OCEÂNIA Quando frequentámos, de bibe e calções curtos (agora são mais compridos) as aulas de Geografia da chamada, ao tempo, Instrução Primária, era habitual ouvirmos os nossos mestres designarem por Oceânia (com acento no i), talvez por influência da pronúncia francesa, o nome do quinto continente. Ao entrarmos, porém, no curso liceal, todos os nossos professores passaram a mencionar aquela parte do mundo por Oceânia, a rimar com Libânia, Jordânia e Mauritânia. Mais tarde, já no curso universitário, a nenhum catedrático ouvimos pronunciar aquele topónimo em consonância com Leiria ou mercadoria, mas sempre com acentuação dactílica. Vasco Botelho de Amaral, a páginas 161, 1.2 volume, do "Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português", publicado em 1958, referiu se também a este assunto, dizendo que o sufixo ia era tónico em grego, mas átono em latim, por isso é que a pronúncia de certos vocábulos se tornava oscilante. Exemplificava então com Hungria, Oceânia (o grifado é nosso), autopsia, academia, que algumas pessoas proferiam, ao tempo, Hungria, Oceânia, autópsia, académia.
Em 1966, o saudoso académico Rebelo Gonçalves, provavelmente fundamentado na opinião de Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, fixou, porém, no seu "Vocabulário da Língua Portuguesa", a doutrina de que era inexacta do i neste nome geográfico, facto que obteve a concordância de outros indiscutíveis lexicógrafos portugueses e brasileiros, designadamente: Jaime Séguier, Fernando J. da Silva, Caldas Aulete, José Pedro Machado e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.
Diga se e escreva se, portanto, Oceânia, conforme preconizaram aqueles abalizados professores, e deixemos para os galiciparlas, como diria o inesquecível Cândido de Figueiredo, se ainda fosse vivo, a pronúncia de Oceania.
A propósito da troca de acentos observada por Vasco Botelho de Amaral relativamente àqueles vocábulos, não queremos deixar de mencionar aqui um facto curioso: os franceses designam por Russie (com acento no i), mais conforme com a prolação original, o extenso país euro asiático, a que nós atribuímos o nome de Rússia, e a que os seus naturais chamam Rassia (com os aa surdos e o r pronunciado como o da nossa preposição para). Ora, para sermos coerentes, nunca deveríamos ter passado a chamar Rússia àquele país, mas sim Rassía, conforme a prosódia eslava. Como não o fizemos, agora é tarde para correcções, e teremos de continuar a mencioná lo da maneira habitual, a fim de não cairmos no ridículo.
Quanto aos vocábulos autopsia, académia e Húngría, arrolados por Vasco Botelho de Amaral naquele dicionário, e assim proferidos por alguns neófitos durante a Segunda Grande Guerra Mundial, confessamos nunca mais os termos ouvido pronunciar com tal acentuação por pessoas culturalmente responsáveis. 0 tempo continua a ser, efectivamente, para quem o deseje, um grande mestre!
Barbarismos da Linguagem Corrente in Jornal Olivais Novembro 2001
Escrever em bom porluguês
1º "É português legítirno não vi nada?"
Sim senhor. Duas negativas, em latim, affirmam: em português, não.
2º "Não seria melhor nada vi?"
Conforme: a construcção da frase póde dar preferencia a uma
ou outra fórma; mas o significado dellas é identico,
3º Estevam ou Estêvão?
Veja o primeiro volume das Lições práticas, onde isso se tratou com alguma largueza. Eu escrevo Estevam mas Estêvão não é êrro.
4º "Arrendei umas casas não produzirá equivovo sobre se sou inquilino ou senhorio?"
Sim, senhor; mas o verbo tem essa dupla significação: dar de arrendamento e tomar de arrendamento. Quem quer evitar o equivo recorre ao circunlóquio "dei ou tomei de arrendamento ... "
5º Esqueceu me dizer ou esqueci me de dizer?"
Esqueceu me dizer é forma afrancêsada. Esqueci me de dizer é que é a expressão genuinamente portuguesa.
E assim: "Esqueci me da bengala" e não: «Esqueci a bengala" etc.
6º "Enfastiou me o comer ou enfastiei me de cormer?"
Á vontade.
