Ouvide! Ouvide! Ouvide! clamou o rei de armas". E, mais adiante, na página 192 da mesma obra: " Abride passagem intimaram na sua língua os dois escuteiros, metendo os cavalos para diante." Aquele escritor, aliás muito correcto na sua redacção, ainda tropeçou noutro lapso, quando redigiu assim o seguinte passo, extraído igualmente da página 259 daquele romance: " Vós aqui! Deixai me! Saíde também!"
Barbarismos da Linguagem Corrente
por
Francisco Alves da Costa
in Jornal dos Olivais
CADÁVER Consoante ensinou Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, a páginas 141 do seu livro "Ortografia Nacional", publicado em 1904, o plural deste substantivo não é cadáveres, com o primeiro e aberto, mas sim surdo, como o de viveres (acrescentamos nós). Recorde se, a propósito, a pronúncia do seu correspondente francês cadavres, que serve muito bem de elemento comparativo.
Barbarismos da Linguagem Corrente
por
Francisco Alves da Costa
in Jornal dos Olivais
do Ciberdúvidas
Tema
Remuneração /salário / ordenado / vencimento
Pergunta/Resposta
Qual das seguintes palavras será a mais correcta para nos referirmos ao rendimento dum trabalhador por conta de outrem: remuneração, salário, ordenado ou vencimento?
Obrigado.
Nuno Santos
Tec. administrativo
Lisboa
Segundo os dicionários consultados, remuneração (do latim "remuneratione ") é ordenado, salário, recompensa, prémio, paga, etc. Salário (do latim "salariu ") significa remuneração por um trabalho prestado, paga, jornal, recompensa, soldada, etc. Ordenado (do latim "ordinatu ") é vencimento, salário, etc. Vencimento (de vencer+ mento) significa, entre outras coisas, ordenado, salário, expiração do prazo para o pagamento de uma letra. Parece me que todos estes termos são aceitáveis, embora, pelo menos em Portugal, se usem mais, na situação que refere, os vocábulos ordenado e vencimento.
C.M.
Tema
Igualinho / igualzinho
Pergunta/Resposta
Olá, pesquisei este assunto na base de dados, mas nao encontrei, por isso venho perguntar como se deve dizer: Igualzinho ou igualinho? Ouço muitas vezes ambas as formas; mesmo na comunicação social, por vezes utiliza se uma, por vezes outra.
Desde já obrigado.
Pedro Ribeiro
Portugal
Tão correcta é uma forma como outra. Ambas elas são derivadas de igual com o sufixo inho. Em igualzinho, temos o sufixo inho ligado ao adjectivo igual por meio da consoante de ligação z: igual+ z + inho. Em igualinho, temos o mesmo processo de derivação, mas sem a consoante de ligação: igual+ inho.
Empregar uma forma ou outra depende do gosto de cada um
J.N.H.
do Ciberdúvidas
Tema
La Palice (ou La Palisse)
Pergunta/Resposta
Qual é a origem da expressão: verdade de La Palice? Será assim que devo escrevê la?
Mafalda Magalhães
Portugal
Em Portugal, empregam se as duas grafias: La Palice ou La Palisse.
Uma verdade de La Palice (ou lapalissada / lapaliçada) é evidência tão grande, que se torna ridícula. O guerreiro francês Jacques de Chabannes, senhor de La Palice (1470 1525), contudo, nada fez para denominar hoje um truísmo. Fama tão negativa e multissecular deve se a um erro de interpretação. Na sua época, este chefe militar celebrizou se pela vitória em várias campanhas. Até que, na batalha de Pavia, foi morto em pleno combate. E os soldados que ele comandava, impressionados pela sua valentia, compuseram em honra dele uma canção com versos ingénuos:
"O Senhor de La Palice / Morreu em frente a Pavia; / Momentos antes da sua morte, / Podem crer, inda vivia." O autor queria dizer que Jacques de Chabannes pelejara até ao fim, isto é, "momentos antes da sua morte", ainda lutava. Mas saiu lhe um truísmo, uma evidência.
Segundo a enciclopédia Lello, alguns historiadores consideram esta versão apócrifa. Só no século XVIII se atribuiu a La Palice um estribilho que lhe não dizia respeito. Portanto, fosse qual fosse o intuito dos versos, Jacques de Chabannes não teve culpa.
J. C. B.
Barbarismos de Linguagem
por Francisco Alves da Costa Jornal OlivaisPEDONAL Há pessoas que, pelo facto de se encontrarem a desempenhar lugares de certa proeminência oficial, se julgam com o direito de introduzir palavras novas (quantas vezes de formação espúria, como esta!) no linguajar quotidiano. Ora tal privilégio, segundo a tradição, está apenas reservado aos escritores consagrados ou aos filólogos de renome, não a qualquer pessoa menos categorizada (o povo chama lhe habitualmente bicho careta), que pretenda sobressair dentre os seus confrades pelo emprego de palavras aperaltadas, cujo sentido nem ela muitas vezes consegue aprender. Vem este arrazoado a propósito do neologismo pedonal, agora muito empregado em dísticos municipais, em lugar de pedestre, já com larga tradição entre nós, e que traduz optimamente a ideia que pretendemos transmitir aos outros. Este adjectivo quer dizer, como todos sabemos, excepto os presumidos criadores de pedonal, aquilo que se refere ao que anda ou faz a pé. Recordemos o exemplo de corrida pedestre, competição desportiva feita a pé. Ora, se nós já dispomos, há muitos séculos, deste vocábulo, de origem latina, para transmitir, com toda a clareza, as ideias atrás referidas, para que havemos de adoptar agora este apilarado pedonal, cujo significado não ocorre imediatamente às pessoas menos esclarecidas?
do Ciberdúvidas
Tema
Erros de português na publicidade
Pergunta/Resposta
Sou acadêmica do curso de Publicidade e Propaganda em São Luis MA, e estou colhendo opiniões e exemplos para um trabalho com o tema "Será válido o uso incorreto da lingua portuguesa na publicidade?"; caso sim, até que ponto?
