Tio Olavo 10
por Edson Athaíde
 

Futuro radioso

Está bem, está bem: o ano só vai acabar daqui a três semanas. Mas não posso esperar tanto tempo para fazer uma retrospectiva. De resto, compromissos profissionais e pessoais irão fazer com que interrompa até janeiro de 2001 esta minha coluna. Dito isto, vamos aos factos: 2000 foi um ano trágico, para a nova economia.

E olhem que poderia ser diferente. Vale lembrar que foi nos primeiros dias deste ano que a AOL comprou a Time Warner.

Tudo indicava que o processo de digitalização da comunicação e dos modelos de negócio, além de irreversível (o que, de resto, realmente é), havia alcançado um ritmo imparável e que o dinheiro entraria nas dot.com à velocidade de um Fórmula 1. 0 que na verdade se viu foram falências por toda a parte e a necessidade de colocar ordem na bagunça digital.

A tendência actual é a de que é preciso acrescentar raciocínios offiine na cabeça de quem opera no mercado online. A questão de que não dá para financiar utopias tomou se clara como água.

Este foi o ano do Napster (enquanto legitimização da pirataria) e também do acordo do Napster com uma grande gravadora (mostrando que os piratas não só não gostam de ir para a cadeia como adoram o dinheiro). Este foi mais um ano de expansão da Net e de todas as palavras e conceitos relacionados com as novas tecnologias (WAP, UMTS, TV interactiva) e também da sensação de que ninguém sabe muito bem para que servem estas coisas. Este foi o ano em que todos os jornais e revistas dedicaram páginas e mais páginas ao mundo digital. E também o do aparecimento de inúmeras publicações relacionadas com o tema (em que a recém lançada Canhar.Net aparece como um exemplo das coisas boas que podem ser feitas nesta área).

Este foi o ano da (até que enfim!) aposta real dos grande grupos de comunicação portugueses na Web, com a abertura dos seus portais e da contínua renovação destes projectos. Não gosto de fazer exercícios de futurologia, mas arrisco algumas previsões para 2001. Vamos ver para o ano a necessária profissionalização e intenacionalização da Web portuguesa. Este não é um negócio local e muito menos rentável para amadores. A era do "põe na Net, que é modemo" acabou. Quem não souber ler o mercado nem fazer propostas credíveis e com valor acrescentado vai estrebuchar até morrer.

A Web nacional vai ter de conviver com as estratégias de multinacionais como a Telefónica e a Vivendi, por exemplo. E vai ter de mostrar que o talento indígena existe, é competitivo e complementar, enquanto especialista nos hábitos e culturas locais.

Sou um optimista por natureza. Tenho sempre a ideia de que quem sabe como fazer bem as coisas e gosta de trabalhar acaba por vencer. Por isso, não tenho medo de 2001, nem como interessado nas novas temologias nem como investidor nesta área. Penso que é melhor enfrentar a dura realidade do que fingir que vivemos num mundo de facilidades.

Tenho a certeza de que o futuro poderá ser radioso. Mas só para quem fizer pela vida.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "A fé move montanhas. Mas não se esqueça de ficar a empurrar, enquanto reza."

Feliz 2001 para todos.

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Retratos da vida

0 filme projectado não existe. 0 filme projectado é uma ficção. Para se ver um filme é preciso colar, um após outro, vários retratos e depois projectá los em movimento. 0 incauto da assistência tem a ilusão de que vê o todo quando na verdade vê a mistura de várias partes. É a sua ingenuidade que perpetua a mentira. Ou, no mínimo, é a sua predisposição para se divertir e não perder tempo com engenharias.

Claro que você sabe tudo isto que estou a falar. Mas, ao mesmo tempo, você é um dos muitos que pensam que ao ler um jornal pode entender o mundo. Não pode. Para perceber o todo era preciso ver de perto cada uma das partes. Mas isto, além de infinitamente trabalhoso, é impossível.

Sempre que leio ou ouço um dos muito gurus das novas tecnologias tento não cair na esparrela de imaginar que estou a ver o filme todo. Na realidade, quando muito estarei mais perto de um retrato. Perceber as novas tecnologias não é uma questão de ter uma grande visão do que quer que seja. É uma mera questão de foco.

Vamos então falar de pequenos retratos.

Um deles: semana passada o escritor Steplien King anunciou que iria interromper a publicação do seu primeiro livro offline. Tratava se de uma experiência muito mediatizada, um autor de best seIlers a aventurar se pelo mundo da Internet e a furar os meios naturais de produção e distribuição de um livro. A obra chama se (ou chamava se) The Plant e era disponibilizada um capítulo de cada vez através da Net. Quem quisesse ler a história teria de pagar uma pequena quantia. Steplien já havia avisado que pararia de escrever se pelo menos 75 por cento dos leitores não estivessem a pagar para ler. Dito e feito. Milhares de internautas utilizaram os meios do costume para poupar uns trocos e deixar o autor de mãos (e carteira) abanando.

0 resultado é que um evento anunciado há poucos meses como um exemplo de sucesso da expanção da Web acabou por denunciar, através do seu fracasso, muitas das suas fragilidades.

Fica cada vez mais claro que um autor não tem que entregar a sua obra criativa de graça para os outros. E que os mecanismos financiamento dos produtos na Web têm que ser repensados.

Mudando de assunto: depois dos Tamagotchis e dos Furbys, os japoneses inventaram mais uma bugiganga tecnológica para estimular relacionamentos afectivos virtuais. Trata se do Primo Puel (significando "primeiro filho"). Custa 72 dólares e já vendeu mais de 400 mil exemplares. Trata se de um boneco de 30 centímetros que fala 250 frases, canta, dá bom dia aos donos e fica amuado quando está sozinho. Tem sensores de tacto, som, luz e movimento. E tem como principais compradores não as crianças e sim mulheres na faixa dos 30 anos.

0 Primo Puel aparece no mesmo momento em que a Sony apresenta uma nova geração de robôs, incluindo o seu primeiro protótipo de um humanóide. 0 boneco chama se SDR 3X, mede 50 centímetros, pesa cinco quilos e sabe andar, dançar e chutar bolas. Não é o Figo mas é mais articulado do que muitos futebolistas que andam por aí.

0 que o Primo Puel e o SDR 3X têm em comum é a tentativa de o ser humano se livrar da coisa que mais o incomoda: os outros seres humanos. E também a dura verdade de que qualquer idiotice cibernética tem mais mercado do que todo o manancial de conhecimento que está a ser disponibilizado pela Web.

