Tio Olavo 3
por Edson Athaíde
 

 

A vanguarda da retaguarda

Os intelectuais detestam quando é feito este tipo de raciocínio, mas a verdade é que a publicidade é um incrível espelho da sociedade. Já disse, repito, a publicidade é a vanguarda da retaguarda. Por mais que os publicitários queiram ser "modermnhos", a publicidade não é o palco ideal para revoluções. Muito pelo contrário, a publicidade só avança depois da sociedade caminhar.
Ok. Isto está parecer uma tese de sociologia de um aluno que fugiu do curso no primeiro ano. Mas já vai entender onde quero chegar.

Ando pelas ruas de Lisboa e deparo me com uma rapariga a mostrar alegremente a sua cuequinha. É um cartaz, claro. E nele está escrito: "Atrevido!" Nem mais. A rapariga não parece estar preocupada com que as pessoas vão dizer a respeito da sua atitude. Ela acha a sua cueca bonita e pronto. Com o rabo em pé e de cabeça para baixo, ela só quer chamar a atenção. A verdade é que ninguém na rua demonstra choque ou indignação. Niguém tem nada a ver com isto, deve ser o que pensam os peões.
Este despudor físico do português é curioso. Provavelmente os autores do cartaz estavam à procura de impacte na sua comunicação. Mas o que se passa é que a vulganzação do erótico na sociedade portuguesa retira força a qualquer anúncio que queira viver do nú e do sexo.
Há tempos, não era assim. No dia em que foi para o ar o primeiro anúncio do sabonete Fá a mostrar a intimidade do banho de uma modelo mamalhuda, muitas mães proibiram os filhos de ver televisão. E muitos pais começaram a demonstrar um estranho interesse em ver a novela.
Mas hoje em dia só falta o cartaz com o explícito total. Ele vai aparecer, pode ter a certeza. Mais cedo ou mais tarde haverá um festival de pêlos púbicos e vergonhas (sem vergonhas) à mostra.
Não me pergunte como é que uma sociedade tão defensora da sua tradicionalidade, tão católica, tão púdica demonstra um tão à vontade com o nú publicitário. As sociedades costumam ser contraditórias em muitas coisas. De qualquer maneira, fica sempre a dúvida: Portugal é igual a Lisboa? Será que a dona de casa de Braga acha piada à miúda que mostra a cuequinha? Posso estar enganado, mas acredito que sim. Sempre que tive acesso a pesquisas sobre campanhas ousadas, o que via era que os mais velhos, os membros das classes C e D e os habitantes do interior demonstravam uma abertura para o atrevimento muito superior à classe média urbana. O zé povinho é muito mais sincero nas suas opiniões e atitudes. A classe média tem a tendência de só aprovar o que é suposto estar certo. É muito mais cheia de preconceitos.
Entretanto, o cartaz saiu de cartaz, o que é uma pena. Já estava a acostumar me a andar pelas ruas e ser cumprimentado pelo rabo da senhora.
Só espero que o fabricante da cuequinha anunciada não tenha também modelos para homens. Não vá querer fazer um follow up da campanha.

Ou como diria o meu Tio Olavo (do alto dos seus 60 anos e 95 quilos mal distribuídos, a justificar o facto de gostar de fazer nudismo no Meco): "O que é bonito foi feito para ser mostrado."

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"Millennium"

Está nas bancas, se procurar vai achar a edição de Abril da Creativity (uma publicação da Advertising Age).
Este número é totalmente dedicado a projecções do que poderá ser a publicidade no próximo milénio. E a fazer um balanço do que foi ou está ser neste.
E um dos artigos mais interessantes é justamente o que faz piadas sobre a evolução da publicidade. Por exemplo, a Creativity lembra que no passado os redactores mandavam nos directores de arte. E mandavam mesmo. Na hierarquia das agências os redactores eram os responsáveis pelas ideias e os directores de arte limitavam se a fazer o boneco do anúncio. No presente a coisa é diferente. Desde que inventaram a dupla criativa que os redactores e directores de arte entenderam se e trabalham em conjunto na concepção das campanhas. Mas no futuro vai ser diferente. Num mundo de produtos cada vez mais sem argumentos objectivos e diferenciadores, a imagem é tudo. Os directores de arte vão (e no fundo já estão a) mandar. Como redactor que sou de origem, não gosto lá muito da ideia. Mas tenho que admitir que o rumo vai ser mesmo este. E que as palavras correm o risco de ser banidas da publicidade.
O universo das companhias também se prevê diferente. Se no passado vivemos a fusão de agências (daí os nomes compostos de boa parte das multinacionais de publicidade), no futuro iremos ver a fusão de grupos na criação de gigantescas empresas transnacionais (por exemplo, a O&M/ Lowe & Partners/SMS & DDBBDODMB&B/TBWA/CHIAT/GOODY/DAY & Spick Worldwide). Se isto acontecer, vai ter por aí muita telefonista a pedir demissão.
As previsões da Creativity não se ficam por aqui. Mas têm em comum o facto de que o panorama publicitário mundial vai mudar radicalmente nos próximos anos. Quem viver verá.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Eu vi o futuro. E ele não se parecia nada com um presente."

