Tio Olavo 7
por Edson Athaíde
 

 

Para quem fica, "tchau"

A última vez que escrevi neste espaço foi no século passado. De lá para cá muita coisa mudou na minha vida. Quer dizer, nem foi muita coisa, mas o suficiente para que este meu regresso não seja apenas uma volta e sim uma partida rumo a novos destinos.

Há mais de cinco anos que escrevo semanalmente sobre a publicidade e o marketing. Fruto destas minhas crónicas já nasceram dois livros (que vendem muito bem, obrigado). Tentei cumprir este meu ofício de cronista publicitário com alguma imparcialidade e rigor. Fora uma ou duas vezes, não me deixei sucumbir à facilidade de escrever atacando os meus desafectos ou elogiando os meus apaniguados. Ou seja, procurei manter o nível razoavelmente alto. Ingénuo, acreditei que tal atitude poderia servir como um pequeno exemplo de que não é preciso ser rasteiro para se trabalhar nesta profissão.

Infelizmente, já não vejo o mais pequeno sentido em criticar o mercado publicitário. Quase que posso dizer que não há nada a fazer. Há tempos pensei que tínhamos chegado ao fundo do poço. Estava enganado. O buraco, afinal, era mais em baixo.

Olho para o lado e vejo um mercado que não é um mercado: é um aglomerado de vontades. Se há alguns anos discutia se a questão da ética na publicidade, hoje em dia tal debate seria ridículo. Os sinais que os agentes do mercado enviam, sinalizam é que não existe nesta área ética nenhuma. E que, por favor, já não vale a pena fingir que existe.

Posso estar enganado, mas se as coisas continuarem como estão, em breve, o negócio publicitário deixará de ser um assunto tratado nesta seccão e passará para as páginas policiais (tal a quantidade de rumores sobre negociatas que aparecem disfarçadas de concursos publicitários e as relações economicamente vantajosas entre alguns responsáveis de marketing e alguns directores de agências).

Do ponto de vista profissioral, hoje em dia troca se de agência como se troca de gravata (ou até mais, há quem na vida só tenha usado uma gravata? apesar de já ter "usado" cinco agências). Não tenho nada contra a mobilidade profissional de quem quer que seja. Cada um é dono do seu nariz. E há quem mude de empresa realmente pelos melhores motivos. Mas fico desgostoso de perceber que toda uma nova geração de publicitários está se nas tintas para conceitos arcaicos como "projecto profissional" e "amor à camisola". E que vão daqui para ali só porque a nova agência fica mais perto de casa e assim podem acordar rnais tarde (como se um dia tivessem acordado cedo).

Resumindo e concluindo: já chega. Tenho mais o que fazer do que ficar a dar murro em ponta de faca. A partir da próxima semana, estarei aqui a falar sobre o que realmente me interessa neste momento: o universo digital. Vou passar a escrever sobre Internet, comércio electrónico, marketing online e coisas deste tipo. Só pontualmente falarei sobre publicidade. Espero assim poder voltar a ser um cronista feliz. Não quero passar mais um século a mexer na lama.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Se não tem nada agradável para dizer, cale se ou cante"

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O livro das invenções

Já toquei neste assunto algumas vezes. Mas acho que vale a pena continuar a falar sobre o tema: a história do marketing é a história das invenções.

Estudar como as coisas eram inventadas antes do aparecimento dos departamentos de desenvolvimento de produtos é aprender a verdadeira missão do marketing, que é a de encontrar coisas que sejam úteis, boas, desejadas pelas pessoas.

Há 100, 150, 200 anos, estas coisas eram criadas, descobertas, projectadas por gente comum, idealista e não por engenheiros e cientistas. E é isto que encontramos narrado no Livro das Invenções (Editora Cia. das Letras), do brasileiro Marcelo Duarte. O livro traz histórias curtas sobre coisas do dia a dia, mostrando de onde vieram e quem foram os seus inventores.

No Livro das Invenções podemos ler, por exemplo, a origem do leite em pó: "Ao pensar numa maneira de facilitar o transporte e o armazenamento de leite, o americano Gail Borden teve a ideia de desidratá lo. Quando a sua descoberta foi patenteada, em 1856, a invenção não despertou interesse, até que veio a guerra civil dos Estados Unidos, e Borden ficou rico." Lá também encontramos a história da máquina de lavar louça: "A americana Josephine Cochran levou dez anos para acabar com o seu sofrimento e o de tantas outras donas de casa. Ela inventou a máquina de lavar louça. Acontece que o marido da senhora Cochran não gostou nada da ideia e não lhe deu dinheiro para aperfeiçoar a sua invenção. Só depois que ele morreu é que Josephine conseguiu levantar o financiamento necessário para terminar o seu trabalho, em 1889. Ela construiu vários modelos, alguns para uso doméstico, outros para hotéis, sendo os maiores movidos por um motor a vapor. Os direitos foram adquiridos por uma fábrica de Chicago."

