Walt Whitman
OBRA
 

Sou o poeta do Corpo

Sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma,
As aventuras do Céu estão em mim e as penas do Inferno estão em mim,
As primeiras enxerto e reforço em mim mesmo, as últimas traduzo para uma nova língua.

Sou o poeta da mulher e do homem.
E digo que é tão grande ser mulher como ser homem.
E digo que não há nada maior que a mãe dos homens.

Canto o canto do crescimento ou do orgulho,
Já baixámos bastante a cabeça, já implorámos,
Provo que a medida é apenas desenvolvimento.

Já excedeste o resto? És o Presidente?
É uma ninharia, eles excederão isso e muito mais.
Eu sou o que caminha entre a crescente e terna noite,
Convoco a terra e o mar meio abraçado pela noite.

Aperta-me, noite, no teu peito nu — aperta-me, noite magnética e abundante!
Noite silenciosa e sonolenta — louca e nua noite de Verão!

Sorri, oh voluptuosa terra fresca!
Terra das árvores adormecidas e cintilantes!
Terra do sol-posto — terra das montanhas cobertas de névoa!
Terra do fluir vítreo da lua cheia e azul!
Terra de luz e sombra derramadas sobre a maré do rio!
Terra de límpidas nuvens pálidas resplandecendo para mim!
Terra de braços arrebatados ao longe - rica terra de macieiras em flor!
Sorri, que aí vem o teu amante.

Pródiga, deste-me amor — e assim te dou amor!
Oh, indizível e apaixonado amor.
(tradução de José Agostinho Baptista)


Separando a erva dos prados

Separando a erva dos prados, aspirando o seu raro aroma,
Dela reclamo a espiritualidade,
Exijo o mais íntimo e abundante companheirismo entre os homens,
Peço que ergam as suas folhas as palavras, actos, seres,
Esse de límpidos ares, rudes, solares, frescos, férteis,
Esses que traçam o seu próprio caminho, erectos e livres avançando, conduzindo e não conduzidos,
Esses de indomável audácia, de doce e veemente carne sem mácula,
Esses que olham de frente, imperturbáveis, o rosto dos presidentes e governadores como se dissessem Quem és tu?
Esses de natural paixão, simples, nunca constrangidos, insubmissos,
Esses de dentro da América.
(tradução de José Agostinho Baptista)


Sento-me e observo

Sento-me e olho para todos os sofrimentos do mundo, e para toda a opressão e vergonha;
Ouço secretos e convulsivos soluços de jovens homens, angustiados, cheios de remorsos após os actos cometidos;
Vejo a triste vida da mãe maltratada pelos seus filhos, morrendo, negligenciada, desolada, desesperada;
Vejo a esposa abusada pelo marido — Vejo o pérfido sedutor de jovens mulheres;
Registo a raiva do ciúme e do amor não correspondido, que se tenta esconder — vejo estas visões na Terra;
Vejo o desenrolar das batalhas, peste, tirania — Vejo mártires e prisioneiros;
Observo a fome no mar — Observo os marinheiros sorteando quem será morto, para preservar a vida dos demais;
Observo o desprezo e a degradação lançados pelos arrogantes contra os operários, os pobres, e sobre os negros, e outros discriminados;
Tudo isto — Toda a mesquinhez e agonia sem fim, Sento-me, observo,
Vejo, ouço e silencio.


VI UMA AZINHEIRA QUE CRESCIA NA LOUISIANA

Vi uma azinheira que crescia na Louisiana,
Aí estava, só, e o musgo pendia dos seus ramos,
Aí crescia, sem um companheiro, e oferecia alegres folhas verde escuro,
E o seu aspecto rude, inflexível, robusto, fez me pensar em mim,
Mas admirei me que fosse capaz de dar folhas como essas, tão só que estava, em um amigo junto a si: eu sabia que não podia fazer o mesmo,
Arranquei um pequeno ramo com algumas folhas e à volta entreteci um pouco de musgo,
E levei o e coloquei o bem à vista no meu quarto,
Não preciso dele para lembrar me os amigos queridos,
(Pois sei que ultimamente quase só penso neles,)
Mas é para mim um símbolo curioso, faz me pensar no amor viril;
Apesar disso, e embora a azinheira resplandeça na Louisiana, solitária na grande planície,
Oferecendo sempre alegres folhas, longe de um amigo ou de um amante,
Eu sei muito bem que não podia fazer o mesmo.