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PRONTUÁRiO
VISITAÇÕES
Memória e acaso, tempo e fábula, sob os estigmas presentes da realidade, povoam o imaginário de Raul Ruiz - virtualizando um testemunho precário, virtual, pelos flagrantes subversivos da ficção, além do enquadramento ético ou da composição estética, qual desafio rotineiro ou transcendente. Afinal, desvendar é recriar, e assim o assume um dos mais prestigiados cineastas sul-americanos - com carreira manifesta na Europa, a partir da sua fixação em França - que, em 1978, nos reconhecia ser «um centro com mecanismos de fabricação artesanal da cultura». Entretanto, nas três últimas décadas, forjaram-se os seus laços fílmicos com Portugal, logo graças a Paulo Branco. Raul Ruiz transfigura um universo onírico, irónico, tão pessoal e obsessivo, sublimador ou transgressivo, trabalhando ainda em colaboração com a mulher, Valeria Sarmiento. Em 1998, Paulo Branco foi agraciado pelo Governo do Chile com a Condecoração Gabriela Mistral, em reconhecimento - entre outros méritos - pela sua colaboração com Raul Ruiz, exilado do país natal em 1973.
MEMÓRiA
01FEV1922-2004 - Renata Tebaldi: «Uma das mais bonitas e perfeitas vozes de soprano do Século XX» (Bernardo Mariano).
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02FEV1502-1574 - Damião de Goes: «No dia 16 de Outubro de 1572, o humanista, historiador e diplomata foi condenado a “cárcere perpétuo” pelos crimes de heresia e apostasia pelo tribunal do Santo Ofício» (João Ferreira). «Entre os dias 6 e 18 de Dezembro, é transferido da prisão inquisitorial para o Mosteiro da Batalha. Algum tempo depois, é inexplicavelmente liberto. Reza a historia que pernoita numa estalagem a caminho de Alcobaça, e que é encontrado morto na manhã seguinte, caído e meio queimado junto a lareira em frente à qual adormecera. Quando, em 1941, os seus restos mortais foram transferidos da Igreja da Várzea, em Alenquer para a Igreja de S. Pedro, reparou-se que o crânio apresentava aquilo que poderia ser uma forte pancada na parte de trás da cabeça» (Pedro Nobre de Figueiredo).
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02FEV1882-1941 - James Joyce: «Antes de ser honesto, há que ser justo».
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1905-02FEV1942 - Daniil Ivánovitch Iuvatchov, aliás Daniil Harms: «Acusam-me de ser sanguinário, dizem que bebi sangue, mas não é correcto, apenas lambi os charcos e as manchas de sangue» (Reabilitação - excerto).
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1876-02FEV1972 - Natalie Barney: Novelista, poeta e dramaturga norte-americana - «Ama-se com amor aqueles que não podem ser amados de outro modo… Nada é mais difícil do que partilhar um amor».
1873-03FEV1932 - Joshua Benoliel: «Mais vale um bom cliché do que um óptimo artigo». IMAG.42
04FEV1932-2009 - Shigeo Fukuda: Escultor e designer - «Não é um comunicador conformado aos princípios da acessibilidade. Com raras excepções, a sua arte pretende mistificar» (Seymour Chwast - 2005).
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1937-04FEV1992 - Constança Capdeville: Pianista, percussionista, pedagoga e criadora - «Ao compor Libera Me, situava-me no centro da terra, enquanto que, durante a composição de Que Mon Chant Ne Soit Plus d’Oiseau, sentia-me num ponto central do espaço sideral».
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06FEV1452-1490 - Princesa Santa Joana: «Para as gentes cristãs da Beira-Ria, no meio de quem a Princesa ficou sepultada, as relíquias venerandas da Padroeira não são apenas um mero objecto de museu; consideram-nas, sobretudo, como termo de piedosas peregrinações e rodeiam-nas com o incenso de religioso amor e com o murmúrio de profunda prece. É que as personagens eminentes do passado serão tanto mais válidas no presente, quanto mais a sua memória veneranda e o seu testemunho extraordinário se tornarem presentes na vida de todos os dias» (Monsenhor João Gaspar, Vigário Geral da Diocese de Aveiro - A Princesa Santa Joana e a Sua Época, excerto).
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04FEV1902-1974 - Charles Lindbergh: Pioneiro norte-americano da aviação, em 1927 logrou o primeiro voo aéreo solitário transatlântico, sem escalas, entre o Estado de Nova Iorque e a cidade de Paris, pilotando The Spirit of Saint Louis, em 33 horas e 30 minutos Em 1933, com a mulher Anne Morrow aos comandos do hidroavião Lockheed, efectuou uma descida forçada no Rio Minho, por falta de gasolina.
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06FEV1932-1984 - François Truffaut: «Quando se pode alternar o humor com a melancolia, alcança-se o sucesso… Mas, quando as mesmas coisas são alegres e melancólicas, em simultâneo, é simplesmente maravilhoso».
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07FEV1812-1870 - Charles Dickens: «Cada fracasso ensina aos homens algo que necessitavam de aprender... Aquele que alivia o fardo do mundo em relação aos outros, não é inútil quanto à sua existência sobre a Terra».
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VISTORiA
No que nós, ou a mãe Dana, tecemos e destecemos nosso corpos disse Stephen no dia a dia, as moléculas deles entrecuzando-se daqui para ali, assim tece e destece o artista a sua imagem. E assim como o sinal do meu peito direito está onde estava quando eu nasci, embora o meu corpo tenha sido tecido de novos fios no correr dos tempos, assim através do espírito do pai inquieto a imagem do filho não vivente se mostra. No intenso instante da imaginação, quando a mente, diz Shelley, é um tição evanescente, aquilo que eu era é aquilo que eu sou e o que em possibilidade eu posso vir a ser. Assim no futuro, o irmão do passado, eu poderei ver-me como agora aqui estou sentado, mas por reflexão daquilo que então eu serei...
James Joyce - Ulisses (1922 - excerto)
COROLÁRiO
Processo de Demian de Góes Xptão Velho Preso no Cacere do Sancto Offº 1572
(14/mai/61) fr.co dias q hora he alcaide do carcere do Sto Offº
Magnifice Domine
Vi estas culpas & pello q~ por ellas consta & pella qualidade da testemunha, q~ he leguaSsima et omni exceptione Maior parece briguatoriais a prisam pera por ellas ser preso Damião de Guoes nellas cotendo. E pera se proceder cõtra a memoria de frei Roque frade da Ordem de Sam Frcº. E por taes peço as pronuncie & mandem paSsar mandado pare ser preso e trazido a este carcere o~de pretendo accuSar por ellas em nome do officio…
Contra damia de guoes
- que lhe ouviu dizer muitas cousas q~ erõ hereticas...
- diz q~praticou co o dº R. sobre os erros de Lutero por espaço de dous meses...
- o R se deleitara muyto e cõprasia na secta Luterana ...
- q~ se carteava cõ hu hereje recebe~do cartas e madandolhas...
- q h~u Cardeal lhe escrevia como a pª q~podia acabar algu~a couSa aos Luteranos...
- q~se dizia q~ o R fora discipulo de Erasmo q pousara cõ elle de~tro e~ sua casa
- q~ lhe parece q o R lhe emprestou hu~ livro de Lutero sobre o eclesiastees
frei Hieronimo dazambuja;
mestre Simão;
Ambrosius
ANTIQUÁRiO
SET1897 - Em Alenquer, é descoberto o lugar em que jaz o cronista Damião de Goes. «A lápida da sepultura estava oculta sob os lugares de pedrado» do altar-mor da Colegiada [Collegium Sacerdotum].
08SET1897 - Diário de Notícias
CALENDÁRiO
08ABR2011-2013 - No Edifício do Mar, do Oceanário de Lisboa, está patente a exposição Tartarugas-Marinhas. A Viagem, com animais recuperados em centros nacionais e europeus e que serão devolvidos ao seu ambiente natural.
1940-17ABR2011 - Michael Sarrazin: Actor canadense da televisão e do cinema americanos - protagonista de Os Cavalos Também Se Abatem/They Shoot Horses, Don't They? (1969 - Sydney Pollack).
21ABR2001 - Alambique estreia 48 de Susana de Sousa Dias.
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1929-22ABR2011 - João Maria Tudela: «Tinha múltiplos talentos, como cantor e como músico. Era um entertainer um homem que gostava muito de comunicar» (Júlio Isidro).
ANUÁRiO
1441-1494 - Matteo Maria Boiardo: «Quem pode morrer, honradamente deve morrer; / Porque, para continuar nesta vida triste, / Chega-se ao mesmo tempo à morte e à vergonha / Com frequência e facilidade».
1581-1634 - António de Andrade: «O último dos grandes viajantes portugueses dos Séculos XV a XVII» (Luís de Albuquerque), missionário da Companhia de Jesus, em 1624 foi o primeiro europeu a chegar - com Manuel Marques, também jesuíta - ao Tibete, o Tecto do Mundo.
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1811-1890 - Ignacio de Vilhena Barbosa: «A [sua] existência tem corrido plácida e serena, semeando afectos, e não tendo ódios. Permita que no frontispício d’este seu livro se inscreva não só a homenagem que é devida pelo crítico à sua vasta erudição e ao seu formoso talento, mas também a homenagem que é devida por um confrade à bondade nativa do seu coração e à levantada nobreza do seu carácter» (Pinheiro Chagas - Prefácio a Monumentos de Portugal - 1886).
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1931-2008 - Bartolomeu dos Santos: Gravador - «Levava os alunos ao Museu Britânico, dando-lhes a oportunidade de ver e tocar os originais de Rembrandt, Goya e outros, o que é raro num professor» (Paula Rego).
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PARLATÓRiO
O Natal é um tempo de benevolência, perdão, generosidade e alegria. O único período que conheço, no calendário do ano, em que homens e mulheres parecem, de comum acordo, abrir livremente os seus corações...
Sempre pensei no Natal como um tempo bom; dádiva, aceitação, generosidade, época agradável; uma altura em que os homens e as mulheres parecem abrir os corações deles/delas espontaneamente, e por isso digo - Deus abençoe o Natal!