Outra história curiosa é a da toalha de papel: "Ela foi um erro de fabricação dos irmãos Scott, inventores do papel higiénico.

Uma remessa da usina de papel estava defeituosa e o rolo matriz veio muito pesado e enrugado. Inadequado para papéis de casa de banho, o produto estava para voltar ao moinho quando um membro da família Scott sugeriu perfurar o papel grosso em folhas do tamanho das actuais toalhas de papel. A tolha de papel descartável empacotada foi vendida inicialmente em 1907 para hotéis, restaurantes e estações de comboio. Havia certa resistência económica às toalhas de papel por parte das donas de casa: por que pagar por uma toalha que vai ser usada só uma vez, enquanto uma toalha de pano pode ser lavada e reutilizada muitas vezes? Como o preço das toalhas de papel foi caindo, as donas de casa começaram a gostar da ideia."

Há dezenas de outros casos como este. E o mais impressionante é que via de regra o que provocou o aparecimento da maioria das coisas que conhecemos hoje foi o acidente, o inesperado, o tiro que saiu pela culatra, o não planeado. Mas nem só de boas coisas vive o mundo. Também encontramos no Livro das Invenções o outro lado da moeda, ou seja, inventos malucos que fracassaram por não servirem para nada. Foi o caso da retrete para carro: "Em 1972, o americano Cliff Conway ficou preso num congestionamento e começou a imaginar uma maneira de aliviar a sua bexiga. Depois de 13 anos e 25 mil dólares, ele lançou o Car Toilet. A urina entra por um funil que, por meio de um tubo, vai até uma bolsa fechada a vácuo."

Outro invento de igual estirpe é a cueca à prova de bala: "Desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa de Aço de Moscovo calções de nylon recebem sete placas de aço, que pesam quase dez quilos. Elas protegem a parte de baixo do estômago e as coxas. Podem desviar a bala de uma pistola disparada a apenas cinco metros."

Ou seja, de inventor e de louco todos nós temos um pouco.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Numa sociedade em que as pessoas têm quase tudo o que querem sexualmente, é muito difícil motivá las a inventar frigoríficos."

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Leite de pedra

Um dia vi um anúncio que quase me fez rebolar no chão de tanto rir. Era de uma agência a autopromover se. A peça mostrava as reproduções de dezenas de anúncios feitos pela agência naquele ano. "O hilário" era o seu título. Por baixo das reproduções lia se: "Acredite, tudo isto um dia já foi um briefing"

Para quem não é técnico no assunto, um briefing pode ser muitas coisas e ter muitos formatos, mas, resumidamente, trata se da descrição do pedido de um cliente com o objectivo de desenvolver uma proposta de comunicação. Pode ser oral, escrito, acompanhado de variados documentos, pesquisas, levantamentos sobre a concorrência e etc., etc., etc. Na maior parte da vezes não é nada disto. O briefing resume se a uma ansiedade de comunicação imediata ("o cliente quer um anúncio"), sem que fique bem claro quais sâo os seus objectivos.

Há um estudo americano que afirma que cerca de 60 % da publicidade que vai para o ar não corresponde a necessidade nenhuma. Trata se apenas de ruído. São anúncios feitos apenas porque o departamento de marketing tinha de ficar ocupado, porque o presidente da empresa perdeu no golfe para o presidente da empresa concorrente e por isso quer chateá lo, ou porque alguém na agência é esperto e conseguiu convencer o anunciante a gastar mais algumas massas com uma campanha que não serve para nada Se isso é assim nos EUA, imagme aqui.

É por isso que boa parte dos briefings são confusos. O cliente, o account, o criativo, todos estão sempre a falar sobre o que tem de ser feito e quase nunca sobre o porquê. Há que fazer o anúncio porque o espaço já está comprado e não porque se descobriu uma coisa maravilhosa sobre o nosso produto ou empresa para ser comunicada ao consumidor. Há que fazer o anúncio porque há muito tempo não comunicamos, e não porque depois de um longo período de reflexão descobrimos como cativar a atenção do nosso público alvo. Enfim, há que trabalhar, há que produzir. Mas será que também não daria para pensar um pouco mais antes de agir?

É por isso que o anúncio que referi no início é tão divertido. Conseguir fazer algo interessante do ponto de vista criativo a partir de informações vagas e descrições de humores distintos ("Não faça verde, o cliente odeia verde!") é tirar leite de pedra. Não é um milagre, mas requer o seu esforço.

Ler um briefing muitas vezes é como garimpar num rio à procura de uma pepita de ouro. O problema é que muitas vezes não há nada no rio. E, por favor, a culpa disto não é do garimpeiro.

Ou como diria 0 meu Tio Olavo: "50 % do dinheiro investido em publicidade é bem empregue, os outros 50 % são um desperdício. O problema é descobrir o que correspondia cada um dos 50 %.