Por muito que falem, os gurus não admitem que a humanidade é um bocadinho mais estúpida do que deveria ser. juntando estes retratos não temos um filme muito bom. Mas não tenho culpa disto. Não sou o realizador. Sou apenas o projectista.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Se os estúpidos voassem, jamais veríamos o Sol."

("Diário de Notícias")

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Se a Microsoft fabricasse carros

O humor é uma arma. Nada sobrevive a uma crítica bem humorada.

Uma das coisas mais estranhas do mundo digital é justamente a incapacidade de os envolvidos no processo se rirem uns dos outros. 0 ambiente tecnológico é sério de mais, as pessoas e as empresas levam se a sério de mais, há muito siso e pouco riso. 0 que toma tudo mais enfadonho do que seria suposto.

As empresas, façam computadores ou margarinas, deveriam sempre ter em mente que só há dois animais que riem: as hienas e o ser humano. A diferença é que as hienas não sabem rir da própria desgraça e o ser humano sim.

Lembra se da IBM? Enquanto foi uma empresa sem rosto, com uma imagem monolítica, fria e sem vida quase afundou. Está bem, está bem, durante décadas, a IBM pôde ser uma caixa fechada e chata. Só que um dia apareceu a Apple com a sua irreverente e romântica simpatia e o gigante quase ruiu.

Lembrei me disso outro dia a propósito da Microsoft.

Que fique bem claro, se há um projecto empresarial que respeito é o da Microsoft. Diferente de muitos extremistas, não tenho nada contra quem gosta de ser grande e fazer dinheiro. Já no passado defendi neste meu espaço a qualidade da equipa de gestão da Microsoft. E devo ser a única pessoa do mundo a gostar verdadeiramente do Bill Gates (até a mulher dele já reclamou que o tipo é meio chato).

Mas eis que me enviaram esta semana um hilariante e mail a cascar na Microsoft. Como às vezes prefiro perder o amigo do que perder a piada, passo a transcrever o conteúdo do e mail. Vamos lá:

"Numa recente feira de informática, Bill Gates comparou a indústria de computadores com a automobilística, declarando que, se a General Motors tivesse evoluído tecnologicamente tanto quanto a indústria de computadores evoluiu, estaríamos todos a dirigir carros que custariam 25 dólares e que fariam 400 km por litro."

Após ouvir estas declarações, a General Motors divulgou o seguinte comentário a respeito: "Se a Microsoft fabricasse carros":

1) Todas as vezes que repintassem as linhas das estradas você teria que comprar um carro novo.

2) Ocasionalmente, o seu carro morreria na auto estrada sem nenhuma razão aparente e você teria apenas que aceitar isto, religá lo e seguir adiante.

3) Ocasionalmente, a execução de uma manobra faria com que o seu carro parasse, falhasse e você teria que reinstalar o motor. Por alguma estranha razão, você aceitaria isso também pacificamente.

4) Você poderia levar apenas uma pessoa dentro do carro de cada vez, a menos que comprasse o "Carro 95" ou o "Carro NT". mas depois você ainda teria que ,comprar mais assentos .

5) A Macintosh faria um carro que seria movido a energia solar, confiável, cinco vezes mais rápido e duas vezes mais fácil de conduzir. Mas apenas poderia rodar em cinco por cento das estradas.

6) Os proprietários dos carros Macintosh poderiam conseguir caríssimos upgrades para carros Microsoft, o que faria os seus carros rodarem muito mais lentamente.

7) Os indicadores luminosos de falta de óleo, gasolina e bateria seriam substituídos por um simples general carfailure.

8) Os novos assentos obrigariam a todos terem o mesmo tamanho de rabo.

9) 0 sistema de airbag perguntaria are you sure? antes de entrar em acção.

10) No meio de uma descida pronunciada, quando você ligasse o ar condicionado, o rádio e os faróis ao mesmo tempo, ao pisar no travão apareceria uma mensagem do tipo "este programa realizou uma operação ilegal e será desligado".

11) Se desligar o seu carro Windows 98 utilizando a chave, sem antes ter desligado o rádio, quando for ligá lo novamente, ele irá checar todas as funções do carro durante meia hora e ainda ralhará consigo, avisando que não faça aquilo novamente.

12) Ao comprar o seu carro Windows 98, mesmo que preferisse o Netscape Road Navigator, ele viria já com o Microsoft Road Explorer incluído.

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Almoços grátis

Já há quem me envie e mails a insinuar que sou um dos coveiros das coisas gratuítas na Intemet. Tudo porque insisto em escrever, neste modesto espaço, todas as semanas sobre modelos de negócios digitals falidos, gente que perdeu dinheiro e gente que ainda vai perder.

Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Não tenho nada contra quem gosta de fazer caridade com o próprio dinheiro. Se você sense uma incrível vontade de estoirar as economies a fazer sites e outras traquitanas digitals, geniais enquanto conceito e perfeitos disparates enquanto práticas, tudo teem, vá em frente. Cada um é dono do seu (está bem, está bem, este não é um conceito muito sofisticado, mas serve pare o caso).

A verdade é que as últimas semanas tem sido pródigas em confimmar a minha teoria de que a festa na Web já acabou e que o que estamos a ver no salão de dança são apenas os últimos bêbados chatos, que continuam a bailar sem perceber que a orquestra já foi pare a casa.

Há dias, a Virgin decidiu encerrar o seu serviço de acesso gratuíto. O projecto estava no ar há
pouco mais de seis meses. O plano era oferecer acesso em troca de infommações detalhadas sobre os intemautas que lá se registavam.
Estas informações iriam gerar uma base de dados, que mais tarde seria utilizada pare vender,
através do comércio electrónico, as bugigangas da Virgin. Pois bem, os tais seis meses foram o suficiente para perceber que o custo da operação não valia a pena. E a Virgin desligou os computadores da ficha e avisou que iria destruir (você acredita?) a base de dados até então construída. O sinal é claro: a Virgin vai travar os seus objectivos no comércio electrónico e provavelmente, vai deixar de oferecer coisas, hoje, em troca de lucros futuros.

