Tio Olavo 1
Por Edson Athaíde
 

De onde vêm as ideias?

 De onde vêm as ideias? Se calhar vêm de Paris, como os bebés, ou da cabeça de quem está ocupado em encontrá las. As boas ideias são como o dinheiro, não caem do céu como a chuva ou os aviões. Por isso é muito importante tratá las com carinho sempre que temos a sorte de cruzar com uma.

Muitas vezes perguntam me: Edson, você é criativo todo o tempo? Você cria no duche, num bar, na cama?» A verdade é que raramente tive uma ideia no banho e (com o passar dos anos) cada vez sou menos criativo na cama (acho que isto ficou um duplo sentido estranho, mas tudo bem). Estava a pensar nisto outro dia, quando me deparei com um livro de um publicitário brasileiro chamado Roberto Duailib. O livro trazia na sua introdução uma excelente definição sobre toda a complexidade do processo criativo. Segundo Duailib: As ideais vêm quando elas querem, disse Friedrich Nietzsche, e não quando eu quero. Nietzsche estava parcialmente certo. Ele referia se mais à intuição e menos à criatividade. Criatividade é o método consciente de se encontrar ideias. Intuição é quando uma solução surge mesmo antes de havermos definido qual o problema a resolver; em alguns casos, mesmo antes de sequer havermos indentificado o problema. De qualquer maneira, a criatividade não é um processo fácil. Todas as criaturas humanas, quando colocadas frente a um trabalho, frente à necessidade da produção de alguma obra, seja ela científica, artística ou técnica, angustia se para encontrar uma solução. Quanto maior o problema, maior a angústia. Ou, pelo menos, quanto maior imaginamos que seja o problemas, mais a solução se torna premente. Essa é a própria essência da acção dramática: quanto maior o objectivo, quanto maior o desejo de atingi lo e quanto maiores os obstáculos , mais intenso o drama. Na vida real também é assim.

Cada pessoa acaba por desenvolver um método só seu para criar. David Ogilv,v diz que precisa camnhar para que as ideias lhe ocorram. Tanto que, ao escolher o local onde se deveria reformar, descobriu uma vila em França onde havia boas estradinhas.

Tom MacElligton, um talentoso redactor de publicidade, afirmou que cria enquanto folheia um catálogo do Image Bank, e esse é o típico caso em que o estímulo visual ajuda a associar ideias que, em seguida, expressam se em palavras ou em outras imagens.

Pessoas que conseguem identificar a sua condição especial serão mais produtivas. Elas podem, dadas as circunstancias certas, reproduzir essa condição que favorece a criatividade. Recomenda se, mesmo, que todas as pessoas da área de criatividade faça um esforço especial para descobrir qual é a sua condição especial. E se não houver nada em particular que invente alguma.» Qual é a sua condição especial? A minha são várias. Para escrever crónicas, por exemplo, necessito vir até à redacção do DN. Preciso sentir me integrado no ambiente do jornal para ter a noção exacta de que não estou a escrever para mim e sim para um público vasto de leitores.

Também gosto de criar pela manhã a ouvir música instrumental (de preferência piano ou guitarra). Outra coisa, detesto começar o processo criativo sozinho. Prefiro sempre ter meia hora de conversa com outra pessoa sobre o anúncio que tenho de criar. Nem que seja para só eliminar caminhos e sentir me mais seguro do rumo que pretendo seguir. Também há pessoas com quem prefiro estabelecer um diálogo criativo.

O meu sócio Frederico Saldanha é um exemplo disso. Trabalho há anos com ele, desde os tempos em que Fred era um puto de 18 anos com nenhuma experiência em publicidade. Hoje é um profissional exemplar, mas a clareza do nosso diálogo criativo pouco mudou em tantos anos. Se nunca pensou no assunto, recomendo que o faça agora. Identifique 0 que é que está ao seu redor que de alguma maneira possa interferir positivamente no seu processo criativo. Posso garantir que os problemas s vão parecer bem menos importantes. E as soluções vão estar sempre próximas do possível.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "A criatividade publicitária é de 80% transpiração, 5% inspiração e 15% de comissão."