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Calimero e Polyana

Nélson Rodrigues, um dos meus autores preferidos, vivia sempre a afirmar que "toda a unanimidade é burra". Ou seja, os elogios colectivos devem ser sempre olhados com alguma desconfiança. Sabe que se a coisa for bem organizada, é fácil passar a ideia de que alguma coisa de realmente importante está a acontecer com o seu trabalho, com a sua carreira, com a sua empresa. Daí para o elogio colectivo é um passo. Desde que urn jornal diga que sim, que você é o maior (nem que seja você mesmo a dizer isto entre aspas), a malta vai achar que você é realmente muito bom, que está a viver um momento profissional sensacional e que a sua empresa nunca esteve tão bem (mesmo que você tenha dito isto há três meses, não se rale, ninguém se vai lembrar).

Daí que 90 % do que acontece na nossa actividade não passe de um balão cheio de ar quente. A verdade é bem diferente. Há poucas profissões com menos glamour que a publicidade. Como o meu pai tinha uma padaria, sei que fazer pão consegue ser uma actividade mais organizada e higiénica. Pelo menos os pães têm de ser feitos em turnos certos e o padeiro tem de estar lavado. Já com os publicitários não se passa a mesma coisa. Já fiquei 72 horas sem dormir numa produção. E sem trocar de roupa. Tudo para garantir que o trabalho ficasse pronto a tempo de o cliente dizer que, afinal, tinha adiado a campanha por seis meses.

A propósito de publicidade, já me meti nos piores buracos, nas piores horas, da pior maneira. Seja para entrevistar um consumidor, acompanhar uma filmagem, ver uma prova de cor numa gráfica dístante, visitar a fábrica do cliente e um sem número de outras actividades que pouco ou nada têm a ver com apostar milhões de dólares em casinos de Monte Carlo, ao lado de uma loura vagamente parecida com uma Bond girl. No fundo, pouco ou nada acontece no nosso dia a dia além de um anúncio ser aprovado ou não ou um cliente decidir dar nos com os pés ou não. O resto é poeira para os olhos. Somos operários de uma indústria cada vez mais pobre, cada vez mais mal remunerada, num mercado cada vez mais dominado por profissionais sem vocação real para a causa e que pensam que fazer anúncios é apenas uma maneira de financiar os seus sonhos de consumo. Basta ler um destes jomais que comentam o que se passa no nosso meio para perceber que os discursos se anulam uns aos outros, que todos estão invariavelmente no topo e que a família vai bem, obrigado.

Ou seja, ou muito bem que tudo está bem e eu não passo de um Calimero a dizer que o mundo vai acabar sem nenhum fundamento, ou a coisa realmente está a encaminhar se para uma grande crise e o mercado é uma espécie de Polyana a achar que a vida está maravilhosa e não há razão para tanta preocupação. Ou seja, que venha o Diabo e escolha a melhor opção.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "O pior cego não é aquele que não quer ver. E aquele que só quer ver o que nem um cego veria."

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O chupador

A palavra é feia. E a atitude ainda mais. Mas, infelizmente, existe e é praticada em todo o mundo. Estou a referir me ao vergonhoso acto de "chupar" (ou seja, copiar) anúncios. Há vários tipos de chupadores. O pior é o descarado, aquele que chupa tudo dos anúncios dos outros e depois faz pose de criativo. Engana o cliente que pensa estar a pagar por uma coisa nova, por um raciocínio próprio e, na verdade, o que está a receber é apenas a fotocópia de algo que foi pensado (e comprado) por outro cliente. O chupador descarado não tem problemas de consciência. O chupador é capaz de começar por roubar um título de um anúncio e acabar por roubar uma campanha inteira. Na maior parte das vezes não é apanhado. Pelo contrário, pode até mesmo ser aumentado pelo brilhantismo das suas soluções criativas. Que, apenas por acaso, não são suas.

A equação é simples: ter uma ideia original é uma coisa difícil, trabalhosa, angustiante. As ideias não são táxis que andam por aí à espera de serem apanhados. Você não sai à rua, estende o braço e uma ideia pára na sua frente. Não, não é assim. Por isso é que os criativos publicitários costumam ser tão bem remunerados. Mas, convenhamos, chupar é uma coisa bem mais fácil de se fazer. Todos os anos, passados uns meses, depois do festival de Cannes, acontece sempre um fenómeno estranho. Começam a aparecer uns anúncios em tudo iguais aos que lá foram apresentados. Acredito que muitos publicitários devem levar na mala de viagem uma dúzia de palhinhas. É uma pena que seia assim.