Mais ao menos ao mesmo tempo, o Napster fez um acordo com a BMG que pode ser classificado como o início do fim da música grátis através da Web. Para.os desavisados, o Napster é um site criado por um puto de 19 anos que, há cerca de um ano, pôs a indústria fonografica mundial de cabelos em pe Através do Napster qualquer um poderia trocar arquivos de música sem pagar um tostão. Resultado: 38 milhões de utilizadores a fazer circular cerca de 2 milhões de músicas na Web.

O Napster está a ser processado por todas as grandes editoras mundiais. A própria BMG é uma das subscritoras do processo. Mas os alemães da BMG estão a ser mais espertos que as outras. Ao promover um acordo com o Napster, está a matar o inimigo com o seu próprio veneno. A ideia da BMG é dar alguns milhões de dó1ares para que o inventor do Napster descubra uma maneira de cobrar alguns dó1ares dos seus utilizadores. Assim, qualquer um que quisesse trocar músicas pela Net teria que desenbolsar alguns tostões. Numa escala planetária, estes tostões virariam milhões.

Já na America do Sul, outro negócio sinaliza algumas alterações no cenário Web. A UOL (a principal player da Web brasileira) acaba de vender toda a sue operação de acesso de Intemet a uma empresa de telecomunicações. Assim, segundo os seus responsáveis, a UOL ficaria livre pare se concentrar na sua principal vocação: vender conteúdos. O curioso do negócio é que é feito na contra mão da tendência mundial. Em vez de ser absorvido por um grupo de telecomunicações ou de continuar a desenvolver o seu rentável negócio de venda de acessos, a UOL quer dedicar se apenas aos conteúdos. É importante lembrar que a UOL é uma das pioneiras mundiais na venda de conteúdos via Intemet. Quando todos pregavam que os conteúdos na Web teriam de ser gratuítos, a UOL já cobrava pelo que fazia. E pretende continua a cobrar.
Curiosamente, é uma empresa rentável. E com planos de ganhar ainda mais dinheiro.

Moral da história (como diria o meu Tio Olavo): "Não há almoços grátis. É melhor guarder dinheiro para o lanche."

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Futurologia

1 Não vou me armar em inocente. É óbvio que o facto da semana foi a compra na totalidade do Grupo Lusomundo pela PT. Facto este secundado pelo anúncio da parceria estratégica entre a Sonae.com e o grupo Balsemão.
Está aí: em apenas algumas linhas consegui citar alguns dos meus clientes, ex clientes, fornecedores, parceiros estratégicos, amigos e pessoas com quem me relaciono, já relacionei me ou vou relacionar me.
Não é fácil para mim, como vê, escrever sobre estes negócios. Mas também não posso fazer de conta que não aconteceram e que serão irrelevantes para o futuro da Web e da comunicação social em Portugal (ou mesmo ibero americana).

Caso já não se lembre, este ano começou a fusão da Time Warner com a America Online. Parece que foi há décadas, mas na verdade foi há meses. A fusão dos dois megagrupos sinalizou claramente que algo de muito diferente iria se passar daí em diante. Seria quase impossível imaginar os produtores de conteúdos primários continuarem isolados das empresas de telecomunicações (por falar nisto, o termo "telecomuncações" começa a soar arcaico no que toca a definir empresas como a PT).
Houve quem dissesse que Portugal ainda estava muito longe deste cenário, quando estava na cara que era só questão de dias.
Como em tudo na vida, deve haver prós e contras nesta rearrumação do mercado de conteúdos no nosso país. Prefiro concentrar me nos prós. Já falei aqui várias vezes que o jogo das novas tecnologias de informação acontece num terreno global. Há que se ganhar músculos para enfrentar os gigantes multinacionais. O desenho que começa a aparecer em Portugal faz todo o sentido se considerarmos que a guerra pela atenção dos consumidores de conteúdos vai tornar se infemal.
Os suportes tradicionais de informação terão de ser totalmente repensados. A convergência de aparelhos, sistemas, textos, imagens, áudios, jornalismo, entretenimento e comércio é inevitável.
Só terá lugar no futuro (próximo) quem souber cozinhar bem todos estes elementos. A vantagem deste processo ganhar uma nova dinamica desde já em Portugal tem a ver com o facto de que ainda vamos a tempo de apanhar o comboio da história na sua estação de partida.
Portugal está a provar que é um país moderno e que funciona em sincronia com os movmentos dos mercados internacionais.
É o que poderia chamar de economia em real time. Ficamos todos a aguardar os próximos episódios desta história.

2 Já que estamos a falar de progresso, de futuro, de negócios e de economia, passo a citar algumas frase que o meu Tio Olavo enviou me sobre estes temas. Como sabe, o meu Tio tem a mania de ser irónico e sarcástico. Por isso, não se surpreenda com o teor dos seus pensamentos. Vamos lá:

"Num país onde o futuro a Deus pertence, os agnósticos perguntam: quem se responsabiliza pelo passado."

"O economista é um homem que, quando lhe pedimos um número de telefone, ele responde com uma estimativa"

"É um progresso quando um canibal aprende a comer com garfo e faca?"

"Das várias maneiras para se atingir o desastre, o jogo é a mais rápida; as mulheres é a mais agradável; e consultar um economista é a mais segura."

"O progresso até pode ter sido uma coisa boa, mas às vezes tenho a impressão que o levaram longe demais."

"A fé move montanhas. Mas não se esqueça de ficar a empurrar enquanto reza."

"Todas as coisas já foram ditas. Mas como ninguém ouve, é preciso sempre recomeçar."

"Um bom homem de negó cios é a mistura entre um bailarino e uma máquina de calcular."

"A humanidade nunca resolve os seus proLlemas. Apenas sobrevive a eles."

"Não há muitos quês sem porquês."

"Viva todos os dias como se fosse 0 último. Um dia voce acerta."

"Apressa te. Mas devagar."

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Sei lá

Há alguns meses atrás deixei de escrever no caderno de economia deste jornal. Fiz isto porque estava farto de cumprir a tabela todas as semanas a preencher o meu espaço de crónica sobre os temas publicidade e marketing. Vim para este outro buraco, diletar a minha falta de conhecimento sobre a web e as novas tecnologias.

Pensava em escrever sobre as atitudes dos internautas, os seus gostos e outras coisa do género. Infelizmente o cenário do universo digital mudou. O que era lúdico tornou se cada vez mais num tema empresarial. E, invariavelmente, sinto me obrigado a redigir textos a falar sobre dinheiro, capital e a nova economia. Mais um pouco, o ideal seria eu voltar para o suplemento de negócios. Se calhar seria uma opção mais honesta.

