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PRONTUÁRiO
FANTASIAS
Uma jovem rústica do Kansas, Dorothy Gale vive na quinta de uma tia, tendo por companheiro o simpático cão Totó. Mas este começa a dar mostras de agressividade, perante seres que não suporta. Assim, um ciclope leva Dorothy, adormecida, com Totó, ao país dos Munchkins. Ao acordar, a menina descobre em seu redor um mundo de sonho, onde o povo vive orientado por uma Fada boa. Esta aconselha Dorothy, com saudades, a consultar o Feiticeiro de Oz, para lhe proporcionar um meio de regressar ao Kansas… Modelo perfeito e clássico exemplar, entre as produções da Metro-Goldwin-Mayer, O Feiticeiro de Oz (1939) de Victor Fleming é um espectáculo deslumbrante, feérie e transfiguração do efabulário americano, com melódica inspiração de E.V. Harburg & Harold Harlen. Sobressai um elenco magnífico - liderado por Judy Garland, Frank Morgan, Ray Bolger - dando vida extravagante ao argumento por Noel Langley, Florence Ryerson & Edgar Allan Woolf, segundo romance de Lyman Frank Baum. Uma síntese fascinante - entre fantasia, cores, alegria e canções…
MEMÓRiA
1897-01FEV1851 - Mary Shelley: «A mesma energia de carácter que transforma um homem num vilão perigoso poderia reverter a bem da sociedade, caso esta estivesse bem organizada». IMAG.26-79-94
02FEV1901-1987 - Jascha Heifetz: «O violinista de dezasseis anos parecia a pessoa menos preocupada de todo o auditório, enquanto caminhava até o palco, e pouco se movia durante toda a exibição, de tamanho virtuosismo e musicalidade como nunca acontecera naquela histórica sala [Carnegie Hall]» (Samuel Schotzinoff - 1917). IMAG.158
04FEV1881-1955 - Fernand Léger: «Foi um admirador da pureza e simplicidade das imagens de Rousseau; foi um dos primeiros a associar-se, em 1910, à pesquisa cubista; manteve-se por toda a vida um homem do povo, um trabalhador que acredita cegamente na ideologia socialista, a qual ingenuamente associa ao mito do progresso industrial. Para ele, os objectos simbólico-emblemáticos da civilização moderna são as engrenagens, as tubagens, as máquinas, os operários da fábrica: a sua finalidade é decorar, isto é, qualificar figurativamente o ambiente da vida com os símbolos do trabalho da mesma maneira que, antigamente, se decorava a igreja com os símbolos da fé» (Giulio Carlo Argan).
1795-05FEV1881 - Thomas Carlyle: «Cada dia, honro os factos mais e mais, e a teoria menos e menos. Os factos, parece-me, são esplêndidos - uma frase impressa, se não por Deus, ao menos, então, pelo Diabo».
07FEV1871-1926 - José Luiz Gomes de Sá Júnior: Negociante de bacalhau, com armazém de Rua do Muro dos Bacalhoeiros, na Ribeira do Porto; autor de um dos mais famosos pratos da cozinha tradicional portuguesa («Se alterar qualquer cousa já não fica capaz»).
CALENDÁRiO
1908-09JUN2010 - Marina Semionova: «Lendária bailarina, cujo nome faz recordar as mais belas páginas da história do Bolshoi. Ela manteve-se fiel a vida inteira a este Teatro, ao qual ofereceu todo o seu talento: inicialmente como primeira bailarina, depois como ensaiadora e professora de dança. A sua arte elevou o bailado russo ao mais alto nível mundial» (Anatoli Iksanov).
12JUN-12SET2010 - Museu Nacional de Arte Antiga apresenta A Invenção da Glória - D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana, em parceria com a Fundação Carlos de Amberes, sendo comissários Catherine Geens e António Filipe Pimentel.
ANUÁRiO
341aC-270aC - Epicuro de Samos: «A morte, temida como o mais horrível dos males, não é, na realidade, nada, pois enquanto nós somos, a morte não é, e quando esta chega, nós não somos».
1871 - Neste ano, a indústria de pesca do distrito do Porto produz 100.054$537 réis.
OUT1872 - Neste mês, Lisboa importa 146.169 quilogramas de bacalhau.
OBSERVATÓRiO
http://www.guitarraportuguesa.org/ - Portal da Guitarra Portuguesa - Oficialmente inaugurado a 10JUN2007, constitui uma plataforma de livre acesso para divulgação e partilha de informação acerca da Guitarra Portuguesa, guitarristas, construtores, conteúdos pedagógicos e repertório, em diversos formatos (pautas, texto, áudio e vídeo). Inclui Guitarra, Formação, Repertório, Multimédia, Guitarristas, Agenda e Comunidade.