Outro fenómeno causado pelos chupadores é a desconfiança geral que acaba por se implantar no mercado. Coincidências acontecem. Criar significa misturar várias coisas e referêncas em busca de uma coisa nova. Não há como impedir dois criativos de terem as mesmas ideias (ou, pelo menos, muito parecidas), mais ou menos ao mesmo tempo, em dois lugares distintos do mundo. Um não chupou o outro. Nem um sequer tinha visto a ideia do outro. Apenas foram pelo mesmo caminho (se calhar até porque eram bons criativos e encontraram a melhor solução para o problema). Só que, devido à existência dos chupadores, ninguém quer acreditar na coincidência. E fica no ar a suspeita de que um deles não passa de um chupador. E esta suspeita serve de arma de arremesso contra a sua honra profissional. O mais interessante é que, aqui e em todo o mundo, os principais "delatores" de "chupanços" são os próprios chupadores. É. Talvez porque façam isto no seu dia a dia, acreditam que todos façam o mesmo. Sabe aquela história de que os inocentes pagam pelos pecadores? Pois é, é o que acontece neste caso para alegria de alguns e vergonha de todos.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Ele era um tipo que tinha ideias óptimas. Pena que não eram dele."

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Uma campanha de morte

Como diria o meu Tio Olavo: "A criatividade publicitária é a imaginação com paredes." Mas nem sempre é assim. Às vezes (poucas), felizmente. Às vezes (quase sempre), nem por isso.

A semana passada, estive uns dias no Rio de Janeiro. E lá vi um exemplo concreto de uma campanha que só um imbecil proporia a um cliente normal e só um cliente anormal aprovaria. O produto em si já era uma coisa polémica: a morte. Não a coisa propriamente dita, mas os varidados apetrechos que a acompanham, como caixões, jazigos e funerais. A empresa anunciante chama se SINAF e patrocina outdoors com o seguinte título: "Mais uma novidade quentinha da SINAF: fornos crematórios." Ou este outro, de igual calibre: "Fazemos precos especiais: porque de chato basta você ter que ir no propno funeral."

Como se diz no Brasil: é mole? Não, não é. E o pior é que esta campanha da SINAF é o sonho de muitos criativos publicitários. Quer ser engraçadinha, é agressiva, notória e surpreedente, mas, ao mesmo tempo, é o tipo de campanha que, proposta a qualquer director criativo com dois neurónios em funconamento, seria deitada ao lixo e utilizada como motivo de demissão por justa causa de quem a concebeu.

Está bem, está bem, o Rio de Janeiro fica longe daqui e você não tem nada que ver com o que é lá publicitado. Mas, amigo, quem disse que estas coisas só acontecem do lado de baixo do Equador? Pelo contrário, o mal que está por detrás da campanha da SINAF é o mesmo que caracteriza muitos anúncios portugueses. Chama se falta de consistência, falta de talento publicitário real e, by the way, falta de vergonha na cara.

O publicitário que quer ser divertido a falar da morte alheia é o mesmo que não se incomoda em fazer anúncios sobre Timor só para tentar facturar um prémio. É o mesmo que se recusa a sentir se na pele do consumidor (percebendo que há vários tipos de consumidores, da dona de casa ao jovem executivo) e que não tem graça nenhuma nos produtos que anuncia. E refugia se na graçola fácil, na fotografia de impacte, no título com referências sexuais e outros artifícios de eficácia duvidosa quando mal empregues.

Mais uma vez repito: estão a faltar publicitários no mercado. Ou seja, está a faltar gente que perceba que a sua missão é ser o canal de comunicação entre o anunciante e o consumidor. Que fazer anúncios não é o mesmo que exercer o seu diletantismo e a sua suprema capacidade de desenhar bonecos e escrever parvoíces. Acredito quem nem 20 % das pessoas envolvidas na criatividade publicitária (aqui e em boa parte do mundo) acreditam nas bases da sua função. Pelo contrário, acham que compreender as funções de um produto é uma grande chatice e ler um briefing uma perda de tempo. E por isso esquecem que criar em publicidade é ter toda a liberdade do mundo. Desde que saiam dos limites das paredes. Paredes estas que representam a sensibilidade e o bom senso.

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O homem do "walkman"

