Gralhas 4  

 

ACETONEMIA Dá se em Medicina a designação de acetonemia ao estado patológico determinado pela existência, no sangue, de um excesso de acetona.

A prosódia daquela palavra, de formação híbrida, exige acentuação tónica no i, conforme estipula a regra, e não na vogal da sílaba anterior. Portanto, dirá bem todo aquele que rimar acetonemia com anemia ou uremia, e cometerá silabada quem proferir acetonémia, em consonância com boémia ou Noémia, como já tivemos ocasião de ouvir dizer a uma pessoa de formação universitária.

A propósito desta divergência de acentos, muito habitual entre os profissionais de Medicina, ocorre nos referir aqui um facto curioso, passado há cerca de nove anos, com certo comentador televisivo, aliás pessoa normalmente bem falante, a quem ousámos corrigir um dia a sua pronúncia errada de septicémia para a correcta de septicemia. E sabem qual foi a justificação dele para o facto de ter claudicado na prolação daquele termo? Que a deslocação acentual dos vocábulos médicos variava consoante se tinha estudado em Coimbra ou em Lisboa. Precisamente assim!
Ora, em face desta capciosa argumentação, expressa com certa pontinha de azedume, parece não valer a pena estarmos a tentar ensinar o nosso latim a quem não o pretenda honestamente aprender.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

ooooooooooooooooooooo

Tema

Algarismos romanos: zero

Pergunta/Resposta

   Gostaria de saber se tem como escrever o zero em algarismo romano?

Anderson André Rinaldi
Brasil

   A pergunta que nos faz o prezado consulente é pertinente.
   A resposta imediata é que não: os romanos, tal como os gregos, nunca usaram qualquer símbolo para denotar o zero. Esta é a razão por que não houve ano zero no nosso calendário, e fonte de tanto debate acerca da passagem do milénio.
   A numeração romana, embora sofrendo várias alterações, sobreviveu até bastante tarde o seu uso corrente na Itália durou até à Idade Média, quando a imprensa popularizou os números como os conhecemos hoje. O mesmo se passou com a numeração grega que, ao que parece, foi usada em Constatinopla até ao século XV. No entanto, esta evoluiu para um sistema decimal não posicional ao qual foi adicionado um símbolo para o zero semelhante ao nosso h invertido. Tal nunca aconteceu com a numeração romana.
   Quanto à origem do zero, haveria muito mais para dizer do que o espaço que me é aqui conferido permite. Tem tanto de incerta como de fascinante. Especula se que Arquimedes poderá ter usado a letra grega omicró (inicial de "ouden" = lacuna, nada) para indicar a ausência de minutos ou segundos num arco. Mas parece mais verosímil que tenha tido origem nos sistemas de numeração posicional dos hindus, dos quais existem documentos de data incerta (talvez do século III) onde se  regista o seu uso. Estes podem ter ido buscar o símbolo ao mesmo "ouden" dos gregos. Já os Babilónios usavam um ponto com função de zero. Tal como fizeram os árabes, talvez para o distinguirem do símbolo que usavam para o cinco.
   O zero foi posteriormente introduzido no Ocidente, através da Espanha, pela numeração árabe "ghubar". Esta numeração era usada em Espanha já no século V, mas possivelmente ainda sem zero. Sabe se que o Papa Silvestre II foi a Espanha aprendê la no século IX, mas, uma vez mais, ainda sem zero. Terá pois sido entre os séculos X e XII que o zero se estabeleceu definitivamente na Europa ocidental. No seu "Liber Abaci", em 1202, Leonardo Fibonacci refere se aos numerais árabes nos quais inclui já o "zephirum" (zero).

Manuel Portilheiro


Tema

"Instrói"

Pergunta/Resposta

   Existe a palavra instrói??

Sónia
Portugal

   Não existe a palavra "instrói". Depreendo que a sua pergunta se relacione com o verbo instruir. Este verbo da terceira conjugação é proveniente do latim e apresenta uma conjugação regular. Assim, o presente do indicativo é: instruo, instruis, instrui, instruem.

M.R.L.

do CIBERDUVIDAS


 Tema

Palavras aportuguesadas

Pergunta/Resposta

   Eu sou estudante e estou com um problema:
   Preciso de 20 palavras aportuguesadas indígenas, espanholas, italianas, francesas e africanas. Vocês poderiam me ajudar?

