Gralhas 6  


Do Ciberdúvidas:

Tema

Médico legais / criados mudos / sabidão

Pergunta/Resposta

      1 Como se forma o plural de:
      médico legal
      criado mudo
      Explique.
      2 Como é o aumentativo pejorativo de sabido?
Márcia Glória Rodriguez

Brasil

      1 As palavras em apreço, se bem interpreto a sua pergunta, devem ser escritas com hífen: "médico legal" e "criado mudo". São palavras compostas com um significado particular. Médico legal é um adjectivo formado por dois elementos (também eles adjectivos), com o sentido de "respeitante aos aspectos legais, jurídicos da medicina". Deste modo, segue a regra da formação do plural dos compostos por adjectivos, isto é, só o segundo elemento vai para o plural. Teremos, assim, como plural de médico legal, médico legais.
      Quanto a
criado mudo, que em Portugal tem o nome de "mesinha de cabeceira", é um substantivo formado por substantivo + adjectivo (criado+mudo), e segue também a regra de formação do plural destes compostos: vão ambos para o plural. Será, pois, criados mudos o plural da palavra.
      2 "Sabido" tem já de si uma conotação levemente pejorativa. Significa, em linguagem familiar, astuto, manhoso. O aumentativo é "sabidão".
T.A.


Do Ciberdúvidas:

Tema

Bacalhau: etimologia

Pergunta/Resposta

   Aproveito tão douta assembléia para perguntar a origem da palavra "bacalhau". Penso que bem poucas coisas são tão portuguesas, e lusitanas, quanto a realidade e a sonoridade de bacalhau, ou de saudade. Como esse último já foi bem abordado, indago sobre a primeira: qual a origem de "bacalhau"?
   Obrigado.

Pedro Izzo
Brasil

   A origem do vocábulo designativo do nosso ex «fiel amigo» ainda é pouco clara. Talvez assente nas formas franceses cab(e)liau ou cabillaud, por meio da metátese das sílabas iniciais, tendo estas, por seu turno, origem possivelmente no holandês Kabeljaauw (se é que não é este que provém do português). Gonçalves Viana partilha esta última opinião e garante, por outro lado, que o vocábulo não se assemelha aos usados para o saboroso peixe em gronelandês, esquimó e línguas de índios da América do Norte.

F. V. Peixoto da Fonseca


Parece que continua na moda "atoardar" na língua
portuguesa, mas para maior irritanço as piores atoardas
e o "bem fazer comunicação" começam a vir de onde
nos habituámos a esperar o contrário
(será que o a TVN distrai tanto o Carlos Magno?).
Passou se durante os feriados e pontes, dias ao
certo, não me lembro:

1. Noticiário das 12 horas, àcerca dos aviões da Tap
desviados do Funchal (devido ao mau tempo) para
o Porto Santo...e dito pelo menos duas vezes
"os passageiros não aceitaram a sugestão de regressar a Portugal"
Deu me um "vipe" e liguei para a TSF, pedi para ligar à redacção,
expus a minha indignação, e obtive como resposta...
"Mas qual é o problema? Não entendemos a sua reclamação!"
Pedi então para me esclarecerem se por acaso ou distracção minha
teria o Dr. Alberto João Jardim proclamado a indepência da Madeira
durante a noite anterior.

2. Noticiário à noite, sobre os interrogatórios aos
responsáveis da Un. Moderna.
Entrevistando o advogado de defesa, ouvimos este
dizer qualquer coisa como;
"...trata se de um erro judicial grosseiro",
segue se a intervenção do repórter no local que nos
elucida complementando com;
"foram estas as declarações do Dr... advogado de
defesa que, como acabámos de ouvir, afirmou...
tratar se de um erro judicial grosseiro".

Corte para estúdio e o "pivot" complementa;
"...da nossa reportagem no local onde ouvimos,
o advogado de defesa afirmar...
que se tratou de um erro judicial grosseiro".


Já eram três erros grosseiros!

3. E vão mesmo três... noticiando sobre a Presidência
Aberta de Sampaio no Minho;
"...depois disto, o Presidente deslocar se á no final da manhã
ao célebre Palácio de Alvarinho." Cunhal tem um palácio no Minho??
A minha profunda ignorância apenas me permite saber que Alvarinho
é uma casta vinícola, usada na elaboração do Vinho Verde de que é
digno (senão o maior) representante, o produzido e comercializado
com o nome do "Célebre" Palácio da Brejoeira.