Ainda o século passado não havia acabado e o responsável pelo registo de patentes industriais dos EUA declarava que em pouco tempo ficaria desempregado, pois já havia sido inventado tudo.
Um homem que ajudou a contrariar tal previsão foi o senhor Akio Morita, um dos fundadores da Sony, recentemente falecido. Morita foi um dos gurus de milhares de jovens brasileiros (como eu) que estavam a estudar marketing e publicidade nos anos 80. A figura de Morita contrastava com o ideal yuppie americano daquela época. Tranquilo, reflexivo, como todos os bons orientais, Morita falava da sua Sony e dos seus inventos sempre como uma resposta às necessidades mais simples das pessoas. A ideia de criar o walkman, por exemplo, apareceu lhe durante uma das suas muitas viagens. "E se pudesse estar sempre a ouvir as minhas músicas favoritas, mesmo em movimento e sem incomodar as pessoas que estão ao meu lado?", pensou Morita. E daí surgiu o aparelhinho, um dos maiores objectos de culto dos últimos 20 anos. Foi assim também antes com o rádio de pilhas e depois com imensos outros produtos.
Mais uma vez, o que chamava a atenção em Morita era a sua calma e o seu absoluto foco no consumidor. Os produtos da Sony sempre tiveram de ser práticos, bonitos, úteis e de uma infinita qualidade. Daí o It's a Sony da publicidade. Morita não era um fanfarrão, nem um desses executivos frenéticos que comandam empresas cotadas na bolsa e que vivem a tentar vender sucessos ilusórios. Morita era um inventor. Talvcz um dos últimos inventeros genuínos da história. Mesmo um Steve Jobs e um Bill Gates parecem pequenos perto de Morita. Talvez porque vejamos nos dois a vontade infinita de ganhar dinheiro e o medo absoluto do falhanço. Morita, mesmo a falar de um absoluto insucesso como o sistema de vídeo Beta era capaz de demonstrar que a sua derrota era apenas um aprendizado para os futuros sucessos.
Agora que Morita se foi, fico com saudades do tempo em que ainda havia inventores e em que o marketing era mais do que apenas a actividade de entulhar com produtos a vida das pessoas.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Não sei se foi inventado tudo, mas posso afirmar que boa parte não passou de boato."

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Peço a palavra

Como consequência natural do desenvolvimento da sua carreira, um publicitário pode assumir vários cargos executivos numa agência. Pode ser director executivo, geral, vice ou presidente, tanto faz. Mas como nenhum destes epítetos diz grande coisa em relação à actividade publicitária (são termos comuns de qualquer empresa), há sempre uma pergunta que lhe é feita para que as coisas fiquem claras e as águas separadas: qual era a sua função de origem?
Ou seja, tão ou mais importante que o cargo que o tipo exerce é o que ele fazia no seu passado publicitário. Eu, por exemplo, fui e sempre serei um redactor. Dizer isto não é pouco. Se calhar também não é muito. Mas faz lá a sua diferença.
Do redactor exige se uma certa relação intelectual com o mundo. O fulano para escrever tem que ler muito. É suposto que ele pense verbalmente sobre as coisas e que encontre sempre as palavras perfeitas para definir as coisas e o mundo. Se fôssemos fazer um paralelo, o director de arte seria um pintor e o redactor um garimpeiro, com dura missão de encontrar entre os substantivos e os adjectivos possíveis aqueles que brilham como ouro.
Sempre tive orgulho de ser redactor. Talvez porque sou velho o suficiente para lembrar do tempo em que os anúncios diziam coisas e as pessoas tinham tempo e paciência para os ler.
Foi por isso que fiquei encantado quando encontrei uma velha crónica do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo (também ele um redactor publicitário de origem) a falar da divina arte de escrever reclames. A crónica (numa versão resumida) era assim: "O melhor texto de publicidade que eu já vi era assim: uma foto colorida de uma garrafa de uísque Chivas Regal e, em baixo, uma única frase: o Chivas Regal dos uísques."
O anúncio é americano. Em algum anuário de publicidade, desses que a gente folheia nas agências em busca de ideias originais na esperança de que o cliente não tenha o mesmo anuário, deve aparecer o nome do autor do texto. No dia em que eu descobrir quem é, mando um telegrama com uma única palavra. Um palavrão. Que tanto pode expressar surpresa quanto admiração, inveja, submissão ou raiva. No meu caso, significará tudo ao mesmo tempo. Palavrão PT segue carta explosiva PT abraços etc.(...).
Você precisa entender que quem escreve para a publicidade está sempre atrás da frase definitiva. Não importa se for sobre um uísque de luxo ou uma liquidação de retalho, importa é a frase. Ela precisa dizer tudo o que há para dizer sobre qualquer coisa, num decassílabo ou menos. Tão perfeita que nada pode segui la, salvo o silêncio e a recIusão. Você atingiu o seu próprio pico.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Se uma imagem vale mais do que mil palavras, tente dizer isto fazendo mímica."