Érica Leandro
Brasil

   Tupã (do tupi "tupana"), estresse (do inglês "stress"), radar (do inglês "radar"), brócolos (do italiano "broccoli"), esporte (do inglês "sport"), desporto (do francês antigo "desport"), chefe (do francês "chef"), líder (do inglês "leader"), tenor (do italiano "tenore"), alarme (do italiano "allarme" ou do francês "alarme"), andala (do quimbundo "andala"), aperrear (do espanhol "aperrear"), banzé (do quimbundo "mãzué"), acampar (do italiano "accampare"), acantonar (do italiano "accantonare"), aclimatar (do francês "acclimater"), abolicionista (do inglês "abolitionist"), golfe (do inglês "golf"), chicote (do espanhol argentino "chicote"), mansarda (do francês "mansarde", de F. Mansart, arquitecto francês, 1598 1666).

J.C.B.

do CIBERDUVIDAS


Tema

Pronúncia: troca do "v" pelo "b"

Pergunta/Resposta

   Em pergunta anterior solicitava ser esclarecido se era correcto pronunciar como "e" o primeiro dos "is" em palavras como privilégio, visita, dividir e outras. Foi me dito que pronunciar como "i" o primeiro dos "is" era considerado pedante.
   Em todo o Minho é habitual pronunciar o "v" como "b" em palavras como vinho, povo, vir, etc. Não será também, dentro da mesma linha de raciocínio, pedantismo pronunciar o "v" como "v" e não como "b", pelo menos na região minhota?

Carlos Abrantes Guedes
Advogado
Guimarães
Portugal

   Os minhotos é que poderão ter esse sentimento relativamente aos seus conterrâneos que diferenciam, na pronúncia, os fonemas b e v, exactamente porque foge ao que é usual no Minho (e em todo o Norte).
   É natural que regionalmente se queira preservar particularidades estranhas ao Português padrão, como forma de manter uma identidade própria dentro do todo nacional. O que interessa é sentir e usar a Língua com naturalidade, com respeito, mas sem afectação.
   Cf. resposta anterior Pronúncia de visita / privilégio / dividir.

T.A.


do CIBERDUVIDAS

Tema

Óptica e ótica

Pergunta/Resposta

   Sou estudante do IF USP, escrevi minha dissertação e estou com uma dúvida enorme: o meu trabalho trata do estudo da óptica, que alguns dizem que deve ser escrita como "ótica" e outros dizem que deve ser escrita como "óptica"; não sei mais o que pensar. Será que vocês poderiam me ajudar?

Sílvia M. de Paula
Brasil

   Em Portugal distinguimos óptica (relativo à vista) de ótica (relativo à audição). No Brasil (Aurélio) óptica tem tido a variante ótica, daí a incerteza da consulente.
   Se o seu trabalho trata de assuntos de visão, escreva
óptica. É este o termo que está oficializado agora para o Brasil (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, de 1 998): óptica, ciência da visão; ótico, relativo à audição.
   Ao seu dispor,

D´ Silvas Filho


ÁREA DE DIREITO À NÃO CAÇA Com a bênção oficial, mas sem os devidos cuidados de análise prévia, começaram agora a ser afixados, em zonas estratégicas de Portugal, numerosos dísticos, de faixas verdes e brancas, sobre as quais se encontram impressos, a tinta preta, infaustos dizeres apontados em epígrafe.

Ora, como tal indicação pode parecer muito correcta para quem a parturejou, mas não se pode considerar de redacção primorosa para as pessoas de cultura mediana, que detestam ver a sua língua tão abusivamente vandalizada. Por isso, propomos que, naqueles ingénuos letreiros, cuja redacção nos parece algo insólita, se passe a escrever, de preferência, área. ou zona de caça proibida, pois assim é que nós reputamos o aviso de correcto! Não caça, como nos pretendem arbitrariamente impor, é que nunca foi linguagem de gente letrada, mas sim dialecto de tartamudos, cujo emprego não dignifica ninguém, e só pode provocar, tal como nos aconteceu, uma verdadeira girândola de gargalhadas.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


ECOPONTO Posta recentemente em uso por alguns serviços municipais, esta designação, embora prática por ser curta, não nos parece muito esclarecedora para o fim a que se destina. Senão, vejamos: quando se ouve falar de ecoponto, a primeira ideia que nos ocorre é a de certo lugar ermo, em que se verifica a repetição de um som reflectido por qualquer corpo sólido. Ora, isto não corresponde efectivamente à realidade, porquanto no tal ecoponto (à primeira vista, entendido como lugar do eco) nunca se repercute som de qualquer natureza. 0 que se ouve, a espaços, é apenas o ruído insólito, provocado pela introdução do lixo nos respectivos recipientes, ou quando este deles é retirado, em momento oportuno, pelos empregados camarários.