EPISTOLÁRiO
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém é jamais demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde de espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz…
Habituar-se às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto, não só é conveniente para a saúde, como ainda proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades da vida: nos períodos em que conseguimos levar uma existência rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la, e prepara-nos para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte.
Epicuro - Carta a Meneceu (excertos)
ELUCIDÁRiO
Bacalhau à Gomes de Sá
Pega-se no bacalhau demolhado e deita-se numa caçarola. Depois cobre-se tudo com água a ferver e depois de tapada a caçarola abafa-se a referida caçarola com uma baeta grossa ou um pedaço de cobertor e deixa-se assim, sem ferver, durante vinte minutos.
A seguir, ao bacalhau que está na caçarola, e que devem ser 2 quilos pesados em cru, tiram-se-lhe todas as peles e as espinhas e faz-se em pequenas lascas, e se põem num prato fundo, cobrindo-se com leite quente, deixando-o em infusão durante uma hora e meia a duas horas.
Depois, em uma travessa de ir ao forno, deitam-se 3 decilitros de azeite do mais fino (isto é essencial), 4 dentes de alho, e oito cebolas cortadas às rodelas. Estando, ou antes, começando a cebola a alourar, ter já cozidos 2 quilos de batatas (cozidas à parte com casca) às quais se lhe tira a pele e se cortam às rodelas da grossura de um centímetro e bota-se as batatas mais as lascas de bacalhau que se retiraram do leite. Põe-se então a travessa no forno deixando ferver tudo 10 a 15 minutos.
Serve-se na mesma travessa com azeitonas grandes e pretas, muito boas, e mais um ramo de salsa muito picada e rodelas de ovo cozido. Deve servir-se bem quente, muito quente.
NOTICIÁRiO
Falecimento
O mais original representante da música tzíngara, o rabequista Raez Pali, morreu em Pesth. No préstito fúnebre contavam-se 10.000 pessoas.
07FEV1885 - Diário de Notícias
REPOSITÓRiO
O olhar e a referência. A palavra e o apontamento. A escrita e a revelação. O aspecto e o testemunho. O motivo e a cultura. A memória e o envolvimento... A partir da série publicada em Retentiva - Textos e Anotações, Jorge Colaço suscita uma única e pequena edição impressa (revista e aumentada) de O Professor de Latim de Cesário Verde - a cargo de AcentoGráfico - com todos os exemplares numerados, sendo os destinatários previamente determinados. Tendo por alusão lírica O Sentimento dum Ocidental, além do pretexto inspirador («Dó da miséria!... Compaixão de mim!...» / E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso, / Pede-me sempre esmola um homenzinho idoso, / Meu velho professor nas aulas de Latim!) sobressai, através de #104 mensagens reflexivas, um aliciante projecto de observação e partilha, em simultâneo minimal e compósito. http://aminharetentiva.blogspot.com
COROLÁRiO
12 - A oficina do cansaço: a inexpugnável solidão dos objectos
feridos pela geometria gelada da inutilidade.
#42 - Um dos semiloucos que corre nas ruas brada aos ventos a posse de tudo o que
o rodeia; o outro, tem a vertigem de não pertencer a nada.
#75 - Só os moribundos acodem para ver passar o fantasma do amola-tesouras,
cuja melopeia lhes aguça a memória das coisas perdidas.
#87 - Olha ainda, pela enésima vez, porque sabe, pelos factos da vida,
como a existência nasce da insistência.
Jorge Colaço - O Professor de Latim de Cesário Verde (excertos)
BREVIÁRiO
ZON Lusomundo edita em DVD, O Feiticeiro de Oz / The Whizard of Oz (1939) de Victor Fleming; com Judy Garland e Frank Morgan.
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Relógio D’Água edita A Ilha de Arturo de Elsa Morante (1912-1965); tradução de Hermes Ferrão.
Libri Impressi edita Krazy + Ignatz + Pupp - Uma Kolecção de Pranchas a Kores Kompletamente Restaurada de George Herriman (1880-1944); introdução da Alvaro Pons, tradução de João Ramalho Santos. IMAG.124
Caminho edita Os Livros Que Devoraram o Meu Pai - A Estranha e Mágica História Vivaldo Bonfim de Afonso Cruz
Universal edita em CD e DVD, sob chancela ABKCO, Get Yer Ya-Ya’s Out! - The Rolling Stones in Concert. IMAG.54-118-206
Afrontamento edita História Literária do Porto Através das Suas Publicações Periódicas de Alfredo Ribeiro dos Santos.