Desde já obrigada e espero poder contar com a colaboração.
Camilla Rose Ewerton Ferro
Brasil
De modo algum considero válido abastardar a nossa língua, mesmo por motivos publicitários. Isso devia ser totalmente condenado, como se faz, legalmente e com êxito, em França. Não há justificação possível para abandalhar a Língua. A sua evolução natural, ao longo dos séculos, é suficiente para a modificar, mas contra tal facto nada há que fazer; sucede isso com todos os idiomas, levando os por vezes ao seu desaparecimento, muitas vezes sem descendência, sobretudo quando acabam por morrer todos os seus falantes (isto sucedeu, por exemplo, com o dálmata, língua novilatina da Dalmácia, extinta no século passado).
F. V. Peixoto da Fonseca
08/03/00
Barbarismos de Linguagem
por Francisco Alves da Costa Jornal Olivais
PEDIR UM DESEJO Nas cálidas noites estivais, quando algumas estrelas se começam a precipitar em direcção ao solo, há sempre alguma pessoa amiga, a nosso lado, que se apressa a recomendar: "Pede um desejo!" Ora, esta expressão pode ser muito usual e prática, mas carece de propriedade, já que o verbo pedir não se considera aqui o mais adequado para expressão do nosso pensamento. Os desejos, em linguagem mais precisa, embora usada apenas literariamente, exprimem se, formulam se ou manifestam se, nunca se pedem, visto que, representando um acto voluntário, de natureza intrínseca, não dependem da concessão de ninguém para se realizarem.
do Ciberdúvidas
Tema
Pontuação com as aspas
Pergunta/Resposta
Agradecia ser esclarecida sobre se a pontuação do exemplo que apresento está correcta ou se o ponto e vírgula deve figurar a seguir às aspas sem necessidade de pôr o ponto final. E se, em vez das aspas, estivesse um parêntesis?
O Jornal Oficial das Comunidades Europeias refere o seguinte: «Insistem na necessidade de secundar as políticas de desenvolvimento económico com políticas de integração específicas, sistemáticas e coerente;".
Obrigada.
Isabel Barral
Portugal
Não há verdadeira unanimidade na pontuação, quando em presença das aspas no fim duma transcrição.
O geral é o seguinte: primeiro as aspas, depois os sinais de pontuação. Exemplo: 1. O João disse me: "A minha mãe regressa amanhã". Põe se entre aspas as palavras do João. O ponto final interpreta se como sendo da linguagem de quem escreve.
Vejamos agora esta frase:
2. O Manuel perguntou me: "A tua mãe regressa amanhã?".
Aqui, as aspas vão depois do ponto de interrogação, porque este pertence não à linguagem de quem escreveu, mas à de quem fez a pergunta. As aspas emglobam a frase completa de quem fez a pergunta. Logo a seguir vem o ponto final, para indicar o final da linguagem de quem escreveu.
Conclusão: a frase está bem pontuada: ponto e vírgula, porque este sinal está no texto supõe se; aspas, porque elas estão a fechar a linguagem que se transcreve; ponto final, porque ele encerra a linguagem de quem transcreveu.
Quem transcreve, corta a linguagem transcrita onde prefere. Suponhamos que essa pessoa tinha resolvido cortar essa linguagem, não depois do ponto e vírgula, mas antes. Então a transcrição apareceria assim:
3. "() específicas, sistemáticas e coerente".
Como as opiniões divergem, pode haver quem não concorde.
Cf. As aspas, outra vez.
J.N.H.
do Ciberdúvidas
Tema
Língua portuguesa Portugal/Brasil
Pergunta/Resposta
Sou brasileiro e muito me orgulho da língua portuguesa, a qual considero uma das mais belas do mundo. Sei que existem diferenças vocabulares entre nossos dois países, em várias áreas, como informática (por exemplo, cá dizemos "arquivo" e aí dizem "ficheiro"...), esporte (na área futebolística as diferenças são grandes também...) entre outras áreas. Isso porém não impede a compreensão (a não ser em alguma ocasiões) da modalidade brasileira e portuguesa de nosso idioma. Gostaria de perguntar a vossa opinião se num futuro distante seria possível que a variante brasileira do português venha a se tornar tão diferente do português lusitano que possa ser considerada uma nova língua. Existe essa possibilidade? Agradeço vossa atenção e aproveito a oportunidade para felicitá los pelo maravihoso trabalho que realizam!
Rafael Humberto Scapin
Brasil
Agradaram me muito as suas palavras de elogio à nossa comum língua. De facto/fato a língua de Camões e de Machado de Assis é extremamente generosa na sua versatilidade e um encantamento nas suas formas carinhosas.
Como escreveu, são muitas as diferenças de termos usados em Portugal e no Brasil para iguais conceitos. Mas não admira. Isso acontece até num mesmo país. Os meus compatriotas que dizem aloquete ou loquete não estão errados, lá porque na minha região se diz cadeado.
Ora não é pelas variantes que há o risco de surgir uma separação drástica entre o português usado em Portugal e o usado no Brasil. Aliás, tem havido um esforço persistente dos linguistas/lingüistas dos dois países em aproximar as duas grafias, o que se nota bem nas duas normas em vigor.