Em nosso modesto entender, tais contentores deviam designar se, não por ecoponto, mas simplesmente por separadores de lixo, visto ser essa afinal a sua verdadeira função. À palavra mencionada em epígrafe é que nunca daríamos a nossa aprovação, pois parece nos completamente abstrusa.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


LEPIDÓPTERO Este nome científico, a cuja ordem pertence a borboleta, muitas vezes também designada por mariposa, requer acentuação esdrúxula, e não grave, por isso erra quem pretenda imitar a distinta apresentadora de um programa televisivo, pessoa aliás de esmerada cultura que, num momento infeliz, pronunciou desastrosamente aquele vocábulo como se fosse rima de sincero.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


do CIBERDUVIDAS

Tema

Pronúncia dos estrangeirismos

Pergunta/Resposta

   Como devem ser pronunciados os estrangeirismos, segundo as nossas regras ou as da língua estrangeira?

Luís Costa
Portugal

   Eça de Queirós dizia que os devíamos pronunciar "patrioticamente mal", isto é, segundo as nossas regras.
   Não serei tão radical: há momentos em que é ridículo pronunciar o
r gutural à francesa (como se tivéssemos uma espinha na garganta), ou rolado à inglesa (como se tivéssemos a boca cheia de berlindes, à "la" Elisa Doolittle em "My Fair Lady"). Outros momentos há em que melhor nos faremos entender pronunciando segundo as regras da língua estrangeira. Tudo depende da nossa intuição e sensibilidade ao meio.

T.A.


VACINA, VACINAÇÃO E SEUS COGNATOS João de Deus ensinou, há mais de um século, que se deve ler como surdo o a da primeira sílaba das palavras mencionadas em epígrafe. Evitemos, por isso, imitar o péssimo hábito de certas locutoras da televisão oficial pronunciarem vàcina e vàcinação, em dialecto interamnense, facto que sempre nos deixou perplexos, pois esta não é a pronúncia em uso na chamada zona do português padrão, situada entre o sul do Mondego e o vale do Tejo.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


VARSÓVIA O nome da capital polaca não se deve pronunciar Varzóvia, com z, como ouvimos bastas vezes dizer na televisão e na rádio, mas sim Varssóvia (na escrita oficial: Varsóvia), pois o s apenas soa z, quando se encontra colocado entre vogais, o que não é o caso presente.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


OBSTACULIZAR Na desmesurada ânsia de ultrapassarem os seus adversários pelo preciosismo de linguagem, certos políticos da última fornada, por carência de argumentos imediatos para fazerem prevalecer as suas opiniões, começaram agora a parturejar vocábulos de grande sonoridade, mas de sentido por vezes algo obscuro. É o caso do verbo obstaculizar, que, embora se considere, pela diversidade vocálica, muito bem soante, nunca nos foi necessário para designar a ideia de: fazer obstrução, criar obstáculos, óbices, barreiras, impedimentos.
Nós, que estamos sempre atentos a tudo quanto se refira a problemas de natureza linguistica, ocorrentes na linguagem falada ou escrita, ouvimos pronunciar pela primeira vez aquele execrável barbarismo, quando recentemente deflagrou um pavoroso incêndio em Cascais, na mata adstrita à zona residencial da Quinta da Marinha. Esqueçamo nos da sua existência, pois o Idioma Português, já bastante opulento em vocábulos desnecessários, não carece de mais neologismos de natureza perniciosa para exprimirmos o nosso pensamento.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


ESTÔMBAR Já ouvimos um jornalista da televisão, aliás pessoa de cultura bastante apurada, pronunciar o topónimo Estômbar como se fosse rima do verbo tombar, talvez por se ter apoiado no registo erróneo da 20.ª edição do "Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa", da autoria de Magnus Bergstrom e Neves Reis. Ora, tal prolação considera se errada, pois o nome desta freguesia do concelho de Lagoa, distrito de Faro, sempre se articulou como palavra paroxítona (grave), e não como aguda. Estômbar é, de resto, a prosódia aconselhada pelo erudito filólogo José Pedro Machado, a páginas 597, 2.° volume, do monumental "Dicionário Onomástico Etimológico da Llngua Portuguesa", publicado em 1984, em confirmação do que já havia sido ensinado por Amaral Frazão no seu "Novo Dicionário Corográfico de Portugal", dado à estampa em 1981.
Os professores Xavier Roberto e Luís de Sousa, com a sua proficiência habitual, também registaram, e muito bem, o nome geográfico de Estombár, na 6.a edição do "Prontuário da Llngua Portuguesa", dado a lume em Abril de 1975.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