Universal edita em CD, sob chancela DGG, Ruggiero Leoncavallo [1857-1919]: La Nuit de Mai por Plácido Domingo e Lang Lang, com a Orchestra del Teatro Comunale di Bologna, sob a direcção de Alberto Veronesi.
Leya edita Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano (1810-1877).
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EXTRAORDINÁRiO
OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico
NARIZ RACHADO AO PÉ DA TESTA,
PATA QUEIMADA NO FLANCO - 3
Os dois compinchas catocavam em arrelias e folias, para escândalo de meia Mouraria, onde na estiagem se acoitavam. Rivalidade obscena, corriam seca e meca e, se não lhe dava a camoeca, Mucusse não lhe levava a palma.
Porém, com tanta lufa-lufa, Mataka ficava à nora pois ainda iam de cana. Aliás, estava-se nas tintas para isso, desde qu’inda desse pancada de criar bicho. E sentiam um especial regalo em fazer estragos de meia-noite, entre a fadistagem que parasitava atarantada.
Continua
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· 24 JAN 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
SORTILÉGIOS
Explorando ao extremo os rituais de acção - pela tradição americana, desde a época de ouro - a banda desenhada europeia evoluiu entre as peripécias, os prodígios da aventura errante, superando todos os limites e fronteiras - através de um universo mutante em atmosferas, no qual os desafios se processam por um elã de antagonismo ou de descoberta. Basicamente, tal expõe-se em função de protagonistas como Corto Maltese - um herói misterioso, e virtualmente susceptível de cativar ou de influenciar... Assim ressalta em Mü - A Cidade Perdida - sob chancela das Edições Asa - com o nosso acidental explorador, e seus fantásticos parceiros, em viagem por este e outros mundos, exaltando proezas cuja veracidade se vai contrastar, sobre a evolução entre o tempo e o mito, a mistificação entre a realidade e o onirismo. A ironia incorrigível, os cenários exóticos, uma ambígua actualidade histórica, e sobretudo as potencialidades do grafismo estilizado, exuberante, sublimam a inspiração primordial de Hugo Pratt (1927-1995) - sagrando cumplicidades, forjando reincidências - que, para os apreciadores de um género ou do talento artístico, representam a mais aliciante alternativa lúdica. E também o culto se expande, em vivências ou sensações fortes. IMAG.1-26-47-65-69-75-157
CALENDÁRiO
1919-06JUN2010 - Baltazar José Joaquim Ortega, aliás Baltazar: Cartoonista, caritaturista português - «O seu talento, que o tem real, insofismável, flagrante, espontâneo e soberbo. Muitos jornais se orgulharão de terem grandes desenhadores. Nenhum terá ao seu serviço, porém um groom reporter como este, que fixa com o sorriso mais claro e a infantilidade mais natural no seu bloco de desenhos, a pessoa com quem fala. Qual o jornal da América ou da Europa que manda a uma reportagem gráfica - um garoto de 12 anos vestido de groom? Essa originalidade tentou-nos.» (Diário Ilustrado). L http://humorgrafe.blogspot.com - Osvaldo Macedo de Sousa
1923-08JUN2010 - António Manuel Couto Viana: Ficcionista, poeta, ensaísta, actor, dramaturgo, encenador e figurinista, autor de contos infantis e argumentista de histórias em quadradinhos - «Mas a âncora ancorada, / Como fanal de bonança, / Entre os muros da esplanada, / Disse, sem me dizer nada: / - Tem esperança!» (No Farol da Guia - excerto). IMAG.107
10JUN2010 - UkBar Filmes produziu, e estreia Muitos Dias Tem o Mês de Margarida Leitão.
17-20JUN2010 - Centro Cultural de Belém/CCB apresenta De Bach a Kurtág - Nas Fronteiras da Clareza, com direcção artística de Massimo Mazzeo.
MEMÓRiA
1813-27JAN1901 - Giuseppe Verdi: «De todos os compositores, do passado e do presente, eu sou o menos educado. E digo com toda a seriedade, embora por educação não pretenda referir-me a conhecimento da música». IMAG.72-89-156-188-203-223-295
ANUÁRiO
61 dC-112 dC - Caius Plinius Caecilius Secundus, aliás Plínio o Novo: «Tenho testemunhos de distinguidos membros da ordem equestre atestando que eles próprios viram no oceano de Gades um homem marinho, em todas as partes do seu corpo parecido com um homem; e que durante a noite ele subia aos navios fazendo imediatamente afundar a parte onde se sentava e, se ali permanecesse por algum tempo, o submergia».
1871 - Este ano, saem de Lisboa, degredados para as possessões ultramarinas, 407 homens e 17 mulheres.