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A última valsa

Há coisas que parece que acabam, mas na verdade nunca terminam. Desaparecem, mas voltam, morrem, mas ressuscitam, desafiando as leis da lógica, da física e da teologia.
O ser humano tem a mania de ser moderno. Como se ser moderno, ou pelo menos ser modernista, não fosse por si só uma coisa do início do século. E para ser moderno é preciso estar sempre a inventar qualquer coisa nova em contraposição a uma antiga. Já dizia Napoleão: "Os homens são melhor governados pelos seus vícios do que pelas suas virtudes." Faz sentido. Se o homem fosse lógico, ficava na mesma. Não inventava o progresso e todas as suas maravilhosas consequências como o Tamagotchi e a telepizza.
O problema é que aprendemos a trocar de hábitos, de roupas, de penteados como se isto mudasse o que somos por dentro. E o que somos por dentro? Em realidade não é lá grande coisa. Posso garantir que é impossível sentir algum tipo de atracção sexual ou admiração intelectual pelos rins de quem quer que seja.
Não nos enganemos. O mundo é um eterno retorno. Damos cada passo para a frente apenas para disfarçar os dois passos que damos para trás. Fingimos que somos cada vez mais diferentes quando na verdade nunca fomos cada vez mais parecido com o Tom Cruise.
As coisas voltam, as coisas voltam. E é por isso que acho que ainda vamos acabar todos num grande baile de valsa.
Não vai ser hoje, porque estas coisas levam o seu tempo. Primeiro, vamos ter de enfrentar mais alguns anos de Rolling Stones e de Fafá de Belém. Mas depois vai ser a vez da valsa.
Tenho provas concretas disto. Outro dia, liguei o rádio e ouvi uma valsa. Dito assim, parece a coisa mais simples do mundo. Mas não é. É assim que tudo começa. Lembra quando você ouviu a Macarena pela primeira vez? E o Bicho? Pois é. Quem me garante que a valsa não voltará a ser dança da moda?
Supostamente, a valsa já foi extinta, como os dinossauros ou os mamutes, e substituída por coisas mais nobres e desenvolvidas, como salsa e a dança da garrafa. De certa maneira, eu nem deveria saber o que é uma valsa. Nem você. Talvez a sua avó tenha valsado com naturalidade. Provavelmente a tentar controlar aquela mão atrevida do seu avô. Mas o tempo e a história não nos deram este direito. Já nascemos com a valsa completamente anacrónica e a cheirar a bolor.
Mas o que eu sei é que outro dia no meu rádio tocou uma valsa. O Danúbio Azul para ser mais exacto. E a verdade é que eu sabia a sua melodia inteirinha. Eu que mal consigo trautear uma canção dos Silence Four.
Lembrei me então de um texto do melhor cronista americano de todos os tempos, chamado H. L. Mencken, que uma vez escreveu: "A valsa nunca sai completamente de moda, fica apenas de tocaia; de vez em quando, faz um triunfal regresso, para tormento e corrupção da pureza química. (...) A valsa é, na verdade, magnificamente indecorosa, porque torna lúbrico o espírito. Arrisco me a dizer que as composições de Johann Strauss já fisgaram mais rapazes e moças do que todos os astros de cinema e caçadores de escravas brancas desde a queda do Império Romano do Ocidente. Há algo de irresistível na valsa. Aplique a na mais gorda e patusca ou na mais magra e ácida das mulheres; e em dez minutos ela estrará pronta para o mais clandestino beijo atrás da porta." Se calhar é disto que o mundo precisa. De um bocadinho de valsa. Num mundo com valsa não é possível acontecer coisas tão explícitas como toda gente saber que um presidente gosta de brincar com secretárias e charutos. Um mundo com valsa é um mundo com algum pudor. É um mundo que cora ao mais pequeno indício de pecado. E que ainda acredita que certas coisas até podem ser feitas, mas não podem ser ditas.
De qualquer forma, se é verdade que o planeta irá explodir no fim do ano, sempre seria mais bonito que isto acontecesse ao som de uma valsa, a última valsa. Rodopiaríamos entre as ondas de lava até sermos engolidos pelas fendas que se abririam no chão. Ou até a orquestra acabar o tema e passar a tocar o último sucesso da Ágata.
Ou como diria 0 meu Tio Olavo: "Dançar valsa é uma das duas melhores coisas do mundo. E a única que dá para fazer com roupa."

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A percepção é a realidade

O que é uma campanha institucional? Ou melhor perguntando: para que serve uma campanha institucional?
A resposta parece óbvia: uma campanha instituciona] vende uma instituição e não um produto. Mas na verdade não é bem assim.
Boa parte das campanhas institucionais não vendem nada. São feitas absolutamente para o umbigo do dono da empresa ou para a vaidade de quem as criou.
O pior é que esta é uma verdade percebida pelos directores de marketing das grandes companhias. Pressionados constantemente por demonstrar resultados claros de vendas dos seus produtos, os directores de marketing torcem o nariz sempre que são confrontados com a ideia de se fazer uma campanha institucional. Alguns já nem querem ouvir falar do assunto, pois já decidiram que comunicação é dinheiro deitado ao lixo. Outros são mais sensíveis ao tema mas esbarram nos seus orçamentos de publicidade apertados, que pouca margem dão para fazer anúncios cujo único objectivo é vender imagem.
O problema é que as más campanhas institucionais contribuem para montar este cenário. Pois a irrelevância das suas mensagens (e o dinheiro que visívelmente é gasto nelas) é ofensiva para quem tem de contar cada tostão que coloca num anúncio.
Uma coisa é clara, a publicidade nada mais é do que o exercício da comunicação comercial. A publicidade não vive no vazio, não sobrevive no vácuo. Um anúncio sem conteúdo e sem diferenciação não é nada. É papel impresso sem valor. São segundos desperdiçados de televisão.
Um boa campanha institucional deve vender os valores únicos de uma empresa. Deve comunicar se ela é moderna ou tradicional. Deve dizer se ela é simpática ou imperativa. Se ela é humilde ou presumida.
Fico feliz sempre que vejo uma boa campanha institucional. Sabe porquê? Porque uma boa campanha institucional significa que houve uma empresa que acreditou na força da comunicação para a sua percepção no mercado e que houve uma agência de publicidade que soube aproveitar uma grande oportunidade de ajudar um cliente.
Outro dia vi uma campanha assim. Era para uma empresa multinacional do ramo da energia, chamada AES Corporation.
Um dos anúncios dizia no título: "Se houver um conflito entre os nossos valores e o lucro, nós tenderemos a aderir aos nossos valores. Mesmo que isso signifique menos lucros e oportunidades." Outro anúncio afirmava: "Os líderes convencionais acreditam que o seu principal papel é mandar e controlar. Na AES nós fazemos um esforço claro para mostrar que delegar e confiar é bem mais produtivo. É, também, muito mais divertido." O texto do anúncio alinhava números que demonstravam a dimensão da companhia e no fim arrematava: "São números que nos deixam orgulhosos. Mas acima deles estão os nossos valores: agir com integridade, ser justo, divertir se e ser socialmente responsável."
Não tenho acções da AES. Mas, se o que ela diz nos seus anúncios for verdade, gostaria de ter. A última coisa que estava à espera de uma empresa que gere usinas hidroeléctricas é que ela fizesse a apologia da diversão nas suas relações de trabalho. Era tão mais fácil fazer um trocadilho qualquer com a palavra "força" ou dizer que o que fazia era "brilhante", que só posso tirar o chapéu para a equipa de marketing da AES e para a sua agência. Souberam ser eficazes, claros, interessantes.
Amanhã ou depois a AE S pode enfrentar uma crise, pode ter um problema qualquer com o seu produto, pode ter que disputar o mercado com um outro agressivo competidor. De certeza que a sua boa imagem irá ajudar a ultrapassar estes obstáculos Pois são em momentos assim que uma empresa pode avaliar os benefícios de uma campanha institucional bem sucedida.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "A percepção é a realidade."