O risco está nos políticos. Muitos não se cansam de falar, mas pouco fazem para a união da língua. Outros, por qualquer razão obscura, podem mesmo vir a provocar um fosso artificial, difícil depois de transpor.
Fosso efectivamente/efetivamente artificial. Dou um exemplo disso em Portugal. A tradicional rivalidade entre Porto e Lisboa tem sido tolamente exarcebada no futebol (curiosamente sempre mais entre o Futebol Clube do Porto e o Sport Lisboa e Benfica). Ora bem, aproveitando essa rivalidade tradicional, alguns políticos tentaram fazer uma separação por regiões entre o Norte e o Sul de Portugal; e toda a gente pensava que era essa a vontade do povo nortenho, no palavreado dos políticos. Mas, curiosamente, num referendo nacional, o Norte disse rotundamente não. Interpreto esta resposta como uma afirmação da nobre gente do Norte, inequívoca, de que não quer largar um Sul que também lhe pertence. Os políticos estavam errados. As raízes que unem todos os portugueses foram mais fortes. E Lisboa sabe que há para aqueles lados um "Porto Seguro", extremamente patriota, com que pode contar nos momentos de crise.
Da mesma maneira entre Portugal e o Brasil todo o fosso que os políticos venham a criar será sempre um pouco artificial, na amizade sincera que une portugueses e brasileiros, alguns mesmo com ancestrais comuns, primos na verdadeira acepção da palavra.
Julgo que, também, se houvesse um referendo aqui e aí sobre o futuro do português, a resposta por esmagadora maioria seria: "livres nas variantes, sim, mas cada vez mais irmãos nesta nossa amorável língua".
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho
03/03/00
do Ciberdúvidas
Tema
Abreviaturas/abreviações, regras
Pergunta/Resposta
Gostaria de saber quais as regras para o uso de abreviaturas (plural e singular).
Se possível, gostaria de indicações sobre materiais que falem sobre o assunto.
Rafael
Brasil
As regras que sigo nas abreviaturas são, em linhas gerais:
i É costume usar as primeiras letras da palavra abreviada (ex.: observação: obs.)
ii Podem se usar também as últimas letras, em expoente (ex.: Manuel: M.el ) ou não (ex.: Senhora: Sra.)
iii Quando se usam letras em expoente, o ponto fica imediatamente antes destas letras e não depois (ex.: Padre: P.e e não "Pe.".
iv Nas abreviaturas dos nomes, as letras são todas obrigatoriamente seguidas por pontos (ex.: Silvas Filho: S.F.). Mas muitas siglas já são escritas sem pontos (ex.: ONU). Os símbolos das unidades também não têm pontos (ex.: kg)
v Algumas vezes as abreviaturas são conjuntos separados por espaços (ex.: Nota da redacção/redação: N. da R.)
vi Normalmente não é indicado o plural nas abreviaturas, mas quando essa indicação é necessária, acrescenta se o s (ex.: páginas: págs.; Excelências: Ex.as). Também se pode duplicar a letra quando a abreviatura for uma única letra (ex.: páginas: pp; letras bês: bb).
O "Vocabulário Ortográfico da Academia das Ciências de Lisboa" e a "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira" têm uma vasta lista de abreviaturas recomendadas. Algumas desactualizadas/desatualizadas. Quem nos seus trabalhos usar abreviaturas pouco conhecidas ou de escolha particular, deve indicar a convenção que adoptou/adotou. É costume, na primeira vez que se menciona uma designação num texto, indicar a abreviatura que a representará no seguimento, se for esse o caso. Sublinha se que as abreviaturas são um código especial dentro do código geral da escrita. Não deve ser usado no pressuposto de que toda a gente interpreta convenientemente esse código. Em certas alturas da História, o uso das abreviaturas foi condicionado, atendendo aos abusos verificados. Os elementos substanciais dos documentos (por exemplo, nomes de pessoas, quantias, etc.) não devem ser abreviados. Designa se por braquigrafia a doutrina que estabelece os princípios a que devem obedecer as abreviaturas.
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho
do Ciberdúvidas
Tema
Pronúncia de sc , xc e s s
Pergunta/Resposta
1. Como é que devem ser pronunciadas as palavras fascinar, descer, crescer e seus derivados? No programa da RTP Internacional pronunciam nas sempre assim: fachinar, decher, crecher. Mas, no bom dicíonario português alemão da Langenscheidt (autores: Friedrich Irmen e Ana Maria Cortes Kollert) regista se apenas a pronúncia com o s pronunciado, ou seja, sc pronuncia se / xs /. Qual a pronúncia correcta? Qual a pronúncia recomendável para os estrangeiros?
2. Como é que se pronunciam as palavras piscina, excelente, consciência? 3. Não acho correcto não pronunciar a consoante s inicial da palavra que segue depois da palavra terminada em s . É o que sempre acontece nos programas da RTP Internacional. Por exemplo: seis centos /seixêntux/, seus segredos /seuxegrêdux/, os seus /uxêux/, as suas /âxúâx/. Eu acho que deveria ser /seixcêntux/, /seuxcegrêdux/, /uxcêux/, /âxsúáx/. Quem terá razão? Eu ou a RTP?
T. Sugnetic
Croácia
Se, de facto, na RTP Internacional pronunciam como diz, está mal; o s tem de se ouvir, bem como o c, ou seja /xç/, p. ex. /dexcer/ ou /crexcer/. No dicionário que aponta / xs / deve indicar isto mesmo, com s com o valor de ç. É a única pronúncia correcta e recomendável. O mesmo sucede com as outras três palavras que cita, incluindo excelente = /exc(e)lêt(e)/. É o senhor que tem razão, e não a RTP. Apenas uma correcção: em seiscentos o ditongo é, em Portugal, proferido /âi/ na língua padrão ( êi é regional, dialectal). Parabéns pelo seu ouvido!