ANTIQUÁRiO
31JAN1891 - No Porto, pela madrugada, cerca de mil soldados, com três oficiais de baixa patente, iniciam uma revolta para instauração da República, sendo cabecilhas civis João Chagas, Santos Cardoso, Aníbal Cunha, Sampaio Bruno, Basílio Telles ou o advogado Augusto Alves da Veiga - que assoma à varanda da Câmara Municipal, proclamando o Governo Provisório. Entre a multidão na Praça de D. Pedro, está o futuro pioneiro do cinema Aurélio da Paz dos Reis. Subindo todos a Rua de Santo António, em direcção à Batalha, e sob metralha da Guarda Municipal, um grupo de militares barrica-se na Câmara, atacada a tiros de canhão. Após a rendição, horas depois, cerca de duzentas pessoas foram presas e sujeitas a julgamentos expeditos, e algumas condenadas a longas penas de degredo. IMAG.4-10-87-106-169
VISTORiA
... [Os cristãos] têm como hábito reunir-se em um dia fixo, antes do nascer do sol, e dirigir palavras a Cristo como se este fosse um deus; eles mesmos fazem um juramento, de não cometer qualquer crime, nem cometer roubo ou saque, ou adultério, nem quebrar a sua palavra, e nem negar um depósito quando exigido. Após fazerem isto, despedem-se e encontram-se novamente para a refeição...
Plínio o Novo - Epístola 97
BREVIÁRiO
VGM edita em CD, sob chancela Zig Zag Territoires, Hector Berlioz [1803-1869]: «Symphonie Fantastique», «Le Carnaval Romain» por Jos Van Immerseel com Anima Eterna Brugge. IMAG.54-78-84-254
Tinta da China edita As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy de Filipe Melo (argumento) e Juan Cavia (ilustração).
Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Johann Sebastian Bach [1685-1750] - Violin and Voice por Hilary Hahn, Christine Schäfer e Matthias Goerne, com a Münchener KO, sob a direcção de Alexander Liebreich.
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COROLÁRiO
O Que Foi a Revolta do 31 de Janeiro?
Entre as datas que marcam a implantação da República, o 31 de Janeiro destaca-se. A razão é simples: foi nesse dia - no ano de 1891 - que se verificou o primeiro movimento de cariz militar para derrubar a monarquia.
As concessões de Portugal ao velho aliado britânico, no que respeita às pretensões de ligar Angola a Moçambique, contrariadas com o Ultimato Inglês em 1890, promovem as circunstâncias para emergir uma revolta do exército perante a «vergonhosa capitulação». Na madrugada de 31, o Batalhão de Caçadores N.º 9 encaminha-se para o Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República). O Regimento de Infantaria também se subleva, tal como uma companhia da Guarda Fiscal, seguindo pela Rua do Almada até à Praça D. Pedro (actual Praça da Liberdade), onde se localiza a Câmara do Porto. É daqui que as tropas revoltosas pretendem, após concentração e convocação de apoio popular, ocupar instalações oficiais e declarar início à nova fase política na História portuguesa.
Durante algum tempo, ouviu-se um dos protagonistas, Alves da Veiga, anunciar o Governo provisório da República e assistiu-se ao hastear da bandeira vermelha e verde. Entre os que lideraram a revolta estão: os militares Amaral Leitão, Rodolfo Malheiro e o tenente Coelho; da cultura, o actor Verdial, João Chagas, Aurélio da Paz dos Reis, Santos Cardoso, Sampaio Bruno e Basílio Teles, alguns entre muitos.
O desfecho da revolta é violento. Enquanto o desfile popular se dirige para a Praça da Batalha, onde pretendem tomar os Correios, a Guarda Municipal reage e mata 12 pessoas e fere 40, sob cerrado fogo de artilharia. Conselhos de Guerra julgarão mais de 500 militares e bastantes civis e 200 envolvidos têm condenações de anos.
Com a implantação da República, esta data passa a fazer parte do calendário das comemorações e a ser nome de muitas ruas.