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O "bug" do milénio

 

"A civilização como nós a conhecemos hoje não vai desaparecer por causa do bug do milénio, mas seria aconselhável ter cópias em papel de informações importantes e armazenar alguma comida na cave da sua casa" (Robert Bennet, da Comissão Especial do Problema Tecnológico do Ano 2000 do Senado Americano). Consta que na passagem do ano 999 para o ano 1000 os europeus literalmente enlouqueceram. O periodo medieval era propício a todos os tipos de delírios e mistificações. O homem ainda estava "ligado" às forças divinas, o céu e o inferno estavam sempre ali na esquina. Na altura não havia bugs nem computadores. Mas a virada do milénio já era encarada com alguma apreensão.

Há que se ter em consideração o que representavam mil anos até então. Naquela época vivia se pouco. A Europa era um celeiro de guerras, miséria e doenças. Estar vivo aos vinte anos era uma sorte. Estar vivo aos quarenta era quase um milagre. Logo, cada ano durava mais, muito mais, que os anos que vivemos hoje. Um milénio não era uma coisa vulgar, não era apenas um bom mote para uma campanha publicitária. Um milénio, fosse qual fosse, era uma mensurável eternidade. O bug do primeiro milénio não estava na memória de nenhum computador. Estava na cabeça de todos os homens. Num continente ainda infante como era a Europa há mil anos, não era impossível que as pessoas simplesmente deixassem de funcionar mal passasse a meia noite de 31 de Dezembro de 999.

Claro que nem toda a gente no mundo estava preocupada com o assunto. Os orientais há milénios que já comemoravam passagens de milénios. E os maias, os incas e os astecas? Quem é que pode dizer o que era para eles a quantia de mil anos? Foi um monge chamado Dionísio, o Pequeno, o inventor do marco zero da era cristã, logo o responsável por todas as efemérides que conhecemos. Foi no princípio do século VI que Dionísio estabeleceu que o dia da circuncisão de Cristo (que aconteceu uma semana depois do seu nascimento) deveria ser o l de Janeiro. Daí em diante foi só virar as folhas do calendário até chegar ao dia de hoje. Ou melhor, não foi assim tão simples. Em 1582, a Igreja Católica andava incomodada com o facto de a Páscoa ser comemorada antes do mês de Março. O Papa Gregório XIII, um homem de grande e sentido prático, não pensou duas vezes: escreveu uma bula e criou o calendário cristão. O único problema foi que para que o seu calendário funcionasse era preciso cortar dez dias do calendário de Júlio César (que era o utilizado até então). Resultado: em 1582, o mundo foi directo do 4 ao 15 de Outubro, sem nada pelo meio, como se dez dias da história tivessem desaparecido por magia. É por tudo isso que quando leio sobre os possíveis efeitos do bug do milénio acho uma coisa absolutamente normal. O ser humano nunca foi muito bom a estabelecer datas. E sempre teve problemas em medir o tempo. Talvez o bug seja apenas um aviso, seja apenas uma lembrança de que os anos nada mais são do que uma coisa arbitrária. O mais provável é que daqui a mil anos os nossos descendentes riam da nossa preocupação com o bug e da maneira pateta como comemoramos esta passagem do milénio.

Ou como diria o meu tio Olavo: "Um milénio não é assim tanto tempo. A minha sogra, por exemplo, pelas rugas da cara, já deve ir no terceiro."

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Como vai, vai bem?

A história é brasileira, mas penso que pode ter graça contada em Portugal. Nos anos 50 houve um presidente brasileiro chamado Dutra. Era um marechal gordinho e bonacheirão. Na época os EUA estavam em plena política de boa vizinhança com a América do Sul. E o então presidente americano Truman foi ao Brasil fazer uma visitinha. O problema é que o marechal Dutra não falava inglês. Na verdade o marechal Dutra não entrou para a história exactamente pela sua inteligência. Truman já sabia disto e foi instruído a não tentar fazer grandes conversas com o marechal. Truman tencionava apenas fazer curtas perguntas retóricas que não exigissem como resposta mais do que um inglês instrumental. E foi assim que mal avistou o marechal Dutra no sagão do aeroporto do Rio de Janeiro Truman estendeu lhe a mão e disse com aquela simpatia artificial tipicamente americana: "Hou dou you do, Dutra?" E Dutra, com um ar ligeiramente assustado, respondeu: "How tru you tru, Truman?"

Perguntas retóricas. Sempre fui encantado por elas. Não sei quem foi que as inventou, mas era de certeza um tipo torcido. As perguntas retóricas não servem para nada. Mas ao mesmo tempo não podemos viver sem elas.

O melhor exemplo são os cumprimentos. Todos os dias falamos para alguém: "Como vai, tudo bem?" Até parece que realmente queremos saber como vão as coisas com os outros. Mentira. Estamos literalmente nas tintas com relação à vida da maioria do planeta.

"Como vai, tudo bem?" A resposta é invariavelmente: "Tudo bem." O que não passa de mais retórica. Nada vai bem. Ou, pelo menos, nem tudo vai bem com ninguém. Há sempre uma avó que caiu da escada, um flho adolescente que passou 15 horas ao telefone numa linha erótica e produziu uma conta telefónica de dois mil contos, um cunhado que decidiu morar na sua casa e passa a vida a passear de cuecas pela sala, um cão que mordeu um vizinho que, em represália, anda a ameaçar morder a sua mulher a dias.

Imagine se as pessoas passassem a responder com sinceridade ao "tudo bem?". Num instante ninguém mais perguntava. Dávamos um "bom da" seco e saiamos correndo com medo de ter que ouvir as mazelas alheias.

E a maneira como atendemos o telefone? Faz algum sentido perguntar a quem está do outro lado da linha "Estou?". Esta pergunta se for levada ao pé da letra deixa de ser retórica e passa a ser filosófica. "Estou ou não estou, eis a questão.""Estou, sim, logo existo." Se não estivéssemos ao telefone poderíamos perguntar se estávamos? Claro que não. A não ser que não estivéssemos nunca, que o universo, o tempo e a história não passassem de uma grande abstração , que a nossa existência fosse apenas a invencão de um autor vanguardista com pendores para a metafísica e, assim, seríamos apenas o atendedor de chamadas de nós mesmos.

