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Palavras 123 - (Rimance)
INDICATIVO
Ouvinte atento - é sempre uma grande satisfação chegar à fala com ouvintes atentos - um ouvinte atento, dizia eu, notou que, desde o Palavras de Ouro 36, (recordo que o de hoje tem o número 123), desde o Palavras de Ouro 36 que não voltei a falar dos rimances ou romances.
Tem razão. De facto é tempo de voltar a recordar algumas das pérolas que nos chegaram do tempo longínquo dos rimances, romances ou xácaras.
SOBE
No Palavras de Ouro 36, ouvimos um dos mais famosos romances, “A Nau Catrineta”; hoje vamos ouvir mais dois: “A Bela Infanta” e “Donzela que vai à Guerra”.
Entretanto ouçamos uma explicação sobre esta forma de literatura popular, usando as palavras ditas no programa 36
SOBE
O rimance [forma arcaica de romance] ou xácara é o termo que, na literatura peninsular, equivale à balada europeia, curto poema épico cantado, originalmente popular e de transmissão oral. Apesar dos esforços teóricos de alguns autores, nomeadamente Almeida Garrett, no sentido da sua diferenciação, rimance e xácara confundem-se muitas vezes com o solau, outro subgénero da balada. Para além de Garrett, que coligiu vários rimances ou xácaras no seu Romanceiro, outros autores que cultivaram este tipo de composição durante o Romantismo foram João de Lemos, Luís Augusto Palmeirim e José Freire de Serpa Pimentel.
SOBE
Ouçamos, pois, o primeiro romance de hoje: “A Bela Infanta”
MÚSICA
Estava a bela infanta
No seu jardim assentada,
Com o pente de oiro fino
Seus cabelos penteava.
Deitou os olhos ao mar
Viu vir uma nobre armada;
Capitão que nela vinha,
Muito bem que a governava.
- "Dize-me, Ó capitão
Dessa tua nobre armada,
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava."
- "Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada ...
Dize-me tu, Ó senhora,
As senhas que ele levava."
- "Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava."
- "Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Eu sua morte vingava."
- "Ai triste de mim viúva,
Ai triste de mim coitada!
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada! .....
- "Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui?"
- "Dera-lhe oiro e prata fina,
Quanta riqueza há por i."
- "Não quero oiro nem prata,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?"
- "De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gerzeli:
Rica farinha que fazem!
Tomara-os el-rei pra si."
- "Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem to trouxera aqui?"
- "As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim."
- "As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui?"
- "De três filhas que eu tenho,
Todas três te dera a ti:
Uma para te calçar.
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir."
- "As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.
- "Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir."
- "Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti."
- "Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo,
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui!"
- "Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti. ..
Que é dela a outra metade?
Pois a minha, vê-Ia aí!"
- "Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi! ..
Deus te perdoe, marido,
Que me ias matando aqui."
MÚSICA
Ouviremos, agora, “Donzela que vai à Guerra”
MÚSICA
- "Já se apregoam as guerras
Entre França e Aragão:
Ai de mim que já sou velho,
Não nas posso brigar, não!
De sete filhas que tenho
Sem nenhuma ser varão! ...
" Responde a filha mais velha
Com toda a resolução:
- "Venham armas e cavalo
Que eu serei filho varão."
- "Tendes los olhos mui vivos,
Filha, conhecer-vos-ão."
- "Quando passar pela armada
Porei os olhos no chão."
- "Tendes los ombros mui altos
Filha, conhecer-vos-ão."
- "Venham armas bem pesadas,
Os ombros abaterão."
- "Tendes los peitos mui altos
Filha, conhecer-vos-ão."
- "Venha gibão apertado,
Os peitos encolherão."
- "Tendes las mãos pequeninas
Filha, conhecer-vos-ão."
- "Venham já guantes de ferro,
E compridas ficarão."
- "Tendes los pés delicados,
Filha, conhecer-vos-ão."
