José de Matos Cruz
 

IMAGINÁRiO10
01 OUT 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

 

PRONTUÁRiO

 CATWOMAN
MULHER FELINA

 

Bizarra, introvertida, sensual, felina com as suas garras letais na ponta das unhas, e uma existência intensa, marginal Catwoman foi criada em 1940, por Bob Kane, perturbando Batman em equilíbrio instável entre o bem e o mal, quando um sinal luminoso rasga a noite criminal, projectando se nas nuvens para além dos arranha céus góticos de Gotham City. Psicanalistas dos quadradinhos consideraram na, já, a própria faceta feminina do Cavaleiro das Trevas, mais irreversível e vertiginosa. Vítima, ladra, sob a máscara da Mulher Gata oculta se a personalidade inibida, confusa e incompleta de Selina Kyle. Pelo menos, corresponde ao reflexo múltiplo, estilhaçado, com que o próprio Bruce Wayne/Homem Morcego tem sobrevivido, evoluído, em vivências e personalidades, além da abastança, da misogenia, da marginalidade ou da vingança ao longo de décadas, segundo a inspiração de argumentistas, o talento de ilustradores, os caprichos em quadradinhos, os contrastes sociais. No cinema, Lee Meriwether foi Selina/Catwoman ao lado de Adam West, em Batman, o Invencível (1966) de Leslie H. Martinson. Em 1992, Tim Burton realizou Batman Regressa, com Michael Keaton e Michelle Pfeiffer na Mulher Gata. Finalmente, eis Halle Berry como protagonista, em Catwoman (2004) de Pitof. Heroina em grande ecrã, de nome Patience Phillips, desafiando sempre, em todo o seu esplendor...

RELATÓRiO

O CENTENÁRIO
DE E. P. JACOBS

 

Atenção, admiradores de Blake e Mortimer: celebrando o centenário do nascimento de Edgar Pierre Jacobs (1904 87), estão previstas distintas manifestações, com destaque para uma grande exposição no Centro Belga de Banda Desenhada Le Siècle de Jacobs. Para Novembro, a Dargaud anuncia o tomo 16 de Blake e Mortimer: Les Sarcophages du 6e Continent por Yves Sente & André Juillard cuja acção decorre em 1958, entre Bombaim e a Exposição Universal de Bruxelas. Em Le Dernier Chapitre: Blake et Mortimer L’Aventure Immobile por Didier Convard & Juillard reencontramos os míticos heróis, já no crepúsculo das suas vidas.... As Aventuras de Blake e Mortimer principiaram em 1946, logo patenteando a arte de E.P. Jacobs. Em causa, a dualidade do Bem simbolizada na instituição militar (o Capitão Francis Blake, responsável pela contra espionagem britânica) e no poder da ciência (o Professor Philip Mortimer, um especialista em Física e Aeronáutica); contra a perversão do Mal concentrada num arqui inimigo (o sinistro e volúvel Coronel Olrik). Um presente de ameaças, cumplicidades e perigos virtualizado entre o passado e o fantástico, o futuro e a arqueologia de Londres ao Cairo, de Paris a Tóquio, da Pré História à Atlântida... Bob de Moor, Sente & Juillard, Jean Van Hamme & Ted Benoît asseguraram uma continuidade. Hábeis a lidar com os mistérios e desafios que se repercutem, entre o céu e a terra, Blake e Mortimer protagonizam, afinal, a sua intermitente coexistência, no universo contemporâneo da banda desenhada.     

 MEMÓRiA

01FEV1894 1973 John Ford: «Sinceramente, sou um velho irlandês sentimental».

1904 05MAR1984 Pedro Homem de Mello: «Deus queira que eu morra no leito /Onde a morte é natural».

1913 25MAI1954 Robert Capa: «Se a tua fotografia não está suficientemente boa, não estavas suficientemente perto».

02OUT1904 1991 Graham Greene: «Tudo o que imagino e escrevo vem das minhas entranhas».

OBSERVATÓRiO

À PROCURA DE NEMO Vencedor do Óscar ao Melhor Filme de Animação, À Procura de Nemo (2003) de Andrew Stanton & Lee Unkrich consolida a aliança entre a Disney e a Pixar pela qual se exploram todas as virtualidades da sofisticação em CGI, e respectivas vanguardas estéticas: uma fusão visionária entre a pesquisa tridimensional, e os efeitos qualitativos de textura, detalhe, luz e cor. Atributos em que a Pixar fora pioneira, explorando nesta obra prima as maravilhas e os perigos do mundo subaquático, pela fantástica jornada de um heróico peixe palhaço, que nunca desiste para resgatar o jovem filho capturado por mergulhadores, assim forjando as amizades mais insólitas e vivendo as peripécias mais irresistíveis. Para além da moral em causa, sobressai o espectáculo emocionante, divertido ao conciliar o delírio de execução com o sortilégio das criaturas, numa irresistível coreografia aventuresca. Sob chancela Lusomundo, a Edição de Coleccionador inclui dois discos em DVD, com imagens exclusivas, cenas eliminadas, aspectos de produção e, em privilégio especial do público mais jovem, outros materiais lúdicos, segundo a tradição da Disney.

MINI GUIA DO FUTEBOL É espectáculo? É desporto? Já não é o Euro 2004, mas O Mini Guia do Futebol privilegia um fenómeno que, podendo atrair milhares de fanáticos ao estádio, deixa milhões em casa a sofrer diante da televisão. Afinal, foi penalti? Bolas, o árbitro é um gatuno mesmo assim, a minha equipa está a ganhar... Tais emoções e experiências ressaltam neste álbum em quadradinhos «exclusivamente reservado a adeptos (e não adeptos)» com assinatura de Madaule & Gaston, sob chancela das Edições Asa. Não será impressionante como um jogo ao vivo, mas é rectangular como um campo relvado e, além do verde, que também é esperança, aparecem cores como o azul do sonho e o vermelho da raiva. A sério, não se trata de insinuações ao Sporting, ao Porto ou ao Benfica! A brincar, tantas peripécias que têm envolvido tais equipas, e outras mais que enchem as parangonas dos jornais, ou são o motivo de conversa, ressaltam aqui ilustradas, entre as façanhas individuais e a caricatura colectiva. Se a melhor defesa é o ataque, e pior apito é o engolido, nada há tão bonito como um golo mesmo em banda desenhada, e sem culpas para o guarda redes...

VISTORiA

 

Eu dizia, eu repetia, mas, de tanto ver as crianças que tinham fome e que choravam, e as mulheres com as faces encovadas e os olhos plenos de ódio e de sofrimento, o meu coração, pouco a pouco, despedaçava se. Eu seguia com emoção essa mudança, inesperada, em mim mesmo. No começo, era a vergonha que batia em meu coração, depois a compaixão; eu começava a sentir o sofrimento dos outros como se fosse o meu próprio sofrimento. Depois, veio a indignação, depois a sede de justiça. E, além de tudo, a responsabilidade; eu sou culpado, dizia para mim, de toda a fome que há no mundo, de toda a injustiça, eu carrego essa responsabilidade. Nikos Kazantzákis (1883 1957) – Rapport au Greco

BREVIÁRiO

Museu Nacional do Teatro lança O Teatro em Lisboa no Tempo de Almeida Garrett de Ana Isabel P. Teixeira de Vasconcelos, em Páginas de Teatro.

Costa do Castelo lança, em DVD, Pedro Só (1961) de Alfredo Tropa, com António Montez e Ermelinda Duarte; e O Lugar do Morto (1984) de António Pedro Vasconcelos, com Pedro Oliveira e Ana Zanatti.

Europa América lança À Conversa Com os Senhores dos Anéis, de João Antunes; em entrevistas, o fenómeno cinematográfico sobre o original literário de J.R.R. Tolkien.

Perspectiva se uma Academia do Cinema Português, aberta a todos os profissionais da longa metragem, designadamente nas áreas de realização, produção, fotografia, ou guionistas e actores, sendo responsável pela estruturação Paulo Trancoso, Presidente da Associação de Produtores Cinematográficos.

ICAM anuncia O Milagre Segundo Salomé de Mário Barroso, como candidato português à nomeação ao Oscar para o Melhor Filme de Língua Estrangeira, instituído pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Yellow Now (Bélgica) lança Pour João César Monteiro, com coordenação de Fabrice Revault d’Allonnes.

Em inquérito organizado pelo jornal The Guardian, um conjunto de sábios internacionais elege Blade Runner Perigo Iminente (1982 92)  de Ridley Scott, o melhor filme de ficção científica da história do cinema, por «adiantar se muito ao seu tempo e pela premissa da sua história, retomando ainda questões eternas como o que é o ser humano, quem somos e de onde viemos».

Círculo de Leitores lança António José de Almeida e a República de Luís Reis Torgal, para o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX, da Universidade de Coimbra.

Assírio & Alvim lança Contos de Álvaro do Carvalhal, inaugurando a colecção fantástica Beltenebros.

Por acordo entre a Câmara Municipal de Lisboa e os Artistas Unidos, o antigo Espaço A Capital, no Bairro Alto, será convertido em Centro de Artes.


IMAGINÁRiO9
20 SET 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

 AS 7 VIDAS DO GAVIÃO
DESTINOS MARCADOS

 

Uma significativa redefinição de estratégias, entre novas produções e obras clássicas, permite apresentar enfim, no mercado português, títulos fundamentais da banda desenhada europeia, colmatando uma perspectiva artística, quanto ao privilégio comercial. Assim, ressalta As 7 Vidas do Gavião em lançamento das Edições Asa uma emocionante saga histórica que teve revelação na revista Circus, em 1982, consagrando se dez anos depois, sob chancela Glénat. Ao engenhoso argumento por Patrick Cothias, de amplo folgo épico, corresponde o grafismo elegante, mas incisivo de André Juillard, virtualizando talentos inspirados para carreiras de sucesso e expressão plena. Tudo principia em França, ao tempo de Henrique IV, com A Morte Branca assinalando dois nascimentos, distantes quão distintos, marcados pelo abismo humano e social: o do futuro rei Luís XIII e o de Arianne de Troil, até um desígnio heróico. Sobre a miséria e a crueldade, o esplendor e a violência paira, entretanto, um gavião misterioso e justiceiro...