As perguntas retóricas podem levar as pessoas ao delírio. É o caso de quando falamos com os bebés. Quantas vezes não nos virámos para um sobrinho recém nascido e perguntámos: "Então, estás com saudades do tio?" Quando indagamos isto estamos à espera do quê? O pobre miúdo só sabe chorar, comer e dormir. O máximo que podemos ter como resposta é um arroto. Que por acaso também será retórico.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Perguntar não ofende. Mas há certas respostas que são normalmente acompanhadas por um murro na cara."

 

Texto de Edson Athayde publicado no "Diário de Notícias" em "O País das Palavras"

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Tudo por dinheiro

Há alguns dias o motor de busca Yahoo! comprou por 3,5 biliões de dólares o megacite GeoCities. Pouco tempo depois a rede de televisão USA Networks comprou o motor de busca Lycos por sete biliões de dólares. O meu cérebro nem consegue imaginar o que sejam tantos biliões juntos. E, à primeira vista, os dois negócios envolvem mais dinheiro do que era suposto. Só para ter um exemplo, a Ford acaba de comprar a Volvo por 6,5 biliões de dólares. A diferença é que a Volvo é uma empresa com mais de 70 anos, com cerca de 30 mil funcionários e que produz 400 mil carros anuais. O GeoCities tem cinco anos de vida e apenas 250 funcionários. Os especialistas dizem que é assim mesmo. Na Internet compra se o futuro, paga se para se estar à frente no negócio que será o mais importante do mundo no dia de amanhã. Deve ser verdade. Não acredito que alguém pague tanto dinheiro para perder dinheiro. E, mais cedo ou mais tarde, isto vai ter consequências em Portugal. Quando vejo o nosso primeiro ministro dedicar parte do seu recente discurso sobre as grandes metas da nação para o próximo milénio à necessidade de o País investir nas novas tecnologias, passo a acreditar que isto será uma verdade incontornável. Nas últimas semanas praticamente todos os dias alguém vem me falar sobre os negócios que está (ou vai estar) a fazer na Internet. Esta.mos a assistir a nova corrida do ouro. E, pelo que percebo, vamos ainda muito próximos da largada.

Ou sou eu que sou forreta ou muitos gestores das agências de publicidade vivem numa economia virtual. Por mais contas que faça, não percebo como os níveis salariais praticados no mercado chegaram a valores tão altos. Não compreendo como um publicitário com poucos meses de carreira receba o mesmo que o director geral de marketing de uma grande empresa. Há qualquer coisa aqui de ilógico e de irracional.

Não tenho nada contra quem ganha bem, nem estou a defender que a classe operária dos publicitários seja explorada. Apenas aprendi com o meu pai, que era literalmente um merceeiro (tinha uma quitanda e mais tarde uma padaria), que saco vazio não pára em pé. Ou seja, nenhuma empresa pode manter uma folha de pagamentos completamente desproporcional em relação à sua capacidade de produzir riqueza. Explico me melhor: enquanto as empresas anunciantes preocupam se com cada centavo investido, porque sabem que o dinheiro não cai do céu e que a economia do País se não vai mal também não está a crescer de maneira desenfreada, as empresas de publicidade estão há anos a passar por uma desordenada inflação salarial. Quem vê de fora pensa que o negócio da publicidade é muito lucrativo. Na verdade não é. Até acho que já foi um dia. Mas a realidade de hoje é bem diferente. Os clientes pagam cada vez menos e exigem cada vez mais. Estão certos. Eu também faria o mesmo no lugar deles. Quem tem que se adaptar à nova realidade são as agências.

Um bocadinho de maturidade não faria mal a ninguém. Por incrível que pareça, existe um país chamado Portugal. E neste país é fácil saber quanto custam as coisas, quanto é necessário para se viver bem, o que é considerado um bom ordenado seja no sector têxtil ou no sector automóvel. Não percebo porque no sector publicitário a coisa tem de ser diferente. Um escudo vale sempre um escudo. Se paga dois escudos para quem traz apenas um escudo para a sua empresa, não adianta tentar se enganar, você teve prejuízo.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Fazer um bom negócio é comprar um publicitário pelo que ele vale e depois vendê lo pelo que ele pensa que vale."

Crónica do Edson Athayde publicada no DN na rubrica "Coluna Vertebral"!

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A língua viva

 