Tema
Pronúncia de ej
Pergunta/Resposta
As palavras: vejo, Tejo, veja, seja (e outras em ejo/ eja)
As pronúncias que já (ou)vi:
1. vêjo, têjo, vêja, sêja
2. vêijo, têijo, vêija, sêija
3. vâjo, tâjo, vâja, sâja
4. vâijo, tâijo, vâija, sâija
No Brasil ouve se a primeira (e mais raramente a segunda) pronúncia. Em Portugal ouvem se todas. Qual delas correcta/recomendada/não regional? Por favor, dêem me também a pronúncia exacta da palavra sexta. Já ouvi o e dessa palavra como ê, êi, â i âi.
Obrigado.
T. Sugnetic
Croácia
Tejo: com e aberto, única correcta/recomendada.
Veja e vejo: com âi; com ê(i), regionais.
Seja: idem (v. as duas formas verbais acima). As pronúncias só com â (n.º 3) são erróneas, mas ouvem se em certas zonas de âi , como na capital de Portugal.
Sexta é com âi na pronúncia normal, e com êi e ê nas regionais. Com â é completamente errónea.
F. V. Peixoto da Fonseca
do Ciberdúvidas
O Galego A propósito de uma questão que aqui li relacionada com o galego, gostaria de apresentar uma ideia: antes da existência de Portugal (e da língua portuguesa) falava se na península, para além da língua ou das línguas árabes, o galego, o castelhano, o catalão e outras que pudessem existir. Portugal iniciou se como um pequeno condado na região da Galiza onde se falaria galego ( e não castelhano ou catalão). A conquista do actual território português teria sido feita por esses homens e mulheres (!) de fala galega que se foi misturando com a língua dos árabes. Dessa mistura, e com o passar do tempo, surgiria uma língua nova o português!
Eu estudo ciências naturais e, como tal, não tenho conhecimentos suficientes para afirmar que aquilo que digo é verdadeiro. Mas gostaria de colocar, então, a minha questão: O galego, em vez de uma língua irmã do português, como li algures por aí, não será antes mãe? P.S.: Perdoem me se confundo as palavras língua, dialecto, ... , mas, como disse, esta não é a minha área de estudo.
L.S.
Portugal
Cibernota Não. Nem o Português é uma mistura de Galego com Árabe, nem o Galego é "a" língua mãe do Português. O processo de formação das línguas não é simples, linear, como não o é a formação de um organismo vivo. Há influências, interpenetrações, preponderâncias sociais, culturais e económicas que determinam a deriva linguística. Mas, de forma simplificada, podemos dizer que do encontro do Latim vulgar ( língua dos colonos romanos que ocuparam o Império e se «misturaram» com as populações autóctones) com as línguas locais nasceram as línguas românicas ou novilatinas: Português, Espanhol, Italiano, Francês, Romeno e Reto Romano.
Na Península Ibérica, ao tempo da invasão árabe, existiam já as línguas que se desenvolveram autonomamente, sem que o Árabe lhes alterasse o essencial da sua estrutura. Não esquecemos, evidentemente os contributos lexicais desta língua que enriqueceram os vocabulários peninsulares, com mais intensidade nos dialectos do Sul, como é notório e o saudoso Professor Orlando Ribeiro refere no seu "Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico". Não é por acaso que, quando no Sul se diz "alcatruzes", no Norte se diz "copos"; no Sul "alqueive", no Norte "decrua";no Sul "alperce", no Norte "damasco". E por aí fora... Dizíamos que existiam várias línguas novilatinas na Península: o galego português, o leonês, o castelhano, o aragonês e o catalão. Algumas desapareceram quase por completo restam pequenos territórios onde ainda se falam variantes. É o caso do leonês: do lado de cá da fronteira actual, restam dele o mirandês, o rionorês e o guadramilês. Outras evoluiram, como o galego português donde surgiram as duas línguas que hoje são faladas na faixa extremo ocidental da antiga Hispânia romana.
Teresa Álvares
do Ciberdúvidas
Tema
Deve se dizer
Pergunta/Resposta
Encontrei num dos vossos textos a construção: «... Aqui deve se dizer assim...». Apesar de estar bastante desactualizado em termos gramaticais, procuro falar correctamente e optaria naturalmente por: «Aqui deve dizer se assim...».
Qual das formas é a correcta, ou a mais correcta?.
Celestino Macedo Alves
Portugal
Tanto é correcto «deve se dizer assim» como «deve dizer se assim», mas não é indiferente empregar qualquer uma destas sintaxes. Temos de levar em conta o ritmo da frase e a eufonia. A frase «deve dizer se assim» tem o inconveniente de nela se encontrarem três sibilantes seguidas: dizer se assim. Tal facto torna a frase menos agradável ao ouvido. Infelizmente, há quem ensine que o correcto é «isto deve dizer se assim», porque o se pertence a dizer e não a deve. Quem tal asneira ensina não conhece, entre outras, esta obra de Cândido Figueiredo: "Colocação dos Pronomes".
J.N.H.
do Ciberdúvidas
Tema
Origem de "bardamerda"
Pergunta/Resposta
Um primo meu já falecido defendia que a origem da palavra "bardamerda" residia na expressão "beber da merda". É verdade?
Helder João Fráguas
Portugal
É possível o que diz, mas, se há palavras de etimologia difícil, as do calão, como é o caso, ainda o são mais. Nada mais lhe posso afirmar.