31JAN2010 - Diário de Notícias
COMENTÁRiO
A Comemoração dos Ridículos
Imaginem uma insurreição militar impulsionada por sargentos mais interessados em questões de pagadoria e de promoções do que em motivações políticas, quase sem oficiais e com uma adesão residual de civis; que vai para a rua com uma banda a tocar à frente e parte da soldadesca com o bucho aquecido pela aguardente que lhe foi distribuída; que não se apodera de nenhum objectivo militar ou estratégico relevante; que proclama um novo regime e anuncia um novo governo, sem o apoio ou a participação do partido que leva o nome desse mesmo regime, numa cerimónia atabalhoada, em que o pronunciador do discurso de vitória não consegue fazer ouvir-se e é mandado calar por um correligionário; que é desfeita por forças com pouco treino militar e menos numerosas do que as insurrectas, rapidamente postas em debandada; e cujos principais participantes civis, postos perante a justiça, negam ter feito parte dela, dizem que entraram por curiosidade ou escrevem indignados para os jornais desmentindo alguma vez terem aderido - quando até eram membros do governo provisório a ser instituído pela dita insurreição.O que acabo de descrever não é o enredo de um filme dos irmãos Marx ou de uma comédia italiana com Totó. Foi o que se passou no heróico dia 31 de Janeiro de 1891 no Porto (para uma descrição mais gostosamente pormenorizada, ver o volume 6 da História de Portugal dirigida por José Mattoso, da Editorial Estampa). Mas que mesmo assim foi há dias assinalado com cara séria, discursos empolados e muita pompa oficial, para inaugurar as comemorações dos 100 anos da República. Só mesmo neste país ridículo.
Eurico de Barros - 06FEV2010 - Diário de Notícias
EXTRAORDINÁRiO
OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico
NARIZ RACHADO AO PÉ DA TESTA,
PATA QUEIMADA NO FLANCO - 2
Passaram-se uns vinte e tal anos.
Os pretos da Catumbella voltaram para África, no vapor Zaire. Só Mataka ficou por Lisboa, perdido entre bailes e borgas. Pelo meio, andou uns tempos para as bandas da Pampulha, foi canastreiro e salgador de pevides.
Às vezes, entretinha-se com outros gentios, em jogos malabares já perto do Passeio Público. Saía de lá todo esgrouviado, aos urros e aos pulos, até se acalmar no sururu próprio da sua raça.
Também, é assim que se angariam as maiores amizades.
Durante uma dessas brigas, Mataka fez parceria com Mucusse Omar - um bastardo do famoso negreiro com o mesmo nome, catrafilado pela Guarnição de Moçambique e que fizera furor na Metrópole, antes de um degredo em que acabara por apodrecer nas masmorras de Luuanda.
Tal como ele, também o arrebicado Mucusse não usava sapatos, mas apenas umas solas grossas amarradas nos pés. Vestia tanga de seda e exibia, com orgulho, uma argola de prata no braço direito.
Continua
IMAGINÁRiO307
· 16 JAN 2011 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VIII · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
DIVERGÊNCIAS
Entre os filmes controversos de Alfred Hitchcock, O Caso Paradine (1947) representava, para o próprio cineasta, «um exemplo de erros e logros» a considerar e evitar. Baseado em novela de Robert Hitchens, e reavaliado pela abordagem de uma tendência comum ao ser humano - fantasiar até à loucura, até à morte - além do tratamento enigmático ou dramático, persiste a componente de fantasia sentimental e irrealista. Uma mulher de abastada posição e com um passado sombrio é acusada de ter assassinado o marido. Um jovem e prometedor advogado incumbe-se da sua defesa. Nas sucessivas entrevistas, Keane sente-se progressivamente fascinado pela senhora Paradine, e acaba por se apaixonar, convencendo-se de que ela está inocente. Enquanto a sua situação conjugal começa a perigar, o nóvel causídico toma conhecimento de que a cliente mantinha relações com um moço das cavalariças. Assim, quando o julgamento tem início, Keane procura inculpá-lo do crime. Porém, a própria ré se opõe a tais métodos... Uma atmosfera lânguida, perturbadora, subjugada pela dimensão humana e adversa às expectativas do entretenimento.
CALENDÁRiO
1933-01JUN2010 - Andrey Voznesensky: Poeta russo, contestatário - «A sua poesia e a sua prosa tornaram-se um hino à liberdade, ao amor, aos sentimentos nobres e sinceros. Como pessoa, soube impor a sua influência» (Vladimir Putin). IMAG.255
1943-03JUN2010 - João Aguiar: «Não sei como funciona o processo criativo, ou melhor: sei que funciona das maneiras mais variadas e inesperadas; é-me impossível definir uma regra. As ideias aparecem, é tudo… Não me compete caracterizar o meu estilo de escrita. Isso é para os críticos e, sobretudo, para os leitores» (http://jcnaguiar.com.sapo.pt/). IMAG.235
25-27JUN2010 - No Solar dos Zagalos, em Sobreda, está patente uma Exposição Comemorativa do Centenário do artista de banda desenhada Fernando Bento (1910-1996). IMAG.257-299
23JUL-09AGO2010 - Em Azóia, Espaço das Aguncheiras apresenta O Sossego k Ali Havia Assemelhava-se ao da Eternidade, nove peças curtas de Jaime Salazar Sampaio (1925-2010). IMAG.235-298-299
MEMÓRiA
20JAN1681-1732 - Francesco Bartolomeo Conti: Teórico italiano e compositor dramático, membro da Accademia Filarmónica di Bologna, prestigiado intérprete de bandolim, autor da oratória Il Martirio di San Lorenzo (1724).