A semana passada dediquei algumas linhas sobre a crise brasileira. Como é meu hábito, não tive nenhuma vontade de fazer um tratado sério e profundo sobre o que quer que seja. Não sou historiador ou sociólogo, sou apenas um reles e vulgar cronista que escreve neste centenário jornal quase por favor (não se surpreenda se um dia encontrar neste meu espaço o horóscopo ou a meteorologia).
Surpreendentemente (afinal, há quem leia esta minha coluna além de mim e de você), fui inundado de cartas e e mails, os mais contraditórios possíveis. Desde de brasileiros e portugueses, que entenderam a ironia do meu texto, até brasileiros que se sentiram molestados pelo tom cómico com que tratei o Brasil.
Não era a minha intenção ofender quem quer que seja. O problema é que, sendo português por opção e brasileiro de alma, nascimento e coração, exerço a minha cidadania com alguma leveza. O meu passaporte é para mim apenas um documento burocrático, não um contrato que me exija um comportamento padrão de patriota enraivecido defensor da nação.
Disse na semana passada e repito: adoro o Brasil. Mas adoro o Brasil que sabe rir se de si mesmo e que não quer ser a Suíça (perdoem me os suíços, mas o Brasil é um país um bocadinho mais divertido).
Uma leitora brasileira declarou se irritada pelo facto de a minha crónica utilizar expressões portuguesas. Na sua (pouco) modesta opinião, é um delito grave um brasileiro adaptar a sua linguagem à do país onde vive. Esta leitora acusa me de ser puxa saco (lambe botas) dos portugueses só porque escrevo coisas como "tipo", "se calhar", "casa de banho", evito os gerúndios e fico feliz quando acerto na localização dos pronomes e na declinação dos verbos. Tendo em vista que regularmente recebo críticas de leitores lusos que acham o meu português uma lástima (o que, de resto, não está longe da verdade), sinto me num território de ninguém. Aparentemente consigo desagradar aos membros mais radicais das duas facções que reivindicam o espólio de Camões e de Machado de Assis.
Desde muito cedo aprendi que a língua é viva. Talvez os meus professores fossem anarquistas e quisessem destruir tanto o Brasil como Portugal através da fala e da escrita. Cresci a acreditar que as vírgulas não foram feitas para envergonhar ninguém, que os acentos são apenas sinais gráficos a tentar simular a linguagem oral e pior do que escrever errado é ser analfabeto de pai e mãe. Diga se, de passagem, que é o que eu sou. Os meus pais mal sabem assinar o próprio nome. O que não os impediu de me pagarem os estudos e de me ensinarem a tratar da minha vida em vez de ficar a controlar a língua dos outros.
Quando era miúdo sonhava em ser astronauta ou futebolista , nunca imaginei que pudesse ganhar a minha vida a escrever. Deus, que escreve certo por linhas tortas (até ele!), castigou me transformando me num inepto num sem número de coisas. Inábil no futebol e morando longe da NASA, acabei com um lápis na mão. Fiz escola de jornalismo e empreguei me numa agência de publicidade a redigir reclames.
De certa maneira, passei os últimos 15 anos da minha vida a tentar aprender a escrever. Como todo o farsante, de vez em quando, acredito na minha própria mentira. Passo longos períodos a pensar que Fernando Pessoa e Carlos Drumond de Andrade são meus pares, que são meus companheiros, só porque tive a sorte de nascer num país lusófono. Ainda bem que há sempre um purista de plantão, a lembrar me que pela maneira como escrevo deveria era trabalhar na estiva.
Uma vez, Caetano Veloso (que, como todos os bons poetas modernos, costuma tratar a língua aos pontapés, criando neologismos indecifráveis e metáforas malditas) escreveu que se se tem uma boa ideia o melhor é fazer uma can,cão, pois está mais do que provado que só é possível filosofar em alemão. Caetano é génio e errado eu sou. A partir da próxima semana vou escrever as minhas crónicas em javanês. É provável que então ninguém mais repare nos meus pobres raciocínios e nos meus erros de sintaxe. A não ser, é claro, que o Diário de Notícias passe a ser distribuído em Java.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O universo é uma bela obra. O ser humano trata se apenas de um pequeno erro na revisão."

Crónica do Edson Athayde publicada no DN na rubrica ""O País das Palavras"

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Parece que foi ontem.

Chegou o tempo em que, nas mãos de alguns, a publicidade adquiriu foros de ciência. Ela baseia se
em princípios fixos e é razoavelmente exacta. As causas e efeitos foram analisados até serem bem entendidos.
Provaram se e estabeleceram se métodos correctos de proceder. Sabemos o que é mais eficaz e agimos de acordo com leis básicas.
A publicidade, antes um jogo, transformou se assim, sob direcção hábil, numa das mais seguras aventuras comerciais. Certamente, nenhuma outra empresa com possibilidades comparáveis envolve tão pouco risco.
A condição actual da publicidade deve se a numerosas razões. Grande parte da publicidade nacional tem sido controlada por vastas organizações conhecidas como agências de publicidade. Algumas dessas agências, nas centenas de campanhas que realizaram, têm testado e comparado milhares de planos e ideias, observando e registando os resultados, pelo que nenhuma lição se perdeu.
Tais agências empregam um alto nível de talento. Só homens capazes e experimentados é que estão à altura das exigências da publicidade nacional. Trabalhando em equipa, aprendendo uns com os outros a cada novo empreendimento, alguns desses homens transformaram se em mestres.
Os indivíduos passam, mas deixam as suas realizações e ideias atrás de si. Estas tornam se parte do equipamento da organização e um guia a ser seguido por todos. Assim, no decurso de décadas, tais agências converteram se em depósitos de experiências de publicidade, de métodos e princípios comprovados. (...)

Em tais condições, quando vigorantes por muito tempo, a publicidade e o marketing tornam se ciências exactas. Cada caminho é cartografado.
A bússola do conhecimento acurado orienta o curso mais rápido, mais seguro e mais barato para qualquer ponto do destino.
A falta de princípios básicos foi o principal problema da publicidade no passado. Cada publicitário era a sua própria lei. Todo o conhecimento anterior, todo o progresso no campo, era um livro
fechado. Como se um homem tentasse construir uma locomotiva moderna sem primeiro verificar o que os outros tinham feito. Como um Colombo que partisse em busca de uma terra não desco berta.
Cada marinheiro traçava, nesse mapa, a sua própria rota. Não havia cartas para guiá los. Nenhum farol assinalava uma baía, nenhuma bóia marcava um recife. Os naufrágios não eram registados, de modo que inúmeras aventuras malograram nas mesmas rochas e baixios.
Essa situação foi corrigida. Agora, as únicas incertezas dizem respeito às pessoas e aos produtos, não aos métodos. É difícil medir as idiossincrasias, as preferências e preconceitos, os gostos e aversões que existem.
"Não podemos dizer que um artigo se vá tornar popular, mas sabemos como descobrir isso com
muita rapidez. Sabemos como vender tal artigo da maneira mais eficaz".
Este texto foi escrito por Claude Hopkins, considerado um dos maiores publicitários de todos os tempos.
Reproduzo as suas opiniões aqui por achá las extremamente actuais e pertinentes. Só é pena que boa parte do seu pensamento ainda não tenha sido posto em prática em boa parte das agências de publicidade em Portugal e em todo o mundo. E o mais grave: Claude Hopkins escreveu estas verdades em 1923. É incrível como parece que foi ontem.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Todas as coisas já foram ditas. Mas, como as pessoas não ouvem nada, precisamos de continuar sempre a falar."


Crónica do Edson Athayde publicada no DN na rubrica "Coluna Vertebral"!