Eu honrarei o Natal em meu coração, e tentarei que se mantenha durante todo o ano.
Charles Dickens
BREVIÁRiO
Clap Filmes edita em DVD, Raul Ruiz - Raridades; inclui O Território / The Territory (1981), A Cidade dos Piratas / La Ville des Pirates (1983), Ponto de Fuga / Point de Fuite (1983) e Combate de Amor Em Sonho /Combat d’Amour En Songe (2000).
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PRONTUÁRiO
DESCOBERTAS
Atenção, admiradores de Astérix, o Gaulês: conhecidos os títulos primordiais que sagraram esta saga clássica de humor, a editora Asa suscita um desafio invulgar: À Procura de… Astérix - com texto & desenhos de Albert Uderzo, especialmente dedicado ao público mais jovem. Em nostálgica evocação do co-progenitor René Goscinny, estamos - como sempre - numa aldeia da Gália, ainda não dominada pelos romanos, quanto ocorre o que os nativos tanto temiam, mas que até os fanáticos nunca esperavam: Astérix, os seus amigos e outros compinchas estão invisíveis, ocultos, ou desaparecidos! E o desafio que se nos coloca, redobrando a atenção e a coragem, é participarmos directamente na acção, repetida por distintas peripécias, em notáveis ilustrações de dupla página: da lendária aldeia de Armórica ao populoso Tribunal de Roma, passando por um desafio de futebol - que termina à pancada, na melhor tradição desportiva! Múltiplas proezas e situações, notórias ou dissimuladas, percorrem esta aventura diferente, mas sempre imprescindível. E, para os que assinalarem todos os mistérios de Astérix, está reservado o título de campeão... Boa sorte, por Toutatis!
MEMÓRiA
25JAN1882-1941 - Virginia Woolf: «Tenho a sensação de que vou enlouquecer. Ouço vozes e não consigo concentrar-me no meu trabalho. Lutei contra isto, mas não consigo mais. Devo-te toda a minha felicidade, mas não posso continuar a estragar a tua vida» (ao marido Leonard Woolf).
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1755-26JAN1812 - Rodrigo de Sousa Coutinho: Político, 1º Conde de Linhares, promotor do Gabinete de História Natural - «Curiosa figura, homem ansioso de renovação e de progresso, mas ao mesmo tempo na disposição nada democrática na forma, de favorecer o povo, de desenvolver o país, de aproveitar os vastos recursos das colônias portuguesas» (Otávio Tarquínio de Sousa - História dos Fundadores do Império do Brasil).
27JAN1832-1898 - Charles Lutwidge Dodgson, aliás Lewis Carroll: «Os conservadores são pessimistas quanto ao futuro, e optimistas quanto ao passado».
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28JAN1892-1947 - Ernest Lubitsch: «Nos meus filmes, tento que os espectadores dêem livre curso à sua imaginação… Mas, o que hei-de fazer, se a tendência é desvirtuar as minhas sugestões?».
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28JAN1912-1956 - Jackson Pollock: «Quando estou a pintar, não tenho consciência do que faço. Só depois de uma espécie de período de familiarização é que vejo o que estive a fazer».
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1906-28JAN1972 - Dino Buzzati: «No laboratório encontrará o cortejo, automóveis, girafas, tocadores e tudo o mais, reduzindo-se a dimensões microscópicas; e os dois cavalões brancos, pateando sobre o banco de trabalho de Ermanni, aquele porco, nele descarregarão os excrementos» (Triunfo - excerto).
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CALENDÁRiO
1910-08ABR2011 - Hedwig Lindenberg, aliás Hedda Sterne: Pintora norte-americana, de origem romena, ligada ao expressionismo abstracto - «Tenho a sensação de que, em arte, a necessidade de compreender e a necessidade de comunicar são uma e a mesma».
08-17ABR2011 - Cordoaria Nacional apresenta a IX Bienal de Antiguidades; organização de Mayoral - Galeria d’Art (Barcelona), expondo Joan Miró, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Antoni Tàpies, Eduardo Chillida, Miquel Barceló, Antonio Saura, Juan Genovés, Manolo Valdés, Jaume Plensa, Joaquín Torres Garcia e Fernando Botero.
16-20ABR2011 - Na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos, durante o festival literário LEV - Literatura em Viagem, António Jorge Gonçalves expõe Subway Life, com desenhos de pessoas sentadas em carruagens do metro em dez cidades (Londres, Lisboa, Berlim, Estocolmo, Nova Iorque, São Paulo, Tóquio, Atenas, Moscovo e Cairo), nos cinco continentes.
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29ABR-12JUN2011 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Lapso de Tempo, exposição de fotografia de Luís Ramos.
02MAI2011 - No Centro de Exposições de Odivelas, é inaugurada a III Bienal de Culturas Lusófonas, reunindo Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste.
VISTORiA
Gatinho inglês começou ela, meio tímida, pois não tinha muita certeza se ele iria gostar de ser tratado desse modo.
O Gato fez um sorriso ainda mais largo.
Oram, vejam! Parece que ele está a gostar muito pensou Alice, e continuou Poderia dizer-me, por favor, como é que eu faço para sair daqui?
Isso depende muito de para onde pretende ir disse o Gato.
Para mim tanto faz, para onde quer que seja... respondeu Alice.
Então, pouco importa o caminho que tome disse o Gato.
...Contanto que eu chegue a algum lugar... acrescentou Alice, explicando-se melhor.
Ah, então certamente chegará lá, se continuar a andar bastante... respondeu o Gato.
Lewis Carroll - Alice No País das Maravilhas
(1865 - excerto)
Retrato de Uma Londrina
¨Ninguém pode considerar-se perito sobre Londres, se não conhecer um verdadeiro cockney; se não dobrar numa rua lateral, longe das lojas e dos teatros, e bater numa porta particular numa rua de casas particulares.
Casas particulares em Londres têm tendência a serem muito parecidas. A porta abre-se para um vestíbulo escuro, ergue-se uma escada estreita; do patamar superior abre-se uma dupla sala de estar, e nessa dupla sala de estar vêem-se dois sofás, um de cada lado de um fogo crepitante, seis poltronas e três compridas janelas dando para a rua. Sempre matéria de considerável conjectura, é o que acontece na segunda metade da sala dos fundos, debruçando-se para os jardins de outras casas. Mas é com a sala de estar da frente que estamos preocupados; pois era ali que Mrs. Crowe se sentava, sempre, numa poltrona junto ao fogo; era ali que a sua existência transcorria; era ali que ela servia o chá.
Que tenha nascido no campo, embora estranho, parece ser um facto; que ela às vezes deixasse a cidade, naquelas semanas de Verão em que Londres não é Londres, também é verdade. Mas para onde ia, ou o que fazia quando saía de Londres, quando a sua poltrona estava vazia, a sua lareira apagada e a mesa desfeita, ninguém sabia ou podia imaginar. Pois conceber Mrs. Crowe com o seu vestido preto, o seu véu e o seu chapéu, caminhando num campo de nabos ou subindo um monte de pasto, está além da mais desvairada imaginação.
Ali, junto à lareira no Inverno ou à janela no Verão, sentara-se ela por sessenta anos - mas não sozinha. Havia sempre alguém na poltrona oposta, fazendo uma visita. E, antes que o primeiro visitante estivesse sentado há dez minutos, a porta sempre se abria e a criada Mary, de olhos e dentes proeminentes, que por sessenta anos abrira a porta, abria-a mais uma vez e anunciava um segundo visitante; e a seguir um terceiro, e logo depois um quarto.
Virginia Woolf (excerto)
O Aumento
Quando ficou a saber que seu jovem colega Bossi, a mais recente admissão da firma, ganhava mais de vinte mil liras por mês do que ele, Giovanni Battistela viu-se tomado de uma raiva espantosa. E teve uma coragem do que em condições normais lhe pareceria uma loucura: de fazer-se receber pelo director e dizer-lhe poucas e boas. E ei-lo que se apresenta no solene escritório, em cujo fundo estava sentado o chefe.
Por favor, por favor. Pode aproximar-se...
Queria desculpar-me, senhor comendador, mas...
Desculpar por quê? Não me fale em desculpar-se. Não faltava mais nada, meu caro Battistela. Eu é que devo agradecer-lhe por ter vindo.
O senhor?!
Eu, sim. E estou contente, contentíssimo em revê-lo. Mas por favor, sente-se, sim, porque as pessoas que nos são caras, em quem temos mais confiança, são precisamente aquelas que mais negligenciamos. Esta é a cruel lei da vida, não acha? Diga, diga, meu caro Battistela, há quanto tempo não trocamos duas palavras em santa paz? Semanas, não? Semanas, o quê! Meses, talvez. Muitos meses. Eu próprio não me surpreenderia se, em vez de meses, fossem anos...
Há, exactamente, dois anos e meio...
Dois anos e meio! Mas acredite, meu caro Battistela, durante esses dois anos e meio, todas as noites sabe disso? , na hora em que fazemos o nosso exame de consciência, eu pensava sempre no senhor. Todas as noites antes de dormir, comigo mesmo: «E Battistela? E o excelente Battistela? Não estás a esquecer-te dele?» Era o que eu dizia a mim mesmo: «Quando irás decidir-te a dar-lhe o cargo que ele merece? Um trabalhador como ele, uma coluna mestra da administração, um homem hoje em dia cada vez mais raro...» Assim reflectia eu, e todas as noites sentia remorso, pode acreditar.
Pois então, senhor comendador...
Estou disposto a ajudá-lo, não era isso que me ia perguntar? Ah, não me diga nada. Acha que eu não o compreendo? Que eu não tenho o condão de captar o seu pensamento? Palavra por palavra, poderei repetir-lhe tudo quanto tinha a intenção de dizer-me... Que existe quem, com muito menos títulos, está a ganhar mais do que o senhor, que isso é uma injustiça, que o senhor perdeu a paciência. Não é isso?
É, realmente...