ANTICICLONE A páginas 98 da sua "Gramática Portuguesa", publicada em 1899, informou Ribeiro de Vasconcelos que o prefixo ante designa situação anterior, prioridade temporal, ao passo que o prefixo anti exprime a ideia de oposição, por isso erra quem diz ou escreve anteciclone, em lugar de anticiclone, quando se refere a um centro de altas pressões atmosféricas, em que as linhas isobáricas se encontram dispostas concentricamente.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


do CIBERDUVIDAS

Tema

Co incineração

Pergunta/Resposta

Nos últimos tempos tem se ouvido falar insistentemente do problema da «co incineração». E cada jornalista pronuncia a palavra de forma diferente, embora a preferência recaia na «c[ó] incineração». Ora, como nunca ouvi falar de «c[ó] directores» ou «c[ó] autores», soa me muito mal a referida palavra. Será por uma questão de pudor que não se fala em «c[u] incineração»? Ou sou eu que estou errada?
Obrigada pela vossa atenção.

Maria Filipe Ramos Rosa
Portugal
Não parece que seja por uma questão de pudor que alguns jornalistas pronunciam cò incineração. Deve ser, antes, por uma questão de ignorância, uma vez que eles também não proferem cò directores, cò autores, cò dialecto, cò herdar, etc.
A nossa língua estaria tão correcta, se todos os jornalistas a conhecessem como devem! E que bom seria isso para os nossos alunos! Apenas um ou outro se interessa pela correcção, tanto escrita como falada.


CONSENSUALIZAÇÃO Como sinónimo de consenso, dispensamos bem o disparate, que foi posto recentemente a circular por um político muito conhecido, cujo nome achamos por bem omitir, a fim de lhe evitar mais remoques, pois os seus adversários já o têm zurzido suficientemente com chicotadas verbais talvez um pouco exageradas e, por vezes, até injustas, mas que parece não lhe causarem qualquer mossa, pois a sua contundente verbosidade continua a produzir, em ritmo acelerado, outros vocábulos extravagantes, nomeadamente confusionismo ou contratualização, cujo significado nem sempre ocorre, quando é preciso, ao espirito das pessoas de linguajar mais humilde.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


ANTANHO Este advérbio, que significa outrora, antigamente, no passado, nos tempos idos, embora de origem espanhola, parece já não ter maneira de sair da nossa língua, em cujos dicionários já se encontra fortemente enraizado.
Vasco Botelho de Amaral, um dos maiores estudiosos do idioma português, e com o qual ainda tivemos a honra de conviver, nos recuados tempos do extinto "Rádio Hertz", preferia usar a forma antano, quanto a nós errónea, porque os nossos vizinhos costumam escrevê la com ñ (sempre com til sobreposto), o que equivale precisamente ao nosso dígrafo nh. Vejam se, a este propósito, as páginas 86, 119, 143 e 144, 2.° volume, das suas "Palestras de Língua Portuguesa", publicadas em 1951, nas quais o nosso linguista empregou o referido termo erradamente grafado.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


ANOREXIA Proveniente do grego anórexis, que significa inapetência, fastio ou falta de apetite, esta palavra, pronunciada por algumas pessoas anòrèkcia ou anurèkcía, deve ser proferida preferentemente da primeira forma, com as primeiras vogais abertas, porque se torna mais fácil de articular.
Ainda que pareça incrível, também já ouvimos, em vez de anòrèkcia, a prolação errónea de anurèchia, cuja imitação nunca dará condecorações a ninguém, já que atenta contra a prosódia aconselhada, e muito bem, por Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, a páginas 46, edição de 1909, do seu "Vocabulário Ortográfico e Ortopédico da Língua Portuguesa". E, para que não houvesse dúvidas acerca da pronúncia deste vocábulo, que já tem causado embaraços a muita gente bem falante, este conceituado linguista chegou até a substituir o x pelo digrafo es, já que aquela consoante corresponde exactamente à letra grega csi, que Ihe deu origem.


Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


PORTANTO Nunca se deve iniciar, em português correcto, uma oração pela conjunção conclusiva portanto, como certas pessoas passaram a fazer epidemicamente, sempre que são entrevistadas por jornalistas da televisão e da rádio.
Antes de se tirar qualquer ilação, é preciso que se tenha afirmado ou negado alguma coisa anteriormente, como exemplificamos na seguinte frase: "Apesar de todos os nossos avisos, ninguém nos quis dar ouvidos, portanto não venham agora com reclamações contra a iniciativa que tomámos."
Se se perguntasse, por exemplo, a uma pessoa se ela pretendia dar a sua opinião acerca das paralisações no sector dos transportes, esta jamais deveria começar a sua resposta assim: "Portanto, penso que os trabalhadores têm razão quanto às suas reivindicações salariais, porque os administradores se recusam a negociar com os sindicatos um novo contrato colectivo de trabalho."
A resposta da pessoa interpelada só ficaria correcta, como é evidente, após se lhe ter suprimido a conjunção conclusiva portanto, a qual, como já se referiu, apenas se deve usar em situações ilativas.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


PÔR UMA PERGUNTA OU UMA QUESTÃO

Como a expressão afrancesada pôr uma questão (poser une question) já se tivesse tornado bastante vulgar, alguém se lembrou, em muito má hora, de trocá la por colocar uma questão, visto que o verbo colocar menos trivial que o seu sinónimo pôr. Mas por que motivo havemos nós de recorrer sempre a maneiras de dizer peregrinas, quando nos podemos exprimir menos pretensiosamente por meio de termos nacionais? Então a expressão tipicamente portuguesa fazer uma pergunta já deixou de pertencer ao nosso vocabulário? Antigamente (e não decorreram ainda muitos anos), as pessoas mais arrebicadas, quando pretendiam fazer figura perante as menos cultas, até empregavam a expressão formular uma pergunta, mas exprimiam se em português legítimo, que toda a gente compreendia, e não censurava. Agora, porém, com a mudança dos ventos, parece que pôr ou colocar uma questão é maneira de dizer mais afiambrada, por isso muitos jornalistas se deixam ir também na crista da onda, com receio de se verem ultrapassados pelos seus confrades. A este respeito igualmente se referiu, em termos algo jocosos, o falecido professor Carmo Vaz, na página 28 da sua "Linguística para Todos", dada à estampa em 1992

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


PÓLIPO Já ouvimos alguns médicos, entrevistados pela televisão, proferirem pulipo (com acento no i ) em vez de pólipo. Ora, tal pronúncia considera se errada, visto que o termo, proveniente do latim, já nessa língua era de acentuação dactílica (esdrúxula). Dele derivou, além de pólipo (excrescência carnosa), a nossa palavra polvo (molusco cefalópode) cujo acento ainda não se deslocou da primeira para a segunda silaba, como é evidente. Diga se, portanto: pólipo, e não pulipo, já que está prolação se considera uma silabada indesculpável.
Também o professor Vasco Botelho de Amaral se insurgiu, há quase meio século (precisamente em 1951) contra este disparate de acentuação, a páginas 261, 2.° volume, das suas "Palestras de Língua Portuguesa", cujos preciosos ensinamentos ainda hoje são de respeitar.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


do CIBERDUVIDAS

Tema

Euro, de novo

Pergunta/Resposta

   Qual a forma correcta de pronunciar a designação da nova moeda europeia?
   Euru ou euró?
   Confesso que é uma dúvida que já me assaltou, porque sou jornalista de economia e trabalho em televisão, na SIC. Por várias vezes já tive que pronunciar a palavra euro e mesmo a discussão com os meus colegas sobre a forma correcta de o fazer, está longe de ser unânime.

Paulo Almoster
jornalista da SIC
Lisboa

   Do truncamento da palavra Europa provém euro, que deve ser aceite e lida como qualquer outra palavra normal terminada em o, como dedo, em que o o também não é aberto.
   É esta a regra geral. Tal como o
o de Expo deve ser pronunciado como o o da sua palavra, Exposição ou como o de metro(politano). "Eurô", "expô", "metrô" é um erro triplo.
   No caso do
euro, a tendência para abrirmos o o deve se em grande parte ao facto de, em palavras como euro asiático, lermos o o com som aberto. Ora, neste vocábulo, euro não é uma palavra, mas um elemento duma palavra da palavra euro asiático. Outra causa de se abrir o o deve estar no facto de tal acontecer em línguas estrangeiras, como o francês. Sobre o plural de euro cf. a questão já abordada in Respostas Anteriores.