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Sensibilidade e bom senso

Por detrás de todos os anúncios há uma história. Às vezes é um conto de terror, às vezes é uma fábula encantada, mas a história está sempre lá e merece ser contada.
Infelizmente raramente temos acesso aos bastidores de uma campanha.
Por isso foi com grata surpresa que li por acaso na revista espanhola "Anúncios" a história da criação e aprovação da campanha mundial de lançamentoda nova Classe S da Mercedes.
O trabalho foi desenvolvido pela agência catalã "Delvico Bates". Era a primeira vez que a Mercedes desenvolvia uma campanha global para um produto.
Mais: era a primeira vez que era dado hipóteses a uma agência fora da Alemanha de criar uma campanha para ser utilizada noutros países.
A Mercedes tem como política dar muita liberdade às suas filiais em tudo o que tem a ver com publicidade e marketing . Mas no caso da Classe S decidiu lançar um concurso internacional entre cinco agências: a Lowe & Partners (Estados Unidos), a Devarrieux Villaret (França), a Springer & Jacoby (Alemanha) a Dr. Puttner Bates (Áustria) e a Delvico Bates (Espanha).
Relata a revista Anúncios: "As razões pelas quais o anunciante decidiu convocar este concurso são, por um lado, o facto de o Classe S ser o seu veículo de gama mais alta e o símbolo máximo da companhia e, por outro, pretender com esta campanha difundir a nova identidade da Mercedes Benz, o ideário que a empresa quer pôr em prática a partir de agora. (...) o conceito através do qual foi criada a campanha expressa a ideia de que Mercedes é "sense and sensibility" (sensibilidade e bom senso).
O título da famosa novela de Ane Austen surgiu da possibilidade de interactividade com os possíveis usuários deste automóvel.
Segundo Juan Manuel de la Nuez, director geral de "Delvico Bates", o conceito da campanha quer expressar a harmonia entre os valores que podemos denominar de clássicos da Mercedes (tecnologia, fiabilidade, solidez, representados pelo "sentido") e as novas tendências que quer potenciar a marca (humanidade, beleza interactividade reflectidas na palavra "sensibiliiade").
O curioso é que a agência, em vez de apresentar uma campanha completamente produzida, levou para o cliente meros esboços. Escreveram uma série de títulos que cruzavam a ideia da tecnologia com aspectos emocionais e propuseram que os anúncios fossem posteriormente ilustrados por alunos de escolas de arte de várias partes do mundo.
Aparentemente a ousadia da agência foi um dos factores mais importantes na aprovação do projecto. A Mercedes tinha todo o interesse em associar o seu nome à juventude. E foi o que foi feito. De Paris a Tóquio, centenas de jovens artistas criaram as ilustrações que mais tarde apareceram nos anúncios.
Outro dado interessante deste processo é que só quando as coisas já estavam a andar é que o cliente decidiu pedir à agência que desenvolvesse também um "spot" de TV.
O resultado foi um belo filme realizado pelo mais famoso realizador de filmes publicitários do momento, um indiano chamado Tarsen.
O que acho bonito em toda esta história é a maturidade do anunciante.
Em vez de fingir estar a realizar um concurso de publicidade e exigir das agências que gastassem imenso tempo, dinheiro e trabalho para apresentarem bonecos, a Mercedes analisou fundamentalmente as estratégias criadas pelas agências.
A Delvico Bates ganhou a competição por absoluta unanimidade.
Em campanha (que já podemos ver em Portugal) está agora a ganhar as páginas e os ecrãs de todo o mundo.
Ou como diria o meu tio Olavo: "O meu Mercedes é maior que o seu."

Crónica do Edson Athayde publicada no DN na rubrica "Coluna Vertebral"!

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A dança das cadeiras

Se não pertence ao mundo da publicidade e do marketing, talvez não saiba, mas o mercado publicitário nacional viveu a sua semana de João Baião: pulou, saltou, remexeu, rebolou. Que eu me lembre, nunca vi uma dança das cadeiras como esta. Quadros superiores (e nalguns casos as suas respectivas equipas) de grandes e médias agências estão a mudar em simultaneo de empresa.

Não vou aqui falar dos nomes das agências e dos profissionais envolvidos. Não é do meu género e, penso, não seria legítimo da minha parte fazer tal coisa. Prefiro analisar o tema no abstrato. Além do mais, o jogo ainda está em andamento e muitas coisas ainda não se tornaram públicas.

A princípio, não vejo mal nenhum na mobilidade profissional de quem quer que seja. Uma das boas coisas de se viver num pais democrático é que ninguém é obrigado a ficar a trabalhar onde não gosta e não quer.

Parece me óbvio que, se determinado profissional não acredita no projeto em que está envolvido, tem todo o direito de procurar a solução para os seus problemas noutro canto. E não sou eu que tenho que comentar ou criticar este sagrado direito.

Só é pena que muitos dos meus companheiros de mercado não pensem assim. E que fiquem a maldizer os seus pares só porque decidiram partir para outra.

Aparentemente, as tranferências vão continuar intensas por mais um tempo. Os boatos são muitos e, mesmo que apenas metade deles se confirmem, será o suficiente para que até ao fim do ano a cara do nosso mercado fique completamente diferente.

Espero que após o natural período de turbulência provocado por tantas mexidas a publicidade nacional fique a ganhar qualquer coisa. Sinceramente, acho que é o que vai acontecer. Não há nada como testar novas ideias e novos modelos. Muitas vezes isso só é possível para as pessoas quando mudam de lugar. E para as empresas quando têm de preencher as vagas das pessoas que partiram com novos talentos. O único ponto negativo deste processo será o natural aumento da já grande agressividade entre as agências.

Após uma dança de profissionais, o mais natural é começar a acontecer uma dança de clientes. Toda acção provoca uma reacção. Seria ingénuo acreditar que tantas mudanças não provocassem na cabeça dos clientes a saudável questão: "E porque não mudo também eu?"

Será, portanto, um ano de muitos concursos. De muito barulho. De grandes perdas e ganhos.

O ranking das agências tenderá a tornar se numa instável gangorra. O que, de resto, não é bom nem mau, pois para cada um que descer haverá sempre alguém a subir.