E você que acabou de ler estas "gralhas" ficará indignado por elas abundarem no texto, Mas não se zangue! Há 100 anos o português era assim. Este texto foi publicado no Diário de Notícias" de 5 de Dezembro de 1901 e foi recordado no mesmo jornal em 5 de Dezembro de 2001
OBRIGATORIEDADE Para quê usarmos esta palavra tão comprida (constituída por 15 letras) se com obrigação (apenas com 9) poderemos exprimir mais rapidamente o nosso pensamento, sem quaisquer percalços de articulação.
Informa nos o "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", publicado em 2001, que este vocábulo representa o carácter do que é imposto por lei, ou, noutra acepção, do que se torna forçoso, fatal, inevitável. Não pretendemos contrariar aqui a douta opinião dos seus redactores, mas porque o sufixo dade, segundo a gramática tradicional, exprime qualidade, pensamos que teria sido melhor haverem escolhido este vocábulo, em vez de carácter, para definir obrigatoriedade.
Quando as ideias faltam aos oradores, é certo e sabido que estes, para captarem mais adeptos, se vêem forçados a recorrer a uma verborreia pomposa, com a qual talvez consigam impressionar algumas pessoas menos esclarecidas, mas não conseguem convencer aqueles que já lhes conhecem as artimanhas. Fora, portanto, com este aborto de cauda comprida, e continuemos com a tradicional obrigação, que nos foi legada pelos nossos judiciosos antepassados.
Francisco Alves da Costa in Jornal Olivais
RUBRICA Porque este substantivo não é esdrúxulo, erra quem pronunciar rúbrica, em vez de rubrica (sinal, assinatura ou firma abreviada). Aliás, já em latim, donde esta palavra proveio, o acento predominante dela incidia sobre o i da penúltima sílaba, e não sobre a vogal da primeira. Para falarmos e escrevermos, portanto, correctamente nunca devemos acentuar este vocábulo na vogal u, ainda que pretendamos empregar o verbo rubricar na forma imperativa (rubrica tu).
Perfilhou também esta opinião o erudito professor José Pedro Machado, conforme se pode observar no "Grande Vocabulário da Língua Portuguesa", publicado recentemente.
Francisco Alves da Costa in Jornal Olivais
RESSURREIÇÃO À semelhança do que afirmámos em relação ao termo regícidio, também o e da sílaba inicial de ressurreição (revivescência, ressurgimento) deve ser mudo, e não aberto (ré), como articulam enfaticamente algumas pessoas, talvez influenciadas pela prolação obsoleta de certos locutores e jornalistas mal esclarecidos.
A este assunto se referiu também o professor Peixoto da Fonseca, na página 12, n.2 55 do "Boletim da Sociedade de Língua Portuguesa" publicado em 1986: "Eis um termo correntemente mal pronunciado, entre outras pessoas, por muitos membros do clero, que lhe abrem indevidamente o e do prefixo re . Ora, o seu valor é de e mudo, como em ressurgir e ressurgimento; não há qualquer justificação para o abrir, mesmo que se queira dar realce à palavra."
Excepcionalmente, até os redactores do `Dicionário da Língua Portuguesa" concordaram com a tese expendida por aquele erudito professor, e que nós, modestamente, apoiamos com estas singelas notas linguísticas.
Francisco Alves da Costa in Jornal Olivais
REGICÍDIO Há mais de 100 anos, precisamente em 1880, Domingos de Azevedo, autor da "Gramática Nacional", ensinou que o e de regicidio se devia proferir mudo, como o do pronome pessoal me, por isso não faz sentido nenhum que alguns locutores nos pretendam agora impor uma pronúncia que não é, aliás, a tradicional. João de Deus concordou posteriormente com a opinião daquele gramático, segundo se pode observar na página 758 do seu "Dicionário Prosódico", edição de 1895.
Em contrapartida, e como era de esperar, o "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea" veio agora permitir que se abra aquela vogal, contrariamente ao uso estabelecido pela tradição, que nós continuaremos, porém, a respeitar.
Chama se regicídio, como sabemos, ao assassínio de qualquer soberano, como o ocorrido em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 1908, que vitimou o nosso rei D. Carlos e o príncipe herdeiro Luís Filipe, quando a família real seguia em carruagem aberta, para o Paço das Necessidades.
Francisco Alves da Costa in Jornal Olivais
RENTRÉE Apesar de estar a ser utilizado, com bastante frequência, por certos jornalistas da televisão, recusamos frontalmente, por desnecessário, o emprego deste francesismo, que se pôs agora a circular entre nós, principalmente em conversas alusivas à reabertura das aulas ou da Assembleia da República. As nossas palavras recomeço, reentrada ou reabertura são mais do que suficientes para eliminar tal estrangeirismo. Também poderemos recorrer a retorno, volta ou regresso, conforme os casos determinados pelo sentido específico da frase. Quando será que nós passaremos a falar e a escrever em português escorreito?