1913-21JAN1961 - João Villaret: Actor celebrado no cinema por figuras históricas, tipos populares ou personagens dramáticas, um talento como declamador - «A arte é força emanente; não se ensina, não se aprende; não se compra, não se vende; nasce e morre com a gente». IMAG.189-230
22JAN1561-1626 - Francis Bacon: «A sabedoria dos crocodilos consiste em verter lágrimas, quando querem devorar».
PARLATÓRiO
Uma coisa é certa: nas minhas peças, não ando à procura de esclarecer os mistérios do universo… Certas perguntas, segundo suponho, não têm resposta, de tal modo é absurdo um tipo nascer, seguir pela estrada fora a apanhar bonés e depois, trucla. Adeusinho. Não, não: o melhor é amarmos o instante, respirá-lo a plenos pulmões e sermos fraternais, pois são estas as coisas que podemos fazer. Por nós e pelos outros.
Jaime Salazar Sampaio
VISTORiA
A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afectos; disso se originam ciências que podem ser designadas «ciências conforme a nossa vontade». Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho; coisas que não são comummente aceitas, por deferência à opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras, e às vezes imperceptíveis, pelas quais os afectos colorem e contaminam o entendimento.
Francis Bacon
COMENTÁRiO
JOÃO VILLARET
- A ARTE DE DIZER
A história da Radiotelevisão Portuguesa é indissociável de uma vivência nacional nos últimos cinquenta anos, em todas as suas incidências - social, emissora, política, cultural, familiar, individual. Tornando-se uma referência constante e fidelizada, a RTP testemunhou e reflectiu o mais importante que se passou no mundo; consubstanciou a sua própria memória, operada por várias gerações de profissionais, assim também evoluindo.
Por circunstâncias várias, verificadas sobretudo no exercício de uma actividade mediática, com mutações e transformações decorrentes, essa história ficou naturalmente dispersa, pulverizada. Mas cristalizou também, junto do grande público, o culto sobre programas e personalidades que se converteriam, pela evocação nostálgica, em referências lendárias. Com especial ênfase, estando em causa/matriz um testemunho alusivo sobre as coisas nossas.
Em tal galeria exemplar, sobressaem o Museu do Cinema (1957-1974 e 1982) por António Lopes Ribeiro, e Se Bem Me Lembro… (1969-1975) por Vitorino Nemésio; ou João Villaret (1959-1960) - este dedicado à expressão poética, sobretudo luso-brasileira, e revivendo entretanto numa colectânea d’Os Vídeos RTP... São três programas aliciantes, sobre os originais com realização por Bessa de Carvalho e Fernando Frazão, para prestígio dos arquivos.
Portanto, é possível rever Villaret em pequeno ecrã - o seu talento como declamador e na arte de comunicar, sobre textos de Nelson Barros e Francisco Mata, sendo acompanhado ao piano pelo irmão Carlos Villaret. Uma voz bem modelada, a intencionalidade da dicção, a interpretação recitativa, o estilo inimitável na expressão lírica, a musicalidade atribuída à narração em prosoética - eis algumas características excepcionais que o prestigiaram.
A carreira de João Villaret (1913-61) distingue-se, sobretudo, como actor versátil. Após o curso do Conservatório Nacional (1928-31), passou a integrar a Companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro no Teatro Nacional (1931), lançando-se com a peça Leonor Teles de Marcelino Mesquita. Em 1946, tornou-se um d’Os Comediantes de Lisboa, de que o cineasta Lopes Ribeiro foi empresário no Teatro da Trindade, a partir de 1944.
Lopes Ribeiro levou-o a encarnar, em grande ecrã, duas personagens de raiz literária: Telmo Pais em Frei Luís de Sousa (1950) de Almeida Garrett, e Sebastião em O Primo Basílio (1959) de Eça de Queiroz; além do Mudo na comédia O Pai Tirano (1941). Para Leitão de Barros, logrou outros desempenhos primordiais, de matriz histórica: o Príncipe Regente em Bocage (1936), Martin o Bobo em Inês de Castro (1945), D. João III em Camões (1946).