Não tenho bola de cristal para apontar quais serão os vencedores e os perdedores deste ano. Mas uma coisas é certa: dois corpos não ocupam o mesmo lugar. Infelizmente, não há lugar no podium para todos. O sucesso de uns tem de significar o insucesso de outros. Não sou eu que faço estas antipáticas regras. É a vida.

Claro que pessoalmente acredito mais nalgumas apostas do que em outras. Mas não quero (e verdadeiramente não posso) escrever aqui os nomes daqueles que suponho vão dar certo ou daqueles que suponho vão dar errado.

Só desejo que de tudo isto saia um novo e revigorado mercado. Com novas maneiras de se fazer as coisas e novos pontos de vista e sobre o que é a publicidade. Mesmo que não concorde com muitos deles, sempre será mais rico do que passar a vida inteira a polemizar com as mesmas pessoas de sempre. Em mercados mais maduros, este recente fenómeno de mudanças é encarado com absoluta naturalidade. Talvez pela natureza da própria actividade, o marasmo não é bom companheiro da publicidade.

E é curioso notar que a saída e a entrada de profissionais nas agências eram (salvo raros casos) até agora encaradas como um património dos criativos. Facto este que aliás era muito criticado pelos gestores das empresas. Agora vemos que na verdade não é bem assim. E que os gestores também podem mudar de lugar.

Quem quiser pode até não acreditar, mas desejo muito boa sorte a todas as empresas e profissionais envolvidos nesta situação. Tenham a certeza que, independente de qualquer coisa, todos nós vamos precisar.

Ou, como diria o meu Tio Olavo: "Fora o motorista do autocarro, tudo na vida é passageiro."

 

Crónica do Edson Athayde publicada no DN na rubrica "Coluna Vertebral"!

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Pouca gente reparou, mas o filme 2001, do cineasta Stanley Kubrick, começa a deixar de ser um clássico da ficcão científica para tornar se uma involuntária comédia. Rever 2001 hoje em dia acaba por ser uma maneira lúdica de tentar perceber o que o futuro já não nos reserva.
Uma das mais estranhas características do mundo novo em que vivemos é que muitos dos grandes avanços científicos são primeiro aplicados em brinquedos. Outro dia, a propósito do Natal, comentei aqui o sucesso que um boneco interativo estava a fazer nos EUA. Tratava se de um pequeno monstrinho capaz de "aprender" a falar algumas centenas de palavras. Agora, dou de caras com mais uma nova invenção dentro da mesma área. Trata se do Tama, o robô gato. Ok, não precisa de fazer esta cara, vou repetir: inventaram o robot gato. Foi no Japão, numa empresa chamada Omrom. O robô gato faz coisas maravilhosas: abana o rabo quando está feliz, se alguém bater nele fica nervoso e ameaça arranhar, fica assustado quando ouve gritos, enfim, só falta comer o peixinho de aquário da vizinha e urinar no sofá da sala.
Eu, se fosse um papagaio, ficaria preocupado. Comparados com brinquedos como estes, os papagaios tendem a ser percebidos como obsoletos. A bem da verdade, os papagaios aprendem a dizer asneiras e as bugigangas electrónicas ainda não. Enquanto a ciência continuar na onda politicamente correcta, ainda há esperanças para os zé cariocas. Mas, mais cedo ou mais tarde, ainda inventam um boneco das Caldas da Rainha interactivo e, aí sim, será a completa perdição.
Prova disso é que o robô gato é apenas uma das muitas engenhocas que pretendem substituir certas coisas vivas que são pouco práticas no nosso quotidiano. Neste exacto instante, milhares de cientistas do mundo inteiro estão a desenvolver projectos dentro da área da robótica com o intituito de inventar o robot homem. Os tipos do Instituto de Tecnologia do Massachusetts estão entre os que mais perto chegaram desta grande invencão. Dois protótipos, chamados Kismet e COG, já são capazes de "pensar" algumas actividades básicas por conta própria. O COG, além de certas funções pré programadas, vai aumentando por sua conta e risco, dia a dia, o número de coisas que sabe fazer. O COG, tal como os miúdos (fora o meu sobrinho Guilherme, um puto impossível), aprende com os seus próprios erros e "raciocina" o que deverá fazer na mesma situação da próxima vez. O COG, por exemplo, já reconhece os cientistas que o criaram (aliás, ele os cumprimenta com simpáticos apertos de mão). Já o seu primo direito, o Kismet, é um pouco mais básico. Está na categoria dos robôs bobalhões. O Kismet fica alegre (que giro!) quando tem companhia, entristece quando está só e, se alguém desata a falar rapidamente à sua frente, demonstra a sua impaciência balançanndo a cabeça em sinal de reprovação.
Continuando a falar sobre o cyber world (é incrível como certos termos só fazem sentido se escritos em inglês), há pouco tempo descobri que tinha um amigo que estava a investir as suas economias em empresas de investigação genética. Segundo este meu amigo (uma pessoa com um ar insuspeito, diria mesmo que achava que tratava se de um tipo normal), a investigação genética é o mercado do futuro, o que hoje em dia representa ganhar dinheiro daqui a dois ou três anos. Ele deu me como exemplo os produtos que poderão ser desenvolvidos assim que os computadores forem capazes de reconhecer num simples toque o ADN de cada um de nós. Será o fim dos cartões de crédito e dos simpáticos cartões multibanco. Em vez de andar com o dinheiro de plástico na carteira, bastará pôr o dedo num visor e voilá!, o computador descodificará o seu código genético e avisará que não lhe dá nem mais um centavo, pois o saldo está negativo.