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A raínha

Os brasileiros nunca superaram a ausência do império. Sério. O brasileiro é por natureza um monarquista. Diferente dos outros países latino americanos, ao romper com a colónia, o Brasil decidiu fiar se num rei. Que nada mais era do que o filho do rei anterior, e que, também por acaso, era português. Tudo bem. Ninguém, ou quase ninguém, estava muito disposto a reparar nos pormenores. O importante é que havia um rei.
Depois que ele voltou para a terrinha, para tratar dos negócios da familia, deixou lá connosco um filho, ainda pequeno é verdade, mas mesmo assim imperador. Passado um tempo proclamaram a república. Boa palavra: a república brasileira foi proclamada, ou seja, dita, comunicada, avisada. De certa maneira foi um república implantada por um memorando: "De: militares, para: povo brasileiro. Atenção: a partir de hoje, o país deixa de ter rei e passa a ter presidente." Mais uma vez, tudo bem. Pouca gente sabia o que era um presidente, mas aparentemente era um rei sem ceptro e coroa. À primeira vista, a ausência de tais acessórios de moda não era relevante. O homem lá que usasse o que bem entendesse. Desde que mandasse, a malta não se iria apoquentar. 0 chato é que o presidente nem sempre era o mesmo. De vez em quando mudava. E, esporadicamente na história da república brasileira, até o povo poderia escolher o presidente da vez. Ou seja, o povo é que mandava no país. Tudo muito pouco respeitável, portanto.
Mas a lembrança do império ficou no imaginário brasileiro. Na falta de reis, rainhas e princesas de verdade, lá foi o brasileiro inventando os seus monarcas afectivos. Com a vantagem de poderem ser sectoriais. Evitando, portanto, guerras fraticidas entre famílias de bem, coisa que a Europa nunca soube fazer.
No democrático império brasileiro há o "Rei Pelé", o "Rei Roberto Carlos", os mais tradicionais, a "Rainha dos Baixinhos" (a Xuxa) e um ou outro rei a tentar firmar se. Mas também há os reis por adopção. O Frank Sinatra era o "Rei da Voz", o Elvis era o "Rei do Rock" e a Amália a "Rainha do Fado".
Ah!, na verdade esta é uma crónica sobre a Amália.
Espero que os portugueses não me levem a mal por escrever sobre um símbolo nacional. Mas a verdade é que a Amália era um pouco mais do que isto. A Amália, na minha memória afectiva de brasileiro, era o Portugal inteiro.
Desde menino aprendi a conviver com a Amália através da televisão. Não posso afirmar que a sua presença era assim tão constante. Mas parecia. Nos anos 70 brasileiros, de vez em quando a Amália surgia no ecrã a cantar aquela música esquisita chamada fado. Como ninguém mais aparecia a fazer o mesmo, o fado também ele era um exclusivo da Amália.
Amália impunha respeito. Não era uma simples cantora. Era uma diva. Envolta nos seus xailes negros, olhava para a camara compungida, parecia estar sempre a um passo de uma lágrima, melhor ainda, a imprensão que deixava é que acabara de se descabelar nos bastidores, a chorar num desespero sem fim e estava ali no palco a tentar disfarçar a sua dor, quase num acto de misericórdia com os telespectadores, pois se quisesse poderia pôr nos a todos num estado de completa miséria.
Amália era uma diva, repito. E digo isto apenas por ter ouvido a expressão da boca da minha mãe. Sabla lá eu o que era uma diva. Suponho que nem mesmo a minha mãe soubesse. Nunca a vi repetir tal coisa em relação a mais ninguém. Mas que a palavra aplicava se perfeitamente a Amália, lá isso era verdade.
Naquela época, há um quarto de século, as pessoas importantes eram mais importantes. E Amália parecia ser muito importante. Além de diva era rainha. Ou seja, acumulava. E mal ouvia os primeiros versos do seu canto, a minha mãe chorava. Admita que não é uma imagem que uma criança esqueça.
É em nome desta reminiscência que escrevo sobre a Amália. Os mitos têm destas coisas. Cada um é na verdade mil. A Amália que eu conheço é a da minha infância. E ela é minha. A minha Amália. E esta ninguém ma tira. Peço desculpas a milhões de portugueses por tal egoísmo.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Há pessoas que não morrem. Apenas ficam encantadas."

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Alguém vai ver?

Uma das histórias publicitárias que não me canso de contar é a do cliente que recusou um plano de meios alegando achar um absurdo que o seu anúncio estivesse programado para passar em programas que só eram vistos por mulheres.

O cliente era director de marketing de uma fábrica de roupa interior feminina. E, autoritário, obrigou que o spot passasse nos intervalos do futebol. A campanha acabou por vender muito pouco. A agência acabou por ser demitida. E, Deus é justo, o director de marketing também. Os publicitários costumam esquecer se de que, na sua origem, não passam de delegados comerciais ou agenciadores de espaços dos media. A publicidade não vive no vazio. Precisa de espaço fisico nos meios de comunicação para viver e se expandir.

É curiosa portanto a importancia relativa que os profissionais de media têm dentro das agências. Ou melhor, fora das agências. Porque dentro todos sabem a diferença que faz ter um bom media a trabalhar para garantir a visibilidade correcta das campanhas. O problema é que não sendo uma actividade a princípio sexy, o profissional de media acaba muitas vezes não ser "vendido" para os dientes como uma peça chave na sua estratégia de comunicação.

É fácil saber o porquê. Fora a curiosa realidade de ser umas das raras actividades publicitárias onde existe uma quase maioria de mulheres a desempenhar funções, a área de media pauta se pelo comedimento técnico e pelo rigor com que deve apresentar o seu trabalho. Ou seja, ninguém quer comprar um plano de meios feito por um media extravagante e maluquinho. Justo o contrário do que esperam dos criativos.