Mas a verdade é que para quem, como eu, está a investir na web, a coisa deixou de ser uma brincadeira de crianças. A pressão para obtenção de resultados é enorme. E o desafio deixou de ser como montar uma página e sim como descobrir uma maneira dela fazer dinheiro.

Um player mais ou menos importante do mercado digital questinou me outro dia sobre a minha atitude pouco optimista sobre o desenvolvimento do negócio digital. Disse me que parecia contraditório alguém ter empresas na web e depois falar mal da nova economia nas páginas de um jornal.

Tive de lhe explicar que a coisa não é bem assim. Nunca tive vocação para evangelizador. Desconfio de quem tenta me convencer sobre o que quer seja. E, por natureza, penso que um dos papéis de um cronista é abrir os olhos dos seus leitores sobre o que está por detrás das notícias. A verdade é que o mar não está para peixes, nem para aquário, nem para caranguelo, nem para carneiro.

A quantidade de gente que estoirou as suas economias a montar negócios na web sem pés nem cabeça é enorme. E o pior é que a coisa ainda não terminou. Ainda há quem ache que o universo digital assemelha se a um oásis ou à terra prometida. Parte deste engodo é financiado pelas grandes operadoras de telecomunicações que estimulam um pouco por todo o mundo negócios deficitários que só aparentemente têm a ver com a exploração digital de conteúdos e com o ebusiness. As grandes operadoras estão na verdade interessadas, até segunda ordem, em vender acesso, o único negócio que apresenta uma real rentabilidade neste momento.

Mas se o cenário é tão terrível, porque insisto em meter dinheiro do meu próprio bolso neste negócio. A resposta é simples: o doente está com as pernas e os braços partidos mas não está com cancro. Ou seja, desde que faça as coisas como tem de ser, desde que não se meta em aventuras, desde que tenha em mente a regra de que uma coisa que tende a dar errado de certeza dará, ainda há luz no fim do túnel.

Tudo não passa de uma questão de bom senso. É tão difícil fazer dinheiro com um negócio digital como numa alfaitaria. É preciso trazer para o ambiente online algumas atitudes típicas do offline. Saber fazer contas de somar e subtrair, por exemplo.

Falar das dificuldades de um mercado não é igual a dinamitar um mercado. Algum sentido crítico pode ajudar a que o mercado amadureça e, portanto, torne se melhor. A crítica (quando feita sem segundas más intenções) serve como uma forma higiénica, ecológica, de ajudar a compor o sistema.

Em vez de ser convidado para seminários sobre os benefícios da nova economia, preferia participar em eventos que debatessem os perigos, os defeitos, os erros e os medos do universo digital.

A web não precisa de novos gurus. Já temos disto o bastante. A web precisa de gente mais sincera e que admita que por mais que saita não sabe nada de nada.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Tenho uma opinião clara sobre isto: sei lá."

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Salvem os "sem net"!

1 A Intemet serve para quase tudo. Inclusive para o destilar de ódios. Para constatar tal coisa, nem precisamos falar sobre os sites com conteúdos xenófotos, racistas, nazis e coisas do género. Pululam por toda a Web sites referentes a ódios meramentes pessoais. É o caso do www.antifigo.com. Fruto da raiva de um adepto do Barça contra o futebolista português.

Uma visita ao antifigo.com é elucidativa. O site abre como uma página onde vemos uma fotografia do Figo aplicada numa nota de dólar. Tudo no site ronda à volta da ideia de que Figo traiu os adeptos do Barça e vendeu se (tal como Judas) por dinheiro para ir jogar no Real Madrid.

Sem entrar no mérito da questão, sinceramente, acho uma pena que existam pessoas capazes de perder tempo a criar sites tão pobres de espírito. Desejo ao dono do antifigo.com todo o insucesso do mundo. A alarvidade e a inveja já fizeram bastante estrago na sociedade offine. Como diria o Diácono Remédios, não havia necessidade de também existirem no universo online.

Antípodas de páginas como o antifigo.com, é com prazer que indico os sites thehungersite.com e o clickfome.com.br, dignos representantes da boa vontade na Intemet. Ajudar a acabar com a fome no mundo é a missão destes sites. Pode ser utopia, mas utopias positivas são sempre bem vindas sejam elas quais forem.

Você sabia que, apesar de serem produzidos 3 kg de comida per capita por dia, existem 800 milhões de pessoas a passar fome no mundo? É com este aviso que o clickfome.com.br abre o seu site. Visitá lo significa contribuir com uns centavos para instituições de apoio aos famintos. O intemauta não precisa meter a mão no bolso. Quem paga a factura é uma série de empresas patrocinadoras do site. O mesmo se passa com o thehungersite.com (um dos precurssores nesta actividade). Vamos então todos visitá los. Viver na Rede pode ser mais do que visitar sites eróticos ou o do "Big Brother". Pode também significar uma nova cidadania electrónica plena de virtudes virtuais.

2 Na semana passada comentei aqui a falência do NetGratuita, um dos maiores fornecedores de
Internet grátis do Brasil. Usei este exemplo para vaticinar o início do fim das aventuras digitais
que têm como base fomecer coisas caras sem prever a devida remuneração.

Pois o debate sobre esta questão está a aquecer no Brasil. O Ig (uma mistura de portal, ISP e fornecedor de Intemet gratuíta) um dos players mais activos e agressivos da Intemet brasileira, decidiu colocar se do outro lado da barricada. Não só não pretende deixar de fomecer acesso a Intemet grátis como quer reforçar a sua posição albergando os "sem net" abandonados pela NetGratuita.

Os responsáveis pelo Ig informam que basearam o seu modelo de negócio na televisão, ou seja,
dão conteúdo grátis em troca da venda de audiências. Para aumentar a audiência é preciso oferecer coisas, acesso incluído.

Vista por este prisma, a coisa até faz sentido. Mas há algo que não bate certo neste raciocínio. As televisões realmente baseiam a sua remuneração no negócio da publicidade. Mas a verdade é que não pagam a conta de electricidade de ninguém. Nem dão aparelhos de TV para que mais pessoas possam assistir aos seus programas.