Este galicismo, que se pronuncia rantrê, agora usado, sem qualquer rebuço, por alguns jornalistas incipientes, foi outrossim registado no "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", dado à estampa em 2001. Isto, porém não quer dizer que posterguemos da nossa linguagem os termos acima referidos, já com longos séculos de existência, e que traduzem vernaculamente a ideia contida naquele desnecessário exotismo.
Francisco Alves da Costa in Jornal Olivais
GARANTÍSTICO Damos aqui notícia de outra aberração linguística, proferida na Assembleia da República por um político de renome, aliás pessoa de cultura bastante apurada, no decurso das comemorações do 26.º aniversário da Revolução dos Cravos, para preenchimento de uma acidental lacuna do seu discurso. Ora, perante a carência de qualificativo apropriado para completar rapidamente o seu pensamento, e para evitar a queda inevitável no pélago dos disparates, bastava que tal personalidade, naquele passo da sua alocução (escrita e não improvisada) tivesse recorrido a qualquer dos seguintes adjectivos: abonador, fiador ou garantidor, pois assim evitaria o emprego de um neologismo, cuja criação, porque infeliz, nunca o poderá poupar às investidas mordazes de certos detractores.
Este vocábulo, porque não se reveste de qualquer interesse para nós, deve ser postergado imediatamente da nossa linguagem, juntamente com os seguintes: centralidade, confusionismo, consensuaIização, contratualizar, convivialidade, desculpabilização e termos quejandos, criados por alguns políticos de primeira plana para ludílbrio dos incautos, cujas aspirações raras vezes conseguem satisfazer, pois é mais fácil de prometer do que realizar.
Francisco Alves da Costa in Jornal Olivais, Setembro 2001
CONTRATUALIZAR Este verbo, de 14 letras, nunca existiu em português. Foi criado arbitrariamente por uma senhora ministra, aliás muito bem falante e voluntariosa, no decurso de uma breve alocução pública sobre problemas do ambiente.
0 nosso modesto verbo contratar, sinónimo de ajustar, combinar, apalavrar, constituído apenas por 9 letras, e já com séculos de existência, é mais do que suficiente para exprimirmos o nosso pensamento.
DióSPIRO 0 nome desta espécie vegetal, vulgarmente conhecida por erva das sete sangrias, e cujo fruto, bastante adocicado e de pele fina, semelhante à do tomate, é de pronúncia clactílica (esdrúxula), e não grave, contrariamente ao que muitas pessoas pensam. 0 seu nome chegou nos do grego dióspyros (fogo divino), cuja penúltima sílaba, porque era de natureza breve, determinava obrigatoriamente uma acentuação proparoxítona (esdrúxula) na sua passagem para a nossa língua.
Diga se e escreva se, portanto, díóspiro, e não dióspíro, pois esta prolação, embora frequente na linguagem do nosso povo, e agora inconcebivelmente sancionada pelos redactores do "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", considera se um erro de palmatória.
Barbarismos da Linguagem por Francisco Alves da Costa in Jornal dos Olivais
COMPLEMENTO CIRCUNSTANCIAL DE MATÉRIA Conforme já tivemos ocasião de ensinar, a páginas 66 do nosso "Dicionário de Estrangeirismos", dado à estampa em 1990, neste complemento nunca se deve usar a preposição em, que é prática afrancesada, mas sim a sua patrícia de, aliás como sempre foi uso dos nossos escritores clássicos, designadamente Gomes Eanes de Zurara, Fernão Mendes Pinto, Frei Luís de Sousa e, mais próximo de nós, Camilo Castelo Branco. Diga se e escreva se, portanto, pois assim é que está certo: candeeiro de porcelana, porta em madeira, mobília de pau santo, anel de platina, pulseira de prata, libra de ouro, mesa de pedra, estatueta de marfim, barco de papel, jarra de cristal, cadeira de verga, copo de plástico, porta de vidro, vasilha de barro, chão de granito, gol a de veludo sapatos de camurça, luvas de borracha ' arca de cânfora, corda de sisal, vela de cera, placa de bronze, chave de latão, moeda de cobre, cinzeiro de jade, bóia de cortiça, corrente de cobre, argola de ferro, caçarola de alumínio, pasta de couro da Rússia, e assim por diante. Com a preposição em é que nunca, excepto quando o verbo da frase requeira tal regência, como em casos idênticos aos seguintes: converter em cinzas ou transformar em gelo, em cuja construção não seria curial empregar se o conectivo de.