José Neves Henriques


CONCORDÂNCIA VERBAL COM PRONOMES POSSESSIVOS Em concursos televisivos, é muito frequente ouvirmos os seus apresentadores ordenarem aos concorrentes: "Podem voltar para os vossos lugares!" Ora, esta frase está errada, porque não respeita a concordância entre a forma verbal e o respectivo pronome.
Para se falar em português correcto, ou diremos "Podeis voltar para os vossos lugares!" (com verbo e o possessivo na 2.a pessoa) ou então "Podem voltar para os seus lugares!" (com o verbo e o possessivo na 3.a).
Como perdemos, porém, o costume de tratar as pessoas por vós, com excepção da prática ainda hoje verificada em certas zonas de Portugal, consideramos ser melhor darmos preferência à segunda frase. Colocar o verbo na terceira pessoa e o pronome na segunda é que se não pode nem deve admitir, pois tal hábito, infelizmente muito vulgarizado, representa um disparate inqualificável, que, no tempo da outra senhora, poderia muito bem ser contemplado com uma boa dose de palmatoadas!

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


do CIBERDUVIDAS

Tema

"Não agüento mais!"

Pergunta/Resposta

   Trabalho como redator publicitário e tenho de responder diariamente às dúvidas de alguns colegas de trabalho que acreditam que a expressão "a nível de" existe e é correta.
   Além disso, dizem que o trema não se usa mais e que tudo que está no Aurélio é lei (inclusive "de menor" e salchicha)!!!
   Por favor, como posso convencê los?

Gustavo Cavalheiro
Brasil

   Eis algumas dúvidas que são importantes. São várias:
   1) Lamento, mas "a nível de" existe (preferível a forma "ao nível de"). No entanto, apenas deve ser utilizada nos sentidos que tem a palavra nível o problema é quando usam a expressão para todos os sentidos imagináveis. Sugestão: pegue uma (numa) régua e, quando alguém disser "a nível do dicionário", meça a quantos centímetros de altura essa pessoa está falando.
   2) O trema ainda vige no português do Brasil. Isso porque o país não seguiu o acordo que assinou com Portugal em 1945. Do outro lado do Atlântico, o trema caiu no mar. A menos que o seu interlocutor comece a escrever (à maneira de Portugal) "facto" em vez de "fato"", "Egipto" no lugar de "Egito", "dezasseis" substituindo o "dezesseis", então o jeito é escrever agüentar, lingüística e frequënte com trema.
   3) De menor, apesar de soar a erro, não o é. Fica como uma forma reduzida de "de menor idade". No entanto, acho preferível e uso a expressão "fulano é menor", para dizer que ainda não tem a idade legal que permite que seja imputável perante a lei.
   4) Salsicha é a forma correta/correcta. Se aceitarmos salchicha, porque não aceitar "chalchicha", como algumas pessoas dizem? Chama se a este fenômeno lingüístico (fenómeno linguístico) de contaminação, quando o uso repete um som em outra sílaba. Um jogo infantil mostra a contaminação: quando se pede a uma pessoa que repita rapidamente "um tigre, dois tigres, três tigres" e a pessoa acaba falando "três trigres". A aceitação de todos os erros que são "populares" uma corrente com muitos seguidores na lingüística acaba por resultar em decisões como a da Real Academia Española que consagra o uso de "subir para cima" e "descer para baixo". Os falantes de castelhano devem estar tentando subir para baixo e descer para cima...
   5) Por fim, todos os dicionários adotam / adoptam decisões que são polêmicas / polémicas. O Pasquale Cipro Neto tem algumas questões a respeito do Aurélio. Se estes dicionários fossem bíblias, não necessitavam de alterações e correções de uma edição para outra.
   Cf. respostas anteriores Ao nível de, A nível de, de novo e Trema.

Amílcar Caffé


Por que ou porque?

Por que motivo ou razão
Este por que se mistura'
Com a simples conjunção
Se tem outras contextura?!

Quando à frente vem um nome
Pelo que solicitado,
Esse que é um pronome
E o por que vem separado.

Por que caminhos andais?
Por que vias ides vós
Por que razão vos cansais?
Por que motivo andais só?

Como em tais frases notais
Lá vem sempre antes de um nome
Sempre a valer qual ou quais
No seu papel de pronome.