 RELATÓRiO

ALLEN GINSBERG
E O HOSPÍCIO AMERICANO

 Um dos maiores poetas norte americanos, visionário patriarca da beat generation, Allen Ginsberg (Newark, 1926 Nova Iorque, 1997) tem, desde 2003, uma parte significativa do seu testemunho em versão portuguesa, pelas Edições Quasi: Uivo Seguido de Kadish com tradução, prefácio e bibliografia de Paula Ramalho Almeida. Reuniram se assim, em lançamento bilingue, as duas obras liminares e magistrais de Ginsberg, publicadas por City Light Books de São Francisco, respectivamente em 1956 e 1961. Howl foi dedicado ao escritor maldito Carl Solomon, que Ginsberg conhecera em 1949, no Instituto Psiquiátrico de Columbia em cuja Universidade se graduou, nesse mesmo ano. Kaddish é um memorial para sua mãe, Naomi, uma alienada judia comunista, que idolatrava Josif Stalin. Em 1963, coube a Jorge Daun revelar América de Ginsberg, entre nós, em Geração Batida da Colecção Antológica Best Sellers. Dez anos depois, Publicações Dom Quixote apresentava Uivo (e Outros Poemas), com selecção e tradução de José Palla e Carmo. Aí surgia o início de Uivo: «Vi os melhores espíritos da minha geração destruídos pela loucura, ardendo à fome histéricos nus», sobre a original evocação de Ginsberg: «I saw the best minds of my generation destroyed by madness, starving hysterical naked»; o qual se desvenda na alternativa mais recente: «Vi os mais inteligentes da minha geração destruídos pela loucura, esfomeados histéricos nus». Em 1970, José de Matos Cruz dedicou o prosoema Cafre, sob chancela Mar Alto, a Allen Ginsberg; na correspondência que então trocaram, confidenciou lhe o profético autor de Reality Sandwiches (1963): «I suppose there is some kind of mutation of consciousness taking place, confronting mechanical authoritarian consciousness, which makes us all see gods at once».

 CALENDÁRiO

  18AGO2004 Em Diário do Governo, é publicada a Lei Nº 42/2004 Lei de Arte Cinematográfica e do Audiovisual.

09SET2004 – No UCI El Corte Inglês, Millenium Alvaláxia e Amoreiras, Costa do Castelo estreia Sem Ela… (2003) de Anna de Palma.

16SET2004 – No King, Millenium Alvaláxia e Monumental, Atalanta Filmes estreia André Valente (2004) de Catarina Ruivo; em complemento, A Olhar Para Cima (2003), de João Figueiras.

24SET2004 – No Auditório da Fissul, em Silves, estreiam em debate Olhar Por Dentro e No Fio dos Limites de Christine Reeh, para Asterik Produções.

 INVENTÁRiO

OUTRAS FÁBULAS,
LENDAS NO EXÍLIO

 

Era uma vez... E se as personagens que nos povoaram a imaginação e moldaram os valores, em fascinante relação entre as histórias intermináveis e a idade da infância, tivessem uma existência alternativa, escapando se para a realidade actual, com uma personalidade mutante, também elas vulneráveis, e afectadas pelos riscos e vícios dos volúveis humanos? Afinal, tudo é possível numa saga em quadradinhos, concebida por Bill Willingham e ilustrada por Lan Medina. Eis Fábulas Lendas no Exílio, sob chancela Devir, galardoadas em 2003 com os prestigiosos Prémios Eisner à Melhor Série Nova e à Melhor Série Compilada. Tudo acontece após a Terra dos Sonhos ser invadida por implacáveis criaturas, forçando os seus fantásticos habitantes a refugiarem se na grande metrópole, Nova Iorque, onde se preservam juntos no Edifício Bosque, um condomínio fechado da Zona Oeste. Depois, permanecendo embora iguais a eles próprios, adquiriram outras características de sobrevivência ou adequação. A Bela, o Monstro, Pinóquio, os Três Porquinhos, o Príncipe Encantado, os Sete Anões... Não mais felizes para sempre! Assim, quando a Rosa Vermelha, irmã da Branca de Neve é misteriosamente assassinada, o Lobo Mau, entretanto detective, inicia uma extraordinária investigação criminal! Ironia, irreverência, perversidade, transfiguram esta narrativa recorrente, prodigiosa, qual magia juvenil estilizada pela leitura adulta.

TRAJECTÓRiA

RAUL DE CALDEVILLA,
CINEMA & PUBLICIDADE

 

Actor teatral nos primórdios do Século XX, o nome de Raul de Caldevilla (Porto, 1877 1957), como inspirado publicitário, destacou se no cinema português em 1917. Uma espectacular operação promocional a nova marca de bolachas, tendo Caldevilla contratado dois acrobatas espanhóis para escalarem a Torre dos Clérigos, o que fizeram sem recurso a qualquer apoio. Já no cimo, os ginastas tomaram uma chávena de chá e comeram as petit beurre Invicta, lançando ao mesmo tempo panfletos sobre a multidão reunida para o efeito cerca de 150.000 pessoas. Da proeza, a Caldevilla Film retiraria Um Chá nas Núvens.

Em 1919, Raul de Caldevilla prestigiou se ao organizar o lançamento comercial de A Rosa do Adro, dirigido por Georges Pallu para a Invicta Film, anunciado sob o lema «Romance Português Filme Português Cenas Portuguesas Actores Portugueses». Três anos depois, com mais altas ambições, a Caldevilla Film contratou o francês Maurice Mariaud que trabalhava para a Gaumont com a incumbência de dirigir Os Faroleiros (1922), um «drama documentário», de que foi também argumentista e intérprete.

 O vislumbre de Raul de Caldevilla está patente no respectivo folheto de divulgação: «O cinematógrafo moderno tem se distanciado muito, nos temas escolhidos e nos fracassos, da técnica de há vinte anos. Já hoje dificilmente se suportam e vão sendo postos de parte no estrangeiro esses longos filmes em séries de enredo complicado e por vezes falhos de verosimilhança. O público de hoje, talvez por motivo da vida intensa que leva e lhe proporciona certos lazeres, escolhe de preferência películas de não muito longa metragem». A rodagem teve lugar na Caparica e farol do Bugio.

Logo após Os Faroleiros, Mariaud filmou As Pupilas do Senhor Reitor para a Caldevilla Film. O romance de Júlio Diniz foi adaptado pelo director literário da empresa, Campos Monteiro. A filmagem de interiores concretizou se na abegoaria da Quinta das Conchas, em Lisboa, não chegando à edificação o ambicionado estúdio, cujos planos tinham acompanhado Raul de Caldevilla desde o Porto. De facto, sobrevieram litígios com os responsáveis capitalistas da empresa, pelo que em 1923 pediu a demissão de administrador gerente da Caldevilla Film.

Declinava, assim, um sonho que tivera repercussões insuspeitáveis, a ponto de ser apresentado em 1921, à Câmara dos Deputados, um projecto de lei que isentava a empresa de impostos, durante dez anos como contrapartida a impressionar, apenas, «assuntos genuinamente portugueses, baseados na história ou na literatura nacionais». Pelo Verão de 1925, a Caldevilla Film desmantelava se simbolicamente, com um leilão público de todo o material.


IMAGINÁRiO8
10 SET 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

 PRONTUÁRiO

 OLIVIER VARÈSE,
REPÓRTER DO MUNDO

 

 O que faz um bravo jornalista de ponta, bem pela manhã, no Palácio das Nações em Genebra? Ora, está com o ar mais sonolento deste Mundo, mas tropeçando na curiosidade sobre o que, dentro de dias, irá passar se em Moscovo... Sob chancela das Edições Asa, assim começaram Os Dossiers de Olivier Varèse, por Marelle, ao descobrir A Pomba da Praça Vermelha. Cumprido o seu lema profissional, com todos os riscos pessoais, logo o herói em causa é envolvido noutro caso trepidante quando desperta em Pequim, num domingo de Junho em 1989, ao som de metralhadoras, junto à Praça de Tien An Men. Entre tanta confusão, eis que lhe surge uma mulher fatal, e de negro vestida, com quem será Bem Vindo a Kokonino World... Além de todos os simbolismos, políticos e sentimentais, pela imaginação de Thierry Smolderen & Enrico Marini, ao precário Olivier Varèse apenas é permitido um deslize: ceder às belas sedutoras que se cruzam no seu caminho, agora com destino ao Japão! Pelo apelo dos maiores perigos e desafios, ao estilo da bd europeia, eis o regresso da aventura romântica, excitante e divertida.

 RELATÓRiO

 THUNDERBIRDS,
RESGATE DO FUTURO

 Há cerca de quarenta anos, o mundo viveu um curto, mas mítico período de salvaguarda. Se alguém estava em perigo, se havia uma catástrofe natural, se avassalava qualquer crise política, se alguma ameaça vinha do espaço, logo a International Rescue entrava em acção, restituindo a tranquilidade e a esperança. Pelo menos, para os admiradores da série televisiva Thunderbirds concebida pelo mago da aventura fantástica Gerry Anderson, e produzida em Inglaterra por 1965 66. A organização secreta em causa foi criada pelo milionário e ex astronauta Jeff Tracy, intervindo a partir de uma base remota em ilha do Pacífico Sul, sua propriedade. Tudo decorre por 2065, sendo as missões dirigidas por Tracy e protagonizadas pelos cinco filhos, a bordo dos fantásticos veículos Thunderbird, cada um com específicas características operacionais. Ainda em realce, a requintada Lady Penelope e o genial cientista Brains. Quanto às hostes da perfídia e da maldade, sobressai o
sinistro Hood!  Além de um sortilégio futurista, o primordial fascínio desta saga consistia em ter como intérpretes... marionetas, estilizando uma insólita sagração, por tão bizarros heróis, em imaginários sofisticados ou luxuriantes. Os elementos convencionais acção, emoção, humor, suspense, empolgamento contrastam se com um elã fantasista, prodigioso, resgatando a nostalgia de um olhar juvenil. Agora, em lançamento Prisvídeo, Thunderbirds está integralmente disponível em DVD, além de uma revisão em 2004 pelo cinema em cenários realistas, com um elenco humano: Bill Baxton, Anthony Edwards, Sophia Myles e um inquietante Ben Kingsley, sob direcção de Jonathan Frakes. Previamente, Thunderbirds teve duas versões fílmicas nos moldes clássicos, vários romances e uma popular versão em quadradinhos, por autores ou artistas prestigiados como Alan Fennell, ou Frank Bellamy e Graham Bleathman.

 CALENDÁRiO

09SET2004 No Teatro Taborda, Artistas Unidos estreia Se o Mundo Não Fosse Assim de José Maria Vieira Mendes, sobre motivos de Damon Runyon; com Américo Silva, André Borges e Vítor Correia.

 MEMÓRiA

15FEV1884 1933 Rino Lupo: «Para quem tem projectos em mente, o conhecimento das últimas inovações é imprescindível».