F. V. P. da Fonsecaß
do Ciberdúvidas
Tema
Estada e estadia
Pergunta/Resposta
Qual é a diferença entre estada e estadia? Eu julgava que as mesmas teriam o mesmo significado, sendo estada uma palavra mais antiga e estadia uma actual.
Beta
Portugal
São sinónimos. Estadia só é mais moderna porque é formada de estada com o sufixo ia. Mas, como quase todas as palavras sinónimas, há casos em que uma é preferível à outra; estadia, por exemplo, é normalmente a única empregada como termo da marinha mercante, embora se possa usar estada na mesma situação.
Cf. Estada "vs" estadia.
F.V.P.F.
doCiberdúvidas
Tema
Pai Natal, Pais Natais
Pergunta/Resposta
Gostaria de saber qual o plural de «Pai Natal»:
a)Pais Natal
b)Pais Natais
c)Os Pai Natal
Fernando Sousa
Portugal
Nesta denominação, o vocábulo Natal é adjectivo. Ora, como o adjectivo tem de concordar com o substantivo, o plural só pode ser Pais Natais.
J.N.H.
Tema
Restauração
Pergunta/Resposta
Hoje em dia é frequente o emprego desta palavra em substituição do "tradicional" sector de hotelaria. É correcto dizer se "sector da restauração"?
António Santos
Não nos parece correcto substituir o tradicional sector de hotelaria por restauração. Em Portugal, "restauração" está mais ligado a restaurar, isto é, reparar, consertar. É o trabalho que tem por fim pôr em bom estado uma obra danificada. No entanto, a origem de restauração/restaurante é a mesma. Veja se, por exemplo, o "Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa" de José Pedro Machado:"Sobre o fr. restaurant, transcrevo Bloch Wartburg: «restaurant, XVIIº, au sens d' «aliment qui restaure»; au sens moderne, 1765, date où fut ouvert le premier restaurant; on ne servait d'abord dans les restaurants que des bouillons, de la volaille, des oeufs, etc., mais non des ragoûts, comme le faisaient les traiteurs; le restaurateur Boulanger avait pris pour enseigne Venite ad me, omnes qui stomacho laboratis, et ego vos restaurabo, à l'imitation de certains passages de l'ÉvangiIe, mais la plaisanterie portait aussi sur de sens de restaurer en français», que era o de «redonner des forces en mangeant»".
Acreditamos que a adopção de restauração para designar o sector de hotelaria deve ter origem no francês "restauration" e nesse seu sentido de "restaurar forças". Ora, a verdade é que vamos ao restaurante para nos alimentarmos e não para restaurarmos forças. Quando precisamos de restaurar as forças, vamos ao médico, e não ao restaurante, porque "restaurar as forças" supõe degradação do organismo, ainda que pequena. Por tudo isto, dadas as acima descritas conotações que possui na Língua Portuguesa, seria melhor encontrar outro vocábulo para designar o sector ou na falta dele, manter se o de hotelaria.
J.N.H.
do CIBERDUVIDAS
Tema
Dinossauro: melhor do que dinossáurio
Pergunta/Resposta
Achei muito interessante o debate no Correio sobre dinossauro/dinossáurio, mas creio que falta uma conclusão em que se esclareça qual a palavra preferível, pelo menos segundo o Ciberdúvidas, atendendo a que F.V. Peixoto da Fonseca e J. Neves Henriques divergem. Não é possível ouvir mais alguém especializado em etimologia?
R. Santos
Inglaterra
Na minha opinião, é significativo que autoridades em etimologia, como o professor Rebelo Gonçalves, omitam o termo dinossáurio. E está correcta a explicação etimológica de José Neves Henriques. O sufixo " ios" é usado frequentemente em Grego para adjectivos, que depois, eventualmente, poderão ter sido substantivados. Por outro lado, pretender a excelência de um termo formado com um elemento grego ("deinos") e o outro latino ("saurios"), como faz um dos participantes no debate do Correio, é querer construir um hibridismo, o que é altamente desaconselhável. Talvez seja justificável para os cientistas de outras especialidades, mas não para os linguistas e são estes que sabem se a forma é, ou não, correcta.
O vocábulo dinossauro é corrente quer em Portugal quer no Brasil e, do ponto de vista linguístico, está mais bem formado do que "dinossáurio", que nem tem a seu favor a força do uso pelo maior número. Quando alguns persistem em empregar "dinossáurio", estão no seu direito de preferir uma palavra híbrida portanto, tecnicamente mal construída.
Existem muitos hibridismos no nosso léxico. Mas foram dicionarizados, e bem, por imposição do uso. Como é evidente, isso não acontece com "dinossáurio". Os linguistas que colaboram nos dicionários em Portugal podem registar este termo, mas, cientificamente, têm o dever de indicar: a) que ele foi mal formado; b) que tem uso restrito em alguns meios académicos; c) que se deve preferir o emprego de dinossauro, porque, além de etimologicamente correcto, é um termo corrente em Portugal e no Brasil.
Maria Leonor Santa Bárbara
16/12/99
do CIBERDUVIDAS
Tema
Controlo e controle, impacto e impacte
Pergunta/Resposta
Leio nas respostas anteriores que impacto e controlo seriam anglicismos. Ora, sempre me ensinaram que controlo era a forma aportuguesada da palavra francesa controle. Do mesmo modo, impacte seria a palavra francesa aportuguesada para controlo. Podem esclarecer mais uma vez?
Luís Fernandes
Portugal
No Vocabulário de Rebelo Gonçalves, só impacte é considerado substantivo (impacto vem lá como adjectivo). Já o Dicionário da Porto Editora diz que impacte ou impacto, como substantivos, são sinónimos. Mas impacte é mais semelhante ao francês impact, que vem do latim impactu !