A Compaq já está a comercializar um aparelho que reconhece a impressão digital dos usuários. Assim. quando quiser fazer compras através da Internet, basta carregar num botão e, pronto, a despesa vai directa para a sua conta bancária. Já agora, um detalhe mórbido: outro aparelho já foi inventado que faz a mesma coisa, mas que só reconhece tecidos vivos. Ou seja, ninguém poderá arrancar o seu dedo para fazer as compras de Natal.
Para encerrar, duas declarações que li a semana passada na revista Época (que dedicou mais de vinte páginas a descrever os actuais e futuros avanços das novas tecnologias). A primeira é a de um cientista da British Telecom, que afirma: "No mundo, há quase seis biliões de pessoas e 14 biliões de chips electrónicos. Já somos uma minoria."
A outra frase é a de um professor da Universidade de Edimburgo, a propósito da invenção dos chips que funcionarão ligados por feixes de laser, em vez dos metais que são utilizados hoje em dia. Como nada no mundo é mais rápido do que a luz, estes chips serão milhares de vezes mais rápidos dos que os actuais. "E isto poderá acontecer mais rápido do que as pessoas imaginam", diz, acho eu, em tom de ameaça.
Ou, como diria o meu Tio Olavo: "Eu adoro os computadores. Principalmente os gratinados com molho bechamel."

Crónica do Edson Athayde publicada no DN na rubrica "Coluna Vertebral"!

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Previsões

Talvez seja do meu sangue brasileiro, mas de vez em quando tenho umas visões do futuro. Agora mesmo prevejo (por mais absurdo, surpreendente, incrível e inacreditável que pareça) que mais dia menos dia 1998 vai acabar.
Como não vai acabar hoje, talvez ainda possamos dizer que em 1998 foram resolvidas algumas questões de fundo do nosso mercado publicitário. Pode ser que um dia digamos aos nossos netos que foi em 1998 que os clientes decidiram que o dinheiro pago às suas agencias de publicidade não são esmolas e sim a remuneracão pelo trabalho que elas desenvolvem.
Quem sabe se não é ainda em 1998 que muitos criativos publicitários parem de se preocupar quase que exclusivamente com os festivais de publicidade e passem a encarar cada anúncio apenas como o meio de um cliente convencer um consumidor a comprar qualquer coisa.
É possível que o 1998 publicitário ainda fique marcado como o ano em que a palavra "competir" por um lugar no mercado deixou de ser confundida com as palavras "caluniar", "massacrar", "irradiar", "atropelar" e "assassinar".
Também gostaria de ver este ano classificado como aquele em que as empresas publicitárias investiram na qualificação dos seus quadros, procurando formá los para os anos duros que virão pela frente.
OK, é pouco provável que 1998 entre com tais honras para a história. Mas, voltando à minha vocacão para vidente, tão certo como 1998 irá acabar é o facto que 1999 ainda não começou. Com um pouco de sorte (e muito trabalho), o ano que vem será melhor do que este. Espero bem que sim. Ou o mundo irá acabar realmente antes do ano 2000.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Não há nada mais previsível do que o passado."

 

(Transcrição autorizada pelo autor da crónica publicada no DN de 21.12.98)

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Más notícias

Afinal, o que é a publicidade? Em mais de 15 anos de carrera já li e ouvi centenas de definições. Algumas fazem mais sentido do que outras. Todas tentam de alguma maneira explicar o que é esta coisa que entra na nossa casa, nos nosso olhos, orelhas e bocas sem pedir ao menos licença.
Que tal esta definição do finado comunicólogo e guru canadiano Marshal McLuhan: "Os anúncios são notícias. O mal é que são sempre boas notícias. É por isso que os anúncios tem que gritar a sua mensagem feliz em voz alta e clara, a fim de contrabalançar o penetrante poder das más notícias que o circundam."
McLuhan costumava ter razão no que dizia. Foi ele que inventou o jargão "aldela global" para definir o impacte que o desenvolvimento dos meios de comunicação provocariam na vida do planeta. E isto, décadas antes de inventarem a Internet. Na sua definição, McLuhan faz uma clara comparação entre as notícias dos jornais e as "notícias" publicitárias.
Diferente do jornalismo, onde o que interessa é a ruptura com o normal, a publicidade tem por hábito tentar "vender" um mundo bom. Ao jornal não interessa o avião que não caiu. À publicidade interessa justamente o contrário: destacar com todas as letras que os aviões da companhia Y ou X nunca caíram. Por conviverem no mesmo espaço (seja na TV, no rádio ou na impressa escrita) a publicidade e o jornalismo acabam por criar uma relação clara de interdependencia. Não, não estou a falar do velho lugar comum de que é o dinheiro da publicidade que financia a actividade jornalística. O que estou a dizer é que muito do impacte da publicidade reside simplesmente em trazer o belo, o mítico, o simbólico, o positivo, como se fosse uma aspirina, para quem vive confrontado com a dura realidade do dia a dia.
No mundo da publicidade clássica todos os membros das famílias amam se uns aos outros (noras e sogras incluídas). Os cães são simpáticos. As casas são bem decoradas. Os fatos estão sempre bem passados. Os putos são mais inteligentes do que reguilas. Até mesmo nos anúncios cómicos (inclusive naqueles onde as situações negativas são elevadas ao exagero, onde os personagens são caricatos, onde os cenários sao surrealistas) o que interessa é que os problemas têm sempre uma solução, na forma de um produto ou serviço. De certa maneira, a publicidade funciona como as fábulas infantis. Por mais que o lobo coma a avózinha haverá sempre um caçador para entrar na história e provocar um final feliz. Outro possível ponto de comparação em termos de narrativa são as telenovelas.
O telespectador habitual de telenovelas sabe que, por mais desaires que aconteçam, os maus personagens serão sempre punidos no final e os bons serão recompensados. Muito do choque causado pelas campanhas da Beneton têm a ver com isso. Têm a ver com a invasão de um espaço reservado para as boas notícias pelo nosso admirável mundo cão.
Vou dizer uma coisa terrivel: quanto piores as coisas na vida das pessoas mais eficaz é a publicidade. Duvida? Então tente explicar porque resultam os anúncios de remédios milagrosos, de astrólogas que vêem o futuro, de paranormais que ensinam como ganhar na lotaria. Estes anúncios, que para si não representam nada, podem ser a última esperança na vida de muita gente. Claro que estou a falar numa situação limite. Mas que representa muito da realidade de qualquer anúncio.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Com boa publicidade as pessoas acreditam até em ovo quadrado."

(Transcrição autorizada pelo autor)