CONTRADITÓRiO

DONALD DUCK
E AS PATACUADAS

 Neste terceiro mês, o IMAGINÁRiO evolui em seu projecto de restabelecer memórias, assinalar eventos e perspectivar futuros, numa mais ampla expectativa de convocar sensibilidades, de reunir amigos pelas manifestações artísticas e culturais. Comunicando. Para lograr um tal elã, tendo em vista a justeza e a coerência, todas as críticas serão consideradas, todas as sugestões serão bem vindas, todas as incoerências serão assinaladas. Como tudo na vida, real ou virtual, há sempre aspectos que é preciso elucidar, reajustar. Com a devida oportunidade e o apropriado enquadramento. Há alturas em que não se percebe o que escrevemos, e outras em que não percebemos o que se escreve. De parte a parte. Por exemplo em número 7, a propósito dos setenta anos de Donald Duck, animado em grande ecrã.

Confirme se, portanto. Ainda em 1934, aparecia como herói de papel. Corrija se, então. Em 1937, já era titular em banda desenhada. Ressalve se, pois. Embora antes revelado entre nós, através do Brasil, foi em Julho de 1950 que O Pato Donald surgiu numa revista em português com o seu nome. Esclareça se, enfim. Pai natural não é o autor, mas aquele que atribui carácter ao filho ilegítimo. Aliás, em 1995, quando Helmut Sorge lhe perguntou «Sente se frustrado por a maioria das pessoas pensar que o Pato Donald foi criação de Walt Disney?», respondeu Carl Barks: «Nunca me senti prejudicado. Mas sempre me convenci de que os especialistas sabiam que, ao lado de Walt Disney, havia outros artistas, entre eles Carl Barks».

REPOSITÓRiO

WATCHMEN,
HERÓIS EM QUEDA

 As corporações de super heróis com referências clássicas e prestigiosas, na tradição da banda desenhada norte americana lograram excepcionais, subversivas incidências em Watchmen (1986), obra prima revolucionária por Alan Moore & Dave Gibbons. Publicada nos EUA em série dos DC Comics, e divulgada em Portugal pela Abril Jovem, numa colectânea especial, Watchmen veio a enfrentar outras repercussões, não menos trepidantes, com um desafio de transposição fílmica. Liderado pelo realizador Terry Gilliam, cujo interesse esmoreceria, o projecto interessou a Warner, sendo afinal desenvolvido por Joel Silver, para a 20th Century Fox. Segundo Silver um fanático dos quadradinhos «com o abundante material de Watchmen far se iam três filmes», havendo pois que sintetizar, embora com garantia de uma versão realista. Moore e Steven DeSousa, habitual colaborador de Silver, desistiram da adaptação, que seria avançada por Gilliam e Sam Ham, que trabalhou em Batman (1989) de Tim Burton. «Parece me difícil, um filme sério e profundo, com toda essa gente por aí fantasiada», justificou DeSousa. Embora concordando, pois «a própria noção de os super heróis existirem é absurda», Moore acentuou que nessa mesma questão «porque fazem eles tal?» reside o simbolismo de Watchmen: «poderia ser um desvio sexual, um desejo romântico ou, talvez, um tipo de doença mental».
Eis os intérpretes idealizados por Moore, para os seus anti heróis: Arnold Schwarzenegger/Dr. Manhattan, Robert De Niro/Nite Owl, Michael York/Ozymandias, Jessica Lange/Silk Spectre. Outros realizadores estiveram em perspectiva, para o desafio de cinematização: John McTiernan, Alex Cox, Walter Hill, Nicolas Roeg. Finalmente, a rodagem de Watchmen está anunciada ainda para 2004, em Praga, com realização de Darren Aronofsky, a partir de um guião escrito por David Hayter…

Em quadradinhos, o principal fascínio desta saga reside na complexa estrutura narrativa, com acções paralelas, uma bizarra planificação gráfica, múltiplas leituras sugeridas, a descodificar só pelos iniciados: com incidências quanto à aberração, à paranóia, à decadência ou à transmissão entre os paladinos disfarçados; com transferências de personalidade, megalomania, ligação a antigos mitos e ícones, vacilação entre as premissas do bem e do mal. Seres comuns que sublimaram os seus desígnios na perversão humana ou no crepúsculo da civilização, consciência trágica ante o caos e a degradação social, produto depravado de uma ideologia fascista ou totalitária, transcendendo se nos prodígios divinos duma fusão cósmica, eis os super heróis de Watchmen: correspondem aos desvios e paradoxos, distorções e paroxismos do Sistema americano, enquanto fenómeno ritual da História através do Século XX, entre a violência, a perversidade, a sordidez e a alienação. Afinal, obcecados em conflitos de identidade ou na sobrevivência dum estatuto inútil após serem oficialmente banidos, proibidos por legislação que, de novo, impôs uma autoridade institucional… Até assumirem um resgate frívolo, volúvel, sob o mais grotesco e sangrento apocalipse. Considerado um símbolo definitivo de quadradinhos para adultos, cuja infância/adolescência se formou no culto dos invencíveis paladinos, Watchmen consagrou se como a mais profunda e fecunda reflexão sobre tal epopeia, colectiva e prodigiosa.


IMAGINÁRiO7
01SET2004 Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

APOCALYPSE MANIA, A HUMANIDADE EM PERIGO

O ano do contacto, 2009. Quatro raios de luz irromperam na terra. Quatro resplendores, com extraordinárias propriedades. Ameaça ou mensagem? Esperança ou crepúsculo? Um homem, apenas, tudo compreenderá: Jacob Kandahar... Sob chancela Dargaud, assim principia a saga Apocalypse Mania por Laurent Frédéric Bollée & Philippe Aymond uma alucinante viagem através do tempo e do espaço... com passagem por Lisboa! Considerada «uma das melhores séries de ficção científica dos últimos dez anos» por Canal Bd, tomando livre inspiração de 2001 Odisseia no Espaço (1967) por Stanley Kubrick, um primeiro ciclo culmina ao fim de quatro anos. Confrontado com a verdade, e quase cego, Kandahar enfrentará uma derradeira aparição, prestes a soçobrar o equilíbrio mundial. Vítimas, ou cúmplices, a seu lado terá o físico John O’Brien, e Hannah Osternik, uma surpreendente jornalista... Correspondendo às virtualidades que sagraram a tradição e asseguram uma vanguarda, a banda desenhada europeia sagra um olhar estilizado, visionário e extravagante, sobre a sociedade e a humanidade neste novo milénio, suspenso entre o futuro e o fantástico.

 RELATÓRiO

 MANTEIGAS, CORAÇÃO DA ESTRELA

Um cruzamento privilegiado entre modos actuais de informação, meios consagrados de divulgação artística, e métodos didácticos de expressão convergem em História de Manteigas No Coração da Estrela. Um novo álbum de João Amaral, lançado com o patrocínio da Região de Turismo da Serra da Estrela, por Âncora Editora que, assim, concretiza outras propostas de revitalização, em incidências culturais, sociológicas, e em primordiais implicações comunitárias. A História de Manteigas em banda desenhada principia quando uma jovem criativa, em reconhecimento de locais para uma campanha publicitária, é vítima de acidente com o seu automóvel, para evitar um atropelamento. Tendo por cenário a majestosa paisagem gelada, o ancião em causa desvenda lhe, então, a história daquelas terras desde a Era Quaternária até aos nossos dias seus habitantes e conquistadores, lendas e heróis,  riquezas ancestrais e potencialidades económicas... Eis uma incidência múltipla, aliciante, pela tão peculiar concepção de João Amaral o autor de A Voz dos Deuses (1994) atribuindo à figuração narrativa uma componente plástica, onírica, da função pedagógica à fonte de entretenimento.

 MEMÓRiA

03SET1907 No Theatro do Príncipe Real, estreia O Rapto de Uma Actriz de Lino Ferreira; primeiro filme português de ficção, sketch integrado na revista Ó da Guarda!, sendo protagonistas Lucinda do Carmo e Nascimento Fernandes.

02SET1912 No Salão Trindade, estreia Jogos Olímpicos de Estocolmo (1912); na Maratona, participou e morreu, em 14 de Julho, o atleta português Francisco Lázaro.

CALENDÁRiO

1907 08AGO2004 Fay Wray: «King Kong foi o meu namorado mais impressionante».

1922 08AGO2004 Leon Golub: «Quando olho lá para fora, eis o que eu vejo. O meu conteúdo é o tempo real».

1911 14AGO2004 Czeslaw Milosz: «Aqueles que morrem, solitários, / Já esquecidos pelo mundo, / Estranham a nossa língua».

 INVENTÁRiO

 DÉOGRATIAS, O MUNDO NAS TREVAS

Uma tremenda viagem ao horror de uma existência colectiva, um testemunho perturbador sobre a essência humana, Déogratias assinala a revelação entre nós sob chancela das Edições Asa de Jean Philippe Stassen, argumentista e ilustrador belga, distinguido com o Prémio René Goscinny, no Festival de Angoulême em 2001. Centrado no genocídio que avassalou o Ruanda em 1994, o protagonista simboliza o vector trágico e emocional de um conflito mais vasto, ao limite de uma perdida consciência nacional, em que vítimas e carrascos se confundem, dilacerando a própria identidade ao nível da subgente, de quem se arrasta como um cão maldito pela noite dos monstros cúmplices. Assim Déogratias, um pobre diabo hutu, em fractura com o tempo e o real, sobrevive além da loucura que, como uma maldição fortuita, traça a orgia da morte ante o holocausto da civilização. Devastado pelo drama singular de amor e traição, entre memórias e demolições, sobre as mulheres tutsis que desejou e sacrificou, em expiação insaciável com urwagwa, a cerveja tradicional... Eis uma banda desenhada para adultos, estilizando o documento histórico pela eficácia primordial dos elementos plásticos e narrativos.

 DIAS SOMBRIOS, TEMPO DOS VAMPIROS

Num mundo que hoje existe, as trevas cercam realidade e, entre as margens da perversão, libertam se os infernos. Contaminando os ideais, vitimando a humanidade. A sociedade é uma massa informe para adversários volúveis, ávidos e monstruosos num turbilhão insurreccional, ao soçobrarem a segurança e a existência, a lei e a ordem. Eis um futuro crepuscular, durante Dias Sombrios em Los Angeles, estigmatizado pelo novel Ben Templesmith superando num arrepiante imaginário, com chancela Devir, 30 Dias de Noite no Alasca, sob desígnios macabros, funestos, a repercutir em filme produzido por Sam Raimi. Quando paira o pleno prenúncio das sombras, seres mutantes, predadores, os vampiros preparam se para uma orgia de sangue e devastação. Implicando Stella Olemaun, uma mulher ferida e feroz guerreira insolidária, até à exaustão... Tal brota do engenho pérfido, genial, de Steve Niles que, colaborador Clive Barker, mereceu este comentário ao mestre do horror: «Curto, grosso e implacável. Mas, no fundo, bastante simples e fluido. Com uma narrativa que começa com passo acelerado, sem nunca esmorecer».