Contas feitas, parece me pouco provável que o modelo defendido hoje pelo Ig faça todo o sentido. Parece me mais uma táctica empresarial para contactar com mais gente. Mais cedo ou mais tarde, o Ig e as outras empresas que defendem o acesso gratuito irão dar o dito pelo não dito e avisar os navegadores de que o mar afinal, não está para peixe. Aí vão cobrar pelo acesso (muito ou pouco, logo se vê), pelos conteúdos e por tudo o mais que valha algumc coisa. A Intemet, de uma vez por todas, não é uma nova forma de comunismo. Pelo contrário, a Intemet não passa de um lobo capitalista disfarçado de ovelha.

Ou, como diria o meu Tio Olavo: "Não há verbo sem verba."

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Faça isto estúpido

1. Estive há duas semanas nos EUA. Fui lá a trabalho, participar de um curso de gestão e marteting, que tinha vários dos seus módulos dedicados ao tema Web. Na verdade era como se a Web estivesse presente em todo o curso. Quase nada resistia a algum tipo de análise sem passar sobre as consequências da Web no modo de vida das pessoas e no comércio em geral.

Este curso e o convívio com o dia a dia americano já completamente impregnado pela Web acabam de ratificar algumas opiniões que tinha sobre o presente o futuro próximo da sociedade na sua relação com as novas tecnologias: só tem sucesso o que é simples, fácil, barato e compreensível. Na Web, como na vida, vale a lei do "Kiss" (Keep it simple and stupid).

Prova disso é a verdadeira febre americana com relação aos Palms (computadores de mão) e todos os tipos de mini bugigangas electrónicas para enviar e receber e mails. Os americanos querem (como nós queremos) formas mais simples de comumcação. Querem enviar mensagens a toda hora, de qualquer lugar. E receber também.

Curiosamente, a questão dos conteúdos parece tomar se cada vez mais secundária. Os feeds de infommação tornaramse comodities. Ninguém questiona a sua importancia. São um dado adquirido. Ponto final. E já ponca gente pensa na inglória aventura de querer competir com os produtores primários de conteúdos (os grandes meios tradicionais de comunicação). A questão hoje em dia passa pelo tratamentos dos conteúdos primários. O que é lógico: um determinado conteúdo feito para um jomal, por exemplo, pode através do seu tratamento para a Web exponenciar a sua cobertura, chegando a gente que nunca o leria na sua versão papel.

Esta opção é tanto mais pertinente se levammos em consideração que a fonte de dinheiro para a Web secou. Diferente de há dois anos, quando qualquer imbecil conseguia dinheiro no mercado para financiar as suas patetices online, hoje em dia, via de regra, só quem consegue optimizar recursos e cortar despesas pode conseguir sobreviver.

Claro que muita maluquice ainda irá surgir por aí. A incrível capacidade humana de estoirar dinheiro também existia na chamada velha economia. Mas podemos confundir as coisas. Fazer um mau negócio é apenas uma questão de incompetência. Nada tem a ver com o uso ou não das novas tecnologias.

2. Na passada quinta feira, o Universo Online, o maior operador de Intemet e o maior portal de conteúdos do Brasil, anunciou que irá fechar a sua empresa de fornecimento de Intemet gratuíta. Isto menos de um ano depois de lançá la com toda a pompa e circunstância. A NetGratuita, o nome da empresa, fecha não por ser um fracasso de mercado e sim por ser um sucesso. Ou seja, milhões de brasileiros acharam boa idela navegar pela Net sem pagar. Infelizmente, quanto mais internautas faziam isto mais prejuízo causavam ao Universo Online. Mais uma vez o que está em jogo é um modelo falido de negócio. Ninguém quer ter uma empresa que só dá despesa. O investimento em publicidade não é o suficiente para financiar os projectos da Web. Tenho mesmo a ideia que nunca será para todos. Assim como não há publicidade que chegue para financiar um número infinito de jomais, rádios e TV, não haverá também para um número infinito de sites. Logo a Intemet gratuíta ou encontra uma fonte qualquer de rendimento ou irá para as urtigas.

O mesmo acabará por acontecer com os portais de conteúdo. Tenho imensa pena, mas Internet não é uma nova forma de mecenato. A Intemet é um negócio como qualquer outro. Quem faz bem o seu serviço merece ser remunerado. Os internautos têm de se preparar para pagar (pouco que seja) pelo que vêem, ouvem e lêem na Web. Só assim a Intemet poderá crescer em qualidade e não só em quantidade. Pode não ser uma novidade muito boa. Mas é que há. Não podemos fugir da realidade.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O futuro já não é o que era."

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Sabedoria de taxistas

1 A vantagem de se estar no topo do mundo é a de ter uma visão panorâmica de tudo. Sempre penso nisto quando vou a Nova Iorque. E fui o que pensei a semana passada quando lá estive.

Por motivos profissionais, acabo por ir aos E UA pelo menos uma vez por ano. Deslumbrado e novo rico como sou, não posso deixar de partilhar algumas das minhas experiências na terra do Tio Sam com os meus (três ou quatro) leitores.

Por exemplo, algo se passa na vida sexual dos americanos. Por todo o lado, em todos os jornais, revistas e programas de TV a questão da homossexualidade está presente. O movimento de libertação sexual e a abertura de espaço para as minorias como as dos gays e lésbicas são já uma tradição em solo americano. Mas é justamente aí que aparece a novidade. Não estamos a falar de passeatas, protestos, manifs ou coisas que o valham. O que surpreende no actual momento é a exigência pela normalidade. Aparentemente, os homossexuais não querem mais ser vistos como a tal minoria e sim como uma natural opção de vida, perfeitamente integrada no american way of life.

Prova disso é a série de TV "Will & Grace" (que costuma passar aqui em Portugal na TVI depois do "Seinfeld", ou seja, lá pelas duas da madrugada)."Will & Grace" narra a história de um casal de amigos que dividem um apartamento. Ele é gay, ela é heterossexual. Todas as anedotas ocorrem em volta das peripécias romântico sexuais dos dois personagens.
Will não é um travesti, nem um gay exagerado com movimentos atectados e a voz fina. Will serve de bandeira para toda uma legião de homens que gostariam de sair do armário (expressão que traduz o comming out dos americanos) sem ter que deixar de ter uma vida igual a todas as outras pessoas.

Pois "Will & Grace" fez tanto sucesso que acaba de ser reposicionada na programação da estação televisiva NBC. Desde a semana passada ocupa o horário das quintas às oito da noite (o equivalente ao horário da telenovela da nolte da SIC), ou seja, trata se da grande aposta de entretenimento da TV americana para o ano 2000. Isto poucos dias depois de o programa "Sunívor" (uma espécie de "Big Brother" que se passa numa ilha) acabar por declarar como vencedor um homossexual assumído (além do mais exibicionista, pois gosta de posar nu para páginas da Net).