Que controlo e controle são galicismos é uma realidade. Contudo, hoje em dia já se usa talvez mais controlo, por fugir mais à semelhança com o francês; mas qualquer destes termos, como lembrava o saudoso Vasco Botelho de Amaral, quase sempre se pode substituir por termos vernáculos (verificação, fiscalização, domínio, revisão, etc.). Resumindo, e querendo usar estes termos, praticamente tanto faz empregar as formas acabadas em e, como as em o.
Cf. Controlo e Impacte e impacto.
F. V. P. da Fonseca
do CIBERDUVIDAS
Tema
Estrangeirismos. Procedimento oficial
Pergunta/Resposta
Qual é o procedimento oficial para que uma palavra / expressão de qualquer língua estrangeira se
torne parte integrante do vocabulário com a sua grafia original?
A simples publicação dela em um dicionário de português?
Existem leis regendo este processo?
Ex.: "stress", ....
Luiz Sesti
As palavras só são consideradas oficialmente no léxico português quando aprovadas pelas
entidades oficiais competentes (em Portugal a Academia das Ciências de Lisboa e, no Brasil,
penso que a Academia Brasileira de Letras).
Os dicionários idóneos/idôneos, na sua prestimosa acção/ação actualizada/atualizada, vão
registando muitos vocábulos em uso corrente, para informar os leitores com dúvidas sobre o valor
semântico desses termos. No meu ponto de vista, quando esse registo obedece gráfica e
foneticamente à índole da língua, considero que a entrada no léxico é antecipada por esta via,
desde que o termo esteja generalizado na comunidade culta respectiva. Mas se o termo não obedece à índole da língua, é então necessário ter se prudência. Torna se
indispensável que se encontre um substituto vernáculo que possa ser equivalente no sentido, ou é
aconselhável fazer uma adaptação satisfatória do estrangeirismo. Como exemplo do primeiro
caso, tivemos em Portugal o termo «chauffeur», que acabou por ser substituído, e bem, por
condutor ou por motorista.
Como exemplo do segundo caso, podemos considerar o termo "stress". O facto/fato de aparecer
registado num bom dicionário da língua portuguesa não o oficializa como termo da língua (o
dicionário Editora regista esta grafia, mas também acrescenta que se trata de palavra inglesa).
Ora para substituir este estrangeirismo, o dicionário Aurélio propõe a grafia `estresse´, o que me
parece perfeitamente aceitável (embora eu tivesse preferido `setresse´).
Cf. Estrangeirismos, outra vez.
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho
do CIBERDUVIDAS
Tema
É ou são
Pergunta
Ainda sobre a concordância, mas em frases doutro tipo, gostaria de saber porque é que em
frases como as indicadas em 5 e 6 há uma grande tendência para usar o verbo no plural,
principalmente na linguagem oral. 5 "A distância entre A e B é (são) dez quilómetros." 6 "O prato do dia é (são) enguias fritas com ..."
Augusto C. Tomé
Aveiro
Resposta
Em frases com o verbo ser seguido de nome predicativo do sujeito, o verbo concorda, geralmente, com este e não com o sujeito em frases do tipo das apresentadas na consulta. Portanto, diga se:
A distância entre A e B são dez quilómetros.
O prato do dia são enguias fritas com
A linguagem não é só para ser compreendida, é também para ser sentida. Por isso, não
dizemos a frase b), mas sim a frase a), porque "sentimos" que assim fica melhor:
a) Portugal foi sempre os meus amores.
b) Portugal foram sempre os meus amores.
J.N.H.
do CIBERDUVIDAS
Tema
Lx = Lisboa
Pergunta
"Há muito que porfio, sem sucesso, por explicação da abreviatura "Lx" em vez de Lisboa.
Grato pela elucidação que ireis proporcionar.
Deniz Costa
Portugal
Resposta
Lisboa já se grafou «Lixbõa», e é essa a razão da abreviatura Lx, que foi ficando.
Depois o x, pouco natural na língua antes de b, passou para s, e o til caiu.
Ora o s antes de consoante sonora (neste caso o b) tem o som "j" atenuado, e daí
hoje Lisboa se pronunciar: "lijboa" (como em mesmo "mejmo"; consoante sonora
m; em desde "dejde", consoante sonora d; em fisga "fijga", consoante sonora
g, etc.).
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho
do CIBERDUVIDAS
Tema
Factos do Egipto
Pergunta
Sou médico, brasileiro e tenho absoluto respeito pela língua portuguesa. Minha filha de 7 anos está sendo alfabetizada. Tenho discorrido bastante sobre a nossa língua, principalmente para explicar as diferenças com a grafia do mar de palavras inglesas que invadem e confundem seus olhinhos. Entretanto, muitas publicações portuguesas têm chegado em suas mãos. Notando pequenas diferenças entre a grafia de palavras como: facto e fato (o acontecimento, não a roupa), reto e recto, Egito e Egipto, ela ironizou inteligentemente: "...é do inglês, papai?". Pergunta: por que a unidade da nossa língua não abrange essas diferenças? Como o português de Portugal pronuncia essas palavras?
André Luís Albiero
Brasil
Resposta
Em Portugal pronunciamos: facto "fakto", diferentemente do Brasil; e recto "reto", Egipto
"egito", como no Brasil.
Respondo agora às suas considerações: O que me admira é como, mesmo assim, a unidade ortográfica Portugal/Brasil consegue ser tão notável, muito maior do que na linguagem falada. Como já tenho dito, isso tem se devido ao esforço persistente de muitos linguistas/lingüistas dos dois países. Bem hajam!
Mas é impossível, e até de vantagem controversa, que se consiga a unidade completa na escrita.