 PATO DONALD, SETENTA ANOS

Com um pai natural Carl Barks (1901 2000) e um criador público Walt Disney (1901 66) Donald Duck nasceu no grande ecrã, em The Wise Little Hen (1934), cedendo lhe voz Clarence Nash. E como herói de papel na mesma altura, com a adaptação em quadradinhos do filme curto animado; em 1935, era já titular de uma revista. Em português, apareceu através do Brasil, em 1950 quando a editora Abril lançou O Pato Donald, nessa altura com as autênticas aventuras sob chancela Disney; as proezas apócrifas outros artistas talvez mais inventivos, mas bem menos originais vieram depois. A rebaptizada Margarida, sua noiva eterna, surgira na América em 1937; quanto ao resto da família, os sobrinhos Huguinho, Luisinho e Zezinho iniciaram diabruras no ano seguinte. Testemunham as memórias de Carl Barks: «A princípio, pretendi apenas divertir. Mas, à medida que as personagens ganharam vida própria, cada uma passou a ter uma filosofia especial». Pelo Outono, o Pato Donald voltará a dar nas vistas Twice Upon a Time (2004), em animação digital.

 PARLATÓRiO

 Um dos problemas mais interessantes que se colocam na arte em quadradinhos, é a relação entre os autores, quando a criatividade é partilhada por um argumentista e por um ilustrador. Aquele interroga se, inevitavelmente: que resolução gráfica irá ter esta ideia? Qual será o aspecto das personagens? O segundo também terá questões a pôr: como imaginaria ele esta acção? Onde pretenderia pôr estes diálogos? É por isso que interessa que se conheçam bem, discutam projectos ou opções, mas sobretudo que possuam estilos conciliáveis e, ainda melhor, pretendam testemunhos com idêntica eficácia e direcção. Em circunstâncias extremas, nem assim seria possível uma conversão. Sem especiais escrúpulos ou obsessões, creio que é o que sucede, em última análise, com Maus, e explica bastante o fenómeno do seu sucesso, das análises e interpretações que suscitou. Art Spiegelman Maus


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20 AGO 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

O PRESENTE, PASSADO DO FUTURO

 

 No âmbito da banda desenhada de expressão francesa, Aquablue (1998) sob chancela das Edições Asa é uma saga gerada pela fantasia heróica, configurando um adolescente providencial, cuja inspiração referencia os conflitos universais entre ganância e resgate. Um tal elã guerreiro, libertário, brotou dos argumentistas Thierry Cailleteau & Olivier Vatine, também ilustrador, cuja camaradagem se firmou quando estudantes liceais em Rouen. Uma primeira aventura, Nao contém referências/homenagens notórias como a saga mítica de Robinson Crusoé (Daniel Defoe), ou o grafismo estilizado pela sagração exótica (Frank Frazetta). Após o naufrágio duma nave galáctica, colhida por asteróide, um jovem sobrevivente chega a um planeta habitado, cujos pescadores o tomam por mensageiro dos deuses... Patriarca da animação, Vatine visa uma nova «gramática visual» para a arquitectura do imaginário, condensando as virtualidades estéticas e utópicas em que se transcendem passado e futuro. O resultado é deslumbrante, prodigioso...

RELATÓRiO

BETTIE PAGE VOLTA A SEDUZIR

 

A famosa pin up e ícone sexual dos anos ’50, Bettie Page mitificada em quadradinhos, sob chancela Dark Horse transfigura se num filme de Mary Harron, realizadora de American Psycho, voltando a ser autora do argumento com Guinivere Turner. The Ballad of Bettie Page tem como protagonista Gretchen Mol, após várias tentativas de adaptação ao cinema, nos últimos oito anos. Em 1997, Richard Foster publicou The Real Battie Page, em que desvenda o seu julgamento por tentativa de assassinato, e o decénio passado  numa instituição psiquiátrica. Em meados do Século XX, Bettie foi alvo de investigação do Senado sobre pornografia, centrada nas provocantes fotografias tiradas por John Willie. Em 1997, E! Television apresentou em True Hollywood Stories uma retrospectiva, The Life of Bettie Page, na qual responde em entrevista: «Para mim, é tudo muito estranho. Considero me, apenas, uma modelo que tentou seduzir em muitas poses», animando as capas de centenas de revistas. Tendo conquistado milhares de fãs, através de gerações, a lenda de Bettie derivaria de ser a melhor simpática ou desinibida, exótica ou inocente, tímida ou sensual. A certa altura, o seu misterioso desaparecimento consagrou a como síntese idealizada de uma indústria emblemática, com todo o tipo de produtos alusivos. Era a graciosa girl next door, que excitava a imaginação dos admiradores com um sorriso maroto, o corpo escultural, os olhos azuis, o cabelo escuro, a tez leitosa. Nascida em Nashville, Tenesseee, em 1923, Bettie percorreu o país com a família, em busca de estabilidade económica. Com dez anos, foi internada num orfanato. Em adolescente, imitava as suas favoritas stars de Hollywood, costurando as próprias roupas e bikinis. Enquanto estudante, chegou a dirigir o Dramatics Club, e foi eleita a Most Likely to Succeed. Com uma forte personalidade, ciosa dos talentos físicos, inconformada e empreendedora, Bettie Page logrou enfim culminar a sensação e o fenómeno de uma transfiguração erótica.

BREVIÁRiO

Círculo de Abuso lança Sobre BD, de David Soares.

Gradiva lança Os Sobrinhos do Capitão Só Se Perdem as Que Caem no Chão de Joe Musial.

Número – Arte e Cultura lança Portugal: Um Retrato Cinematográfico, com coordenação de Nuno Figueiredo e Dinis Guarda, textos de Eduardo Lourenço, Paulo Filipe Monteiro, Jorge Leitão Ramos, José de Matos Cruz, Diana Andringa, José Manuel Costa, João Mário Grilo, António Loja Neves, Aníbal Tavares, Regina Guimarães & Saguenail.

INVENTÁRiO

WITCHBLADE, ARTEFACTO MÁGICO

 

Ao investigar as nefandas proezas de um tubarão do crime, Sara Pezzini há oito anos na polícia, e detective do Departamento de Homicídios encontrou uma luva mística, a Witchblade, que lhe concedeu poder sobre humano e protecção especial. Desde então, e embora não seja grande fã do sistema punitivo, ela tem usado o artefacto sobrenatural para combater o mal e fazer justiça, na perigosa selva urbana de Nova Iorque. E encontra seres mutantes, horrendos, em sua monstruosa caça justiceira... As Origens de Witchblade com argumento de David Whol & Christina Z, para ilustração de Michael Turner são reveladas entre nós, já em Volume 2, sob chancela da Devir, consagrando um fenómeno sensual e aberrante, entre as heroinas actuais. Um cronista oficial do universo Top Cow, o tortuoso Paul Jenkins precipitou Witchblade, que os oponentes vêem como uma guerreira de armadura medieval,  num pacto de sangue e horror sob grafismo de Clarence Lansang contra Aliens e Predator. Tudo quando a Big Apple, urbe/berço de Sara, está a ser visitada por bizarros alienígenas, que ali querem depositar a sua ninhada... Inebriante, Witchblade envolveu se também com Lara Croft de Tomb Raider, e aliou se à Justice League America. Entretanto, o cineasta Oliver Stone desvinculou se da transposição às imagens reais de Witchblade (2000), para o canal por cabo TNT. Ted Turner fazia depender o projecto de uma série, do sucesso que teria o telefilme introdutório, sendo Sara Pezzini protagonizada pela esbelta Yancy Buttler. Ralph Hemecker incumbiu se da realização, ritualizando o extraordinário poder de Witchblade que Sara tem de controlar, ou ficará vulnerável contra as forças maléficas e satânicas.

 CELORICO DA BEIRA, A TERRA E A GENTE

Memórias singulares de Portugal, amplas evocações de uma vivência regional. Pulsações do tempo, virtualidades actuais. Eis uma proposta privilegiada por Âncora Editora que, revitalizando a nossa banda desenhada, testemunha ainda a distinta criatividade dos autores nacionais. Tal aliciante perspectiva a História de Celorico da Beira Terra de Granito e Férrea Vontade por José Pires, numa viagem que principia pelo remoto neolítico, com a fundação de um castro ampliado, posteriormente, pelos povos lusitanos e, depois, pelos invasores romanos, cerca de 140 antes de Cristo. Heroísmo e resistência, progresso e consagração, determinam um trepidante envolvimento panorâmico nos campos de batalha, em intrigas na corte, em conflitos de poder, em revoltas populares que teve protagonistas como D. Moninho Dola, Gonçalo Mendes, ou Nuno Álvares Pereira. Até à homenagem aos filhos locais, sendo o mais ilustre Arthur de Sacadura Cabral que, em 1922, ao lado de Gago Coutinho, cumpriu com êxito a I Travessia Aérea do Atlântico Sul. Além do elogio ao Queijo da Serra, sobressai ainda, em anexo, uma Breve História de Linhares da Beira Onde o Céu e a Terra Se Confundem. A narrativa e o grafismo de José Pires fundem se numa dinâmica minuciosa e monumental.

CHARLES CHAPLIN, ALIÁS, CHARLOT

 

A partir de 19 de Agosto, o Alvaláxia apresenta grandes filmes clássicos de Charles Chaplin (Londres, 1889 Corsier, 1977): A Opinião Pública (1923), A Quimera do Ouro (1925), O Grande Ditador (1940), O Barba Azul (1947), além de Tempos Modernos (1936) em versão restaurada, digital, apresentada na Selecção Oficial do Festival de Cannes, em 2003. De um modo coerente e homogéneo, pelo fulgor épico cómico, o drama e o burlesco, eis uma extraordinária galeria em que o cinema, arte e ritual, se transfigura entre as emoções e os sentimentos, o bem e o mal, a perversão e o resgate, a miséria e a sublimação, sobressaindo em toda a sua amplitude risível, trágica e fatalista o isolamento do ser humano (que Charlot simboliza) confrontado com os vícios dos outros homens, a alienação individual, os abismos sociais, os caprichos do destino, os desafios do futuro, os desígnios da natureza, as maravilhas e os horrores da civilização.

 MEMÓRiA

11MAI1904 1989 Salvador Dali: «Às vezes cuspo por prazer no retrato de minha mãe».

12JUL1904 1973 Pablo Neruda: «Dai me para a minha vida / todas as vidas, / dai me toda a dor / de toda a gente, / vou transformá la / em esperança».

02AGO1929 1987 José Afonso: «Num lugar ermo / Só no meu abrigo / Aí terei meu tecto / E meu postigo».

13AGO1927 No Trindade e no High Life (Porto), estreia Hipnotismo ao Domicílio (1927) de Reinaldo Ferreira, para Reporter X; com Alves da Costa e Fernanda Alves da Costa.