E o senhor, meu caro Battistela, teve um ímpeto de exasperação, não é?... Quem não teria tido? A injustiça consegue transformar crianças mansas e humildes em verdadeiros tigres, não acha?
Dino Buzzati (excerto)
ANTIQUÁRiO
25JAN1652 - Em Lisboa, El-Rei D. João IV formaliza a patente que nomeia generalíssimo das armas de todo o Reino seu filho, o príncipe D. Teodósio, que faleceria aos dezanove anos de idade, na Quinta d’Alcântara.
BREVIÁRiO
Gradiva edita Egas Moniz [1874-1955] - Uma Biografia de João Lobo Antunes. L IMAG.62-136-206
Casa das Letras edita A Recompensa do Soldado de William Faulkner (1897-1962); tradução de Maria João Freire de Andrade.
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PRONTUÁRiO
LEITURAS
Ao longo do Século XX, sobretudo nas décadas de ’30 e ’40, o ideário, as personalidades e as realizações do Estado Novo foram amplamente focados pelo cinema, num expressivo testemunho através de distintas vertentes - reportagens, actualidades, documentários e, mesmo, recriações ficcionais. Constituindo um importante acervo histórico, para além da variável importância tecno-artística, tais obras fílmicas reflectiam - à época - uma decisiva e eficaz estratégia promocional, aliás paralela à exploração de outros circuitos mediáticos, sob inspiração de António Ferro, a qual foi inequivocamente assumida pelo SPN/Secretariado da Propaganda Nacional e organismos subsequentes. O SPN exerceu funções de produção, ou de patrocínio, cabendo uma intervenção relevante a António Lopes Ribeiro, com distribuição comercial pela SPAC/Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas. Da prática à teoria, eis matérias tratadas - com testemunho e erudição - em O Cinema Sob o Olhar de Salazar - re-editado sob chancela Temas e Debates, com Círculo de Leitores - sob coordenação de Luís Reis Torgal, sendo ainda autores Alberto Pena Rodríguez, Álvaro Garrido, António Pedro Pita, Cristina Barcoso, Fausto Cruchinho, Heloísa Paulo, Jorge Seabra, José de Matos-Cruz, Paulo Filipe Monteiro e Paulo Jorge Granja.
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CALENDÁRiO
16ABR-13MAI2011 - Em Guimarães, Laboratório das Artes exibe Contador de Histórias - Mostra de Vídeos 2002/2011 por Xico.
MEMÓRiA
JAN1412-30MAI1431 - Joana d’Arc: «Senhor, vim conduzir os vossos exércitos à vitória!» (1429 - a Carlos VII).
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1809-06JAN1852 - Louis Braille: «Nós não queremos ficar separados do mundo porque não podemos ver, e por isso temos de trabalhar e estudar para sermos iguais aos outros, para não sermos desprezados como ignorantes ou objecto de piedade. Farei tudo o que puder para ajudar a alcançar a dignidade através do conhecimento… O acesso à comunicação no seu sentido mais lato é o acesso ao conhecimento e este é de importância vital para nós, se não quisermos ser desprezados ou protegidos por normovisuais condescendentes. Não precisamos de piedade nem de que nos lembrem que somos vulneráveis. Queremos ser tratados como iguais, e é através da comunicação que podemos consegui-lo».
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1564-08JAN1642 - Galileu Galilei: «A ciência humana de maneira alguma nega a existência de Deus. Quando considero quantas e quão maravilhosas coisas o homem compreende, investiga e consegue realizar, então reconheço claramente que o espírito humano é obra de Deus, e a mais notável».
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21JAN1482 - Na Costa da Guiné, Diogo da Atarobujn lança-se os primeiros fundamentos da Fortaleza de São Jorge da Mina, decisiva para o estabelecimento dos Portugueses.
1791-21JAN1872 - Franz Grillparzer: «As correntes da escravidão apenas prendem as mãos. É a mente que subjuga o homem livre».
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21JAN1922-2008 - Paul Scofield: «Entre os grandes dez momentos do teatro, oito pertencem a este excepcional actor» (Richard Burton).
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23JAN1832-1883 - Édouard Manet: «Não há linhas na natureza, apenas áreas de cor, que se contrastam entre si».
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1875-29JAN1962 - Fritz Kreisler: Compositor e violinista austríaco da escola franco-belga - «Génio, é uma palavra usada em demasia. No mundo, há apenas uma dúzia… Eu apenas logrei chegar próximo».
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VISTORiA
Poema Para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
António Gedeão (início)
TRAJECTÓRiA
FRITZ KREISLER
Nasceu em Viena, em 1875, filho de pai judeu e de mãe católica. Estudou música em Viena e em Paris e, entre seus professores, mencionam-se Anton Brucker, Léo Delibes, Jakob Dont, Joseph Hellmesberger Jr., Joseph Massart e Jules Massenet. A sua estreia em Nova Iorque decorreu em Novembro de 1888, no Steinway Hall. De volta à Áustria, fez parte da Filarmónica de Viena. Durante a I Guerra Mundial, lutou no exército austro-húngaro e foi ferido, tendo baixa com honra. Viveu depois nos Estados Unidos, na Alemanha e em França. Em 1943, regressou aos EUA, tendo-se naturalizado norte-americano. Continuou em actividade artística até 1950, e faleceu em Nova Iorque no ano de 1962.
COROLÁRiO
Porque será que as comparações de palavras e a melodia dos poemas nunca tomam em consideração que a palavra é um mero significante, enquanto o som, além de ser um significante, é também um objectivo?
Franz Grillparzer - Notebooks e Diaries (1820)
NOTICIÁRiO
Biblioteca Para Cegos
Em todas as nações os cegos têm as suas bibliotecas excepto em Portugal. O Dr. Mascaró venceu todas as dificuldades que havia em Lisboa para imprimir o que for necessário para os cegos e inventou um alfabeto para estes infelizes, em harmonia com o dos videntes, superior a todos os conhecidos, segundo a opinião de pessoas competentes. Em Paris, as senhoras da primeira sociedade empregam-se a copiar trechos escolhidos para a leitura dos cegos, logrando assim instruir e espairecer o espírito d’esta classe tão infeliz. As senhoras e cavalheiros de Lisboa e das províncias que quiserem copiar trechos selectos dos autores portugueses, ou contribuir para a fundação de uma biblioteca, devem dirigir-se pessoalmente ou por escrito ao Instituto Mascaró, na Rua do Alecrim número 20, ou na Rua Nova do Carmo, loja dos irmãos Barella & Irmão, onde se lhes darão as instruções necessárias para fazerem sem nenhuma despesa uma obra tão humanitária.
18ABR1890 - Diário de Notícias
Os Lusíadas Escrito Por Um Cego
Acha-se em exposição, na Livraria Ferin, esta obra escrita em caracteres de relevo do Sistema Llorens, pelo cego Marcos Barreiros, discípulo de Branco Rodrigues. É cópia da Reprodução Crítica da edição de 1572, publicada sob a direcção de F. Adolpho Coelho em 1880.
21NOV1890 - Diário de Notícias
NOTICIÁRiO
Camões em Alfabeto Mascaró
Também em Portugal, o sonho de se descobrir um sistema utilizável por todos não se extinguiu e, por se tratar do nosso país, a tentativa para o conseguir converte-se no alvo de um pouco mais de curiosidade. Assim sendo, consideremos, ainda que em breves palavras, o obreiro deste feito que se desenvolveu nos últimos vinte anos do século XIX, quando o tiflopedagogo José Cândido Branco Rodrigues liderava um escol de humanitas - constituído por, entre outros, João de Deus, Madame Sigaud Souto, a Duquesa de Palmela, Madame Frondoni e o dramaturgo Fernando Palha -, prosseguia na sua missão de abrir as portas da escolarização e da cultura para os deficientes visuais, que começavam a ser iluminados pela luz interior, a luz intelectual que supera, muitas vezes, a falta do sentido da visão. Esse obreiro era espanhol, oftalmologista de profissão e de nome Aniceto Mascaró; nasceu em 1842 e faleceu em 1906, em Lisboa, onde se havia fixado em 1870 e abrira uma clínica da sua especialidade. Anteriormente tinha exercido a sua profissão nos Estados Unidos da América e em Cuba, onde, ao que consta, o fez com muito êxito. Mascaró fundou, em 1889, na sua casa, sita na rua do Alecrim, n.º 20, o Instituto Médico-Pedagógico para Cegos, no qual, além das consultas oftalmológicas, se dedicou aos estudos necessários à elaboração do seu Método de Leitura e Escrita para Cegos e Pessoas de Visão Normal e à preparação de professores para ensinarem os deficientes visuais por meio do método a que ele se votara de alma e coração. Como acréscimo às actividades referidas, em 1898, o Instituto promovia a edição de um periódico, denominado Revista Mascaró para Cegos e Videntes, do qual desconhecemos o tempo de vida e quantos números foram editados. Mascaró faleceu em Abril de 1906, e com a sua morte acabou também o Instituto que, a manter-se activo, prolongaria a vida do seu fundador na memória colectiva.
Isidro E. Rodrigues - As Mãos da Escrita (excerto)
PARLATÓRiO
Acredito que os filósofos voam como as águias e não como pássaros pretos. É bem verdade que as águias, por serem raras, oferecem pouca oportunidade de serem vistas e muito menos de serem ouvidas, e os pássaros pretos, que voam em bando, param em todos os cantos, enchendo o céu de gritos e rumores, tirando o sossego do mundo.
Galileu Galilei
ANUÁRiO
1633 - Julgado por heresia, em 1633, e forçado a abjurar a sua crença de que a Terra gira à volta do Sol, Galileu Galilei murmura ainda: «Eppur si muove» (No entanto, move-se).
1872 - O rendimento da Santa Casa da Misericórdia do Porto, para o ano económico de 1872 a 1873, é orçado em 128.600$263 réis.
BREVIÁRiO
Editorial Presença lança O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch de Henry Miller (1891-1980).
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Editorial Presença lança O Abutre de Franz Kafka (1883-1924).