Villaret ensaiou o melodrama como Pedro Derminova em O Violino de João (1944 - Brás Alves), ou Cristovão de Miranda em A Garça e a Serpente (1952 - Arthur Duarte); num registo policial, foi o Inspector Moisés em Três Espelhos (1947 - Ladislao Vajda). Destaca-se ainda Mar Português (1950 - João Mendes), em que cedeu voz à ilustração visual de poemas de Luís de Camões, António Nobre, Guerra Junqueiro, Fernando Pessoa e Alberto Rebelo de Almeida.
Alguns destes autores ressurgem, aliás, em João Villaret pel’Os Vídeos RTP. Eis alguns destaques: Amor É Fogo Que Arde, Sete Anos de Pastor, Alma Minha Gentil, Aquela Triste Madrugada (Camões); A Vida, Jorge (Nobre); O Menino de Sua Mãe, Liberdade, O Mostrengo (Pessoa) ou Ode (Ricardo Reis), Guardador de Rebanhos (Alberto Caeiro). Quanto ao escritor e amigo Lopes Ribeiro, sobressaem: As Quatro Idades e A Procissão.
Outros notáveis poetas representados: António Botto (Poema do Mar), João de Deus (O Dinheiro), José Galhardo (Fado Malhoa), Augusto Gil (Passeio de Santo António), Gomes Leal (A Senhora de Brabante), Camilo Pessanha (Poema Deus), Carlos Queiroz (Uma História Vulgar), José Régio (Carta de Amor), Mário de Sá-Carneiro (Serradura), Miguel Torga (Ode à Poesia), Cesário Verde (Aguarela), Afonso Lopes Vieira (Um dos Cantares dos Búzios).
BREVIÁRiO
Cine Digital edita em DVD, O Caso Paradine / The Paradine Case (1947) de Alfred Hitchcock; com Gregory Peck e Alida Valli.
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VGM edita em CD, sob chancela Lígia Digital, Passion Selon Saint Jean por Les Chantres de La Sainte-Chapelle, sob a direcção de Antoine Sicot.
Assírio & Alvim edita Fragmentos de Píndaro de Friedrich Hölderlin (1770-1843); tradução de Bruno C. Duarte. IMAG.32
Câmara Municipal de Portimão edita A Noive Que o Rio Disputa ao Mar de João Paulo Cotrim (argumento) e Miguel Rocha (ilustração).
ANTIQUÁRiO
18JAN1821 - El Rei D. João VI decide por Decreto, no Rio de Janeiro, a vinda a Portugal de seu filho D. Pedro, com plenos poderes para restabelecer a tranquilidade pública e remeter à sua sanção a Constituição que as Cortes aprovarem. O mesmo Decreto determina que as Câmaras das principais cidades brasileiras, dos Açores, Madeira e Cabo Verde, acordem nas providências necessárias ao bem daquelas terras, isto em harmonia com uma Comissão nomeada pelo soberano. Esta providência, porém, não logrou satisfazer o espírito público. Em 23JAN, o povo e a tropa do Rio de Janeiro reclamaram do monarca a aplicação ao Brasil da Constituição que as Cortes de Lisboa estavam a elaborar. D. João VI assim o prometeu, demitiu o Ministério e, logo no dia 24, publicou um Decreto aprovando a Constituição para vigorar em todos os domínios da sua Coroa. No dia 26, o Príncipe D. Pedro, por si e como procurador de seu pai, jurou no Theatro do Rio de Janeiro, perante a Câmara, a tropa e o povo, e nas mãos do Bispo Capitão-Mor, observar, guardar e manter perpetuamente a Constituição, tal como se fizesse em Portugal. E, em 28JAN, resolveu D. João VI partir para a Metrópole, fazendo expedir do Rio para Lisboa a devida participação à regência de Portugal. IMAG.51-156
EXTRAORDINÁRiO
OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico
NARIZ RACHADO AO PÉ DA TESTA,
PATA QUEIMADA NO FLANCO - 1
12 de Fevereiro de 1902
Macaiambo disse, então, uma daquelas piadas que ninguém entendia, mesmo os da sua tribo, mas ele era o líder, e riram-se todos muito. Até as crianças. Excepto Mataka, que estava entretido num dos cantos mais escuros do calabouço. Brincava com uma das gretas profundas que tinha no calcanhar esquerdo. Uma tal atitude não lhe aliviava tanto a dor sentida. Pelo contrário, e intimamente, dava-lhe um certo prazer.