IMAGINÁRiO5
10 AGO 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

 O APELO DOS TEMPOS

Primeiro asiático galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1913, aos cinquenta e dois anos Rabindranath Tagore (Calcutá, 1861 Santiniketan, 1941) tem a Poesia (1882 1913) editada em Portugal por Assírio & Alvim, sendo responsável pela selecção e tradução José Agostinho Baptista. Neto de um príncipe indiano, filho de um prestigiado brâmane, Tagore que foi ainda novelista e dramaturgo, músico e filósofo logrou uma intervenção primordial no renascimento da literatura bengali, eivando a sua obra que também costumava escrever em inglês pela estrutura moral, o compromisso solidário e a transcendência mística. «Ouvi o teu apelo aí / Onde o homem está humilhado, / Onde a luz morre no coração dos aflitos, / E o prisioneiro chora na sua prisão; / Onde os alicerces de pedra vacilam, / Onde o fogo fátuo sacode a terra / E quebradas estão as cadeias dos Tempos», sagra se em O Apelo.

 RELATÓRiO

A MAGIA DE HARRY POTTER

 

Harry Potter está de regresso ao grande ecrã, em plenas férias de Verão. Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban assinala, também, a primeira prestação do realizador Alfonso Cuarón, transpondo o fantástico romanesco de Joanne Kathleen Rowling, depois de dois sucessos fílmicos sob direcção de Chris Columbus, que tiveram estreia por finais de Novembro: Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) e Harry Potter e a Câmara dos Segredos (2002). Azbakan é a prisão para encantados e outros bizarros que cometeram crimes graves. Entretanto, o jovem protagonista Daniel Radcliffe vai crescendo, tal como tem evoluído a fabulosa trama de Rowling principiada em Edimburgo, Escócia, e divulgada a partir de 1997, após cinco anos de escrita e dois mais à procura de editor. J.K. Rowling tinha então trinta e dois anos, e de A Pedra Filosofal venderam se mais de cem milhões de exemplares. A saga cinematográfica corresponde ao original planeamento literário, pelo qual foram também publicados O Cálice de Fogo e A Ordem da Fénix num total previsto de sete volumes, mais uma enciclopédia sobre a Escola Mágica de Hogwarts. Tudo começa quando Harry, pelos dez onze anos, vive em casa dos terríveis tios Dursley, amargurado com a morte dos progenitores, supostamente num acidente de viação. Até que a caixa do correio é inundada por misteriosas cartas, que lhe são sonegadas pelos parentes. Porém, o extraordinário futuro de Harry, herdeiro de bruxos notáveis, está decidido com a visita do gigante Hagrid, e uma vivência empolgada como estudante em Hogwarts, para aprendizes de feitiçaria a partir do sexto ano. Ali se chega de comboio, na plataforma 9,5 da estação ferroviária de King’s Cross, em Londres. Seguindo se uma viagem iniciática, periclitante e prodigiosa, sagrando o heroísmo e o ocultismo, numa visão moderna, revitalizada, sobre o eterno conflito entre o bem e o mal, a fantasia e a aventura... Rowling foi casada com o jornalista Jorge Arantes, e viveu no Porto em 1991 93, onde concebeu o imaginário épico de Harry Potter sagrando um culto ancestral, esotérico, e que se transfigura em actualidade virtual, para adolescentes e adultos.

 CALENDÁRiO

1925 23JUL2004 Carlos Paredes: «Tenho de Deus uma ideia instintiva e é de acordo com ela que me movo».

24JUL2004 No 25º Festival de Valência Cinema do Mediterrâneo/Espanha, A Passagem da Noite (2003) de Luís Filipe Rocha é galardoado com a Palmeira de Prata, os Prémios aos Melhor Realizador, Melhor Argumentista (Luís Filipe Rocha) e Melhor Actriz (Leonor Seixas).

29JUL2004 No Quarteto e UCI El Corte Inglés, LNK estreia Part Time (2003) de Jorge Queiroga; baseado na peça El Cerdo de Oro de Mario Fratti.

1908 02AGO2004 Henri Cartier Bresson: «Fotografar é pôr a cabeça, o olho e o coração no mesmo eixo».

1926 04AGO2004 François Craenhals: «Não tenho uma mensagem para transmitir. Apenas muito respeito e ternura pela Humanidade que sofre».

06AGO2004 No festival Fantasia em Montreal/Canadá, I’ll See You In My Dreams (2003) de Miguel Angel Vivas é galardoado com a Medalha de Ouro.

 INVENTÁRiO

LUCKY LUKE, ESTILO CLÁSSICO

 

Os heróis não têm idade: aí estão eles, valentes e viris, enfrentando todos os desafios e perigos, como nos fascinaram em miúdos. Mas eis que, por um fenómeno mágico, também nós estamos outra vez adolescentes, seguindo os na aventura intemporal. Basta apreciar os álbuns clássicos de Lucky Luke graças às Edições Asa com assinatura primordial de Morris, sagrando a imaginação histriónica de René Goscinny. Assim, e ainda de cigarro ao canto da boca, ei lo às voltas com O Imperador Smith (1976), que se considera um Napoleão do Império Americano... As proezas do cowboy que dispara mais rápido do que sua própria sombra, sempre com Jolly Jumper, começaram em 1948, por autoria de Maurice de Bevère aliás Morris (falecido em 2001) que, sete anos depois, se aliava a Goscinny como argumentista, o qual agregaria os famigerados Irmãos Dalton, além do inefável cão Ran Tan Plan. Em 1989, Morris recordaria que «em jovem, achava o Oeste um tema de interesse internacional e, assim, podia vender se bem. Além disso, enquanto género, prestava se à irrisão, tem muitas figuras lendárias, propícias à caricatura. Tal opinião era partilhada por Goscinny (falecido em 1977), que conheci na América, onde vivi seis anos. A veracidade histórica não me interessa!».

O ORIENTE DE WENCESLAU

 

No Espaço Memória dos Exílios, edifício dos CTT no Estoril, está patente, até 30 de Setembro, a exposição Armando Martins Janeira nos 150 Anos de Wenceslau de Moraes, promovida pelo Instituto Camões, em associação com a Câmara Municipal de Cascais. Martins Janeira fez carreira diplomática no Extremo Oriente, tal como Moraes de quem foi biógrafo, e sobre quem o cineasta Paulo Rocha ficcionou A Ilha dos Amores (1982) ou documentou A Ilha de Moraes (1984). Assim ilustra a época, a obra, os amores, a vida e o crepúsculo do grande escritor português nascido em Lisboa, em 1854; e falecido no sul do Japão, Tokushima, em 1929. Nos finais do Século XIX, Moraes oficial da Marinha de Guerra (Moçambique 1885), desencantado com a situação (agonia da monarquia, ultimato inglês) parte para Macau, não mais regressando. De Macau (1895), onde conhece Camilo Pessanha, segue para o Japão. Existência fantomática (1916 29), Kobe e Tokushima. Obras da maturidade (A Ilha dos Amores, O Yoné e Ko Harú, O Bon Odori em Tokushima). Até à morte, em circunstâncias pouco claras. «Deixo com saudade este torrão abençoado por Deus, cheio de paisagens adoráveis, cheio de flores, cheio de sorrisos; terra feita para a alma se recolher em doces pensamentos e para o espírito cansado da vida poder ainda purificar se e levar à Providência um agradecimento» (Japão, 1889).

 REGRESSO DO INCRÍVEL HULK

Um dos mais bizarros super heróis, Hulk foi criado em 1962 por Stan Lee, na Marvel, com ilustração de Jack Kirby. O Incrível Hulk surgiu quando o cientista atómico Bruce Banner, tentando salvar um rapaz, Rick Jones, cujo carro estava estacionado numa área de testes sobre a Bomba G, no Novo México, foi intensamente exposto a raios gama, por culpa do pérfido rival Igor Starsky. Assim, sempre que se exalta, Banner transforma se em possante monstro, de pele esverdeada (originalmente, era cinzenta), odeia o mundo e todos o temem. Enquanto Bruce Banner, Hulk que só recorre à violência para se defender ama Betty, filha do General Thunderbolt Ross, que se converteu em seu principal antagonista. Com um desdobramento físico e de personalidade; apenas confiando em Rick Jones; rival do Major Talbot; aterrorizando amigos e perseguido por adversários, Hulk integrou The Avengers com Thor, Aunt Man e Iron Man; aliou se precariamente a The Thing; esteve com os Defenders; mas sempre volta à saga solitária, pelo seu carácter neurasténico e individualista. Para salvar a vida à prima Jennifer Walters, uma transfusão sanguínea de Banner deu origem à She Hulk. Após eventos subsequentes, Hulk voltou à cor cinza. Então, derivaria The New Incredible Hulk, em que Banner já casado com Betty Ross, recuperada duma errática obsessão sentimental variou entre Hulk verde ou cinza... Tudo culminaria em grande ecrã com Hulk (2003) de Ang Lee, sendo duplo protagonista Eric Bana. Entretanto, sagra se O Regresso do Monstro entre nós, sob chancela Devir por Bruce Jones (argumento), Lee Weeks, Tom Palmer & John Romita Jr (ilustração). Afinal, sublimando o paroxismo entre as luzes e as trevas.

PARABÉNS, ALBERT UDERZO!

Em 1961, a Dargaud apresentou, com tiragem de 6.000 exemplares, na colecção do jornal Pilote, Astérix le Gaulois, sendo autores René Goscinny (argumento) & Albert Uderzo (ilustração). Em 2001, Les Éditions Albert René lançaram o 31º álbum deste irresistível épico em quadradinhos do qual se venderam 300 milhões de exemplares, em 107 línguas e dialectos, tendo preenchido até então 11.855 vinhetas e 18.283 balões. Ou seja, mais de duas vezes a volta da Terra, para gáudio e culto de sucessivas gerações. Estando Astérix o Gaulês, entre nós, sob chancela das Edições Asa, Albert Uderzo foi distinguido, em Junho de 2004, no XI Festival Internacional do Salão de Banda Desenhada de Erlangen, Alemanha, com o Prémio Max und Moritz, pela totalidade da sua obra... Parabéns, por Toutatis!


IMAGINÁRiO4
01 AGO 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

 A ARTE ESSENCIAL
DO IRRELEVANTE

O ano de 1997 consagrou José Carlos Fernandes, como um dos mais aliciantes entre os nossos jovens autores. Então lançadas As Aventuras do Barão Wrangel, sobre o mito do herói periclitante, para tal contribuiu o Festival de Banda Desenhada da Amadora, cuja linha gráfica foi delineada a partir do seu engenho artístico revelado em 1990, tornando se versátil e fecundo como poucos. Em 2000, o Ministério da Cultura atribuiu lhe uma bolsa de criação literária, para concretizar O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante. Segundo volume de A Pior Banda do Mundo, iniciada com O Quiosque da Utopia em edição pela Devir e que, após As Ruínas de Babel, culmina com A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto. Já em Novembro, A Pior Banda do Mundo fará parte duma colecção de selos a lançar pelos CTT, com Quim e Manecas de Stuart, Simão de E.T. Coelho, Tomahawk Tom de Vítor Péon, Espião Acácio de Fernando Relvas, Jim del Monaco de Luís Louro, Pitanga de Arlindo Fagundes e Guarda Abília de Júlio Pinto & Nuno Saraiva. Nunca as cartas, a receber, serão ridículas!