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Dom Quixote edita A Ignorância de Milan Kundera; tradução de Miguel Serras Pereira.
Assírio & Alvim edita Os Melhores Contos do Padre Brwon de G.K. Chesterton (1874-1936); tradução de Jorge Pereirinha Pires.
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PRONTUÁRiO
PROVAÇÕES
Questionado por François Truffaut, sobre a proeza de ter rodado, integralmente, Um Barco e Nove Destinos / Lifeboat (1943) no espaço reduzidíssimo de um salva-vidas, Alfred Hitchcock confirmaria tal desafio como a expressão de uma teoria que tinha nessa época. Estando em causa «um microcosmos da própria guerra» que grassava pelo mundo, entendia o mestre do suspense que, «se analisássemos uma fita psicológica corrente, obtínhamos o resultado de, em oitenta por cento, ela estar, visualmente, consagrada aos planos gerais ou aos planos médios», tendo consumado uma experiência sobre a unidade de lugar, tempo e acção… Em pleno Atlântico, um barco acaba de ser torpedeado. Num bote salva-vidas, refugiam-se uma jornalista de moda, um engenheiro com ideias esquerdistas, uma jovem enfermeira do exército, um industrial de extrema-direita, um marinheiro gravemente ferido, um steward negro, de arraigadas crenças religiosas, e uma inglesa que leva nos braços o cadáver do filho. A intriga complica-se com a chegada de um marinheiro alemão, que é a única pessoa capaz de dirigir a barcaça. Devem atirá-lo ao mar, ou dar-lhe carta branca? Deixam-no à vontade mas depois, surpreendido em flagrante delito de traição, é linchado pelos náufragos, que um navio aliado acaba por recolher.
MEMÓRiA
1855-08JAN1902 - Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque: «Essas poucas páginas brilhantes e consoladoras que há na História do Portugal contemporâneo, escrevemo-las nós, os soldados, lá pelos sertões da África com as pontas das baionetas e das lanças a escorrer em sangue».
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15JAN1622-1673 - Jean-Baptiste Poquelin, aliás Molière: Encenador e actor francês, dramaturgo sob o lema ridendo castigat mores - «A palavra foi dada ao homem para explicar os seus pensamentos e, assim como os pensamentos são os retratos das coisas, da mesma forma as nossas palavras são os retratos dos nossos pensamentos... Deveríamos olhar demoradamente para nós próprios, antes de pensarmos em julgar os outros». IMAG.42-132-146-312
CALENDÁRiO
14ABR2011 - Faux produziu, e estreia A Cidade dos Mortos e Waiting For Paradise de Sérgio Tréfaut.
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22ABR-08MAI2011 - Sob o tema Viajantes de Papel, decorre o 17º Salão Internacional de Banda Desenhada - Moura BD 2011; organização da Câmara Municipal de Moura, sendo homenageados Victor Mesquita com o Balanito de Honra e, postumamente, Carlos Roque com o Balanito Especial.
BREVIÁRiO
Castello Lopes edita em DVD, sob chancela 20th Century-Fox, Um Barco e Nove Destinos / Lifeboat (1943) de Alfred Hitchcock; com Tallulah Bankhead e William Bendix.
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VISTORiA
Duarte
Luísa! pois a alegria
que me entrou co teu amor,
fez-se em ti melancolia!
Que mistério! a que vem dor?
Suspiras! por que suspiras?
Arrependes-te? é pesar
de teres feito acabar
a minha isenção?
Luísa
Deliras,
meu caro injusto Duarte;
e és um mau: não, não mudei:
amei-te, amo-te, hei-de amar-te,
sempre, sempre; mas não sei
o que o peito me adivinha.
Não me pesa do que fiz,
mas esta imprudência (a minha)
terá desfecho feliz?
De tudo o que eu mais receio
é que este amor que arde aqui
me desgrace um dia.
Molière - O Avarento (Acto 1º, Cena I - excerto)
-Tradução de António Feliciano de Castilho
EPISTOLÁRiO
Carta ao Príncipe D. Luís Filipe
de Mouzinho de Albuquerque
Nomeado seu aio e perceptor
Por El-Rei D. Carlos I
Meu Senhor:
Quando Vossa Alteza chegou à idade em que a superintendência da sua educação tinha que ser entregue a um homem, houve por bem El-Rei nomear-me Aio do Príncipe Real. Foi Sua Majestade buscar-me às fileiras do Exército. Não escolheu por certo o militar de mais valor, mas simplesmente aquele a quem uma série de acasos felizes mais ensejo dera de provar que sabia, custasse o que custasse, obedecer ao que lhe era ordenado e que também sabia, doesse a quem doesse, fazer cumprir as ordens que dava.
Não por certo a Vossa Alteza como filho e como súbdito, e menos a mim como soldado, compete apreciar e criticar as determinações de El-Rei. A Vossa Alteza como a mim, deu Sua Majestade uma ordem, a ambos nós cumpre obedecer-lhe e nada mais. Mas para bem lhe obedecer não basta ver-lhe a letra, é necessário estudá-la, descortinar-lhe o espírito. Escolhendo um soldado para vosso Aio, que fez El-Rei? Subordinou a educação de Vossa Alteza ao estado em que se acha o País. Nesta época de dissolução, em que tão afrouxados estão os laços da disciplina, entendeu Sua Majestade que Portugal precisava mais que tudo de quem tivesse vontade firme para mandar, força para se fazer obedecer. E como ninguém pode ensinar o que não sabe, o que não tem praticado, foi El-Rei procurar o vosso Aio à classe única em que se encontra quem obedeça sem reticências e mande sem hesitações.
Por esse motivo, o primeiro dos meus deveres é fazer de Vossa Alteza um soldado.
É Vossa Alteza Príncipe, há de ser Rei; ora, Príncipe e Rei que não comece por ser soldado, é menos que nada, é um ente híbrido cuja existência se não justifica. Há poucos anos andava pela Europa, num exílio vagabundo de judeu errante, um Imperador que num momento de crise esqueceu que o seu título vinha do latim Imperator, epíteto com que se saudavam os vencedores, e que se não vence sem desembainhar a espada - sine sanguine victoria non est. Por um erro igual já subiu um Rei ao cadafalso e outros foram despedidos do trono para o exílio sempre doloroso e humilhante. Príncipe que não fôr soldado de coração, fraco Rei pode vir a ser.
O que foram na verdade os Reis primitivos? Guerreiros audaciosos que os companheiros de armas levantaram nos escudos acima das suas cabeças. E o que foi o maior dentre os Reis, aquele cujo nome ribomba como um trovão na história deste século? Um militar ambicioso que, elevado ao Império pelos seus soldados, não se deu por contente enquanto não pôs o pavês que o levantara em cima das costas dos outros Reis da Europa que lhe serviram de pés ao trono. E entretanto, a despeito da sua incomparável grandeza de ânimo, a despeito das qualidades únicas de mando com que a Providência o dotara, talvez para castigo de muitos, por certo para exemplo de todos, caiu esse colosso e o grande Imperador foi derrubado por esses mesmos que tanta vez vencera. Faltava-lhe a tradição da Monarquia, da linhagem Real, que cimenta e consagra a autoridade dos Reis legítimos.
Mas nessas mesmas linhagens Reais só foram grandes os que souberam lançar mão da espada sempre que lhes foi necessário. Por isso, repito, primeiro que tudo tem Vossa Alteza que ser soldado.
Aprenderá a sê-lo na história de seus avós. Este Reino é obra de soldados.
Destacou-o da Espanha, conquistou-o palmo a palmo, um príncipe aventureiro que passou a vida com a espada segura entre os dentes, escalando muralhas pela calada da noite, expondo-se à morte a cada momento, tão queimado do sol, tão curtido dos vendavais como o ínfimo dos peões que o seguia. Firmou-lhe a independência o Rei de Boa Memória, que tantas noites dormiu com as armas vestidas e a espada à cabeceira, bem distante dos regalos dos Paços Reais. E para a formação de vossa Casa concorreu com o ele o mais branco dos seus guerreiros, que simbolizou e resumiu em si quanto havia de nobre e puro na História Medieval, um herói e um santo. Mais tarde o Príncipe Perfeito, depois de haver mostrado que sabia terçar lanças em combate com o melhor dos cavaleiros, depois de haver abatido de vez todas as cabeças que se erguiam por demais altivas perante a Corôa Real, deu pela força da sua vontade de ferro um impulso de tal ordem às nossas naus, que foram ter ao Cabo da Boa Esperança, abrindo a Portugal o caminho por onde chegou ao apogeu da glória. Soldados, se lhes pode bem chamar a estes, porque tiveram o desapego da vida, a força do mando, a obediência cega àquilo que acima de tudo deve imperar nos Reis - a ideia fixa e pertinaz da glorificação do seu nome e da grandeza do Reino onde Deus os fez os primeiros de entre os homens.
Para não ser injusto nem ingrato, não deve Vossa Alteza lembrar-se somente dos felizes porque nem só eles foram soldados. Houve um Rei de Portugal que, não podendo ser vencedor, soube morrer herói. Não tendo alcançado a vitória ambicionada, procurou a morte gloriosa. «A liberdade Real só se perde com a vida», foram as últimas palavras que se lhe ouviram e do cativeiro infamante salvou-o a morte, única libertadora invencível porque não há algemas que prendam um morto. Errou, é certo, mas a morte de valente, expiatória e heróica, redime os maiores erros. Bem merece ele o nome de soldado, bem estudada e meditada deve ser a sua História, porque pelo estudo e pela meditação se formam as almas e a alma de um Príncipe para tudo deve estar temperada, até para as maiores desgraças.
Soldado também e como poucos, foi D. Pedro IV. Trabalhou e combateu como soldado e teve a audácia precisa nos lances decisivos, a resignação estóica nas mais dolorosas crises, a presença de espírito nas situações mais difíceis, a decisão rápida e pronta para aproveitar as vitórias. E tanto se lhe enraizaram na alma os brios de soldado que, quando se viu insultado, apupado sem poder desembainhar a espada que tão bem o houvera servido, estalou de dor. As chufas com que o populacho cobarde e ingrato lhe pretendeu enlamear a farda, foram-lhe direitas ao coração, mataram-no. […]
Se para descanso de seu espírito vaticinasse a Vossa Alteza um futuro risonho de despreocupações e gozos, faltaria por completo ao meu dever. Ao escolher-me para vosso Aio, disse-me El-Rei: «Faze dele um homem e lembra-te que há de ser Rei».