- "Calçarei botas e esporas,
Nunca delas sairão."
- "Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não."
- "Convidai-o vós, meu filho,
Para ir convosco ao pomar,
Que se ele mulher for,
À maçã se há-de pegar."
A donzela por discreta,
O camoês foi apanhar,
- "Oh que belos camoeses
Para um homem cheirar!
Lindas maçãs para damas
Quem lhas pudera levar!"
- "Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher de homem não."
- "Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco jantar;
Que, se ele mulher for
No estrado se há-de encruzar.”
A donzela, por discreta,
Nos altos se foi sentar.
- "Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não."
- "Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco feirar;
Que, se ele mulher for,
Às fitas se há-de pegar."
A donzela, por discreta,
Uma adaga foi comprar.
- "Oh que bela adaga esta
Para com homens brigar!
Lindas fitas para damas:
Quem lhas pudera levar!"
- "Senhor pai, senhora mãe,
Grande dor de coração;
Que os olhos do conde Daros
São de mulher, de homem não."
- "Convidai-o vós, meu filho,
Para convosco nadar;
Que, se ele mulher for,
O convite há-de escusar."
A donzela por discreta,
Começou-se a desnudar...
Traz-lhe o seu paje uma carta,
Pôs-se a ler, pôs-se a chorar;
- "Novas me chegam agora,
Novas de grande pesar;
De que minha mãe é morta,
Meu pai se está a finar.
Os sinos da minha terra
Os estou a ouvir dobrar;
E duas irmãs que eu tenho,
Daqui as oiço chorar.
Monta, monta, cavaleiro!
Se me quer acompanhar."
Chegavam a uns altos paços
Foram-se logo apear.
- "Senhor pai. trago-lhe um genro,
Se o quiser aceitar;
Foi meu capitão na guerra,
De amores me quis contar...
Se ainda me quer agora,
Com meu pai há-de falar."
Sete anos andei na guerra
E fiz de filho varão.
Ninguém me conheceu nunca
Senão o meu capitão;
Conheceu-me pelos olhos,
Que por outra coisa não.
MÚSICA
O programa de hoje foi preenchido com dois romances (ou rimances): “ A Bela Infanta” e “Donzela que vai à Guerra”
SOBE
Dois dedos de conversa
INDICATIVO
Um ouvinte sugere que seja oferecido, juntamente com o som, o texto dos trabalhos lidos. Esta é uma ideia que há muito tempo, paira por aqui. Isso, aliás, já é possível no Palavras d’Ouro da Truca, espaço bem conhecido dos ouvintes do Estúdio Raposa. Para essa página da Truca estão a ser transferidos, a pouco e pouco, todos os poemas lidos aqui mas a ideia que gostaria de implementar diz respeito a todo o texto dos programas incluindo, pois, as notas biográficas, ou outras, que antecedem as recitações.
No programa de hoje já farei uma experiência que não sendo uma solução ideal, para lá caminha. Para seguirem o texto enquanto ouvem o programa terão de abrir duas páginas dos seus browsers em simultâneo, o que não será tarefa fácil para os menos habituados a estas habilidades.
Mas com paciência, chegarão lá. Espero, porém, brevemente, encontrar uma forma mais cómoda de seguir o texto do programa enquanto se ouve.
Terminou a guerra aberta entre o Estúdio Raposa e o Internet Explorer. Desde que o design foi modificado que os ouvintes que chegavam ao Estúdio Raposa, usando o Explorer da Microsoft, (afinal a grande maioria) deparavam com um audiblogue deformado e, certamente, não percebiam os elogios feitos por outros. A razão era simples. Os “outros” acediam por browsers que não o Explorer e, em todos, a imagem estava correcta.
SOBE
Até ao próximo programa e não se esqueça de que já pode ler o texto completo deste programa seguindo o link indicado na abertura escrita do audioblogue
INDICATIVO
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