 RELATÓRiO

HITCHCOCK
ENTRE IMAGENS

 

Em A Janela Indiscreta (1954), «estamos perante o dilema de escolher a dimensão das imagens, em função das pretensões dramáticas e das emoções; não se trata, apenas, de mostrar um cenário» comentava o mestre do suspense, Alfred Hitchcock, a propósito de uma obra prima sobre a qual se comemoram, agora, cinquenta anos. Outro elemento sugestivo que corrobora a famosa obsessão de Hitchcock, estruturada entre a planificação e a montagem ressalta no pormenor gráfico e dinâmico dos seus story boards. Aliás, que as artes podem coincidir, está patente numa transposição em quadradinhos de Psico (1960), concretizada em 1991, pela criatividade de M. Thompson & A. Echevarria. E o próprio realizador celebrou o seu perfil, em traços mínimos mas caricaturais... Poucos cineastas terão deixado uma marca tão intensa e peculiar, no fascínio de todos os públicos, como Alfred Hitchcock. Com uma obra vasta e multifacetada, cada um dos seus filmes é, no entanto, distinto e coerente a uma criatividade em que qualquer pormenor é essencial o enredo, a narrativa, as personagens, os intérpretes. Ao convergirem, a realidade e a fantasia perpetuam, sobretudo, uma ritualização apócrifa do perigo como ameaça fantasmagórica. Alicerçada na concepção, construída pelo artifício, a arte de Hitchcock reside em tal imaginário, persiste num estilo, através de vários géneros e de perturbantes implicações. O talento não bastaria para enquadrar uma carreira que, sem resistir a Hollywood, aí permaneceu incólume em sentido e sugestão, virtualizando se sob o signo do especáculo. Ironia, intriga, sortilégio, aventura, terror, morbidez, sobrenatural todos os modelos e atributos foram tocados por Hitchcock cuja peculiar figura deliciou os cartoonistas, como Levine ou Gerard Young.

 BREVIÁRiO

FNAC prossegue a edição em vídeo de 4 Curtas Portuguesas, com FBF Filmes, projecto apoiado pelo Ministério da Cultura através do ICAM/Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia; títulos do actual lançamento: Almirante Reis (2002) de Fernando Vendrell, Quando o Sol Toca na Lua (2002) de Pedro Palma, O Nome e o N.I.M. (2003) de Inês Oliveira e Uma Comédia Infeliz (2004) de Artur Serra Araújo.

Publicações Dom Quixote lança a Dádiva Divina do escritor, ensaísta e argumentista de banda desenhada Rui Zink.

 MEMÓRiA

 28JUL1862 No Porto, nasce Aurélio da Paz dos Reis; floricultor, comerciante, fotógrafo amador; pioneiro das imagens animadas, com o Kinetographo Portuguez (1896).

INVENTÁRiO

UM HOMEM
PARA A HISTÓRIA

 A vertente histórica, de reflexão ou testemunho, continua a ser, em quadradinhos, uma das alternativas mais aliciantes e populares. Tendo se especializado numa revisão de circunstâncias do passado, recente ou remoto, através do perfil dos seus eventuais protagonistas, ou das ocorrências mais relevantes, José Ruy concretiza outra proposta de revitalização, em incidências culturais, políticas: eis Aristides de Sousa Mendes Herói do Holocausto um lançamento da Âncora Editora sobre o representante diplomático de Portugal em Bordéus que em 1940, contra as ordens de Oliveira Salazar, salvou cerca de trinta mil fugidos do regime nazi, feito já documentado em O Cônsul Injustiçado (1992), filme de Teresa Olga. Ilustrando, solidário, o pensamento artístico, o depoimento intelectual, os desafios singulares e os ideais colectivos, como artista talentoso, versátil, em afecto também pelo homem afável, generoso, José Ruy é sobretudo um autor português que, através das histórias em quadradinhos, delineou o carácter com que nos posicionamos, na realidade.

O DECÁLOGO,
PARTE VII

 Segundo os dicionários, Decálogo é a designação atribuída aos Dez Mandamentos, transmitidos por Deus a Moisés, no Mundo Sinai. A partir da Bíblia, este termo assume normalmente o valor de nome próprio, pois existiria apenas um Decálogo... Pelo menos, oficialmente. Através das Éditions Glénat, o notável escritor Frank Giroud propõe nos a sua versão alternativa com O Decálogo (2001), uma série em quadradinhos que, pretendendo revolucionar os fundamentos da nossa civilização, sagra em paralelo uma saga histórica, mística e policial. Num importante lançamento sob a chancela das Edições Asa, foi apresentado Os Conjurados (Paul Guillon), após O Manuscrito (Joseph Béhé), A Fatwa (Giulio De Vita), O Meteoro (Jean François Charles), O Juramento (Tomaz Lavric TBC), A Vingança (Bruno Rocco) e A Troca (Alain Mounier).
Tudo principia em Nova Iorque, cerca de 1902, envolvendo Alice Fleury, uma jovem entre a opulência e a felicidade... Cada tomo apresenta um envolvimento autónomo, e o seu conjunto constitui um fenómeno coerente e aglutinador. Daí que Giroud tenha convidado artistas diversos para a respectiva execução. Por parte destes, tal implicou uma distinta abordagem, que se reflectiu em outras tantas perspectivas e propostas criativas.

 MICHEL VAILLANT
O REGRESSO

 Haverá uma ausência de divulgação regular sobre a banda desenhada, excepto em tempos de adaptação ao cinema? Eis um fenómeno pertinente, quanto às motivações em causa. De facto, o interesse ou difusão que, a propósito, se verifica, (de)limita se sobretudo pela implicação do espectáculo sobre o respectivo universo aventuresco. Tais questões voltam a colocar se com Michel Vaillant (2003) um filme de Louis Pascal Couvelaire, com lançamento em DVD/VHS por Lusomundo, sobre o famoso piloto de automóveis concebido, em quadradinhos, por Jean Graton em 1957. Nascido em Nantes, 1923, e ele próprio filho de um ás do volante, este o autor esteve várias vezes em Portugal, ao longo dos anos, onde localizou mesmo O Homem de Lisboa (1985). Segundo Graton, «Vaillant não é violento. A sua psicologia evoluiu. Mas alguns problemas comuns que se verificam, desde logo, entre as personagens secundárias, acabam por afectá lo».

 AVENTURAS
DO MARSUPILAMI

 

No culto privilegiado da escola franco belga, Spirou e Fantásio formam uma das duplas mais populares sagrando um clássico cuja modernidade se mantém. Para tal, André Franquin converteu se numa referência essencial mas é preciso recuar até às origens, com o criador Rob Vel. Por esse distante 1938, aparecia Le Journal de Spirou que se prestigiou como símbolo da imprensa juvenil em banda desenhada… Já em 1952, Spirou e Fantásio descobriram, na floresta virgem Palumbiana, o extraordinário Marsupilami um animal dócil mas irreverente, amável mas ousado, capaz de fascinar os que o conhecem, para logo deixar todos de cabeça perdida! Ao celebrar meio século, este bizarro herói que se tornaria titular de saga própria, vendendo centenas de milhares de exemplares voltou para seduzir as novas gerações, e conquistar os velhos admiradores. Sob chancela das Edições Asa, A Cauda do Marsupilami reinveste assim as emoções primordiais, entre ousadias, brincadeiras e outras peripécias irresistíveis a projectar num filme de Alain Chabat, com personagens humanas e animadas.


IMAGINÁRiO3
20 JUL 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

 PRONTUÁRiO

 FOTOGRAMAS
QUADRADINHOS

 

Menino prodígio de Hollywood, Johnny Depp despontou em grande ecrã por meados dos anos ’80. Paralelamente a uma carreira musical, o fenómeno cinematográfico só resultaria a partir de 1990, sob a direcção de Tim Burton ou Emir Kusturica. Em 1997, o próprio Depp assumiu a realização, tendo declarado: «Sou um produto do pesadelo em que se tornou o sonho americano». Entretanto, protagonizou Jack Sparrow em Piratas das Caraíbas A Maldição do Pérola Negra (2003) de Gore Verbinsky, com lançamento em DVD/VHS por Lusomundo, requintando um desempenho atípico, que consolidaria a sua imagem de marca, carismática. Através dos mares, com heróis e fantasmas, entre trevas e ressurreição, o Capitão Sparrow resgata a filha do governador, tentando recuperar um navio que lhe foi espoliado... Para 2006, Verbinski projecta outras proezas em fotogramas, com Depp ainda mais bizarro. Já neste 2004, Jack’s Back! em quadradinhos, sob chancela Disney, na revista Adventures. O imaginário não tem fronteiras...

RELATÓRiO

REGRESSO
DO HOMEM ARANHA

 

Dois anos após o mais lucrativo filme de sempre na América, Sam Raimi volta a dirigir Tobey Maguire em Spider Man 2, reactivando as emoções fortes no original fascínio dos fanáticos... Uma das vertentes fundamentais do Homem Aranha, em quadradinhos, é proposta pela Devir, na revista titular, onde podemos desfrutar as maiores aventuras do trepa paredes, (re)imaginadas pelos melhores autores. Concebido pelo genial Stan Lee, no universo dos Marvel Comics, Spider Man apareceu em 1962, na Amazing Fantasy, logo se emancipando em 1963. Tudo aconteceu quando uma aranha radioactiva picou o estudante Peter Parker, durante uma experiência nas General Techtronics, assim adquirindo ele poderes excepcionais como agilidade, ascensão, extra sensorialidade e força proporcional à do animal. No universo estilizado dos paladinos urbanos, e graças a Steve Ditko ou Todd McFarlane, Spidey alcançaria um especial destaque: sofrendo a hostilidade dos concidadãos, acusado pelos inimigos, sob perseguição da polícia, eis o (anti)justiceiro por excelência impelido pelo assassínio do tio Ben; vivendo com uma doente e possessiva tia May; ou atormentado com a falta de dinheiro. Fotógrafo do The Daily Bugle, Peter suporta as prepotências do editor J. Jonah Jameson. Assistente universitário, e após várias paixões, acabaria por casar em 1987, com a ex modelo e técnica de informática Mary Jane. A estabilidade, em Nova Iorque, é perturbada por ciúmes, desaires profissionais ou questões económicas. Este elã intimista, estigmatizado pelo desígnio aventuresco, converteria Spider Man em símbolo das incertezas e angústias que forjaram um arquétipo fenomenal. Hollywood não ficaria indiferente. Em 1977, E.W. Swackhammer realizou O Homem Aranha (1977).