Estes exemplos não são um caso isolado. A revista Entertainment Weekly (uma das bíblias das revistas de entretenimento) dedicou a sua capa na semana passada ao fenómeno gay nas TV americanas, mapeando as séries (praticamente todas) que nos últimos anos abriram espaços a personagens gays. Um dos filmes mais falados neste momento nos EUA é o Broken Hearts Club, uma comédia independente que mostra a relação de um grupo de amigos gays (com a curiosidade de um dos personagens ser interpretado pelo actor Dean Cain, que até há três anos fazia de super homem na série "Clark & Louis"). A última revista Rolling Stone também dedica páginas e mais páginas a relatar o caso dos primeiros alunos de uma tradicional universidade americana a assumirem em pleno curso que são gays. Se quisesse poderia ocupar todo o espaço desta minha crónica a dar mais e mais exemplos.

Confesso que não tenho ainda nenhuma conclusão a tirar deste assunto. Apenas acho que, tendo em vista a recente comoção nacional relacionada a um boato de mau gosto envolvendo um cantor e um futetolista, a sociedade portuguesa ainda está muito longe de estar à vontade para conviver pacificamente com a questão da homossexualidade. Portugal está mais para o Nélio (o personagem do Herman), que prefere ser um gay casado e com filhos. Portugal ainda só admite a homossexualidade como caricatura. O problema é que uma caricatura só pode ser feita a partir de uma realidade.

2 Trouxe alguns livros de presente para o meu Tio Olavo. Um deles chama se Taxi Driver Wisdom e trata se de um rol de frases colhidas a partir de conversas com taxistas de Nova lorque. Lá como cá, os taxistas vivem a ter problemas com os trocos e com uma fabulosa incontinência verbal. O autor do livro teve a paciência de coleccionar alguns dos protundos (ou nem tanto) pensamentos de taxistas que, se calhar, gostavam de ser filósofos. Leia algumas das frases do livro (transcrevo as em inglês para que não percam nada com a tradução). A propósito do começo de uma novo namoro: "New shoes always hurt."
Sobre a relatividade do tempo: "Vietnan war is finished but sixth avenue construction is never fi
nished." Sobre se Deus é ou não socialista: "You are not any safer in first class." Sobre o casamento: "You marry out of your greatest love or your greatest fear." Sobre o que falamos: "You say what you like to hear." Sobre termos de comparação: "I enjoy fireworks but stars is nice too." Sobre o sentido da vida: "You must have things that you care about. Otherwise you are empty." Sobre posicionar se na vida: "It is always better to be behind a police car." Sobre a inveja: "You see in other people what you want for yourself." Sobre as rotas alternativas: "Everybody go different way to see the same thing." Sobre a culpa: "Never be embarrassed about something you like." Ou como diria o meu Tio Olavo: "Se um taxista não tem nada de interessante para dizer a si é porque você não tem nada de interessante para dizer a ele."

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A voz do operário

Vou falar hoje sobre uma dura realidade: a Web tem tudo a ver com o trabalho. É uma pena, mas é verdade. A Web não tem o poder divino de transformar o trabalho numa palavra obsoleta.

Aliás, as questões em torno do trabalho começam a ser um assunto recorrente no ambiente Web. Tanto pela positiva como pela negativa.

Por exemplo: este ano, dezenas de milhares de trabalhadores de empresas ligadas à nova economia perderam os seus empregos. Segundo algumas fontes respeitáveis, as demissões nas dotcom crescerem 55 % em 2000. E o ano ainda vai no adro.

Em Janeiro, a Amazon mandou 150 pessoas para casa. Em Maio, foi a vez da Boo.com (um site falhado de moda, que consumiu milhões de dólares sem conseguir render um só tostão) que fechou as portas e deixou na rua da amargura cerca de 400 trabalhadores. A Value America decretou falência de despediu 60 % dos seus colaboradores. A Furniture.com cortou 80 % do pessoal. E a China Telecom anda a pensar em despedir cerca de 200 mil funcionários.

Um informe da Forrester Research estima que metade das dotcom que existem hoje vão desaparecer em 2001. E para onde vai todo este pessoal?

A coisa pelo menos é democrática. Quando um projecto Web falha desgraça a vida não só dos trabalhadores como também dos seus gestores CEO e outros altos quadros que escondem a sua incompetência crónica atrás de termos técnicos e de um grande orçamento de marketing

No Brasil, o caos chegou também aos provedores de acesso gratuíto. Andam todos mal das pernas. Alguns já começam a fechar. Cheios de dívidas e a pensar em quem teve a ideia peregrina de achar que algo que é dado completamente de graça pode gerar algum lucro.

É o caso da empresa Super 11. Uma das pioneiras brasileiras no acesso gratuito, valia mais de cem milhões de dólares há alguns meses. Hoje está completamente quebrada e já despediu os seus 200 funcionários.

Mesmo gigantes como a America On Line demonstram ressentir se da crise. A AOL, depois da compra da Netscape, já cortou 12 mil trabalhadores dos seus quadros.

Tais números servem para sinalizar uma coisa aos trabalhadores dotcom: cuidado com aonde amarram o seu burro. Desconfiem das propostas maravilhosas que recebem.

Um dos paradigmas da nova economia é justamente o de que a mão de obra á cara e diffcil de arranjar.

A verdade é que ainda há mais empresas que mercado. O damping passou a fazer parte da ordem do dia. Boa parte das empresas dotrom que andam por aí não facturam para pagar a conta da luz. Os seus planos de negócios são inexistentes. Tudo é feito numa lógica onde a única prioridade é o dia do IPO, quando todos os que tiverem stock options vão fazer fortunas. Mas, aí está o busílis da questão, o mercado mudou de figura, os IPO tornaram se uma miragem e há muita gente por aí pendurada pelos arames, com stock options que valem tanto quanto barras de gelo no Alasca.

O resultado desta brincadeira parece mais ou menos óbvio: não vai ter dinheiro para toda gente. E
muitos trabalhadores que andavam (ou andam) por aí a saltitar de emprego em emprego, sempre
atrás da melhor oferta, vão ficar a ver navios.