Para reforço desta regra, recordemos que, já em latim, donde o nosso idioma principalmente proveio, era com de, e jamais com em, que se construía o complemento circunstancial de matéria, segundo informação do saudoso professor Hermínio Sarmento, exarada na página 186 da sua "Gramática Histórica e Comparativa da Língua Portuguesa", edição de 1917: "Signum de marmore = estátua de mármore".
Barbarismos da Linguagem por Francisco Alves da Costa in Jornal dos Olivais
CLORETO DE POTÁSSIO A propósito de uma grave explosão ocorrida há meses em determinada fábrica de fogo de artifício, localizada nos arredores do Porto, ouvimos certa jornalista da televisão, aliás pessoa de cultura bastante esmerada, referir que tal acidente havia sido motivado por falta de cuidado com a manipulação de cloreto de potássio. Ora, tal informação considera se errada, pois esta substância química nunca foi de natureza explosiva. 0 coirão de potássio é que deflagra facilmente; às vezes até pela sua simples percussão numa superfície rígida. Recordem se os constantes atentados da Primeira República, atribuídos, talvez injustamente, aos anarquistas, que, segundo era voz corrente, fabricavam bombas com maçanetas de varandas, recheadas de pregos e deste produto químico.
Barbarismos da Linguagem por Francisco Alves da Costa in Jornal dos Olivais
Tema
O uso do termo grátis
Pergunta/Resposta
Se grátis é advérbio não pode ser usado com substantivos, como freqüentemente vemos nas faixas espalhadas por São Paulo. Ducha grátis (nos postos), estacionamento grátis, matrícula grátis. Correto?
Sandra
Brasil
Duas questões se levantam a propósito desta observação da nossa consulente.
A primeira diz respeito à construção de frases em faixas, cartazes, placas, rótulos, etiquetas, etc. Nestas situações, o contexto e a intencionalidade levam à adopção de expressões simples, tipificadas, sem núcleo verbal expresso. As inscrições que refere são simplificações de frases do género: "Concede se estacionamento grátis (= de graça, de forma gratuita). Ou seja, o conceder o estacionamento é que é de forma gratuita, e não o estacionamento em si.
Uma segunda questão é a da derivação imprópria. Grátis, inicialmente um advérbio que caracterizava a acção de obter o bem (de graça, sem se pagar por ele), passa a desempenhar a função de adjectivo, caracterizando o próprio bem em si (gratuito), e não a forma como foi obtido. No Dicionário Aurélio Século XXI, já o vocábulo "grátis" vem referido como sendo um adjectivo.
Relacionado com este aspecto, refira se que há palavras que em certos contextos são advérbios e noutros adjectivos, constituindo se como modificadores do substantivo: pessoas assim deviam ser recompensadas; muita água; paciência bastante.
Cf. "Proibido cães e bicicletas", De graça e Grátis.
M.R.M.R.
Tema
K, w, y na língua portuguesa
Pergunta/Resposta
Desde as últimas reformas ortográficas, o alfabeto da língua portuguesa em uso no Brasil admite apenas para casos muito especiais a utilização das letras k, w e y.
Ainda que os sistemas de transliteração existentes possam fazer uso de tais signos (conforme Leonor Santa Bárbara 3/8/99), na tentativa de registro das línguas indígenas brasileiras (ágrafas, aliás), como escrevê las corretamente diante daquele impedimento gramatical, já que as mesmas não são abrangidas pelos casos especiais?
Luís Augusto Nicolau
Administrador público
Brasília
Brasil
As nossas normas indicam, de facto/fato, que as letras k, w, y não fazem parte do alfabeto em que se baseiam as palavras da nossa comum língua. Foram substituídas: k por qu ou c, w por v ou u, y por i.
Como noutras coisas, porém, a regra deve ser seguida sem rigidez. Por exemplo, estas letras são já obrigatórias em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros (ex.: frankliniano, wagneriano, taylorista, etc.). São, além disso, usuais em símbolos de unidades de medida e em siglas (ex.: K, TWA, kW, yd, etc.).