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A reinvenção do "marketing"

Há quem diga que o marketing é a arte de inventar novas necessidades. Esta afirmação pressupõe que o bom marqueteiro é aquele tipo que vê o que ainda não existe, que tem a capacidade de projectar o futuro. Pode ser. Acredito que há certo exagero nisto. E também alguma verdade. Mas esta habilidade de "adivinhar" o que o consumidor ainda não sabe que quer começa a ser exercitada com alguma dificuldade. Às vezes têm se a impressão que tudo já foi inventado. E que agora o caminho é reinventar as mesmas coisas.
Vejo duas pequenas notícias numa página de revista. Ambas falam de novos inventos que na verdade não passam de variantes de coisas criadas há décadas. A primeira refere o futuro lançamento do pneu que não fura. Ou melhor, do pneu que pode furar à vontade sem causar grandes transtornos ao motorista. A "Michelin" promete lançar este pneu ainda este ano na Europa. Vai chamar se Pax e poderá rodar tranquilamente até 200 quilómetros depois de furado. O Pax terá laterais rígidas e uma camada interna de borracha. Uma estrutura especial impede que o pneu saia da roda nas curvas. E assim, desde que fique pelos 90 km/h, o condutor poderá seguir viagem e decidir com calma o momento ideal de trocar o pneu.
Já a segunda notícia fala de uma coisa que todos nós já pensámos inventar um dia: o avião com pára quedas. A empresa americana Cirrus Design está a fabricar um avião com capacidade para quatro passageiros que tem com item de série um enorme pára quedas. Ele fica no compartimento de bagagem e em caso de pane o piloto poderá accioná lo através de uma alavanca. O avião então fará uma aterragem vertical. O avião da Cirrus custa algo como 170 mil dólares e já está disponível no mercado. Eu, que morro de medo de andar pelas nuvens e começo a rezar cada vez que enfrento uma turbulência, só tenho a agradecer aos técnicos da Cirrus. Só espero que os técnicos da Boeing achem piada ao invento e também passem a incluir pára quedas nos seus aviões.
O que estes dois inventos têm em comum é o facto de responderem a ansiedades claras do consumidor. Mais do que novidades, são uma resposta a coisas que as pessoas desejam desde que os inventos originais foram criados.
Este tipo de marketing, o marketing das ansiedades, está a ganhar uma força impressionante. Até porque representa uma aposta ganha de mercado. Se a partir do anos 50 vivemos a era das novidades, o que veremos agora será a era das melhorias. De vez em quando, claro, vamos ser surpreendidos com um novo produto da categoria dos impensáveis. Mas o nosso dia a dia será marcado pelo lançamento dos produtos lógicos, dos produtos que corrigem os produtos anteriores.
Mesmo no terreno das novas tecnologias as coisas estão a tornar se assim. Depois da popularização da Internet, o grande desafio dos marqueteiros informáticos é inventar coisas como os webphones, aparelhos de telefone que, sem necessitar de um computador, fazem ligações de voz via Internet. A webtv é outro exemplo. Mais uma vez dá se à televisão um atributo novo, a navegação na Web, o que só facilita a vida das pessoas.
Não é mal que seja assim. Melhorar a vida das pessoas pode parecer um objectivo demasiado idealista para ser associado aos marqueteiros, homens (e mulheres) que no fundo, no fundo, o que querem é ganhar dinheiro. Mas faz parte do marketing provocar a satisfação do comprador. E saber respeitar a opinião do consumidor. Pelo menos foi isto que me ensinaram na faculdade. E deveria ser isto a coisa mais importante na cabeça de todos os marqueteiros do planeta.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Com um bom marketing as pessoas acreditam até em ovo quadrado."