Proporcionando a Vossa Alteza o conhecimento do que fizeram em África os seus mais leais servidores, apontando-lhe com seu exemplo, procurando temperar-lhe a alma para as mais duras provas por que pode vir a passar, não faço mais que cumprir as ordens de El-Rei e procurar, como tenho sempre feito, corresponder à confiança de Sua Majestade. A Vossa Alteza cumpre realizar as esperanças de seu Augusto Pai e nosso Rei, as esperanças de todos os Portugueses.
Que Deus o guie e proteja nesse difícil e glorioso caminho, é o mais ardente voto do Seu Aio muito dedicado
Joaquim Mouzinho (1898 - excertos)
PRONTUÁRiO
CELEBRAÇÃO
O sucesso logrado pelo 21º AmadoraBd 2010 - Festival Internacional de Banda Desenhada, centrado no Centenário da República Portuguesa, tem repercussões artísticas e documentais - ao nível quer das histórias em quadradinhos, quer das memórias revolucionárias - no Catálogo editado com direcção de Nelson Dona e coordenação de Cristina Gouveia, sob chancela da Câmara Municipal da Amadora, no âmbito das Comemorações Nacionais do Centenário da República. Um distinto formato, quanto às dimensões tradicionais, e um conceito específico, alusivo às celebrações, fundem-se numa vitalidade gráfica e contextual que, em conjugação com as diversas manifestações do certame, definirá também expectativas futuras. Ainda em privilégio, Richard Câmara como autor nacional em destaque - o que motivou uma justa e aliciante retrospectiva individual, a par com o convite para redesenhar as figuras / actualizar o imaginário de Quim e Manecas de Stuart Carvalhais. Matéria de apreço, eis sobretudo um precioso suporte analítico e ilustrativo.
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MEMÓRiA
01JAN1652 - Morre no Castelo de Lisboa, onde o haviam encarcerado por suspeita de faccioso de Castela, D. Jorge de Mascarenhas, 1º Conde de Castelo-Novo e Marquês de Monte-Alvão, governador que tinha sido de Mazagão e Tanger; jaz no Convento de São Paulo de Setúbal.
01JAN1912-1994 - Tony Weare: Autor de banda desenhada, ilustrador de Matt Marriott (1955-1977) sobre argumentos de Jim Edgar, saga western aparecida em The Evening News e distribuída por Associated Newspaper.
03JAN1892-1973 - John Ronald Reuel Tolkien, alias J.R.R. Tolkien: «Não é nossa função controlar todas as marés do mundo, mas sim fazer o que pudermos para socorrer os tempos em que estamos inseridos, erradicando o mal dos campos que conhecemos, para que aqueles que viverem depois tenham terra limpa para cultivar» (Gandalf - O Senhor dos Anéis).
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1656-14JAN1742 - Edmond Halley: Astrónomo inglês, em 1682 determinou a órbita elíptica, em torno do Sol, de um cometa designado com o seu nome - «Posso, com alguma certeza, prever o regresso deste cometa para 1758. A posteridade não se furtará certamente a reconhecer que este facto foi descoberto por inglês».
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CALENDÁRiO
07ABR2011 - No Alvaláxia, ZON Lusomundo estreia A Espada e a Rosa de João Nicolau; com Manuel Mesquita e Joana Cunha Ferreira.
07ABR2011 - No Amoreiras, ZON Lusomundo estreia Quinze Pontos Na Alma de Vicente Alves do Ó; com Rita Loureiro e Ivo Canelas.
09ABR2011 - Artistas portugueses distinguidos na sétima edição do World Press Cartoon, que decorreu em Sintra: 1º Prémio de Caricatura - João Vaz de Carvalho - Dom João I de Portugal (Notícias Magazine - 11ABR2010); 3º Prémio de Caricatura - Santiagu - Madre Teresa de Calcutá (Repórter do Marão - DEZ 2010).
ANUÁRiO
1542-1616 - Diogo do Couto: Cronista, autor de Diálogo do Soldado Prático, continuador das Décadas da Ásia de João de Barros - «Hia com elle embarcado o pai de Fernão Lopes de Castanheda, que ElRey mandava à India pera escrever os feitios daquellas partes... Este homem andou na India quasi dez annos, correndo a mór parte della, até chegar a Malu, escreuendo as cousas daquelle tempo mui diligentemente, que recopilou em dez livros, acabando o seu decimo com o Governador D. João de Castro. Este volume nos disseram algumas pessoas dignas de fé que ElRey D. João mandára recolher a requerimento de alguns Fidalgos, que se acharam naquelle raro, e espantoso cerco, porque fallava nelle verdades» (IV - Da Ásia - ed 1777).
ANTIQUÁRiO
05JAN1952 - É posto à venda o Cavaleiro Andante, semanário juvenil editado pele Empresa Nacional de Publicidade, sendo director Adolfo Simões Müller; terminou em 25AGO1962, com 556 números publicados.
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INVENTÁRiO
MATT MARRIOTT
Exposta embora ao mítico Oeste americano, a saga de Matt Marriott nasceu em Inglaterra - onde foi publicada originalmente, a partir de Setembro de 1955, em The Evening News, sendo autores James Edgar no argumento, e Tony Weare no desenho. Aliás, devem-se a artistas britânicos Wes Slade de George Stokes e Gun Law/Matt Dillon de Harry Bishop - aparecidos em 1971, respectivamente no Sunday Express e no Daily Express. No entanto, Matt Marriott constitui um caso à parte em cotejo com os citados ou a generalidade - mesmo de produção americana - sobre o western.
Desde logo, existe em Matt Marriott uma densidade dramática jamais superada, neste género de histórias em quadradinhos. Notável ao nível da progressão, na breve incidência das peripécias em tensão, na caracterização complexa ou contraditória das personagens. Quer tomando a série no conjunto, onde nos deparamos com uma penetrante toada épica; quer apreciando um simples episódio, com toda a sucessão e carga dos conflitos que se agudizam, até uma inevitabilidade trágica, domina a opressão fatídica, o cruel determinismo em que a aventura enreda todos os intervenientes.
Quanto à ilustração, Matt Marriott é insuperável, no labor manual de Weare, sem recurso à trama mecânica. O seu traço, aparentemente tosco, atinge duplamente a sensação de relevo e de profundidade. É um trabalho meticuloso, por vezes esquemático, para obter um impressivo contraste quanto à silhueta, ou à iluminação - no rigor dos cenários, na força de ambientes e paisagens. Os rostos parecem talhados em madeira, ou recortados a cinzel - o que atribui uma expressão grotesca (os malvados) ou etérea (as donzelas)... O desenho resiste ou acentua-se numa inspecção à lupa.
Muito se especularia sobre a psicologia dos heróis: a sensatez e a bondade, a solidez imperecível de Matt Marriott; a astúcia, a energia belicosa, a generosidade de Powder Horn. Entre estes companheiros - que perpetuam uma errática peregrinação - existe uma ambígua relação que, radicando-se na carência de protecção recíproca, se radicaliza num complexo sexual apenas sugerido. Não são paladinos míticos ou triunfalistas, mas autênticos perdedores ante a adversidade, que apenas se impõem graças à tenacidade quase obsessiva, e perseguidos pelos traumas da sua vagabundagem.
Mais que protagonistas, são parceiros eficazes numa intriga adversa, que sempre se reinicia e os reclama, com insuspeitáveis consequências... As outras personagens que compõem o bestiário humano, estilizado pela acção, assumem por vezes uma intervenção determinante, que condiciona a narrativa. Assim também, um decisivo conflito histórico forjará os estigmas do ódio, da culpabilidade e do transe, com Marriott e Powder irresistivelmente enleados. Acabando por veicular os acontecimentos - para um epílogo rude, assombrado, mas afinal dignificante ou resgatador.
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DEDICATÓRiA
Ao Conde de Salinas e Ribadeo, e Duque de Franca-Vila, do Conselho Supremo do Estado de Sua Majestade.
Aquele famoso, eloquente capitão Alcebíades ateniense parece que, por querer reprender e vituperar os Jogos Silenos, que representavam as figuras torpes de Baco, ordenou outros jogos, a que chamaram depois Silenos de Alcebíades, nos quais, debaxo de figuras grosseiras e pouco polidas, se encerravam outras obras de muito artifício, doutrina e envenção; cousa que era muito estimada entre os gregos.
Assi este prove soldado ou sileno que se vai lançar aos pés de Vossa Excelência em figura tão rústica, mal ordenada, e que parece avorrecerá a quem o vir, abra-o Vossa Excelência sem o julgar pelo trajo e achará debaxo daquela rustiqueza muita doutrina política, moral, muitos exemplos, muitas verdades e muitas cousas, que, se se remediarem, farão ũa república, como esta de que trata, tão próspera e tão felice como foi aquela de Atenas, que com este artifício foi o seu Alcebíades reformando e ordenando, té a pôr em suma perfeição.
Tudo o que Vossa Excelência quiser saber dele, ouça-o, que ele o dirá sem importunação, sem adulação e sem paxão; e eu fico que se satisfaça dele, porque ouvirá cousas que pode ser não ouvisse da boca doutro soldado; e não quer outra satisfação maior do trabalho que leva nesta jornada que ser ouvido de Vossa Excelência, porque então cudará que podem ter remédio os males de que se queixa.
Nosso Senhor a vida de Vossa Excelência conserve e acrecente por muitos anos para remédio deste soldado e dos outros.