Se a língua indígena é ágrafa ou quando se entende que os seus termos devem pertencer à nossa língua, não vejo problema na adaptação à língua portuguesa actualmente/atualmente normalizada, sem estas letras. Se já existem as letras na língua indígena escrita, e for considerada estranha, podemos dizer, legitimamente, que são obrigatórias em palavras derivadas dessas palavras indígenas.
A recusa/repulsa pelo k, w, y não faz sentido. O novo acordo taxativamente inclui estas letras no nosso alfabeto, embora continuem a não figurar nas palavras do léxico considerado de língua portuguesa.
Ao seu dispor.
D´ Silvas Filho
Tema
Pronúncia: difícil, ridículo, pelo
Pergunta/Resposta
Como se devem pronunciar as seguintes palavras:
Difícil ou "defícil"?
Ridículo ou "redículo"?
E pelo (contracção da prep. por com o art. def. "o" ou contracção da prep. por com o pron. dem. "o")? Deve pronunciar se "p'lo" ou "pêlo"?
Obrigado.
Luís Valada Marcos
Lisboa
Portugal
Sobretudo em difícil, a pronúncia mais corrente (e mais correcta) é com i na 1.ª sílaba.
Pelo, com e mudo ou sem ele, é mais correcto que pelo, com e fechado (ê). Os professores antigamente até diziam aos seus alunos que pêlo é um cabelo! Mas hoje esta pronúncia é já de facto muito vulgar, embora, na minha opinião, se deva combater.
F. V. Peixoto da Fonseca
Ciberdúvidas
Tema
Perda = perca
Pergunta/Resposta
Tenho uma dúvida no que diz respeito ao uso de «perda» e «perca». A resposta fornecida por esta página diz que ambas as formas são corretas, sendo a segunda popular, mas corretíssima. No entanto, aprendi que «perda» é um substantivo e «perca» é uma forma conjugada do verbo perder. Foi enfaticamente frisado que é um erro muito grosseiro usá las fora destas funções. Por exemplo, correto é dizer "Isto é uma perda de tempo", mas jamais deve ser dito, "Isto é uma perca de tempo". Outro exemplo, diz se: "Perca o medo dos desafios" e não "Perda o medo dos desafios".
Gostaria de saber o porquê dessas diferenças. Aprendi a forma incorreta? Ou, neste caso, há diferenças entre Brasil e Portugal? Ou, ainda, há controvérsias sobre o tema?
Vívian
Brasil
A forma perca (=perda) é correcta como linguagem popular. Na linguagem das pessoas cultas, emprega se perda, embora possa aparecer a forma perca.
O Dicionário Aurélio também regista perca como substantivo, e dá lhe os mesmos significados com que em Portugal se emprega: perda, prejuízo, dano.
É claro que perca, além de substantivo, é também forma do verbo perder: 1ª. e 3ª. pessoa do singular do presente do conjuntivo e ainda do imperativo: «perca o medo dos desafios».
Pelo que informa o Dicionário Aurélio, também se admite no Brasil o substantivo perca na linguagem popular.
Ciberdúvidas
J.N.H.
Pergunta/Resposta
Qual é a melhor maneira de se escrever o horário (abreviado ou não) de eventos?:
Exemplo: "... que será realizado às 17 horas e 30 minutos do dia ..."
17:30h
17:30 horas
17h30
17h30min
Edriene Cristine
funcionária Pública Federal
Brasil
Segundo o Sistema Internacional de Unidades, a abreviatura da unidade hora é h e a abreviatura de minuto é min (sem ponto). Assim, a representação correcta/correta de dezassete horas e trinta minutos, com algarismos, é: 17 h 30 min, de acordo com a sua última hipótese (mas incluindo espaços).
Em 17h30 fez se uma simplificação, que não me escandaliza, mas que pode ser criticada por não se indicar claramente a que unidade se refere a quantidade 30 (podem ser segundos: 30 s).
Há quem defenda a notação 17.30 h ou 17h 30´. A que faço as seguintes objecções/objeções: o ponto como unidade de separação entre algarismos pode dar lugar a confusões (17.30 h pode ser interpretado como 17,3 h); e em 17h.30´ há a mistura da representação de unidades de tempo com a de unidades angulares.
Nas suas duas outras hipóteses é usado o sinal de pontuação `dois pontos´ como separação. De facto/fato, a notação abreviada usual na informática para representar o horário é 17:30:10 (horas, minutos, segundos). Considero perfeitamente aceitável 17:30 h, como inovação dos nossos tempos.