Eu, se fosse você, tentaria manter me estável em empresas que demonstram ter capacidade financeira para enfrentar a crise e um projecto de longo prazo.

Salário alto é uma coisa boa. Mas adianta ganhar muito este mês e nada no próximo? Que eu saiba, na velha economia, os únicos funcionários que se davam bem eram os que sinalizavam ter amor à camisola e espírito de corpo. Os outros, bons ou maus, eram sempre dispensáveis. Será o seu caso?

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Só existe um lugar no mundo onde a palavra sucesso vem antes da palavra trabalho: no dicionário."

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Ricos e famosos

A moda ainda não pegou por aqui mas, como tudo na Internet, ia vem a caminho.
Milhares de personalidades famosas um pouco por todo o mundo descobriram que ter um site oficial na Web pode ser uma fabulosa fonte de receitas.

Só para dar um exemplo, o fenómeno alastrou se com alguma rapidez no Brasil. Desde há dois anos, portais disputam a peso de ouro a honra (e o proveito) de hospedar sites de famosos. É como se os portais estivessem a mimetizar o comportamento dos antigos estúdios de Hollywood ou das estações de televisão. Cada vez é mais importante, muitas vezes em detrimento das já tradicionais páginas de notícias, formar um elenco estável de atracções.

No ano passado, os portais Uol e Ig (dois dos principais majors dos sites de conteúdos brasileiros) entraram numa verdadeira guerra no que toca a contratação de famosos. Houve até o caso de um colunista de humor que tinha as suas crónicas publicadas de graça no Uol (devido ao facto de ele escrever diariamente no jomal Folha de São Paulo, empresa pertencente ao mesmo grupo) e que, após ter sido cooptado pelo Ig para tomar se numa sua atracção exclusiva, acabou por assinar um contrato de um milhão de dólares com o Uol. Ou seja, de fomecedor de conteúdos gratuitos passou a milionário da Web. Tudo em apenas uma semana.

Mais recentemente, a apresentadora de programas infantis Xuxa participou de um lellão para ver quem é que hospedava o seu site. Depois de estudar inúmeras propostas, chegou à conclusão de que, se era verdade que o seu nome valia tanto na Net, mais valia abrir o seu próprio portal. E é o que está a fazer.

Na semana passada, abriu mais um site a confirmar o fenómeno: o www.pele.net, que nada mais é do que o site do rei Pelé. A1bergado no Zip.net (portal que pertence à nossa Portugal Telecom), o pele.net nasce com campanha publicitária própria e a intenção de atrair milhões de acessos e, consequentemente, audiência e investimento publicitário. Por aqui a coisa ainda está a engatinhar. Até onde sei, a coisa mais parecida que está no ar é o site do Herman, apresentado como mais um canal do Sapo.

A que será que se deve tal desatenção dos nossos famosos e, já agora, dos nossos portais? Provavelmente tem a ver com o verdadeiro deserto que há ainda nesta área. As nossas figuras púb]icas simplesmente não estão na Net. E, aparentemente, não têm pressa para lá chegar.

É uma pena. Uma boa página feita em volta de uma personalidade tem a qualidade de ser uma excelente maneira de se fazer uma comunidade digital. A partir das características de um famoso, uma equipa profissional em gestão de conteúdos pode criar um site que agregue toda uma série de temas e interesses.

Uma banda conhecida pode ser o ponto de partida para a criação de um bom site musical. Uma top model famosa pode originar um excelente site sobre moda. E assim por diante. O importante é ter se em mente que não estamos a falar de sites amadores, feitos a partir das vaidades do famoso em questão. Estamos a falar de criar um novo produto de raiz, pensado para sobreviver na Web, apenas inspirado nas características de alguém conhecido do grande público.

Tenho esperança de que tais sites apareçam em breve aqui na aldeia. Nem que seja para atrair a atenção de milhões de portugueses que ouvem rádio, lêem revistas, assistem à televisão, mas que nunca tiveram nenhuma grande motivação para a Web.

Há milhões de sites que se dedicam pura e simplesmente a divulgar piadas sobre internautas. São anedotas de gosto duvidoso, muitas delas incompreensíveis para o cidadão comum. Mas, de todas as graçolas que já li ou ouvi sobre o tema, a melhor foi a dita pelo comediante Jô Soares num dos seus programas de televisão. Sendo um dos gordos mais famosos da TV brasileira, Jô, ao ser perguntado por uma vedeta se já tinha visitado a sua página na Web, respondeu com a maior das latas: "Já tentei entrar no seu site mas ele não me coube."

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Diálogo de surdos

Outro dia, um investidor português na área da Web perguntou me o que eu achava dele aplicar parte do seu dinheiro em projectos no Brasil. Não foi o primeiro a tocar no assunto comigo (por ser brasileiro, as pessoas acham que tenho alguma credibilidade nestas questões).

Via de regra, em casos destes, costumo recomendar alguns cuidados. O facto de falarmos todos a mesma língua (ou, pelo menos, línguas muito parecidas), não faz com que a comunicação entre as partes seja sempre a melhor.

Aliás, é aí que reside o principal problema nas relações empresariais entre os dois países. Portugueses e brasileiros tendem a acreditar que, quando sentam a mesa para negociar, são iguais na maneira de pensar. Não são. Na verdade, há um oceano de separação (a metáfora é velha, mas serve perfeitamente para o caso).

Por exemplo, o brasileiro costuma acreditar que está a falar corn quem deve. O modelo de gestão português é muito diferente do brasileiro (que descende do modelo americano). Um director executivo brasileiro costuma estar mandatado para (pasmem!) decidir. Não tem que necessariamente reportar cada acto de gestão a um administrador que reporta a um conselho de administração que reporta ao presidente do conselho de administração que reporta ao conselho de administração da holding que reporta, reporta, reporta...

Já acompanhei diversas negociações na área da Internet entre brasileiros e portugueses. Chega a ser caricato o diálogo de surdos estabelecido entre eles. Enquanto o brasileiro apanha o voo da Varig de volta para casa a achar que tudo está decidido, é aí que o português vai começar a encaminhar os papéis dentro de casa e ver se consegue dar seguimento ao processo sem esbarrar nas vontades políticas internas que o cercam.