E:m porque vens assim altivo (?)
Porque tens esse renome (?)
O que não é relativo
Por não ter à frente um nome

No caso agora citado
Verás, com toda a razão,
Que o porque surge ligado
Como na tal conjunção

Do livro"Aprender a Brincar", de Irondino Teixeira de Aguiar Porto Editora Lda.


MALFORMAÇÃO Quer por ignorância, quer por distracção, todos nós, involuntariamente incorremos, uma vez por outra, em deslizes de linguagem, facto que se deve considerar desculpável, porquanto ninguém se pode vangloriar de saber tudo. Se persistirmos, porém, obstinadamente no erro, após alguém mais esclarecido nos haver chamado a atenção para o lapso cometido com certa insistência, tal prática, porque malevolamente deliberada, não merece o mínimo de perdão, mas apenas o nosso enérgico repúdio.

Vem este arrazoado a propósito da palavra malhormação, filiada no francês melhormation, que certos jornalistas, cujos nomes ocultamos propositadamente para os pouparmos a zombarias, obstinadamente pronunciam aos microfones da televisão e da rádio, imitando a prática de alguns médicos pouco ou nada interessados em defender o nosso linguajar tradicional.

Ora, em português legítimo, o que sempre se disse foi má formação, como antagónico de boa formação, com um adjectivo (nunca advérbio) a qualificar o substantivo adjunto.

Aproveitamos o ensejo para chamar a atenção dos incautos para o facto, que nós sinceramente lamentamos, de se haver acrescentado este aborto linguistico à última edição do "Dicionário Complementar da Língua Portuguesa", de Augusto Moreno, publicada em 1997, quando o seu autor se absteve de o fazer na 5.` edição da mesma obra, dada à estampa em 1948.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


MAIS QUE NÃO SEJA Agora muito em voga numa estação televisiva do Porto, esta expressão não se pode considerar correcta, embora usada por alguns jornalistas conceituados. Trata se de uma deturpação arbitrária da locução quando mais não seja, à qual já nos referimos, em Dezembro de 1953, nas páginas do "Boletim da Sociedade de Língua Portuguesa", de que somos sócio fundador.

Esta nossa afirmação, feita há mais de 40 anos, ainda hoje a subscrevemos, porquanto as normas gramaticais dessa época ainda se mantêm no linguajar indómito de estudiosos (provavelmente os últimos) que nunca se deixaram ludibriar pelas novidades congeminadas por quem gosta de efectuar, sem prévia ponderação, malabarismos linguisticos de natureza duvidosa.

Vem a propósito referir também aqui o facto de algumas locutoras da televisão e da rádio empregarem, por vezes, a locução da conjunção seja, também errónea, com um pronome relativo, em lugar da conjunção temporal quando, facto insólito, que contraria a prática tradicional, atestada exemplificadamente por Camilo Castelo Branco nos seus romances: "Noites de Lamego" e "A Filha do Arcediago".

Em conclusão: diga se e escreva se apenas quando mais não seja e nunca, por se laborar num erro, mais que não seja, que mais não seja ou quanto mais não seja.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


LOSANGO Porque a linguagem empregada nos anúncios televisivos e radiofónicos de propaganda comercial nem sempre se reveste da correcção devida, parece nos mais aconselhável que nunca a perfilhemos como paradigmática, sem recorrermos previamente à consulta de alguns dicionários idóneos. Vem este arrazoado a propósito do termo geométrico losango (rombo), que o locutor do respectivo anúncio pronuncia erradamente lôzango, em lugar de luzango, contrariando a prolação tradicional oportunamente sancionada por mestre João de Deus.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


do CIBERDUVIDAS

Tema

Pronúncia de líderes, outra vez

Pergunta/Resposta

   Suscitou me a dúvida da pronúncia da palavra líderes. Numa pergunta já feita a este "site", uma resposta indicava que apenas "lí" seria lido como sílaba tónica, mas numa outra resposta a uma pergunta semelhante, o resultado foi a possibilidade de se ler como em cima ou se ler "lí dères".
   Qual será a melhor pronúncia do fonema?
   Esta pronúncia é igual para cadáveres, repórteres, revólveres...?