Quanto a 17:30 horas, note que com algarismos é de regra usarem se as abreviaturas das unidades (bem como é de regra escrever a unidade por extenso, se a quantidade também o for). No entanto, pessoalmente adopto/adoto as seguintes grafias: escrita por extenso da unidade, quando sinto a necessidade de que o contexto fique sem ambiguidades/ambigüidades (horas e não h); algarismos, quando desejo que o valor seja imediatamente sugestivo à vista (ex.: 47 123 metros, em vez de: quarenta e sete mil, cento e vinte e três metros). Cf. Unidades, mais uma vez.
D' Silvas
Ciberdúvidas
CENTRALIDADE De há um tempo a esta parte que se tem vindo a verificar uma tendência viciosa para o emprego de palavras com muitas sílabas, principalmente em alocuções radiofónicas ou televisivas. É precisamente o caso desta centralidade, que foi usada numa entrevista concedida por certo delegado, sindical, aliás muito bemfalante, no contexto seguinte: "0 trabalho continua na centralidade das atenções."
Ora, se nós dispomos, há séculos, do, vocabulário centro, constituído apenas por seis letras, para exprimir a mesma ideia, por que bizantinismo havemos de complicar agora o discurso, passando a empregar 0 dobro dos caracteres? A supracitada frase, embora não a pretendamos classificar de espúria, seria mais facilmente apreendida pelo público, se aquele conceituado sindicalista a houvesse proferido assim: "0 trabalho continua no centro das atenções."
Barbarismos da Linguagem por Francisco Alves da Costa in Jornal dos Olivais
ALUGAR OU ARRENDAR Desde que nos conhecemos (e já decorreram algumas décadas bem puxadas), sempre ouvimos empregar indiscriminadamente o verbo alugar, tanto referido a casas, prédios, moradias, vivendas, quartos, armazéns, estúdios, apartamentos ou partes de casa, como em relação a carroças, bicicletas, camionetas, automóveis, aviões ou até carros eléctricos. Agora, porém, com a criação de um programa televisivo, de natureza jurídica, aliás muito bem arquitectado, o seu orientador começou a estabelecer distinção entre alugar e arrendar, aconselhando a que se aplique somente o primeiro verbo em relação a quaisquer veículos, e o segundo apenas a bens de natureza imóvel.
Ora, isto pode considerar se muito aceitável quanto a problemas de carácter jurídico, o certo, porém, é que, como nos comprovam diariamente as secções de anúncios dos jornais relativamente a tais assuntos, se continua a usar aquele verbo alugar igualmente em relação a quaisquer imóveis, facto que obriga a desequilibrar os pratos da balança. Veja se, por exemplo, o sumário inserto, a páginas 65, do 'Diário de Notícias", publicado em 7 de Novembro de 1999.
Em face ao exposto, parece, portanto, legítimo continuarmos a empregar também o verbo alugar, embora alternando com arrendar para variação de estilo, em lugar de tentarmos impor, contra o uso tradicional, um verbo em detrimento do outro.
Vejamos ainda, como simples curiosidade, o que disse, na página 248 do "Foro Real", a este respeito, Afonso X, rei de Castela, que viveu durante o século XIII: "En casa doutrin alugada (o grifado é nosso) mandamos que seja empenhorada ao dono..."
Na página 247 da mesma obra, ainda se pode ler o seguinte: "alquila (aluga) a casa..." E, mais adiante, a páginas 248, aparece o reforço da nossa tese: lialquilar ou arandar (arrendar) sas (suas) casas...'
Como complemento destas notas linguísticas, cumpre nos transcrever aqui o que Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo registou, na página 434, 1.2 volume, edição 1983, do seu precioso "Elucidário": "Alquílar, alugar, dar de renda qualquer cousa móvel, semovente ou imóvel."
Barbarismos da Linguagem por Francisco Alves da Costa in Jornal dos Olivais
Tema
"Instrói"
Pergunta/Resposta
Existe a palavra instrói??
Sónia
Portugal
Não existe a palavra "instrói". Depreendo que a sua pergunta se relacione com o verbo instruir. Este verbo da terceira conjugação é proveniente do latim e apresenta uma conjugação regular. Assim, o presente do indicativo é: instruo, instruis, instrui, instruem.
M.R.L.
Mais vale tarde...