 BREVIÁRiO

Lusomundo edita em DVD/VHS: Os Imortais (2003) de António Pedro Vasconcelos, sobre Os Lobos Não Usam Coleira  de Carlos Vale Ferraz/Carlos Matos Gomes.

A editora Âmbar lança, com apresentação de Hélder Pacheco, o Tratado dos Anjos de Beatriz Pacheco Pereira, directora do Fantasporto Festival Internacional de Cinema do Porto.

 CALENDÁRiO

  14JUL2004 A Associação pelo Documentário/Apordoc lança a revista Docs.Pt, coordenada pelo realizador Serge Tréfaut e apoiada pelo ICAM/Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia.

29JUL2004 No Centro Cultural de Cascais é lançado o livro Cascais Berço do Cinema e do Futebol de José de Matos Cruz, em edição da Câmara Municipal de Cascais.

INVENTÁRiO

HOMICÍDIO
EM HOLLYWOOD

 

Dois agentes do Departamento de Homicídios de Los Angeles partilham a sobrevivência, num território criminal de ameaças e perigos. Ao investigarem uma guerra entre quadrilhas e a corrupção na polícia, os riscos de tal missão prendem se mais com interesses pessoais do que com os desafios profissionais sendo um vendedor imobiliário e o outro aspirante a actor... Sondando um género com as maiores tradições em Hollywood o thriller urbano Homicídio em Hollywood, com lançamento em DVD/VHS por Lusomundo, sagra a cumplicidade carismática entre Harrison Ford e John Hartnett, em realização ritual de Ron Shelton. Um exorcismo da violência entre tensões, humores e fantasias.

A JUSTIÇA
DAS SERPENTES

 

Um dos criadores mais talentosos e peculiares da actual escola franco belga, François Boucq em 1999 homenageado no Festival de Angoulême, depois de receber o Grande Prémio da Cidade no ano anterior torna ao convívio dos leitores portugueses, sob chancela das Edições Asa, com Bouncer visando A Justiça das Serpentes, após Um Diamante Para o Além e A Misericórdia dos Algozes. Em causa, um grupo de mercenários sulistas que, tendo se recusado à rendição, no crepúsculo da Guerra da Secessão na América, busca uma jóia prodigiosa... Após As Aventuras de Jérôme Moucherot Abaixo o Imprevisto!, Boucq volta à cumplicidade do chileno Alexandro Jodorowsky, celebrada com Face da Lua O Domador de Ondas. Em 1998, Boucq apresentou no Cinemanimação, durante o Amadora Bd, o seu primeiro filme como realizador. Para o versátil autor, «a banda desenhada é uma escrita original, incomparável, ilimitada, inclassificável, insolente, que não tem contas a prestar a qualquer outro meio de expressão. A sua nobreza, herdou a da arte de contar e das imagens da Idade Média».

AVENTURAS
DO GATO ZU

 

Nascido para proporcionar alegria às crianças, Zu é um herói felino, com talentos e virtualidades a desenvolver por si próprio. Isto é, dentro ou fora da colecção de álbuns que lhe deram berço, convertendo se em projecto autónomo, irradiante. Começando pelo princípio: As Aventuras de Zu foram concebidas, escritas e ilustradas por José Abrantes e, faz agora cinco anos, prolongam se numa série de livrinhos editados por BaleiAzul. Preferencialmente, a saga de Zu um gato azul que tem um lápis mágico, capaz de o impelir às mais variadas peripécias destina se às crianças em idade escolar (Ensino Básico), graças aos seus objectivos didácticos, pedagógicos e lúdicos. Entre estes, sobressai uma representação teatral com o Zu e a Milai, de que é cordenadora Patrícia Guarda. No site de José Abrantes www.interdinâmica.pt/abrantes/ estão ainda Horus, Quim, Tantan & Liru, Dakar o Minossauro, Capitão Marselha, Angstrom e Ribico.

 HELLBOY
E O INFERNO

 

Abaixo da terra que os homens dominam, à vista do céu onde os deuses prevalecem, há um mundo de lavas e trevas do qual brotam heróis seres extraordinários como Hellboy, nascido em 1994 pela inspiração perversa de Mike Mignola, e convertido em agente principal da Sociedade Britânica do Paranormal... Em 2004, a década de Hellboy é comemorada em grande ecrã, sendo protagonista Ron Perlman, em super produção de Guillermo Del Toro. Entretanto, na vigência em quadradinhos, o versátil John Byrne concebeu Semente de Destruição a aventura de charneira, distinguida com vários Prémios Eisner, e publicada entre nós pela Devir, que reincide com Despertar o Demónio. O fenómeno cultural de Hellboy: The Lost Army, novela ilustrada em 1996, levou a Dark Horse a incumbir o prestigiado escritor Christopher Golden, de aliciar alguns celebrados novelistas   sob o signo da ficção de mistério e horror, em língua inglesa. Assim, conceberam uma antologia de curtas histórias sobre Hellboy em que o perturbante investigador assume os mais tremendos desafios saídos das mentes tenebrosas de autores como Brian Hodge, Poppy Z. Brite, Nancy A. Collins, Greg Rucka e Chet Williamson, em parceria com o cartoonista do terror/humor Gahan Wilson. Mignola levou à risca a instrução geral «todos vamos para o inferno», estilizando Odd Jobs pelas mais horrendas proezas que consagraram esta saga sinistra. A propósito, Robert Bloch (1919 94) autor da novela Psico, mitificada em filme por Alfred Hitchcock profetizou: «O efeito total de Hellboy é o de uma obra de arte genuína original, inovadora e excitante».


IMAGINÁRiO2
10 JUL 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

PRONTUÁRiO

 MANOEL DE OLIVEIRA
E O LEÃO DE OURO

 

 

Em Setembro de 2004, Manoel de Oliveira receberá, no Teatro La Fenice, o Leão de Ouro à Carreira, atribuído pela Direcção da Mostra Internacional de Cinema de Veneza, cuja 61ª edição apresentará ainda o seu filme mais recente, O Quinto Império Ontem Como Hoje, baseado na peça El Rei Sebastião de José Regio. Em 1995, tal galardão fora lhe atribuído pelo Júri, em especial por Le Soulier de Satin, inspirado na obra de Paul Claudel. Presente no imaginário nosso desde finais dos anos ‘20 quando se afirma a primeira geração de realizadores portugueses, e as fitas passam a ser faladas Manoel de Oliveira marca um percurso estético, temático e artístico com a sua carreira, exemplar e excepcional. Até ao reconhecimento mundial, ao prestígio sem reservas mas, o que é mais impressionante, com uma actividade intensa, sempre insólita e insinuante, já no culminar de uma veterana maturidade.

 RELATÓRiO

 BATMAN
EM SILÊNCIO

 

«Algo de bizarro se passa lá no alto...» comentam em Gotham City, entre as forças da lei e as hostes do crime. É um vampiro com dois metros de altura: as vítimas que tombam, ladrões ou homicidas, não trazem já sangue no corpo! Concebido e ilustrado por Bob Kane, com enredo de Bill Finger, Batman regressa em Silêncio por Jeph Loeb (argumento), Jim Lee (grafismo) & Scott Williams (finalização) sob chancela Devir, quando o Cavaleiro das Trevas, ao resgatar um jovem e rico herdeiro sequestrado, é vítima precária duma vertigem avassaladora. Em seu redor pairam beldades fatais, como a Mulher Gato, Caçadora ou Hera Venenosa, além do trágico e grotesco Joker... O Homem Morcego apareceu em Maio de 1939, na revista Detective Comics: um herói humano, vingador da noite. Sob o estranho aspecto do paladino mascarado, oculta se o excêntrico milionário Bruce Wayne. Em criança, este testemunhou a violenta morte dos pais por marginais motivação obsessiva para uma saga justiceira, que agora se transfere pela ancestralidade dos seus traumas familiares. Mais tarde, Batman aliou se a Robin aliás Dick Grayson, adolescente e como ele orfão, formando o Duo Dinâmico. Habitando uma mansão na periferia de Gotham, com total fidelidade do mordomo Alfred Pennyworth, Wayne/Batman exerce as proezas a partir da Batcave, dispondo da mais sofisticada tecnologia. Na sua órbita, esvoaça ainda a Batgirl. Atlético, culto, perito em artes marciais, Batman desloca se em impressionantes veículos, nas missões autónomas ou por apelo do comissário Jim Gordon. Notável é a sua galeria de arqui inimigos Joker, Pinguim, Catwoman, Duas Caras, Enigma, Mr. Freeze ou Bane. Em 1986, Frank Miller impôs uma ressurreição virtual do Cavaleiro das Trevas.

 CALENDÁRiO

  01JUL2004 A proposta de Lei do Governo, para o cinema e o audiovisual, é aprovada na Assembleia da República pela maioria parlamentar do PSD e CDS PP, e os votos contra do PS, PCP e Bloco de Esquerda.

1919 02JUL2004 Sophia de Mello Breyner Andresen: «E de mim se desprende a minha vida».

1924 02JUL2004 Marlon Brando: «Eu já dei o que tinha a dar. Vou desistir».

1931 08JUL2004 – Henrique Mendes: «A minha relação com Deus não existe. Não tenho fé.».

INVENTÁRiO

A DOMADORA
DE BALEIAS

 

Entre a tribo maori, de uma pequena comunidade na Nova Zelândia, uma adolescente é a herdeira, providencial, de uma tradição com mais de mil anos, cujo desígnio é domar as baleias que reinam nos fundos oceânicos. A própria sobrevivência envolve, porém, rivalidades e preconceitos... Testemunho distinguido em festivais de todo o Mundo de Toronto a Roterdão, passando por São Francisco e pelo Sundance A Domadora de Baleias de Niki Caro, com lançamento em DVD/VHS por Lusomundo, confirma uma cinematografia intensa, deslumbrante, telúrica e original.

 OS MESTRES
CERVEJEIROS

 

Um dos argumentistas mais versáteis da escola franco belga, Jean Van Hamme tem alargado os horizontes da aventura para múltiplos heróis, próprios ou alheios, em distintos géneros e universos, quanto aos quais convoca o talento peculiar, estilizado, dos maiores ilustradores. Como o francês Francis Vallès para Os Mestres Cervejeiros saga épica e dinástica, lançada em 1992 por Éditions Glénat, e apresentada em Portugal após revelação com Charles, 1854, sob chancela das Edições Asa com Margrit, 1886. Tendo casado com Elise de Ruiter, herdeira da cervejeira de que é director, Charles despede se após discussão, acabando por fundar a sua própria empresa em Dorp. A apoiá lo, tem um sobrinho e Margrit, a sua mulher germânica... A amplitude narrativa de Van Hamme, evoluindo pelo desígnio dos protagonistas até ao elã colectivo, tem ampla expressão gráfica por Vallès, um discípulo de John Prentice, configurado ao imaginário clássico, rústico e europeu.