Goa, 2 de Janeiro de ‘612,
Diogo do Couto, cronista e guarda-mor da Torre do Tombo da Índia - Diálogo do Soldado Prático Que Trata dos Enganos e Desenganos da Índia
TRAJECTÓRiA
Edmond Halley
Astrónomo inglês cujo nome permaneceu unido ao famoso cometa, mas cuja contribuição para o desenvolvimento da astronomia vai além do estudo dos cometas e suas órbitas. Nascido em Maggerston, nas proximidades de Londres, começou muito jovem os estudos celestes: já aos vinte anos empreendeu grandes viagens ao hemisfério Sul para recompilar um catálogo de estrelas boreais, seguindo os passos de John Flamsteed (1646-1719), fundador e director do observatório real de Greenwich, com as estrelas do céu austral. Ao chegar a Santa Helena, determinou a posição de 341 estrelas, que publicou no Catálogo das estrelas austrais, editado em Londres em 1679.
Nos anos sucessivos, o astrónomo, que era um fervoroso admirador de Isaac Newton (1642-1727), travou amizade com este génio das ciências do céu e alentou-o a complementar e imprimir essa obra fundamental da mecânica celeste que é Philosophiae Naturalis Principia Matematica (princípios matemáticos da física natural). Neste livro, Newton enuncia a teoria fundamental que levará o nome de Gravitação universal.
Aplicando os métodos de cálculo inventado por Newton, Halley reconstruiu as órbitas de vinte e quatro cometas aparecidos no passado e reparou que as órbitas de três deles mostravam uma grande afinidade. Propôs então a ideia de que se tratava do mesmo cometa observado em três retornos sucessivos e escreveu esta convicção sua no livro Sinopses da astronomia dos cometas, publicado em Londres em 1705.
Edmund Halley morreu em 1742, 16 anos antes da sua hipótese poder ser confirmada. No entanto, pontual ao encontro que o grande cientista lhe tinha marcado, o cometa de 1682 reapareceu em 1758 e foi avistado na noite de Natal daquele ano pelo astrónomo amador G. Palitzsh. Embora os cometas levem habitualmente o nome do seu descobridor, desta vez pareceu justo dar-lhe o nome de Halley, o cientista que estudou a sua órbita e foi o primeiro em predizer a natureza do astro com retornos periódicos.
Enciclopédia Multimídia
em CD-ROM
PRONTUÁRiO
REFLECTIR
Tendo como objectivo expandir e intensificar uma ligação ao meio académico e cultural, Letras Com Vida - Literatura, Cultura e Arte é uma revista semestral do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias/CLEPUL da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sob a direcção de Miguel Real e Béata Elzbieta Cleszynska, de incidência multitemática «na sua natureza diversificada e nas linhas de pensamento». Aberto à colaboração de articulistas nacionais e estrangeiros, este projecto associa, assim, personalidades destacadas da cultura portuguesa e europeia, a jovens investigadores do CLEPUL - de Eduardo Lourenço, Zigmunt Baumann, Vasco Graça Moura, Guilherme d’Oliveira Martins, José Jorge Letria, Filomena Oliveira e António Carlos Cortez, até Cristiana Lucas, Fernanda Santos, Paula Carreira, Rosa Fina e Susana Alves. O primeiro número de Letras Com Vida inclui uma Evocação de Jacinto do Prado Coelho (1920-1984), e Cadernos 01 sobre Um Regresso às Imagens e aos Sons na Lírica de Guerra Junqueiro por Maria Helena da Rocha Pereira. http://www.clepul.eu/rev-letrasconvida.asp
CALENDÁRiO
1924-09ABR2011 - Sidney Lumet: «Para certas coisas, dispomos de um talento natural. Algumas, temos que aprender. Outras, simplesmente, somos incapazes de as realizar... Não sei explicar a minha existência. A minha vida define-se a si mesma, enquanto eu existir». IMAG.25-35-331
MEMÓRiA
1847-24MAR1921 - Maria Amália Vaz de Carvalho: Escritora e pedagoga portuguesa - «A mulher é um poder, é preciso aproveitá-la na obra comum da civilização».
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24DEZ1931-2008 - Mauricio Kagel: Compositor argentino «incontornável, não só por ser uma referência por tudo aquilo que trouxe de novo à música, principalmente na segunda metade do Século XX, mas também porque era uma figura carismática» (Luís Tinoco). IMAG.217
26DEZ1891-1980 - Henry Miller: «O mundo é a nossa casa, mas teremos ainda que a ocupar; a mulher que amamos está à nossa espera, mas não sabemos onde encontrá-la; o atalho que buscamos está sob os nossos pés, mas não o reconhecemos. Quer sejamos deste mundo por muito ou pouco tempo, os poderes por explorar são ilimitados».
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27DEZ1571-1630 - Johannes Kepler: «São grandes as vantagens industriais derivadas do princípio económico da divisão do trabalho - porém, e por isso mesmo, privou-se de alma e de vida o trabalho do homem».
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27DEZ1901-1992 - Maria Magdalene Von Bosch, aliás Marlene Dietrich: «Quando é que o amor acaba? Se alguém disser que se encontrará com outro alguém às sete horas e só chega às nove, e se essa pessoa ainda não chamou a polícia, é porque o amor acabou mesmo… Na América, o sexo é uma obsessão. Nas outras partes do mundo, trata-se de um facto».
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¨28DEZ1931-1994 - Guy Debord: «As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente reflecte em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte, objecto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espectáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autónomo do não-vivo» (A Sociedade do Espectáculo - 1967).
29DEZ1911-1969 - Alves Redol: O escritor «nasce todos os dias, insubmisso e firme, tanto para detectar injustiças, qualquer que seja a sociedade onde viva, como para repudiar o próprio ripanço que se apodera de alguns».
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COMENTÁRiO
... É portanto, impossível que a razão não previamente instruída pudesse imaginar algo, senão que a Terra seria um tipo de casa imensa com a cúpula do céu no topo; não teria movimento e, dentro dela, o Sol tão pequeno passaria de uma região para outra, como um pássaro esvoaçando pelo ar...
...A Geometria existiu, e continua a existir, desde antes da Criação. É coeterna com a mente de Deus... A Geometria forneceu a Deus um modelo para a Criação... A Geometria é o próprio Deus...
Johannes Kepler
VISTORiA
A Reabilitação do Amor
À indiferença oponhamos o amor, à dúvida oponhamos a fé.
O céu tem ainda o azul radiante dos dias da mocidade; a natureza é ainda a bela insensível, que assiste radiosa e iluminada às nossas lágrimas eternas, que o vento enxuga num momento!
Contemplemos de mais alto a evolução dos ideais e a transformação das coisas.
Se na terra somos efémeros de uma hora, nunca se quebra a cadeia que se vai forjando, dos ideais belos que concebemos ao passar.
Soframos, tal é o nosso destino e quase o nosso dever, mas amemos, que é o meio de tornarmos fecunda para os outros a dor que acima de nós mesmo nos levanta, a dor que é inspiração de todo o bom, de todo o belo, que em nós há.
O pessimismo leva à abdicação da vontade, à própria negação do sofrimento, pela completa insensibilidade a que aspira, e que de vez em quando já começa a atingir.
Não vale a pena! Eis a divisa da nossa desolada geração!
Pois é necessário que, em contradição e em protesto a este lema egoístico, se levante das nossas entranhas de mães, dos nossos corações de mulheres, um grito de amor intenso, um grito de amor fecundante e poderoso.
Porque um dos defeitos da nossa quadra é este: depois de termos dado ao amor um lugar enorme, predominante, decisivo e tirânico, tendemos a cercear-lhe todos os direitos, a destruir-lhe todas as influências boas.
O nosso século, que por meio de radiante romantismo fez do amor o Deus pagão que foi na Renascença, hoje, pela escola científica do temperamento e do meio, vai fazer do amor um poder inconsciente, que, segundo as circunstâncias em que é chamado a actuar, é um órgão de reprodução animal, ou um elemento de corrupção dissolvente.
Reabilitemos o amor.
Façamos dele alguma coisa de mais ou de menos do que o estão fazendo os mestres da literatura contemporânea, fotógrafos, neste ponto, dos costumes decadentes da época.
Ele não é a suprema e última embriaguez embrutecedora em que a humanidade tende a adormecer, como essa literatura, de sensualismo agonizante, parece querer demonstrar-nos; pelo contrário, ele é a fonte da eterna juventude em que os velhos, da velhice precoce deste século, da velhice que se traduz pelo excesso do pensamento e da sensação, podem ainda retemperar as forças exaustas; é dele que podem ainda partir as grandes iniciativas transformadoras, as poderosas e viris energias, os sonhos iluminados da virtude e do bem.
Maria Amália Vaz de Carvalho
- Cartas a Luísa (excerto)
A vida tem na aldeia um ritmo que a cidade nunca poderá entender. Cada compasso, aqui, dura um ano certo. Porque se mata o porco só pelo Natal, se os salpicões ficam salgados passam-se trezentos e sessenta e cinco dias a repetir:
Os salpicões ficaram salgados.
A correcção apenas se poderá fazer no ano seguinte.
Cada semente que a mão lança à terra, cada árvore enxertada, cada lagar de vinho, prendem o homem a um pelourinho de expiação, de doze meses. Desde que haja engano numa realização, só na próxima sementeira, época ou colheita se poderá retomar a liberdade, para de novo semear, enxertar e pisar e apagar da própria lembrança e da dos vizinhos o erro vital cometido.
Miguel Torga - Diário IV (excerto)
O Homem Que Confessa os Seus Pecados Nunca É o Mesmo Que os Cometeu
Monstro, robot, escravo, ser maldito - pouco importa o termo utilizado para transmitir a imagem da nossa condição desumanizada. Nunca a condição da humanidade no seu conjunto foi tão ignóbil como hoje. Estamos todos ligados uns aos outros por uma ignominiosa relação de senhor e servo; todos presos no mesmo círculo vicioso entre julgar e ser julgado; todos empenhados em destruir-nos mutuamente quando não conseguimos impor a nossa vontade. Em vez de sentirmos respeito, tolerância, bondade e consideração, para já não falar em amor, uns pelos outros, olhamo-nos com medo, suspeita, ódio, inveja, rivalidade e malevolência. O nosso mundo assenta na falsidade. Seja qual for a direcção em que nos aventuremos, a esfera de actividade humana em que nos embrenhemos, não encontramos senão enganos, fraudes, dissimulação e hipocrisia.