O Dicionário da Academia, em nova edição *
J.H.B. **
Os interessados em obter a nova edição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea vão ter de desembolsar 25.000$00, levar para casa dois grossos volumes que totalizam 3809 páginas e adentrar (registado no dicionário com abonação retirada de Camilo Castelo Branco) nas 70.000 entradas lexicais, 33.000 abonações linguístico literárias de autores contemporâneos, cerca de 270.000 vocábulos com as suas combinações do português falado nos quatro continentes e apresenta ainda alterações de ortografia e expressão de 700 estrangeirismos de uso corrente na língua. O trabalho durou 12 anos, e o resultado deste esforço foi apresentado no último dia 26, em sessão solene na Academia de Ciências de Lisboa.
Desde 1988 que a equipa coordenada por Malaca Casteleiro, catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro da Academia, vem trabalhando no projecto. Em 1975 surgiu um volume que contara com a participação de Jacinto Prado Coelho e Lindley Cintra, mas só agora é que de facto se pôs um ponto final na história do dicionário.
As adaptações dos estrangeirismos são muitas: «lóbi», «dossiê», «ateliê», «scâner», «stande», «stresse», «faxe», «telefaxe». O dicionário regista ainda muitos termos do calão, siglas como Umts (Universal Mobile Telecommunications System), ou brasileirismos como «estocar» (armazenar alguma coisa), «parabenizar» (expressar felicitações). A obra respeita a ortografia vigente e acaba por oficializar a grafia de estrangeirismos correntes.
A Academia das Ciências foi fundada em 1799, e 15 anos depois foi apresentado o primeiro volume do dicionário da academia, correspondente à letra A, sendo alguns dos responsáveis pelo projecto José Fonseca, Bartolomeu Inácio Jorge e Agostinho José da Costa. Críticas, como a de Alexandre Herculano na Dama Pé de Cabra, não pouparam os organizadores: «O onagro fitou as orelhas e... começou a azurrar, começou por onde, às vezes, as academias acabam.»
Esperemos agora para ver se os críticos vão ou não zurzir (última entrada do dicionário) a obra.
* Publicado no semanário português "Expresso"/Cartaz de 28 de Abril de 2001
** Jornalista do "Expresso"
Peça ao seu director criativo que convença o financeiro a desembolsar as 25 "mocas". Deste modo os "accounts" podiam fazer uma "flor" junto dos clientes dizendo que a agência tem o Dicionário da Academia!!!
"Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem"
António Rego Chaves ("Diário de Notícias")
Quê, ler um dicionário nas férias? Não se assuste, leitor(a). Reconheça só que muitas vezes tem dúvidas sobre o uso de uma expressão, de uma palavra, de uma preposição. Nesse caso, não vá ao Dicionário da Academia, pois corre o risco de saber como é que a maioria das pessoas diz ou escreve, mas não como a maioria dos especialistas diz ou escreve. O povo faz a língua, claro; mas quem a estuda também é gente...
Posto isto: experimente folhear, uns minutos por dia, o caridoso Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, de Rodrigo Sá Nogueira. Eis alguns conselhos colhidos nesta obra, que nela são devidamente fundamentados:
Não diga à escala, diga na escala; não diga ao nível, diga no nível; não diga a gente vamos, diga a gente vai; não diga Corão, diga Alcorão; não diga alvoraçado, diga alvoroçado; não diga a maior parte dos homens fugiram, diga fugiu; não diga amizade por alguém, diga amizade a alguém; não diga aumentar de 50 por cento ou em 50 por cento, diga aumentar 50 por cento; não diga contactar uma pessoa, dia contactar com uma pessoa; não diga convenci me que, diga convenci me de que; não diga custa a crer, diga custa crer; não diga despacho, diga telegrama; não diga dezenas de milhar, diga dezenas de milhares; não diga dignatário, diga dignitário; não diga duvidar que, diga duvidar de que; não diga mesa em ferro, diga mesa de ferro; não diga em ordem a, diga com o fim de; não diga enquanto que, diga só enquanto; não diga fui eu quem fiz, diga fui eu quem fez ou fui eu que fiz; não diga fui eu um dos que fiz, diga fui eu um dos que fizeram; não diga duzentas gramas de fiambre, diga duzentos; não diga gratuidade, diga gratuitidade; não diga informo que, diga informo de que; não diga legenda nem legendário, diga lenda e lendário; não diga bem e melhor, diga bem e mais bem; não diga mal e pior, diga mal e mais mal; mas diga bom e melhor, mau e pior; não diga metade dos homens morreram, diga morreu; não diga não é mais possível, diga já não é possível; não diga o que fizeste ontem?, diga que fizeste ontem?; não diga o personagem, diga a personagem; não diga processo verbal, diga acta; não diga púdico, diga pudico; não diga rentável nem rentabilidade, diga rendível e rendibilidade; não diga as tropas retiraram, diga as tropas retiraram se; não diga a assembleia reuniu ontem para tratar, diga a assembleia reuniu se; não diga rico em ferro, diga rico de ferro; não diga o síndroma, diga a síndroma; não diga a festa teve lugar às cinco horas da tarde, diga a festa realizou se às cinco da tarde; não diga vende se selos, diga vendem se selos.