Mas a verdade é que os planeadores de meios são fundamentais na actividade publicitária. Qualquer um pode desenhar um anúncio. Ele será pior ou melhor, mas isto não importa para este raciocínio. Mas só um bom media pode garantir que o tal anúncio será tendencialmente visto por determinado público se for veiculado neste ou naquele meio.

Está bem, está bem; no passado, os planeadores de meios viviam escudados por todo um conjunto de siglas e jargões técnicos (entre eles o mal afamado GRP), que realmente era muito dificil acompanhar os seus raciocínios. Mas isto está a tornar se diferente. Agora, com o aparecimento das novas tecnologias de infommação, torna se cada vez mais importante a preparação dos planeadores de meios para a batalha da comunicação digital.

Vamos passar do espaço limitado (o número de páginas de um jomal, a geografia redutora dos 8x3, os exíguos segundos da rádio e da TV) para o espaço infinito da Web. Não vai ser a mesma coisa.

A pergunta vai deixar de ser "quantos vão ver?", para "alguém vai ver?". E é aí que vai residir a diferença. Deus ajude os profissionais de media. Sem eles a publicidade até pode ir desta para melhor. Mas dificilmente irá alcançar o reino dos céus.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Ninguém está interessado em notar a sua existência. Só a sua mãe. E mesmo assim experimente dar lhe um presente mais barato que o seu irmão."

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Branco por Timor

Há uma grande diferença entre a publicidade e a propaganda. A publicidade vende coisas. Mas, desafiando as leis da física, sendo rectas paralelas, a publicidade e a propaganda tendem a se cruzarem com alguma frequência.
O drama de Timor acaba por ser exemplo desta teoria. Em meus oito anos em Portugal nunca vi uma verdadeira causa nacional, algo que fosse realmente unanime. Timor foi isto (ainda está a ser?) e muito mais.
E olha que Portugal não é dado a estas coisas. Costumo mesmo dizer que em Portugal ninguém é unanime, nem mesmo o Pai Natal. Mas Timor quebrou esta regra. Ainda bem, penso eu.
Timor foi muito comunicado. Por todos os lados. Conseguiu ser o centro das atenções de todos os pólos emissores de informação: dos media, passando pelos políticos e indo até à publicidade, ninguém ficou de fora.
Vale a pena analisar este fenómeno. Como não sou o provedor deste jornal, escuso me de debruçar sobre os tema dos media. Como não sou o Carlos Magno, deixo de fora também a política. Vamos falar um pouco sobre como actuou a publicidade em todo este processo.
Fez se um ruído publicitário muito grande sobre Timor. O que é bom à partida. Mas uma coisa que é característica da publicidade é a missão de ser eficaz. Ou seja, era suposto que as comunicações publicitárias sobre Timor tivessesm todas um objectivo claro, um fim lógico. Infelizmente, não foi bem isto que aconteceu.
Louvo a percentagem (grande) de anúncios que serviram para mobilizar a população portuguesa com relação ao tema. Principalmente as acções que estiverarm ao redor do dia de branco por Timor. Foram extremamente úteis e práticos todos os anúncios que de uma maneira clara incitavam à acção directa da população no envio de faxes e e mails para os organismos internacionais responsáveis em pôr fim à tragédia. Os anúncios que alavancaram as campanhas de donativos só podem ser apreciados de maneira positiva. Nesta área destaco como brilhantes as acções da revista Visão (ao doar todo 0 dinheiro das vendas de uma edição aos timorenses) e da TVI, ao of erecer um escudo a Timor por cada eleitor que votar no dia 10 de Outubro.
Mas como sempre no melhor pano cai a nódoa, considero inadimissíveis alguns anúncios que apareceram (e continuam a aparecer) que nada mais são do que exercícios criativos demagógicos, comunicações sem pés nem cabe,ca, que servem apenas como accões de relações públicas das agências e publicitários envolvidos. Gente, pelo amor de Deus, há pessoas a morrer. Timor não é uma caixa de sabão em pó. Vão brincar aos anúncios com outras coisas. Se está a faltar trabalho, se está a sobrar tempo na agência, vão oferecer os seus préstimos à Cruz Vermelha.
Mais uma vez bato no mesmo ponto: há que se ter alguma responsabilidade social, mesmo quando se é publicitário. A vaidade: de ter um anúncio giro publicado não pode suplantar a decência. Nem sempre os fins justificam os meios.
Ou como diria o meu Tio Olavo: "Timor Lorosae não pode esperar."

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Uma revoada de estúpidos

No dia 11 de Agosto, segundo o estilista Paco Rabane, vai acontecer mais do que um eclipse solar. Vai ser neste preciso dia que a estação espacial Mir irá cair sobre Paris, destruindo a cidade. Vamos lá, não ria. Até prova em contrário, o tipo pode acertar na previsão. A Mir realmente não anda lá muito bem das pernas e pode cair em qualquer lugar.