Obviamente que nem me atrevi a tentar ligar de novo para a redacção da TSF

4. Quando for grande, quero ser jornalista neste Portugal pois,
por este andar ainda virei a pedir meças a Fernando Pessa (menos na idade)
e outros que como ele, foram formados no orgulho de saber do que falavam
ainda por cima dizendo o em Bom Português.

5. ...e depois dizem que dizer mal é mais fácil do que fazer.
P'ra fazer assim vale mais 'tar quietinho.

6. Que mania....

7. Será que amanhã vai chover?

MM


AMIGUISMO A propósito da preferência conferida pelo Governo à nomeação de um general para determinado lugar de chefia, em detrimento doutro graduado, que, na opinião do criador deste neologismo, era quem devia ter sido escolhido para o desempenho de tal cargo, proferiu se, aos microfones de uma estação televisiva, este disparatado vocábulo, cuja repetição pensamos ser melhor não aconselhar a ninguém, já que as nossas palavras favorítismo, nepotismo ou até compadrio (em linguagem mais comezínha) são já bastantes para exprimir com propriedade semelhante ideia.
A propósito do uso e abuso da criação de vocábulos terminados no sufixo ismo, também o falecido professor Vasco Botelho de Amara se insurgiu oportunamente contra o assunto, conforme se pode observar a páginas 242, 2.' volume, do 'Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português", publicado em 1958.

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais


ADOPTABILIDADE Certos indivíduos (quase sempre os mesmos), que a televisão convida para participar em programas, cujo interesse nem sempre corresponde às expectativas do público, resolvem parturejar, de vez em quando, palavras extravagantes, que não ostentam qualquer interesse para os ouvidos, sempre ávidos, de um telespectador normal. Engloba se neste caso o termo referido em epígrafe que, no pensamento de entrevistado, queria significar analiticamente: qualidade exigida a uma pessoa para perfilhar (adoptar) determinada criança.
Ora, o fabricante de semelhante aborto linguístico, para representar o papel de indivíduo muito instruído, não precisava de ter recorrido publicamente ao emprego daquele aberrante neologismo. Usando, por exemplo, os termos seguintes, o seu pensamento ficaria melhor ao alcance de qualquer pessoa de cultura mediana: qualidade própria de adopção ou perfilhamento.
Assim, toda a gente descortinaria, sem qualquer dificuldade, o alvo pretendido pelo presunçoso bem falante, cuja linguagem, por demasiadamente preciosa, não aconselhamos a ninguém.

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais


ADOPÇÃO Consoante ensinou Domingos de Azevedo, em 1880, na página 191 da sua "Gramática Nacional', o som da segunda vogal deste vocábulo, bem como a correspondente dos seus cognatos, não equivale a U, mas sim a o aberto. Diga se, portanto, 7dóçãó, palavra sinónima de perfilhação, perfilhamento, em vez de adòção, pois este vocábulo significa: acção de introduzir no discurso, de expor, de trazer à baila, de apresentar razões.
Quem tiver dúvidas acerca da prolação deste substantivo recorde que o p colocado antes de ç ou t, como em recepção, receptdor, concepção, optar, interceptar, quer seja ou não pronunciado, serve para abrir a vogal precedente destas consoantes.

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais


FLORIDA Porque este nome geográfico, em inglês, tem pronúncia proparoxítona (esdrúxula), muitas pessoas procuram imitá la, proferindo Flórida. No entanto, a acentuação correcta deste conhecido topónimo deve recair sobre o i da segunda sílaba, porquanto a respectiva península foi descoberta, a 27 de Março de 1513, precisamente no domingo de Ramos (Páscoa Florida) pelo castelhano Juan Ponce de Léon, cujos conterrâneos a passaram a designar por Florida, com acento no i.
Nas 'Epanáforas de Vária História Portuguesa` de D. Francisco Manuel de Melo, página 161, edição de 1977, podemos ler a seguinte abonação, em que este conhecido autor do século XVII registou a prolação exacta do vocábulo: "...o remanente da Florida que vem descendo do Polo Árctico...'
Também o professor Augusto Moreno ensinou, a páginas 145 do "Novo Guia Ortográfico da Escrita Oficial", publicado em 1945, ser realmente grave (paroxítona) a pronúncia do nome desta península americana.
José Pedro Machado, Magnus Bergstrom, Neves Reis, Xavier Fernandes, Luís de Sousa, Jaime Séguier, Rebelo Gonçalves, Xavier Roberto e Vasco Botelho de Amaral, eruditos estudiosos da língua Portuguesa, concordaram igualmente com esta prosódia, agora timidamente ensaiada por alguns locutores (infelizmente poucos) da rádio e da televisão.
Diga se, portanto, sem receio de se laborar em erro, Florida (na escrita oficial. Florida) em consonância com descioa, vida e guarnecioa, em vez de Flórida, como proferem os
anglo a mericanos, servilmente apoiados por alguns jornalistas portugueses mais obstinados.