Repare que, até em Portugal, há prolações diferentes para um mesmo vocábulo (ex.: dicção pronuncia se "dição" ou "dikção"; o que, neste caso, também como exemplo, não permitiria
uniformizar o vocábulo num critério meramente fonético, sendo preferível o etimológico).
Não é de admirar que tenham surgido diferenças na expressão da língua entre os dois lados do
Atlântico. Se no Brasil fato não se confunde com terno, em Portugal facto e fato têm
significados diferentes, como observa no seu texto.
O que já não compreendo muito bem é que o meu Portugal mantenha consoantes mudas não
pronunciadas (ex.: direcção, recto, óptimo, etc., etc.). O argumento da nossa norma em vigor
(que data de 1945...) é a história das palavras ou a pretensa utilidade para abrir a vogal anterior (o que se torna injustificável, por exemplo, em termos como didactismo ou táctica). Nisto, o seu Brasil está mais avançado, embora mantenha algumas incoerências (ex.: escreve Egito, mas tem egípcio; escreve caráter, mas tem caracteres; escreve noturno, mas tem noctívago; etc.
A nossa carinhosa língua precisava bem de maior liberdade (por exemplo, o hífen com as suas múltiplas regras e excepções/exceções é frequentemente/freqüentemente fonte de inúmeras dúvidas; e até apetece ignorá lo, nos casos em que não faz falta nenhuma...).
Os últimos acordos, entre cientistas respeitáveis, pretendiam conseguir essas simplificações. Mas o projecto/projeto de 1986 (que, se tinha alguns erros, dava um arejamento notável à língua) morreu aqui, entre outros sustos, no horror ao `cágado sem acento´. E o de 1990, já aprovado oficialmente nos nossos dois países, continua na gaveta das indecisões. É a resistência à mudança e a pressão de interesses dominantes.
Não é inglês, não, o que a sua filhinha lê em recto e Egipto. Na realidade, são as raízes da
língua; mas, também, `a tristeza deste nosso desencontro´.
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho
do CIBERDUVIDAS
Tema
Quando empregar formas regulares e irregulares
Pergunta
Gostaria de saber quando é correcto a utilização da forma regular ou irregular dos verbos. Por vezes utilizo o termo "se tu tivesses pagado" nada disto teria acontecido. Estará correcto?
Angelina Manuela
Advogada
Viseu Portugal
Resposta
É a seguinte a regra do emprego do particípio passado:
a Com os verbos auxiliares ter e haver, emprega se o particípio regular:
Tens inquietado muitas pessoas com as tuas palavras. b Com os verbos auxiliares ser e estar, emprega se o particípio irregular:
O João está muito inquieto.
Outros exemplos:
Ele já havia/tinha juntado as coisas antes de tu chegares.
Tudo está/foi junto pelo António.
Mas há muitas excepções. Há muitos verbos, cujo particípio passado tanto se emprega com a forma regular como com a irregular com os auxiliares ter e haver, como por exemplo escrito, ganho, pago,etc.:
Tenho escrito/escrevido muita coisa.
Tenho ganho/ganhado muita coisa.
Tenho pago/pagado muita coisa.
Em casos como estes, cada um escolhe a sintaxe que lhe soar melhor. Quanto à frase da consulta, soa me melhor assim: «se tu tivesses pago...».
J.N.H.
Tema
Secessionismo no português
Pergunta
Escreve EL PAÍS de 9 de outubro: "El portugués, un idioma hablado por 170 millones de personas, está amenazado por un cierto secesionismo procedente sobre todo de Brasil."
A Microsoft e outros distribuem programas em português do Brasil e Ibérico.
Até quando esta situação continuará?
Francisco Aragão
Brasil
Resposta
Sejamos sinceros. Tem havido secessionistas brasileiros; alguns designando mesmo a fala do
Brasil como `língua brasileira´. E muita dessa culpa pode ser atribuída a Portugal: Porque oficialmente não se tem empenhado a fundo na actualização/atualização do léxico; porque tem teimado em manter ortografias obsoletas ou que, se eram necessárias antes de 1911, na barafunda existente, tornam se agora opressivas na rápida evolução da língua, com a explosão dos conhecimentos e as aplicações informáticas.
No entanto, esse secessionismo, ideológico, não significa que haja secessão de facto/fato; e os
espanhóis não precisam estar assim tão `preocupados´ com a nossa língua Muitos linguistas/lingüistas de boa vontade e espírito de união têm se empenhado em conseguir
unificar a `ortografia´ na língua. E quem lida simultaneamente com as grafias de Portugal e do Brasil, que é o nosso caso em Ciberdúvidas, sente se bem gratificado, nesta ânsia de comunhão, quando verifica que aquilo que na ortografia nos desune é, afinal, muitíssimo pouco em relação a tanto que nos une.
Esta nossa língua é importante no seu conjunto e nas ramificações que foi deixando em todos os continentes. Uma língua exclusivamente brasileira, embora com numerosos falantes, ficaria
diminuída dessa enorme virtude. Quanto ao critério de haver programas informáticos diferentes para Portugal e para o Brasil, compreende se essa necessidade. Por exemplo, um corrector/corretor ortográfico deve acusar (mostrar que ignora) os termos que são muito pouco usuais entre os falantes a que o texto se
destina. E mesmo quando o novo acordo ortográfico entrar em vigor, as diferenças de programas poderão ser ainda convenientes, porque uma coisa é oficializar grafias diferentes (ex.: António ser, cá e lá, tão legal como Antônio), outra pode ser a necessidade eventualmente imperiosa, ou por questões didácticas/didáticas, de se escrever nos hábitos linguísticos/lingüísticos da comunidade culta destinatária (ex.: aqui facto, se aí fato, dado que em Portugal esta última palavra tem a acepção do vosso terno). Sem reservas e sem complexos, pois a vasta cultura universal, de que nos orgulhamos na nossa Língua, são esses hábitos todos.