Reconhecer que os homens, por muito alto que estejam colocados, não conseguem, não ousam, pensar livremente, independentemente, quase me desespera para fazer-me ouvir. E se falo ainda, se me arrisco a exprimir os meus pontos de vista sobre certas questões fundamentais, é porque estou convencido de que, por muito negro que seja o panorama, uma mudança drástica é, não só possível, mas até inevitável. Sinto que é meu direito e meu dever de ser humano promover essa mudança. Sem querer, de modo algum, vangloriar-me, gostaria de fazer notar que, ao longo de toda a minha obra, se encontram provas de que eu próprio sofri uma transformação: e é perfeitamente óbvio e claro que o homem que narra a história da sua vida não é o mesmo que o herói que percorre as páginas desses romances autobiográficos. O homem que confessa os seus pecados, os seus crimes ou os seus erros nunca é o mesmo que os cometeu.
Henry Miller - O Mundo do Sexo (excerto)
NOTICIÁRiO
Desde 20 de Julho de 1854 e até ao fim de 1871, são lançadas em circulação no Reino de Portugal 1.940.000 moedas de 5 réis de moderno cunho.
11FEV1872 - Diário de Notícias
COROLÁRiO
Mais do que a literatura, o cinema constitui um meio privilegiado de abordagem da sociedade americana, aliando o impacto de uma projecção sobre o público, à eloquência com que reconstitui as peripécias.
Uma das alternativas mais aliciantes, entre as vias exploradas por Hollywood, é a transposição romanesca - na qual se conjugam as implicações determinantes com uma exploração realista.
Representando tal tendência, Sidney Lumet associou-lhe a intensidade de um talento versátil, provocador, e a veterania exposta pelos riscos que assumiu - ao longo de uma carreira com mais de quarenta anos, prestigiada pela integridade intelectual e a coerência ideológica.
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· 16 DEZ 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
PERCEPÇÕES
Um dos cineastas que mais intensamente souberam cativar as emoções do público, sob o signo do espectáculo, Alfred Hitchcock (1899-1980) permanece também admirado e fascinante através de gerações - superando assim o culto dos clássicos, pela modernidade de uma obra aberta, em que a perspectiva irónica e sofisticada que estilizou a marca do mestre do suspense corresponde, ainda, ao sortilégio intenso da intriga, à complexidade das personagens, aos volúveis artifícios narrativos, à qualidade artística com que explorou o star system. Durante as décadas de 40 e 50, no Século XX, Hitchcock logrou culminar tais características, em obras-primas que consagraram, em paralelo, a mitologia de Hollywood através de um criador forjado, desde o mudo, pela original escola britânica. Suspeita / Suspicion (1941) é um filme tão insólito quão significativo dessas virtualidades essenciais, contrastando as duas décadas prodigiosas que sublimam as suas diversas patentes temáticas, a partir de argumento original ou de transposição literária. Assim, Hitchcock consigna uma peculiar matriz do casal americano, em termos românticos e bizarros. Para tal, dirige pela primeira vez Cary Grant, um popular actor de comédia, e volta a escolher Joan Fontaine - após Rebecca (1940) - galardoada com o Óscar, além das nomeações ao Melhor Filme e à Melhor Música.
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MEMÓRiA
1835-16DEZ1921 - Camille Saint-Saëns: «Acredito que, agora, chegou mesmo o meu fim… Há muito tempo que este homem feliz desejava, secretamente, a morte».
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18DEZ1911-2008 - Jules Dassin: Realizador e argumentista norte-americano, vítima da caça às bruxas durante o maccarthismo (1952), casado com Melina Mercouri e exilado na Grécia, onde dirigiu Phaedra (1962) ou Topkapi (1964).
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19DEZ1861-1928 - Aron Hector Schmitz, aliás Ettore Schmitz, aliás Italo Svevo: «A vida parece uma doença, porque avança por crises e deterioração progressiva, e tem melhoras e agravamentos quotidianos. Porém, ao contrário das outras doenças, a vida é sempre mortal. Não admite tratamento.» (A Consciência de Zeno).
19DEZ1901-1978 - Vitorino Nemésio: «Gosto da Horta como de nêsperas. Tinha saudades do que fui, já nem sei bem como, aqui. Todo o imaginado é mais ou menos frustrado quando o realizamos; mas na Horta não é bem excedido...» (Corsário das Ilhas - 1956).
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CALENDÁRiO
25MAR-12JUN2011 - No Porto, Museu de Arte Contemporânea de Serralves apresenta Recordações da Casa Rosa, exposição de pintura de António Areal, Jorge Queiroz e Paula Rego.
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1925-27MAR2011 - Farley Granger: Actor norte-americano de cinema, teatro e televisão - «Foi o pequeno ecrã que me salvou, a chamada idade de ouro dos teledramáticos. Recorri a eles para ganhar a vida, mas também por se parecer com a experiência em palco».
05OUT1911-28MAR2011 - Maria Pilar Ribeiro: Professora, fundadora da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Gazeta de Matemática, tradutora de Fundamentos da Geometria de David Hilbert.
VISTORiA
A Concha
A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa… Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.
Vitorino Nemésio - Poesia (1935-1940)
INVENTÁRiO
SUSPEITA
Um playboy inveterado, John Aysgarth conhece num comboio a rica e solteira Lina MacKinlaw. Apaixonam-se e casam, secretamente. Tudo corre bem, até que Lina começa a perceber que o marido a engana: John pertence à alta-sociedade só em teoria, pois, na realidade, perdeu quase todo o seu dinheiro em apostas. Aliás, já nem trabalha. Foi despedido, por furto. E terá cometido um homicídio. A partir de então, a vida de Lina enche-se de dúvidas, sobretudo porque a atitude de John é cada vez mais estranha e inquietante. E porque, com a morte de Lina, o prémio de seguro recebido por John permitir-lhe-ia saldar as suas dívidas. Assim, a desconfiança avassala a jovem esposa... Em tal amplexo fatal, Suspeita testemunha a genuinidade de Alfred Hitchcock. Perigo e receio, frustração e perversidade, seduções e equívocos, insinuam ou motivam «o medo, o sexo e a morte» - segundo François Truffaut, os elementos determinantes do que Hitchcock preferia definir como «um jogo com regras próprias». Curiosamente, estas foram subvertidas na versão final do filme - tanto em relação à novela original, Before the Fact de Francis Iles (Anthony Berkeley), como à intenção de Hitchcock sobre o guião da mulher, Alma Reville, com Samson Raphelson & Jean Harrison.
De facto, Hitchcock pretendia que John fosse um assassino, e acabasse por matar Lina. E, sobre o ponto de vista desta, construiu todo o envolvimento, de uma turva subjectividade. O epílogo opcional - pela RKO que temia o risco comercial, além dos receios de Cary Grant em prejudicar sua imagem, invocando-se ainda o Production Code - privilegiou o esclarecimento e a reconciliação. Aliás, não desagradando à argúcia de Hitchcock, por um inerente cinismo paradoxal. Viciada a arquitectura manipulatória, resplandecem os portentosos desempenhos: Joan Fontaine consome-se em ansiedade, Grant consuma-se na ambiguidade. As ausências pontuais de John, tão incómodas para o próprio espectador; a sua virtual inocência, tão inverosímil ou dissimulada... A inevitável insegurança de Lina, nessa precária mas crescente instabilidade; tão devastadora para uma, eventualmente, expectativa de aproximação pelo marido... Afinal, nada é incoerente, nem incongruente, na formidável mistificação que magnifica a Suspeita - a arte primorosa de Alfred Hitchcock no auge da representação, convencional e transgressora entre a comédia negra e o tratado moral.
COMENTÁRiO
François Truffaut: O único senão que se pode apontar a Strangers on a Train / O Desconhecido do Norte Expresso (1951), refere-se à vedette feminina Ruth Roman.
Alfred Hitchcock: Era isso mesmo, uma vedette feminina da Warner Brothers, e vi-me forçado a aceitá-la, pois não havia nenhum outro actor da companhia produtora no filme. Aliás, aqui entre nós, também não fiquei satisfeito com Farley Granger; era um bom actor, mas eu queria William Holden, porque é mais incisivo. Numa história como esta, quanto mais forte é o homem, mais forte é a situação.
François Truffaut - O Cinema de Alfred Hitchcock
ANTIQUÁRiO
1871 - Em Portugal, no primeiro trimestre deste ano, despendem-se 199:073$830 réis em obras públicas.
VISTORiA
Depois, nunca mais se falou desse assunto entre mim e Augusta, porque o casamento é coisa bem mais simples que o noivado. Uma vez casados, não se discute mais sobre o amor e, quando se sente a necessidade de falar disso, a animalidade logo intervém para refazer o silêncio. Às vezes, essa animalidade torna-se tão humana que complica e falsifica as coisas, ocorrendo que, ao inclinarmo-nos sobre uma cabeleira feminina, façamos o esforço por evocar uma luz que não existe nela. Fecham-se os olhos e a mulher transforma-se em outra, para, passado o amor, voltar de novo a ser ela. A ela dedicamos a nossa gratidão, que é ainda maior se o esforço resultou bem-sucedido.
Italo Svevo - A Consciência de Zeno
(excerto, 1923)
COROLÁRiO
Quando you tenie seis anhos, bi ua beç ua eimage mi guapa num lhibro subre la floresta birge que se chamaba «Storias Bibidas». L’eimage mostraba un quelobron a angulhir ua fiera»… Assim principia L Princepico, a edição - sob chancela Asa - de O Principezinho (1943) por Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) em mirandês, «cuis dezeinhos de l’outor». Ana Afonso foi responsável pela tradução, com o apoio de Domingos Raposo, ampliando para duzentos o rol de línguas e dialectos sobre esta obra-prima entre os clássicos da literatura infantil, da qual já se venderam mais de cinquenta milhões de exemplares em todo o mundo.