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais


Do Ciberdúvidas:

Tema

Utilização de s ou z

Pergunta/Resposta

Algumas vezes me deparo com dúvidas sobre a colocação de s ou z. Portanto, peço lhes que me ensinem algumas regras sobre a utilização correta destas letras.

Eduardo Nieves Barreira

A grafia das palavras decorre normalmente da sua etimologia, mas também de mera convenção ortográfica. Assim, nem sempre é possível estabelecer regras. No entanto, vou referir lhe algumas a respeito do emprego de s ou z entre vogais, com valor de /z/.
Utiliza se
s:
a) na maior parte dos substantivos comuns: a
sa, atraso, aviso, casa, confusão, dose, frase, mesa, peso, tesoura;
b)na generalidade dos adjectivos: confu
so, difuso, preciso, tísico;
c)no sufixo
esa, quando este diz respeito ao feminino dos nomes de naturalidade que no masculino se escrevem se com s: portuguesa, francesa;
d) no sufixo
esa, quando este forma o feminino de cargos ou títulos: baronesa, duquesa, marquesa;
e) em substantivos com origem no particípio passado de verbos com radical terminado em
d: defesa (de defender), despesa (de despender), presa (de prender), surpresa (de surpreender);
f) na terminação
isar de verbos da mesma família de palavras com s: alisar (de liso), analisar (de análise), avisar (aviso), bisar (de bis), frisar (de frisa), guisar (de guisa = modo, maneira, guisado), improvisar de improviso), paralisar (paralisia), pesquisar (de pesquisa), pisar (piso), precisar (de preciso), sisar (de sisa), visar (visão, visto);
g) sempre nos sufixos
oso e osa. famoso, guloso, harmonioso orgulhoso, pavoroso, preguiçoso, saudoso, ventosa;
h) normalmente antes do sufixo
eiro (a): baboseira, braseira, caseiro, louseiro, raposeira, roseira, traseira. Excepções: arcabuzeiro (de arcabuz), banzeira (de banzé), cruzeiro (de cruz), maracujazeiro;
i) como elemento do prefixo
des (separação, acção contrária, negação): desatento, deselegante; desiludir, desobedecer, desusado (não confundir com palavras formadas a partir do numeral dez);
j) nas formas dos verbos que não têm
z no infinitivo: quiseram, quiseste (querer), puseram, puseste (pôr), coseram, coseste (coser a roupa, do lat. consuere).
2. Utiliza se
z:
a) como evolução de
t ou c de palavras latinas: avaritia > avareza; cocere > cozer (cozinhar); dicere > dizer, facere > fazer, placere prazer;
b) muitas vezes a seguir a
a que inicia palavra: azáfama, azagaia, azálea, azar, azedo, azeite, azémola, azenha, azevinho, azia, aziago, ázimo, azimute, azinheira, azo, azul, azulejo.
Excepções: asa e derivados, Ásia e derivados, asilo e derivados, asinha (depressa), asinino.
c) no sufixo
eza da maior parte dos substantivos abstractos: avareza, beleza, franqueza, riqueza;
d) nos aumentativos e diminutivos, quando a palavra da qual são formados não termina em
s, ou seja, nos sufixos ázio, zão, zarrão, zada, zona, zinho, zito: copázio, mauzão, homenzarrão, paizinho, rapazito;
e) na maior parte dos verbos terminados em
izar e palavras da mesma família: ajuizar, juízo, civilizar, civilização, utilizar, utilização, deslizar, deslize, matizar, matiz, envernizar, verniz, finalizar, organizar, realizar;zna maior parte dos verbos terminados em ir: cerzir, desfranzir, estrezir, franzir, desparzir, esparzir, aduzir, conduzir, deduzir, induzir, introduzir, luzir, produzir, reconduzir, reduzir, reproduzir, seduzir, traduzir, transluzir, tremeluzir, zurzir. Excepções: asir, desasir e requisir.
Como reparou, as regras não dão resposta a todas as dúvidas. O melhor mesmo é a leitura continuada, até o olhar se familiarizar com a grafia das palavras e a interiorizar sem custo. Poderá consultar os prontuários, que contêm este tipo de palavras em listas, o que facilita a memorização.