E boas férias!
António Rego Chaves ("Diário de Notícias")
COM ATÉ Encontrámos este encadeado anómalo de preposições num impresso de propaganda de venda de relógios. Ora não é assim que se deve escrever a nossa língua. Segundo a tradição, a ordem normal de colocação dessas preposições no discurso é precisamente ao contrário: até com e não com até, mau hábito, de inspiração forasteira, que se torna conveniente corrigir. Este disparate faz nos lembrar o seu semelhante (com apenas), demasiadas vezes empregado por quase todos os jornalistas da televisão, em lugar de apenas com, apesar das nossas constantes chamadas de atenção acerca do assunto.
Em conclusão: sempre que tenhamos de usar aquele encadeado de preposições, ou outro similar, convém colocarmos sempre em primeiro lugar (nunca no fim) a palavra até, pois assim é que se considera correcto. Seguem, como exemplo, estas frases elucidativas: "Dizes que não me viste ontem na exposição de pintura, mas eu até lá estive com a minha mulher!", "Até às melhores pessoas as desgraças acontecem!", `Se alguém houver cometido actos condenáveis, até perante o Diabo se deve sentir envergonhado...", "Dizes que tenho uma péssima memória, mas eu até das mais insignificantes coisas me recordo!", "Embora eu não to mereça, até para mim tu costumas ser agressiva." "Sempre que desejes, podes saber notícias minhas até por intermédio da Internet." "Penso que ainda consigas apresentar excepcionalmente a tua reclamação até dois dias após o termo do prazo de candidatura ao concurso para professores de Música...", "Tenho sobejos motivos de queixa contra toda a gente e até contra ti!", "Não há nada que não lhe aconteça: agora até sobre ele recaem suspeitas de corrupção!", "És tão irritante que até de ti toda a gente se afasta!" e, para terminar, "Talvez vivas melhor até sem a nossa companhia!".
Como facilmente se pode observar, empregámos aqui diversos encadeamentos prepositivos para exemplificação da tese expendida no primeiro parágrafo destas singelas notas linguísticas.
Barbarismos da Linguagem por Francisco Alves da Costa in Jornal dos Olivais, Julho de 2001.
CAIR E SAIR Para evitarem o hiato muitas pessoas, quando falam, introduzem um i entre as vogais a e da 3ª pessoa do plural do modo indicativo desses verbos. Ora, tal prática poderá certamente desculpar se, desde que não seja ampliada à escrita, pois a tendência da linguagem falada procura sempre evitar a colisão vocálica, a qual se torna sempre desagradável ao ouvido. É por essa razão que as pessoas do norte de Portugal dizem sempre â i água, em vez de â água, como nós costumamos pronunciar, com certa dificuldade, na zona do chamado português padrão (entre o sul do Mondego e o Vale do Tejo). Escrever porém caiem e saiem, como já tivemos ocasião de observar, em legendas insistentemente corridas em rodapé, durante o noticiário de uma estação televisiva, é que não consideramos admissível.
Para quem necessitar de mais esclarecimentos acerca deste assunto aqui deixamos a seguinte informação: o erudito professor Rodrigo de Sã Nogueira também aconselho a escrita de caem e saem, respectivamente nas páginas 74 e 294 do seu `Dicionário de Verbos Portugueses Conjugados", na edição de 1945.
Idêntica doutrina deve ser adoptada, como é evidente, em relação às mesmas pessoas e tempos dos seguintes verbos: abstrair, contrair, descair, extrair, protrair, retrair, trair, sobressair, subtrair e similares.
Barabarismos da linguagem corrente
Francisco Alves da Costa
In Jornal dos Olivais