João Bernardo
Estudante
Portugal

   Por lapso, na resposta de 22/7/97, indica se a pronúncia do plural líderes com e fechado, mas o prof. José Neves Henriques procedeu à sua correcção mais tarde, em nota que se pode ler no final dessa resposta. A pronúncia recomendada por este professor é /lídères/ (sílaba tónica: /lí/; subtónica: /dè/, tal como em revólveres, repórteres, cadáveres).
   Na pronúncia que creio dominante em Portugal, trata se de palavras paroxítonas ou graves que no plural se tornam proparoxítonas ou esdrúxulas, mas mantêm aberta a pronúncia do /e/ da sílaba subtónica do singular: /lí dèr/, /re vól vèr/, /re pór tèr/, /ca dá vèr/.
   Cf. a resposta anterior /Líder/, /líderes/

J.C.B.


LOJISTA Consoante ensinou o saudoso professor Eça de Almeida, nas suas magistrais lições de português, as vogais orais a, e, o (não ditongadas) quando passam de tónicas a pretónicas, ensurdecem normalmente. É por isso que a palavra lojista se deve pronunciar lojista e não lòjista, como pretendem alguns locutores televisivos mal elucidados. Para confirmação desta doutrina consulte se a página 560 do "Dicionário Prosódico" de João de Deus, publicado em 1 B95.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


LISBOA SHOPPING CARD Não, não se enganam, foi precisamente com esta designação que um locutor televisivo anunciou iria ser criado um cartão, aberrativamente redigido em dialecto anglo português, destinado a facilitar as compras das pessoas interessadas em gastar dinheiro. Ora, nós somos portugueses ou anglo americanos? Se somos portugueses, por que não se denominou assim aquele objecto: cartão de compras em Lisboa ou cartão lisboeta de compras? Se este se destina exclusivamente a pessoas de fala inglesa, o seu inventor, a quem não contemplo com nenhuma condecoração de mérito, esqueceu se de traduzir Lisboa por Lisbon, que é como os anglo americanos denominam a nossa capital. Este disparate, cuja circulação devia ser proibida pelas autoridades competentes, foi certamente criado à semelhança de tantos outros, que pululam por toda a nossa terra, e contra os quais nada podemos fazer, pois o vandalismo linguistico, para nossa vergonha, a par com o das inscrições parietais, que constituem uma praga mais nefasta do que a dos gafanhotos, parece beneficiar do apoio de pessoas com poder decisório, mas cuja inércia ninguém consegue infelizmente eliminar.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"


do CIBERDUVIDAS

Tema

"Calão compulsivo"

Pergunta/Resposta

   Em entrevista concedida ao Fernando Tordo, no CNL, Herman José referiu se ao uso compulsivo e repetitivo do calão, utilizando uma designação específica. Acrescentou ainda o carácter crescente, em termos de falta de elegância e educação, dos termos que vão sendo sucessivamente proferidos.
   Existe mesmo esta palavra? Não me pareceu que ele estivesse a inventar ou a fazer humor.
   Obrigada.

Madalena Santos
Portugal

   Que palavra? O substantivo calão? O adjectivo compulsivo? Ou a expressão "calão compulsivo"? Como se pode ver nos dicionários de português da secção Ligações (1.ª página do Ciberdúvidas), estas palavras existem. E também a expressão "calão compulsivo", desde que alguém a empregue.
   Tal expressão, contudo, presta se pelo menos a duas interpretações:
calão significa (entre outras coisas) «linguagem especial usada por certos grupos» e «homem calaceiro» (Porto Editora). Assim, no contexto apresentado pela nossa correspondente, "calão compulsivo" é a tendência para se empregar termos do calão (ou gíria). Mas, noutro contexto, "calão compulsivo" é o indivíduo compelido a ser mandrião.
J.C.B.


CENTRALIDADE De há uns tempos a esta parte que se tem vindo a verificar uma tendência viciosa para o emprego de palavras com muitas silabas, principalmente em alocuções radiofónicas ou televisivas. É precisamente o caso de centralidade,: que foi usado, há tempos, numa entrevista concedida por certo delegado sindical, aliás muito bem falante, no contexto seguinte: "O trabalho continua na centralidade das atenções." Ora, se dispomos, há séculos, do vocábulo centro, constituído apenas por seis letras, para exprimir a mesma ideia, por que bizantinismo havemos de complicar agora o discurso, passando a empregar o dobro dos caracteres? A supracitada frase, embora não a pretendamos classificar de espúria, seria mais facilmente apreendida, no entanto, pelo público, se aquele conceituado sindicalista a houvesse proferido assim: "O trabalho continua no centro das atenções."

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"