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WORK ALCOHOLIC Perguntou nos, há algumas semanas, por via telefónica, o dr. Paulo Alexandre Pacheco, sobre se era ou não legítimo empregar se, em vez do anglicismo workalcoholic (leia se aproximadamente: uâqueèlcâõlique), o neologismo ergomaníaco, formado com elementos gregos (ergo=trabalho, mais maníaco=doido). Pensamos que sim, visto que já dispomos de outros compostos de construção idêntica, designadamente: narcomaníaco (toxicómano ou toxicodependente) e cratomaníaco (maníaco do poder), adjectivo aplicável, por exemplo, a déspotas como: Hitler, Francisco Franco, Mussolini e quejandos.
Mas a quem se poderá ajustar o apelativo de ergomaníaco? A todo aquele indivíduo que, por obsessão, repudia qualquer ocupação diferente da do trabalho (em grego, érgon): lembramo nos, a propósito, de que o antónimo de ergomania (mania do trabalho) é ergofobia (horror ou aversão ao mesmo).
Se pretendêssemos traduzir literalmente o estrangeirismo acima indicado, a expressão portuguesa adequada para tal fim seria alcoólico do trabalho, o que nos poderia incutir no espírito a ideia de que o indivíduo, a quem esta designação se referia, se punha a consumir bebidas espirituosas durante as suas funções laborais, facto que, em lugar de lhe fomentar a produção, apenas contribuiria para lha reduzir, o que não corresponderia à realidade expressa no vocábulo ergomaníaco, porquanto a pessoa, que sofre desta enfermidade, contribui, mais do que qualquer outra, para o enriquecimento da empresa em que se emprega.
Em conclusão: deixemos para os plumitivos presunçosos, e só para esses, o detestável anglicismo de work alcoholic (literalmente: alcoólico do trabalho) e agasalhemos, com todo o carinho, a designação de ergormaníaco (maníaco do trabalho), como propôs, com muito discernimento, o nosso prezado consulente.

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais

(Isto agora só para nós: eu utilizo trabalhólico que me parece mais imediatamente compreensível Palavra que, não sendo tão correctamente erudita, devia irritar muito o nosso bem intencionado Alves da Costa. ) António Damião


PROIBIDO Por um fenómeno denominado metátese ou atracção, é bastante frequente ouvirmos pronunciar este vocábulo puribido, em vez de pruibido (na escrita oficial, proibido) que é como se deve proferir. Foi por esta razão que o povo deturpou inocentemente em caravão, crasto, Rosaira e Grabiela, os nomes de: carvão, castro, Rosária e Gabriela. Esta transposição de sons era, aliás, já ocorrente na passagem do latim para o português, conforme se pode observar nos vocábulos primaríu , materia , monasteriu , merulu , parabola , que deram respectivamente, em linguagem popular: primeiro, madeira, mosteiro, melro e palavra. Para confirmação deste assunto poderá consultar se, com bastante proveito, a 'Gramática Histórica e Comparativa da Língua Portuguesa", publicada em 1917 pelo erudito professor Hermínio Sarmento.

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais


FEELING Presentemente usado até à exaustão, este anglicismo, que se pronuncia filim, e não filingue, significa: emoção, ternura, sensibilidade, sentimento. Empregá lo, como fazem alguns jornalistas da televisão com o sentido impróprio de pressentimento, premonição, intuição, palpite, suposição ou suspeita (agora preterido, não sabemos bem porquê, por suspeição ), representa um erro que não devemos imitar. *
Se nós somos portugueses, estamos em Portugal, e falamos para os nossos compatriotas, cuja língua é o português, que eles entendem melhor do que qualquer outra, por que bizantinismo havemos de passar a referir agora aquele vocábulo estrangeiro uma ideia tão singela, que se pode expressar, com mais propriedade, por uma das seis palavras nacionais acima referidas?

Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais Março de 2001


REMOTO Sinónimo de longínquo, distante ou afastado, este adjectivo, que algumas pessoas proferem erradamente remôto, como rima de canhoto, perdigoto ou gafanhoto, deve ser pronunciado remóto, sempre com a vogal da penúltima sílaba aberta, conforme ensinou João de Deus, a páginas 764, 7ª edição, do seu 'Dicionário Prosódico de Portugal e Brasil", dado à estampa em 1895, em confirmação do que já havia sido ensinado por Morais Silva, na 6.'edição do monumental "Dicionário da Língua Portuguesa", publicado em 1858.
Quem se quiser dar ao trabalho, como nós fizemos, de consultar o "Dicionário de Rimas" da autoria de Costa Lima, lá poderá facilmente descobrir, entre as palavras da mesma rima (voto, devoto, maremoto e terramoto) o adjectivo registado em epígrafe.


Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais Março de 2001


NIM Entrevistada há tempos na televisão uma notável actriz de teatro ligeiro, agora inexplicavelmente no desemprego, pronunciou este neologismo, também por nós já ouvido posteriormente a outra pessoa, que se costuma ocupar, com grande perícia, da apresentação de programas de natureza lúdica. Perante o natural espanto esboçado pelo entrevistador que, como nós, nunca tinha ouvido articular tal vocábulo, aquela senhora revelou então, com um sorriso afável, ser seu costume usar a palavra nim, quando não sabia se havia de responder sim ou não às perguntas formuladas pelos jornalistas. Ora, nós que ultrapassámos há muitos anos a cintura da vida, nunca precisámos de recorrer à criação de termos espúrios, como este, sempre que necessitámos de manifestar uma posição de incerteza perante qualquer interrogação que nos fosse formulada. Com os tradicionais advérbios de dúvida, como talvez, possivelmente ou quiçá, para não nos servirmos de outras expressões sinónimas, sempre nos considerámos optimamente apetrechados para exprimirmos qualquer resposta dubitativa. Fora, portanto, com mais este desnecessário barbarismo, cuja existência apenas se poderá permitir quando nos queiramos referir a um tecido, hoje quase em desuso, outrora fabricado na província de Languedoc, provavelmente na cidade francesa de Nimes, conforme informação de Caldas Aulete, registada a páginas 1332, 2.2 volume, do seu 'Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa", publicado em 1987.

Francisco Alves da Costai
in "Jornal dos Olivais"

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CANHOTO Chama se geralmente canhoto ou canhestro a quem executa com a mão esquerda as operações que devia realizar com a mão direita.
Em sentido figurado, começou agora a apelidar se também assim o poliítico parlamentar da ala esquerda ou aquele que apoia as suas ideias.
0 plural deste vocábulo, contrariamente ao que algumas pessoas pensam, não é canhótos, com o aberto, mas sim canhôtos, com esta vogal fechada (na escrita oficial, canhotos, sem qualquer acento gráfico).
Aproveitamos o ensejo para referir neste local o seguinte: o plural do substantivo esgoto (leia se esgôto) não é esgótos, como se ouve dizer frequentemente aos locutores da televisão e da rádio, mas sim esgôtos, com o sempre fechado, a rimar com as palavras: marotos, minhotos, pilotos e gafanhotos.

Francisco Alves da Costai
in "Jornal dos Olivais"

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Terra de bárbaros

Desde Alexandre Herculano, que, não sendo philologo nem grammatico, foi todavia e realmente um precursor da sciencia da linguagem em Portugal, muitas e generosas tentativas se têm feito, no intuito de dar à escrita nacional a possivel uniformidade, e de a mondar de numerosas fôrmas grutescas e injustificaveis, devidas exclusivamente aos maus habitos de uns e à ignorância de outros. Essas tentativas ainda há vinte e cinco annos eram olhadas de soslaio pela maioria dos suppostos pontifices litterarios e com absolluta indiferença por quantos escrevedores alimenta a padaria nacional. Lembro me até de que, em 1885, lembrando alguém, numa sessão da Academia das Sciencias, a conveniencia de se fazer a revisão da orthografiaa portuguesa antes de se começar a imporimir o diccionario academico, Latino Coelho, director do mesmo diccionário, não gostou da proposta, e Pinheiro Chagas, Thomás de Carvalho e o meu querido Bulhão Pato sugeriram ao proponente que não insistisse no assumpto, porque não se chegaria a um accordo.