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Os dez mandamentos da publicidade

Para início de conversa quero avisar que gosto da publicidade. E que tenho pouca paciência com quem decide colocar nos ombros da publicidade a responsabilidade de todas as mazelas do mundo.
Mas, como em todas as actividades, a publicidade tem coisas boas e coisas más. Não adianta fingir que os publicitários são todos uns poços de virtudes. E interessa me discutir (desde que seja de maneira inteligente) os aspectos negativos da nossa actividade.
Foi com este espírito aberto à crítica que li um interessante texto publicado no livro "Análise Transacional da Propaganda", do publicitário brasileiro Roberto Menna Barreto.
Propaganda no Brasil é um sinónino total da palavra publicidade. E é sobre a publicidade que Roberto faz os seguintes comentários:
&laqno;Em que estão baseados, moralmente, nossos antigos valores e virtudes? Na tradição judaico cristã. É nesse pano de fundo que moralmente procuramos viver, e é mais ou menos em direcção a seus preceitos que procuramos educar os nossos filhos. Alguém discorda?
Deixem me colocar aqui um check list: os Dez Mandamentos: 1) Amar a Deus sobre todas as coisas; 2) Não pronunciar o seu santo nome em vão; 3) Guardar os domingos e dias de festas; 4) Honrar pai e mãe; 5) Não matar; 6) Não pecar contra a castidade; 7) Não furtar; 8) Não levantar falso testemunho; 9) Não desejar a mulher do próximo; 10) Não cobiçar as coisas alheias.
São preceitos que podem sofrer, aqui e ali, alguma nova interpretação actualizadora, mas são, concretamente, os pilares da moralidade no mundo ocidental. (.. )
E lógico que a idolatria publicitária não diz: "Mate! Roube! Desonre pai e mãe!", etc. A idolatria publicitária está em mãos de "abençoadas almas astutas". Tudo é proposto marotamente, com pitadas de humor, malícia, permissão e criatividade. Analisemos, por exemplo, à luz desses apelos tentadores, mandamento por mandamento:

1) Nada de amar a Deus sobre todas as coisas. Deve se amar, sobre todas as coisa, ao bezerro de ouro: o produto. E também o seus sucedaneos irresistíveis: o sucesso, a riqueza. (...)

2) Deus e seu santo nome são excelentes testemunhos, aqui e ali, para inumeráveis campanhas. E também os seus símbolos: padres a contabilizar lucros numa máquina de calcular; freirinhas sensuais; monges meio safados a beber o seu licor preferido; mulheres no confessionário a dizer "pequei", que invariavelmente arrastam para a farra o próprio confessor (...)

3) Guardar os domingos e festas implica não só abster se de trabalhar como, antes de tudo, em considerar tais dias santos. Que diferença existe, para a idolatria publicitária, entre os dias santos e, digamos, os feriados? O mais santo dos dias da cristandade (o Natal) é evento para uma saturnal pagã de vendas e saldos. (...)

4) Pai e mãe são supostamente "honrados" no Dia do Pai e no Dia da Mãe. Uma avalanche de sentimentalismo mercenário. Fora daí, são meros alvos também de manipulação, quando não de chantagem. (...)

5) É uma excep,cão. (...) A publicidade exprime interesses de uma sociedade que quer o indivíduo em contínuo esforço de trabalhar e comprar. Nunca localizei na publicidade comercial, por "mais audaciosa", qualquer permissão para matar. (Ao contrário, é claro, da propaganda de guerra.)

6) No comments. Só há convites para pecar contra a castidade.

7) 0 lucro a qualquer preço, o "levar vantagem" sem especificar como é a permissão para qualquer falcatrua que passe despercebda.

8) No comments.

9) No comments.

10) No comments. Mesmo!

Os Dez Mandamentos são muito mais entendidos, e promovidos, por essas abençoadas almas astutas, na forma optimista que aparece num anúncio de lançamento imobiliário, de página inteira, publicado no Jornal do Brasil de 25 de Janeiro de 1979:1) Não trabalharás; 2) Honrarás a paz; 3) Não te aborrecerás; 4) Deitarás e rolarás; 5) Cochilarás à sombra; 6) Bronzearás o teu corpo; 7) Curtirás as ondas; 8) Lucrarás nos negócios; 9) Zelarás pelo teu dinheiro; 10) Viverás feliz para sempre.

Não me digam que estou a catar à unha casos isolados. Esta é a moralidade promovida pela publicidade, e ponto.»

E ponto: é este o pensamento do Roberto Menna Barreto. Infelizmente, também é o meu. A publicidade não foi feita para salvar o mundo. Foi feita para extrair o máximo de lucro dele. Podemos fazer isto de maneira mais ou menos honesta. Mas, temos de assumir, não somos o Pai Natal. Diria mesmo que a mais antiga profissão do mundo tem alguma coisa a ver com a nossa.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Deus até pode estar em todas as coisas, até mesmo na publicidade, mas é o Diabo que negoceia a comissão."