Não estou a dizer que uma das partes está mais certa que a outra. O voluntarismo e a rapidez de decisões exigidas de um executivo brasileiro têm a ver com um mercado muito mais agressivo e com condições económicas que estão sempre a mudar da noite para o dia. No meio de tanta agilidade, muitos negócios dão errado por não terem tido tempo suficiente para serem maturados. A ditadura do "fazer" nem sempre é a melhor para quem gosta de pensar antes de decidir.

Ainda na questão do ritmo em que as coisas são tratadas, o brasileiro costuma tocar os projectos sempre de maneira condicional. Ou seja, se não der certo, fecha se o negócio, encerra se a parceria, parte se para outra. Ninguém quer fazer negócios para sempre. Os projectos existem enquanto valem a pena. E só. O português pensa justamente o contrário. Se é para fazer um negócio, que ele seja perene, semente para coisas ainda maiores.

E os preconceitos? O português costuma acreditar que o brasileiro não gosta de trabalhar. Logo, todos os processos irão se arrastar por falta de dedicação do brasileiro. A realidade é outra. O brasileiro (como já disse) tem sempre um timing muito apertado para fazer as coisas. Não pode, por exemplo, esperar que Portugal regresse dos seus quase dois meses de férias de Verão para que as coisas voltem a andar. Ainda este ano, ouvi de um investidor brasileiro que pretendia vir em Portugal em Agosto para agilizar os processos da sua parceria comercial. Quase caí no chão de tanto rir. E foi com alguma dificuldade que Ihe expliquei que ou as coisas estavam prontas em Maio ou só valia a pena pensar que ficariam 100 % decididas em Outubro. No mínimo, faltaria sempre uma assinatura no contracto (fruto da ausência momentanea de algum administrador que estaria de férias).

Quanto ao rigor dos números, esqueça. O brasileiro não costuma gastar muito tempo a quantificar dados rigorosos sobre nada. É tudo sempre estimado por cima. Se quer saber ao centavo quanto irá investir no Brasil mais vale ir fazer negócio na Suécia.

Outro detalhe divertido tem a ver com a questão monetária. Se vai negociar com um brasileiro leve uma máquina de calcular e os indíces do cambio do dia. Brasileiro só sabe fazer contas em dólar. E, consequência disto, os valores que são discutidos à mesa são sempre flutuantes. Basta amanhã o real ser devalorizado em 30% e o negócio que está a fazer fica 30 % mais caro. Pensa que o brasileiro acha isto um problema? Na verdade, não. Ele pensa que este tipo de imprecisão, como é óbvio, faz parte do próprio negócio.

De qualquer forma, na área da Web, acho que é mais do que necessário que se façam negócios entre Portugal e Brasil. Esta é a única maneira de brasileiros e portugueses competirem contra o bloco hispanico. Ao Brasil interessa fincar uma bandeira em solo europeu. E a Portugal interessa um mercado da dimensão do brasileiro. Ou como diria o meu Tio Olavo: "A minha pátria é a minha língua."

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Tendência para o erro.

Uma tendência não resulta necessariamente na sua comprovação. Algo que tendencialmente aponta para ser aponta também para o seu contrário. Por isso, sempre que vemos, ouvimos e lemos sobre as tendências de comportamento ou negócios trazidos pelas novas tecnologias, devemos sempre ficar de pé atrás. Pode ser que tais tendências signifiquem novos caminhos a seguir ou apenas um fabuloso equívoco de interpretação.

Por exemplo, recente pesquisa, feita pela empresa americana Media Matrix, revela que está a crescer exponencialmente o número de pessoas de baixa renda (nos EUA) a ligar se à Intemet. O número de pobres americanos a tomarem se internautas cresceu mais de 50 % no último ano. Por outro lado, é entre os ricos que é mais pequeno o crescimento.

À luz dos dados, um evangelizador da Web mais entusiasmado pode sair por aí a dizer que a web está a democratizar se de maneira imparável. Que a Web é um meio barato de divulgar o conhecimento. Que a Web representa o verdadeiro socialismo (e porque não comunismo?) da informação.

As estatísticas podem ser uma ferramenta útil para quem deseja dizer asneiras. O aumento de números de pobres a aceder à Web apenas significa que poucos, muito poucos, acediam antes. Logo, o crescimento, do ponto de vista percentual, sempre será enorme.

A Web está longe, muito longe, de chegar a toda a gente. E não alcançará este objectivo se não houver um empurrão de governos, instituições de ensino e grandes empresas.

Prova disto é o que está a passar se neste momento na Alemanha. Uma campanha lançada pela Fundação Bertelsmann e pela revista Stern tenta diminuir o medo dos alemães com relação à Internet. É sério, os alemães têm medo de utilizar a Web. Nem 20 % dos germanicos o fazem. O que é preocupante, tendo em vista que estamos a falar de um dos países mais ricos e industrializados do mundo. O empresariado alemão teme pelo futuro. E alerta para os riscos de uma sociedade partida ao meio, entre as pessoas "digitais" e as "analógicas". As estimativas dizem que em 2003 mais de um quarto da população alemã continuará sem acesso à Internet, logo, sem acesso ao mercado de trabalho (até lá, dizem, saber utilizar a Web será fundamental para a realização de qualquer tipo de tarefa).

A tal campanha da Fundação Bertelsmann é direccionada especificamente para os adultos e pessoas idosas.. A ideia é ministrar cursos do tipo "Internet para principiantes" para aqueles que ainda estão excluídos da rede.

A experiência alemã é um belo exemplo para quem está a investir na Web em Portugal. A Web precisa de ajuda para se expandir mais rapidamente aqui na aldeia. É só com mais portugueses a navegar que o negócio pode tornar se verdadeiramente rentável.

Se parte do empresarido português (para não falar das instituições públicas) tiver a feliz ideia de se reunir para criar programas de incentivo, na Web a coisa ia bem mais depressa. Em vez disso, o que há é cada vez mais projectos on line direccionados para as mesmas pessoas. Vai faltar mercado (aliás, já falta) para tantos sites. Um belo dia (já faltou mais), a pedra de toque do ambiente Web português vai deixar de ser a especulação bolsista. Quando isto acontecer, centenas de sites de comércio electrónico vão fechar porque não haverá, pura e simplesmente, gente suficiente para comprar coisas na Web. Aí já vai ser tarde demais.

Como todos os exercícios de futurologia, não sei se estas minhas previsões irão confirmar se. Mas pelo menos são uma tendência a registar.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Quando uma coisa tende a dar certo, quase sempre dá errado. Quando uma coisa tende a dar errado, com certeza dará."