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BREVIÁRiO
Dom Quixote re-edita Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa.
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Universal edita em CD, sob chancela Decca, O Solitude por Andreas Scholl, com Accademia Bizantina, sob a direcção de Stefano Montanari; homenagem a Henry Purcell (1659-1695).
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Fundação Calouste Gulbenkian edita História da Guerra do Peloponeso de Tucídides (460 aC-400 aC); tradução de Raul Rosado Fernandes e Maria Gabriela Granwehr. IMAG.228-255
REINCIDÊNCIAS
O que têm em comum Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos da América, e a Agência Nacional de Detetives Pinkerton? Além dos dramas e das farsas da história, a tal (cor)respondem - em prol do western, a partir dos mitos e das lendas - As Aventuras de Lucky Luke Segundo Morris, ao expandirem em banda desenhada, pelo signo da escola franco-belga, um universo cáustico e crítico, entre a realidade e o imaginário, tendo por protagonista o cowboy que dispara mais rápido do que a sua própria sombra. Persistindo o fiel labor dos artistas que assumiram a continuidade da saga, em homenagem ao talento exuberante e sarcástico de Morris - aliás, Maurice de Bevère (1923-2001) - a partir de 1948, Tonino Benacquista e Daniel Pennac apresentam Lucky Luke Contra Pinkerton (2010) - sob chancela das Edições Asa - pelo grafismo estilizado e coerente de Achdé. Entre a nostalgia e a cumplicidade, para gáudio de todos os leitores, clássicos e virtuais, destacam-se ainda as intervenções irresistíveis de Jolly Jumper, e as indispensáveis patifarias dos terríveis irmãos Dalton.
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CALENDÁRiO
1926-27MAR2011 - Henry Reymond Fitzwalter Keating, aliás H.R.F. Keating: Escritor inglês de literatura policial, distinguido com o Gold Dagger Award, atribuído pela Crime Writers Association - «Ficou parado a obstruir a porta. Obsequioso, imenso e obscuramente ameaçador...» (O Assassinato Perfeito).
MEMÓRiA
08DEZ1861-1938 - Georges Méliès: Ilusionista, fotógrafo, pioneiro do cinema - produtor, realizador, inventor técnico, cenógrafo, figurinista, actor - precursor do imaginário fantástico, «o alquimista da luz» (Charles Chaplin).
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09DEZ1901-1980 - José Rodrigues Miguéis: «As crónicas da República (tudo ali me lembrava Raul Brandão, que por lá passara) eram talhadas em pleno material do mestre da Farsa. A sua sensibilidade luarenta e espectral coincidia visceralmente com o meu modo de ser» (Páscoa Feliz - Nota do Autor - 1958, excerto).
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10DEZ1891-1970 - Nelly Sachs, Prémio Nobel da Literatura em 1966: «N
ão cantos de luta vos vou eu cantar / Irmãos, expostos ante as portas do mundo. / Herdeiros dos salvadores da luz, que da areia / arrancaram os raios enterrados / da eternidade. / Que nas mãos seguraram / astros cintilantes como troféus de vitória.» (Terra de Israel - excerto). IMAG.274
12DEZ1821-1880 - Gustave Flaubert: «O estilo está tanto nas palavras como dentro delas. É, igualmente, a alma e a carne de uma obra. Nesta, o autor deve ser como Deus no universo: presente em toda a parte, mas não visível em nenhuma passagem». LIMAG. 68-154-170-275-287
1542-14DEZ1591 - Juan de Yepes, aliás São João da Cruz: «Aonde te escondeste, / Amado, e me deixaste soluçando? / Como o cervo correste, / Ferida me deixando: / Tinhas partido, quando saí clamando» (Cântico Espiritual).
VISTORiA
Voz da Terra Santa
¨Ó meus Filhos
A morte passou pelos vossos corações
Como por uma vinha -
Pintou Israel a vermelho em todas as paredes da Terra.
Para onde há-de ir a pequena santidade
Que ainda mora na minha areia?
Através dos canais da solidão
Falam as vozes dos mortos:
Deponde sobre o campo as armas da vingança
Pra que elas falem baixo -
Pois também o ferro e o trigo são irmãos
No seio da Terra -
Para onde há-de ir a pequena santidade
Que ainda mora na minha areia?
A criança no sono assassinada
Levanta-se; torce pra baixo a árvore dos milénios
E prende a estrela branca anelante
Que outrora se chamou Israel
Na sua coroa.
Reergue-te de novo, diz ela
Pra lá, onde lágrimas significam Eternidade.
Nelly Sachs (Tradução de Paulo Quintela)
VISTORiA
Para Chegares
Para chegares a saborear tudo,
não queiras ter gosto em coisa alguma.
Para chegares a possuir tudo,
não queiras possuir coisa alguma.
Para chegares a ser tudo,
não queiras ser coisa alguma.
Para chegares a saber tudo,
não queiras saber coisa alguma.
Para chegares ao que não gostas,
hás de ir por onde não gostas.
Para chegares ao que não sabes,
hás de ir por onde não sabes.
Para vires ao que não possuis,
hás de ir por onde não possuis.
Para chegares ao que não és,
hás de ir por onde não és.
São João da Cruz
O Fim da Civilização
Quando se extinguirá esta sociedade corrompida por todas as devassidões, devassidões de espírito, de corpo e de alma? Quando morrer esse vampiro mentiroso e hipócrita a que se chama civilização, haverá sem dúvida alegria sobre a terra; abandonar-se-á o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio em ruínas, a cidade a desmoronar-se, para se ir ao encontro da égua e da loba.
Depois de ter passado a vida nos palácios e gasto os pés nas lajes das grandes cidades, o homem irá morrer nos bosques. A terra estará ressequida pelos incêncios que a devastaram e coberta pela poeira dos combates; o sopro da desolação que passou sobre os homens terá passado sobre ela e só dará frutos amargos e rosas com espinhos, e as raças extinguir-se-ão no berço, como as plantas fustigadas pelos ventos, que morrem antes de ter florido.
Porque tudo tem de acabar e a terra, de tanto ser pisada, tem de gastar-se; porque a imensidão deve acabar por cansar-se desse grão de poeira que faz tanto alarido e perturba a majestade do nada. De tanto passar de mãos e de corromper, o outro esgotar-se-á; este vapor de sangue abrandará, o palácio desmoronar-se-á sob o peso das riquezas que oculta, a orgia cessará e nós despertaremos.
Então, quando os homens virem esse vazio, quando se tiver de deixar a vida pela morte, pela morte que come, que tem sempre fome, haverá um riso imenso de desespero. E tudo explodirá para se desmoronar do nada, e o homem virtuoso amaldiçoará a sua virtude e o vício aplaudirá.
Alguns homens ainda errantes numa terra árida chamar-se-ão; encontrar-se-ão e recuarão horrorizados, aterrorizados consigo próprios, e morrerão. O que será então o homem, ele que já é mais feroz do que os animais ferozes, e mais vil do que os répteis? Adeus para sempre, carros deslumbrantes, fanfarras e famas; adeus, mundo, palácios, mausoléus, volúpias do crime e delícias da corrupção! A pedra cairá de repente, esmagada por si mesma, e a erva crescerá sobre ela. E os palácios, os templos, as pirâmides, as colunas, mausoléu do rei, caixão do pobre, carcaça do cão, tudo isso ficará à mesma altura, sob a relva da terra.
Então, o mar sem diques baterá tranquilamente nas praias e irá banhar as suas ondas na cinza ainda fumegante das cidades; as árvores crescerão, reverdescerão, e não haverá mão que as quebre e as destrua; os rios correrão nos prados floridos, a natureza será livre, sem homem que a oprima, e esta raça será extinta, porque era maldita desde a infância.
Gustave Flaubert - Memórias de Um Louco
(1838, excerto)
Ao longo dos passeios de Nova Iorque, por sobre as estações e galerias do subway, abrem-se grandes respiradouros gradeados por onde cai de tudo: o sol, a chuva, o luar e a neve, luvas, lunetas e botões, papelada, chewing gum, tacões de sapatos de mulheres que ficam entalados e até dinheiro. Às vezes, lá no fundo, no lixo acumulado, ou em poças de água estagnada, brilham moedas de níquel e mesmo de prata.
José Rodrigues Miguéis - Arroz do Céu (1983, excerto)
BREVIÁRiO
Ulisseia edita Pão Com Fiambre de Charles Bukowski (1920-1994); tradução de manuel a. domingos.
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Dom Quixote edita Dias Comuns V - Continuação do Sol de José Gomes Ferreira (1900-1985).
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Alfaguara edita O Jogo Favorito de Leonard Cohen; tradução de Alice Rocha.
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ANTIQUÁRiO
14DEZ1911 - O explorador norueguês Roald Amundsen (1872-1928) - acompanhado por Olav Bjaaland, Helmer Hanssen, Sverre Hassel e Oscar Wisting - é o primeiro ser humano a pisar o Pólo Sul, tendo viajado a bordo do navio Fram de Fridtjof Nansen, que estivera ancorado vários dias no Arquipélago da Madeira em SET1910, onde os membros da tripulação foram informados ser objectivo da expedição rumar à Antárctida, após Robert Peary haver entretanto chegado ao Árctico em ABR1909, conquistando o Pólo Norte geográfico.
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COMENTÁRiO
As Aventuras de Tintin por Hergé - aliás, Georges Prosper Remi (1907-1983) - em novo formato e com nova tradução, sob chancela Asa, prosseguem com o lançamento de Tintin - As 7 Bolas de Cristal (1948), em companhia de Milu, do Capitão Haddock e do Professor Girassol em Moulinsart, além dos inconfundíveis Dupont e Dupond. Os nossos amigos readmiram Bianca Castafiore, o rouxinol milanês, e deparam-se com a múmia do inca Rascar, em casa do expedicionário Hipólito Bergamotte… Emoções, tropelias, desafios, desvarios, sagrando o sortilégio histórico e o fascínio modernista da saga fundamental em banda desenhada de inspiração franco-belga.
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