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Brasilenses e portuleiros

Começou e quase ninguém deu por isso. Já estamos na contagem regressiva para as comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Parece que foi ontem que Cabral desembarcou em Porto Seguro e a sua tripulação, encantada com a beleza das indígenass, começou a fabricar os antepassados da Daniela Mercur,v. E também (embora isto não estivesse nos planos) os meus antepassados.

Sempre que tento compor algum raciocínio que reúna na mesma linha Portugal e Brasil, lembro me de um espectáculo que assisti no Coliseu de Lisboa há uns três anos. No palco estava Caetano Veloso e num determinado momento cantou um fado. Para encanto da plateia, após a música, Caetano começou um simpático bate papo. Na verdade, a canção tinha sido gravada originalmente por Carmen Miranda. A partir deste mote, Caetano falou (naquele seu estilo peculiar de delirar dentro da lógica e brincar com a língua como se ela fosse um carrinho de rolamentos) mais ou menos o seguinte: &laqno;Eu cantei este fado para falar uma coisa e o que eu quero falar é que quando eu que sou baiano e, como todo baiano, filho do pai Portugal e da mãe Africa, exemplo concreto que sou da raça sintética que é o brasileiro, canto este fado de Carmen Miranda, portuguesa de nascimento e brasileira do mundo, neste palco de Lisboa, cidade de onde o europeu portugês saiu para reinventar o planeta, eu que sou baiano, quero falar de Portugal e de Brasil só posso dizer uma coisa: eu sei do que eu estou falando.»

Não sei se deu para perceber. Mas se não deu, paciência, não vou ser eu a explicar. Até porque explicar Portugal e Brasil não é uma coisa muito fácil.
Esta semana o jornal Folha de São Paulo tentou fazer isto. Publicou sexta feira um suplemento especial que tentava esclarecer o que os portugueses e os brasileiros de hoje pensam de Porgual e do Brasil. Para isto, lançou mão de uma grande sondagem realizada em Lisboa e no Rio de Janeiro. Os resultados foram no mínimo interessantes.

Aos lisboetas, quando lhes perguntaram o nome da primeira pessoa quando pensam no Brasil, responderam: Ronaldinho (12 %), Pelé (10 %), Roberto Carlos (7 %), Jorge Amado (5 %), Fafá de Belém (5 %).
Já aos cariocas, quando lhes perguntaram o mesmo com relação aos portugueses, responderam: Roberto Leal (15 %), Cabral (9 %), Camões (4 %), Mário Soares (3 %), Salazar (3 %).
Os portugueses indentificam Portugal com Mário Soares (22 %), Amália Rodrigues (10 %), Eusébio (6,%) e António Guterres (6 %).
Os brasileiros destacam as seguintes personalidades nacionais: Fernado Henrique Cardoso (18 %), Roberto Carlos (9 %), Pelé (9 %) e Fernanda Montenegro (7 %).

Alfacinhas e cariocas concordam que a principal qualidade do brasileiro é a alegria. Mas divergem no principal defeito: os brasleiros acham que são demasido passivos e os portugueses dizem que eles não gostam de trabalhar e são preguiçosos.
A principal qualidade dos portugueses para o brasileiro é que eles são trabalhadores. O principal defeito é que são forretas. A coisa mais positiva que os portugueses dizem de si mesmos é que são amáveis. E a pior é que são passivos e conformistas.

E as coisas que lembram Portugal para os brasileiros? As repostas: descobrimento do Brasil (13 %), país excelente/excepcional (6 %), bacalhau (4 %). As coisas que lembram o Brasil para os portugueses são: praias/natureza (20 %), sol (11%), telenovelas (8 %)

Não sei se concordo ou discordo dos resultados desta sondagem. Mas (como dizem os políticos) as sondagens valem 0 que valem. Como sou meio brasileiro, meio português (logo sou brasilês ou portuleiro), se entrevistado fosse, as minhas opiniões só serviriam para baralhar a coisa.

Mas é sempre bom saber que os dois países estão se estudando. Isto já foi diferente. Já andámos todos de costas voltadas por muito tempo. E, tal como Caetano, acredite, amigo, eu sei do que estou falando.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O Brasil não foi descoberto, foi inventado por um português. Não estavam à espera que a coisa funcionasse, pois não?"