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho
do CIBERDUVIDAS
Cinco "bes" do glosário do CIBERDUVIDAS
BÁTEGA
Aguaceiro, chuvada. A expressão "bátega de água" é pleonástica.
BATE PAPO
...e não batepapo.
BÊ Á BÁ ...e não "b a ba".
BEBÉ
...e não "bébé".
BEGE
...e não "beige" nem "beje".
Numa aflição o Ciberdúvidas é a solução!)
Do CIBERDUVIDAS
Tema
Amália
Pergunta
Este é um sítio que fala da língua portuguesa. E esta língua perdeu, recentemente, uma grande figura, se considerarmos que a língua é também falada e, porque não?, cantada.... Conhece se algum significado para o nome Amália?
Obrigado!
L.S.
Portugal
Resposta
Há várias hipóteses. De acordo com José Pedro Machado, no "Dicionário Onomástico e Etimológico" (Confluência, Lisboa), Amália vem "do al. Amalie, de origem germânica; inicialmente, significaria "laboriosa abelha" (...) ou "formiga"."
Segundo Ana Belo, em "Nomes Próprios (Arteplural, Lisboa)", "a origem de Amália poderá ser o visigodo amalric, que significa "poderosa". (...) Este nome espalhou se pelos países anglo saxónicos sob a forma de Amélia (...)."
J.C.B.
Tema
Plural de estrangeirismos, unidades e de siglas
Pergunta
Não será altura de encarar de frente o facto de muitos neologismos provindos ou de outras línguas, ou de acrónimos, que terminam em consoantes que não são as habituais em Português, ou ainda por trazerem uma fonética invulgar, terem passado ao uso corrente, como substantivos e, portanto, deverem ter uma
forma de plural. Exemplos são os nomes de unidades do sistema SI (antigo sistema métrico decimal), como watt,volt,dalton, ou siglas como PIN (NIP) ou CD ROM (/róme, não /rõ). Para as unidades, já nos habituámos há muito a dizer volts ou watts (as formas rebuscadas vátio, vóltio, etc, não pegaram), mas ainda estranhamos que se possa dizer PINs ou CD ROMs. E não adianta dizer que são siglas e não devem ter plural, porque não só a Conferência Internacional dos Pesos e Medidas especifica que os nomes das unidades admitem plural (não os seus símbolos, V, W, m, kg,etc.) como um CD ROM é um objecto real e palpável, tal como um lápis ou um telefone, cujos nomes são substantivos.
Quais as normas a seguir, se não quisermos esconder a cabeça na areia?
L. Fraser Monteiro
Portugal
Resposta
Respondo por partes.
Estrangeirismos Se forem indispensáveis, aceito os, desde que adaptados à índole da língua (ex.: foi o caso de bidé, grogue, etc.). Se não adaptados e insubstituíveis, uso os entre aspas ou plicas (ex.: "software",`chauvinismo´); pois as aspas ou as plicas significam uma ressalva em relação às regras da nossa língua (ex.: em `Freud´ as plicas significam que a pronúncia da palavra não deve ser "frêu").
E quando se usa a grafia original, o estrangeirismo deve formar o plural segundo as regras da língua de origem.
Desde que já exista no léxico português termo com valor semântico equivalente, o estrangeirismo deve ser evitado. Há falantes que gostam de ostentar erudição sobre línguas estrangeiras e se deleitam em semear o discurso com estrangeirismos. Penso que essa prática é um acto/ato de `lesa língua´.
Unidades
Cada vez mais os técnicos precisam de se entender bem de país para país, pois é frequente/freqüente suceder que os projectos/projetos são concebidos num país e executados noutro, ou haver um grupo misto de nacionalidades num empreendimento. Assim como existem as normas internacionais ISO, para facilitar as trocas, também no caso das unidades existe o Sistema Internacional de Unidades. Neste sistema escreve se, por extenso: newtons, volts, watts, etc. Para um técnico, concordo que vóltio é já um termo anacrónico/anacrônico. Claro que, como símbolos, as unidades não têm plural nem ponto (ex.: N, V , W , etc.)
Acrónimos/acrônimos (conjuntos de letras ou de sílabas que formam palavras já com vida própria) Trato os como os estrangeirismos, se necessário (ex.: caso de ` OVNI ´, sem acento, com plicas, que pronuncio "óvni" e não "ovní"
Siglas
Há muito que se convencionou que as siglas não têm plural (ex.: as CRGE: Companhias Reunidas Gás e Electricidade). Convém respeitar as regras, para que todos se entendam na comunicação. No entanto, desde que a comunicação seja facilitada e que não se fomente a arbitrariedade, não vejo razão para considerar imperativas todas as convenções ortográficas e condenar sempre a inovação. O símbolo gráfico para o plural pode ser útil nas siglas, quando estas não são acompanhadas de outro termo que identifique o número (ex.: na frase `há CD ROM´, pretende se significar que há só um, ou que há mais?). Eu actualizaria/atualizaria essa regra do plural das siglas para: `as siglas normalmente não precisam de plural, mas nada impede que o tenham´. Noto que, por exemplo, as Selecções do `Readers Digest´ registam na sua revista de Maio deste ano, p. 62: « .. CD ROMs cheios ..». Aqui o símbolo de plural, de facto/fato, poderia ser dispensado. Dispensado, mas não condenado, no meu onto de vista.
Ao seu dispor,
D' Silvas Filho CIBERDUVIDAS
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