Cândido de Figueiredo


Bugiar


O Senhor F. Alves Lopes recorda a expressão "mandar bugiar" e pregunta: "o que é este verbo". Há outra frase corrente em dias passados, mas hoje pouco ouvida: "mandar pentear macacos" ou, mais extensamente, "mandar pentear macacos para o Rio de Janeiro". Isto pode significar terem sido criadas e divulgadas antes da independência do Brasil, onde, como parece, abundavam e donde provinham os símios aqui adaptados. E "ir pentear macacos para o Rio de Janeiro" por esta ser então a cidade brasileira aqui mais popular. Tal dito (com ou sem o topónimo) oferece o mesmo sentido que os tão correntes "vai vender água (do pote)", "vai contar as pedrinhas da calçada", "vai ver se chove", entre outros, isto é, mandar alguém desocupado fazer alguma coisa, despedir quem nos incomoda e por quem se tem pouca consideração. Chega se mesmo a dizer "vai te (sic) catar!" Ora a designação antiga corrente para o macaco era a de bugio, donde o verbo bugiar que significaria inicialmente "criar macacos" e também "praticar bugiarias", isto é, "fazer gestos, actos julgados próprios de macaco", mas para longe, na terra donde então viria a maior parte desses animais para cá.

José Pedro Machado "Diário de Notícias"


DESCREDIBILIZAÇÃO
Numa revista semanal de larga expansão lemos, há dias, a seguinte frase, que nos causou justificados engulhos: "As forças da Oposição estão a recorrer a todos os meios para provocar a descredíbílização do Governo."
Mas que disparate é este, senhor jornalista? Então a palavra descrédito, mais sintética e já com séculos de existência, não lhe chegava para traduzir, com mais propriedade e rapidez, o seu pensamento?

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

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DISCORDÂNCIA DE REGÊNCIAS É bastante habitual, em programas televisivos, ouvirmos, por exemplo, o respectivo apresentador solicitar aos sempre submissos concorrentes o seguinte: "Mostrem me as vossas opções", "Olhem para os monitores que têm à vossa frente!" ou "Voltem para os vossos lugares!". Ora, esta concordância (quanto a nós, discordância), apesar de muito usada, constitui um erro de palmatória, que se torna conveniente corrigir, pois as formas verbais encontram se indevidamente colocadas na terceira pessoa, do plural, ao passo que os respectivos pronomes possessivos são empregados na segunda pessoa do mesmo número. Para se falar, correctamente, aquelas frases deveriam ser proferidas do seguinte modo: "Mostrem me as suas opções! ", "Olhem para os monitores que têm à sua frente!" ou "Voltem para os seus lugares!" Mas também se poderia naturalmente dar outra redacção a tais imperativos, embora tal prática seja apenas seguida em certas zonas do norte de Portugal. Exemplifiquemos: "Mostrai me as vossas opções", "Olhai para os monitores que tendes à vossa frente!" e " Voltai para os vossos lugares!" Aqui, tanto os verbos, como os pronomes, foram colocados, e muito bem, na segunda pessoa do plural para se equilibrar o prato da balança.
Em conclusão: quando usarmos a 2ª pessoa do plural de um verbo, o pronome correspondente deve ser colocado igualmente na 2ª do mesmo número. Se, pelo contrário, empregarmos a 3ª pessoa no primeiro, seremos obrigados a fazer o mesmo em relação ao segundo.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

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ARTICULAÇÃO ERRÓNEA DO ARTIGO DEFINIDO Já por diversas vezes temos verberado, por escrito, determinados apresentadores (sempre os mesmos) de programas televisivos, que, por teimosia ou qualquer defeito de natureza glótica., nunca pronunciam correctamente o artigo definido, quando este precede, no plural, qualquer vocábulo iniciado por r, proferindo, por exemplo: a regras, a razões, o ratos, o rapazes, a raparigas. Ora, se estas palavras se encontram colocadas no plural, por que razão proferem eles, em flagrante discordância, o artigo definido no singular? Digamos, portanto, em lugar daqueles disparates, melhormente assim: a razão, as razões, a regra, as regras, o rato, os ratos, e assim por diante, não imitando, ainda que seja por graça, tais apresentadores.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