 AS GARRAS
DE GARFIELD

 

São ariscos, carinhosos, agressivos, sensuais, preguiçosos, atrevidos. Olham nos com toda a paz do mundo. Usurpam nos toda a intimidade. São felinos. São os gatos... E não podiam deixar de ser heróis da banda desenhada! Um dos mais célebres e pândegos chama se Garfield, é americano e tem fãs em todo o mundo, para êxito e fortuna do autor Jim Davis que se inspirou na personalidade do avô, James Garfield. Nasceu em 1978 e andou, durante anos, a arranhar os quadradinhos até se fazer notado, no século passado, por finais da década de ‘80. Cá, reaparece sob chancela BookTree e, em breve, surpreenderá de carne e osso: ou melhor, projectado em imagem real no filme Garfield ao lado de Jennifer Love Hewitt, sob direcção de Peter Hewitt e com voz de Bill Murray. Para uma antologia, aqui ficam alguns comentários de afiar o sorriso: «mostrem me uma pessoa que faz jogging e eu aponto lhes alguém que gosta de sofrer»; «as aranhas tornam se mais rápidas à medida que vão envelhecendo»; «os gatos conseguem harmonizar se com o ambiente»; ou «odeio pêlos de gato, quando não são os meus»... Mas não fiquem de cabelos em pé, sem lerem um outro do próprio criador: «Para mim, o céu é azul, a relva é verde e os gatos são cor de laranja»!

VINGANÇA
DE KILL BILL

 

Quem ainda estiver sob o efeito de Kill Bill 2, e nem puder esperar pelo que Quentin Tarantino nos reserva, uns tempos depois, pode reviver como A Vingança começou, na excelente edição em DVD/VHS por Lusomundo. Nesta intensa obra, pelos distintos contrastes psicológicos e recortes de acção, sagra se intriga paroxísmica, inexorável, que sonda os labirintos da violência e os códigos da criminalidade, inspirada pelos clássicos negros da década de ’40 e ‘50, sob o signo de Hollywood. Com a recorrência de uma tragédia irreversível, a noção de espaço/tempo é transfigurada, em rigorosos termos narrativos e simbólicos através de uma galeria impressionante de personagens e respectiva caracterização, sendo o naipe de actores liderado pela loira Uma Thurman, uma heroína trágica e sensual.

 BREVIÁRiO

 Após três decénios sob chancela da Meribérica Liber, as aventuras de Astérix, o Gaulês passam a ser lançadas pelas Edições Asa, que prevê uma publicação integral de álbuns, inéditos e clássicos, até Setembro de 2005, ao comemorarem se os 45 anos dos heróis de Albert Uderzo & René Goscinny.


IMAGINÁRiO1
01 JUL 2004 · Edição Kafre · kafre@mail.telepac.pt

 PRONTUÁRiO

 OLHARES, MEMÓRIAS

 

Chego até vós com a minha proposta mais recente a folha IMAGINÁRiO, em confluência entre os quadradinhos e outros fenómenos culturais, como o cinema e a literatura. Através dela, procurarei reflectir, por via tri mensal, uma vivência crítica e criativa feita de leituras, de correspondências, de perspectivas. Trata se, pois, de um exercício despretensioso, de um desafio ainda a germinar. Ou seja, um espaço próprio de apreço e de comentário que, pelo estímulo da arte e do olhar, envolverá a divulgação, a informação e a memória, podendo assim evoluir para outros territórios e experiências em que, de futuro, se irá definir a respectiva amplitude e expansão. Consumando, simultaneamente, com os leitores virtuais, um círculo de amizade e um apelo à imaginação.

 RELATÓRiO

 CORTO MALTESE VIRTUAL

 

«Corto Maltese não nasceu de um dia para o outro, é fruto duma laboração de muitos anos. Ele encerra em si um pouco de todos os homens que encontrei pelo mundo, onde se apercebe, mais ou menos viva, a busca de liberdade. Eu estou bem ligado a ele, até porque possui com certeza algo de mim.» Assim nos referia Hugo Pratt (1927 95), em entrevista de 1974, sobre o seu herói primordial cujas origens remontam a 1967, durante A Balada do Mar Salgado. Obra prima da banda desenhada europeia entre nós pelas Edições Asa, e referenciada pela literatura romântica de R.L. Stevenson, J. London ou M. Conrad, na qual se expande e aprofunda o fulgor épico a sua saga continua, sob o signo da animação, com La Court Secrete des Arcanes um filme realizado por Pascal Morelli, e já disponível em DVD pela Lusomundo, a partir de Corto Maltese na Sibéria (1987). Uma aventura culminante, que principia em Hong Kong por 1919, durante o encontro entre Corto e Rasputine, até se precipitar numa convulsa Revolução Russa. Além desta ampla dimensão, adversa mas idealista, sobressai o domínio estético e alusivo na exploração de um envolvimento subtil, estilizado pelos prodígios e desafios da natureza. Assim evolui, também, a dimensão mítica e trágica do ser humano. Palavras de Guido Fuga, sagrando uma cúmplice afeição criativa: «Pratt evocava constantemente o seu mundo fantástico, transformava se com um mínimo de gestos e improvisava hilariantes diálogos surrealistas com tudo o que o rodeava, animando os objectos que se lhe rebelavam. Quando me pedem para falar de Hugo, repito que se tratava de um verdadeiro homem orquestra, cantor, bailarino, actor, narrador genial e, para concluir, um desenhador extraordinário! Energia pura. O meu primeiro Mestre.»

 BREVIÁRiO

  Atalanta Filmes edita em DVD: A Vizinha do Lado (1945) de António Lopes Ribeiro, Tráfico (1998) de João Botelho, Ganhar a Vida (2001) de João Canijo e Rasganço (2001) de Raquel Freire.

José Abrantes apresenta uma nova personagem – o ingénuo e barbudo Capitão Marselha, que não gosta (mesmo nada!) de futebol… Em época de desafios do Euro 2004, esperam se grandes vitórias.

A cooperativa Cinema Novo, responsável pelo Festival Internacional de Cinema do Porto, lança o Concurso do Conto Fantástico, cujo vencedor será publicado com menção no Livro de Contos Fantasporto 25 Anos, entre contribuições de outros escritores convidados.

INVENTÁRiO

O REGRESSO
DE VALÉRIAN

 

Tendo comemorado um quarto de século em 1992, a saga de Valérian, Agente Espácio Temporal por Pierre Christin (argumento) & Jean Claude Mézières (ilustração) converteu se num dos mais celebrados títulos da banda desenhada franco belga, expoente nos domínios infinitos do fantástico, como épico que subverteria os códigos da ficção científica, sagrando um imaginário prodigioso e efabulativo, bizarro e futurista. Em colecção própria, editada pela Dargaud, Valérian regressará em breve, com T.19: Au Bord du Grand Rien: para além da aventura fértil, luxuriante, entre perigos e deslumbramento, com ironia ou sortilégio, estabelecendo um mítico roteiro de fascínio e heroísmo. Pelo versátil talento de Christin, uma das mais fecundas alianças artísticas consuma e expande através do Agente Espácio Temporal o grafismo sóbrio, mas vigoroso de Mézières. Entre a inspiração e o prazer da leitura, eis a revisão que nos propôs Christin: «Valérian era militarista, antes de se converter num desempregado de luxo ao serviço de Galaxity, a comunidade responsável pelo destino dos planetas. Tornou se menos rígido, mais experiente e propenso a ousadias...»

CAPRICHOS
DE KIKI

 

Independente, desinibida, sôfrega, libertina, sempre à espera e preparada na posição que lhe dê maior prazer ou a torne mais acessível Aline apresentou entre nós Adão Iturrusgarai, como autor duma heroina incontornável, jovem adulta e de poucas subtilezas sexuais. Uma ousadia editorial da Devir, que com Kiki, A Primeira Vez emancipada em 2000, nas páginas da revista Capricho prossegue a revelação de um dos mais importantes e radicais cartoonistas brasileiros, na actualidade. Nascido no Rio Grande do Sul, e habitual em tiras desenhadas na importante Folha de São Paulo, Iturrusgarai desvenda em Kiki uma adolescente tímida, feiosa, ousada, expectante, indolente, propícia às excitações da vida, do amor, e perplexa ante os caprichos da idade, da virgindade. Considerada por Benda Fucuta, directora de redacção da Capricho, «a irmã mais nova de Aline», com Kiki evolui o estilo tropical de uma graciosidade feminina: dela, «acompanhamos as dúvidas existenciais, a preguiça de fazer dieta, a vontade de virar modelo, as engraçadíssimas experiências com os ficantes e, como não podia deixar de ser, a primeira vez dela». E outras se seguirão!

 AVENTURAS DO CAPITÃO AMÉRICA

 

¸Como nenhum outro super herói, o Capitão América reflecte um imaginário ianque de exaltação e abismo simbolizando, ao que o nome sugere, um paladino emblemático: o uniforme é uma derivação da bandeira nacional, e o escudo seu único apetrecho constitui uma arma defensiva e agressora. Nascido em 1941, com argumento de Joe Simon e desenhos de Jack Kirby, Captain America tornou se famoso pelos rasgos de patriotismo durante a Grande Guerra, ao enfrentar os nazis como inimigo principal. Logo o Caveira Vermelha, interpretado por Scott Paulin em As Aventuras do Capitão América (1990) de Albert Pyun, sendo protagonista Matt Salinger.

 Na origem estava Steve Rogers, um débil soldado que, servindo de cobaia a experiências científicas, se converte em paladino aliado a Bucky Barnes, um rapaz mais tarde falecido. Afinal, também a sua carreira se encontra pejada de ocasos e ressurreições: incapaz de resistir à criminalidade civil, desapareceu em 1949, para surgir meteoricamente em 1954. Relançado em 1964 explicando se a ausência por se encontrar congelado num icebergue reapareceu em força a partir de 1968. Mais de cem artistas recriaram o Cap, com destaque para Kirby e Stan Lee, que sublimou as suas contradições: antigo espião e justiceiro, tornou se um funâmbulo atormentado e introvertido... Em finais de 2003, a par com um novo projecto do Capitão América em grande ecrã, surgem notícias duma questão de direitos, cedidos verbalmente por Simon em 1940, a uma predecessora da Marvel. Resolvida a disputa em favor do produtor Avi Arad, este convidou escritores e cineastas a revirtualizarem o Cap, transfigurado à luz dos valores e dos fascínios da juventude actual.

 


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