Como já sou velho nestas coisas, lembro me perfeitamente quando a trampa espacial começou a ser notícia. Foi há cerca de 20 anos, quando o satélite americano Skylab deu o berro e decidiu despenhar se sobre a Terra. Como na altura o mundo tinha outras veleidades e acreditava ser mais do que um cêsto de lixo (bons tempos aqueles!), toda a gente ficou boquiaberta e a temer levar com o bicho na cabeça.

Quer dizer, nem toda a gente. Na altura vivia no Brasil. E numa época em que o meu país não recebia visitas internacionais importantes, a hipótese de ter um satélite americano a desabar sobre nós até que era interessante. Durante meses, a queda do Skylab foi assunto diário dos telejomais. Com o tempo, foi nascendo uma torcida, a princípio tímida, depois empolgada, o Brasil merecia, ou melhor, tinha todo o direito de receber o Skylab. Ou o que sobrasse dele.

Já havia quem fizesse planos. Se o Skylab caísse no Rio de Janeiro, seria o ideal. Mal ele afundasse na calçada de Copacabana seria levado para uma cerimónia no Palácio do Governo, onde receberia a chave da cidade. Depois passearia no Pão de Açúcar e no Corcovado. À tarde, assistiria a um jogo no Maracanã, onde, apesar dos esforços dos seguranças em protegê lo, levaria um beijo do Beijoqueiro (então em plena actividade). À noite, sambaria alegremente num ensaio da Mangueira, onde conheceria a Roberta Close, por quem ficaria apaixonado. Passado um tempo, posaria nu para a Playboy. Com o dinheiro abriria um restaurante e pediria para se naturalizar.

Infelizmente, o Skylab caiu, se eu não me engano, num deserto qualquer da Austrália. Não feriu ninguém, o que foi, no mínimo, um gesto educado. Mas privou o Brasil de um momento de grande orgulho nacional. Em represália, os brasileiros rapidamente esqueceram no. E, na falta de lixo americano melhor, passaram a comprar os discos dos Bee Gees e do Michael Jackson.

Não sei o que os parisienses pensam a respeito das previsões de Rabane. Como não gostam lá muito de turistas, devem estar um bocado ralados com a hipótese da estação russa amalgar a Torre Eifel. Mas, cest la vie.

Definitivamente, os fins dos tempos já tiveram momentos de maior dignidade.

Há rnuitas maneiras de se esfolar um gato. Mas só uma delas dá prazer ao gato. De todas as definições pessimistas sobre o futuro que já vi no cinema, a que aparece em Matrix é, no mínimo, a mais fxe. Se nunca ouviu falar deste filme, pare já de ler esta crónica, pois não gosto de gente desinformada. Matrix é o grande flme do ano. Ou, pelo menos, o mais surpreendente.

Não vou contar a história. A não ser aquela parte já quase no final em que descobrimos que o Keanu Reeves é na verdade um mordomo andróide transfommista responsável por coisas terríveis como a destruição do mundo e o aumento de peso da Linda Evangelista. Mas se pensa que Matrix não passa de um filmeco de Verão, violento, cheio de efeitos especiais, com uma narrativa confusa e defensor de valores pouco nobres, está muito enganado. Matrix é na verdade um flmeco de Verão, violento, cheio de efeitos especiais, com uma narrativa confusa, defensor de valores pouco nobres e, ainda assim, genial.

Matrix apresenta nos um mundo fake, uma sociedade de aparências, onde a Verdade (com V grande) não é um objecto de procura, antes pelo contrário.

Matrix mostra o que somos: seres desconexos, perdidos, acomodados. Os revolucionários de Matrix estão à procura de respostas. O que é um crime num meio onde as perguntas foram proibidas. A verdade é que há muito deixámos de querer saber de onde viemos, o que somos e para onde vamos. Levantar tais questões hoje em dia não só é uma heresia como também uma boa maneira de não arranjar namoradas. Outro dia, tentei debater com uma miúda no Lux se, dentro de uma abordagem metafísica e holística, não era o homem apenas uma abstrac,cão tridimensional que viajava incólume num universo projeccional. Levei com uma vodca tónica na cara.

A grande qualidade de Matrix é justamente esta. Quem se quer apenas divertir com o filme, pode fazê lo à vontade. E quem quer motivo para debater o tudo e o nada, o passado e o futuro, Deus e a humanidade, também não se sentirá enganado. Matrix é um filme dois em um: profundo e descartável. O que incomoda, tendo em vista que é exactamente assm o mundo em que vivemos. Um mundo esquizofrénico, contraditório. Onde quem é genialmente estúpido é mais considerado do que quem é estupidamente genial.

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Se os estúpidos voassem jamais veríamos o Sol."