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ANÚNCIO CARICATO Uma firma portuguesa muito conceituada, cujo nome não propalamos aqui para sua própria defesa, começou há dias a divulgar, através da televisão, determinado anúncio de propaganda comercial, relativa às características do queijo da ilha açoriana de S. Jorge, em que se qualifica este santo de ralado, quando o adjectivo se deve agregar, não ao santo, mas sim àquele conhecido lacticínio ' Ora, para evitar esta ambiguidade, e não querendo transpor o qualificativo ralado para junto do substantivo queijo, como lhe cumpria, bastaria ao leitor de tal anúncio fazer uma ligeira pausa entre S. Jorge e ralado, o que não aconteceu na realidade, para que tudo entrasse na devida normalidade, e não desse origem a estes comentários críticos. Em conclusão: o que estaria certo era dizer se queijo ralado de S. Jorge, e não queijo de S. Jorge ralado. Aqui fica, entretanto, o nosso aviso, a fim de que tal funcionário não volte a laborar em erros similares.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

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ABAIXO ASSINADO Costuma designar se por abaixo assinado a petição, normalmente reivindicativa por diversas pessoas, muitas vezes pertencentes a camadas sociais heterogéneas, mas solidariamente irmanadas no mesmo projecto de reclamação.

Há meses, porém, uma locutora da televisão estatal, cujo nome não conseguimos descortinar, modificou arbitrariamente a palavra para baixo assinado, no que foi, logo de seguida, imitada, embora com respeitosa perplexidade, pela pessoa, de condição humilde, com quem estabelecia diálogo.

Ora, isto não se pode reputar de correcto, porquanto a forma tradicional, que todos nós conhecemos, sempre foi abaixo assinado, e nunca baixo assínado, como agora nos pretende inculcar aquela jornalista, para cujos deslizes prometemos reservar particular atenção.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

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BIG SHOW SIC Aqui está um nome inglês que, como tantos outros da mesma estirpe, não nos faz falta nenhuma, e até se torna confuso para as pessoas menos esclarecidas. Se os seus criadores houvessem adoptado o nome português correspondente Grande Espectáculo da "SIC" este facilmente seria compreendido por toda a gente, sem haver precisão de se perguntar ao nosso vizinho o seu significado. Ora, se nós, que já estudámos, com alguma profundidade, oito idiomas europeus, nos sentimos por vezes embaraçados para traduzir rigorosamente certos estrangeirismos, o que não acontecerá à maior parte das pessoas, cujos conhecimentos literários nunca puderam ultrapassar as fronteiras do Português? Se nós somos portugueses, precisamos é de títulos escritos na nossa querida língua, não em idiomas estrangeiros, que nada representam para nós, e só servem para lançar a confusão no espírito de quem os ouve ou lê.

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"

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ATENAZAR Se bem que se considere apenas esta a forma correcta do verbo, o certo é que o nosso povo emprega, de preferência, por metátese, atazanar, com assimilação do e ao a, determinada pela irresistivel atracção das vogais circundantes. Ora, como este vocábulo deriva de tenaz, e não de tanaz, o verbo será naturalmente o mencionado em epígrafe.
Para quem não goste do vocábulo, aqui registamos, em sentido figurado, os respectivos sinónimos: importunar, causticar, irritar, afligir, torturar, angustiar, atormentare mortificar. 0 precioso escritor Rebelo da Silva, hoje injustamente olvidado, também incorreu no lapso, ao escrever o seguinte passo, inserto na página 124, 1.' volume, do seu romance "A Mocidade de D. João V", publicado em 1969: "Pedi que me deixassem morrer nos sertões, cravado na árvore, atanazado no braseiro, como por mãos de selvagens acabaram tantos santos da Companhia..." Em contrapartida, Judite Navarro, autora do romance "Esta é a minha História", empregou a expressão correctamente, a páginas 40 da mesma obra: "Hei de atenazá lo até ao último momento!"

Barbarismos da Linguagem Corrente
por Francisco Alves da Costa
i
in "Jornal dos Olivais"