Continua
PRONTUÁRiO
PRODÍGIOS
Segmento virtual de uma ampla arquitectura visionária, entre a prospecção científica e a projecção fantástica, a banda desenhada japonesa por meados do Século XX, articulada ao imaginário animatográfico, reflectiu os fantasmas de um recente passado crepuscular, especulando as expectativas sobre jovens gerações. Um futuro exacerbado pelo desígnio industrial e tecnológico, em que se confrontam os valores e referências do ser humano… Eis o envolvimento criativo, lúdico e testemunhador de Astro Boy - um miúdo-robô concebido por Osamu Tezuka (1928-1989) a partir de 1951, e convertido em sucesso pioneiro a nível mundial. Sobre a matriz clássica, e por uma sofisticada reciclagem, os prodígios de Astro Boy transfiguram-se em quadradinhos - sob chancela das Edições Asa - propondo o sentido de leitura original (da direita para a esquerda, das últimas para as primeiras páginas), numa aventura continuada e empolgante, que o próprio autor apresenta e perspectiva. Como aliciante suplementar, Astro Boy de David Bowers resplandece em grande ecrã, pelos céus de Metro City, sempre corajoso e inspirador…
MEMÓRiA
1857-08JAN1941 - Robert Stephenson Smyth Baden-Powell: Fundador do Escutismo - «Mostrem a todos que vocês sabem obedecer às ordens dadas, sejam ordens verbais, ou sejam regras que estejam escritas ou impressas; e que vocês cumprem ordens, esteja ou não o Chefe escuteiro presente. Mostrem que conseguem conquistar distintivos de Especialidades e, com um pouco de persuasão, os vossos rapazes seguirão tal exemplo» (aos Monitores de Patrulha). IMAG.131-267
1894-10JAN961 - Dashiell Hammett: «Só os neuróticos e os exibicionistas se obcecam por tipos preferidos de parceiros. A maior parte das pessoas contenta-se com o que consegue arranjar». IMAG.70-141-190-197-231-232
1883-10JAN1971 - Coco Chanel: «Uma mulher está mais perto de estar nua, quando está bem vestida... Eu criei um estilo para um mundo inteiro. Vê-se em todas as lojas estilo Chanel. Não há nada que se assemelhe. Sou escrava do meu estilo. Um estilo não sai de moda; Chanel não sai de moda».
1882-13JAN1941 - James Joyce: «A única exigência que faço aos meus leitores é que devem dedicar as suas vidas à leitura das minhas obras». IMAG.136
CALENDÁRiO
26MAI-27JUN2010 - Em Percepções do Sagrado - Ciclo de Arte Contemporânea, Museu de São Roque, em Lisboa, apresenta Causa - Efeito, instalação/desenho de Luís Nobre.
1933-30MAI2010 - Peter Orlovsky: Poeta da beat generation, companheiro de Allen Ginsberg - «Queria a lua, para meu próprio prazer».
25DEZ1911-31MAI2010 - Louise Borgeois: Escultora francesa, radicada nos EUA - produziu em madeira, metal, pedra quase sempre em formas orgânicas e com referências sexuais, sobre temas como a protecção, a memória e a carência alimentar.
03JUN2010 - ZON Lusomundo estreia Um Funeral à Chuva de Telmo Martins; com Alexandre Silva e Hugo Tavares.
03JUN2010 - ZON Lusomundo estreia Astro Boy de David Bowers; sobre o clássico nipónico de mangà e anime por Osamu Tezuka. IMAG.136
COMENTÁRiO
Peter Orlovsky - «O fazendeiro de Shelley montado em seu tractor Pégaso», como Gregory Corso certa vez lhe chamou, cumpriu hoje a sua viagem para os campos elíseos, tornando-se um bardo dos tempos que hão-de vir.
Anne Waldman - 30MAI2010
ANUÁRiO
1871 - Este ano, consomem-se no distrito de Lisboa 33.784 vacas ou bois, 3.653 vitelas, 20.521 carneiros, 22.844 chibatos e 22.227 porcos.
OBSERVATÓRiO
www.lojadeesquina.blogspot.com - Loja Da Esquina - Coisas Que Me Interessam - Blogue de José Miguel Forte - Artes, cultura, comunicação, sociedade, história, memória, em testemunho virtual ou crítico, com reposição actual ou retrospectiva mediática.
VISTORiA
Ele quis encontrar no mundo real a fraca imagem que, indefinidamente, a sua alma contemplava. Ele não sabia onde ou como procurá-la. Mas uma premonição disse-lhe que essa imagem iria encontrá-lo, independente do que fizesse. Os dois iriam encontrar-se tranquilamente, como se já se conhecessem, como se já se tivessem encontrado antes, talvez num dos portais ou em algum lugar secreto. Os dois estariam sozinhos, cercados pela escuridão e pelo silêncio. E, num momento de suprema ternura, ele mudaria. Dissolver-se-ia em algo impalpável diante dos seus olhos e, num breve momento, ele transformar-se-ia. Fraqueza, timidez e inexperiência tombariam diante dele, naquele momento trágico.
James Joyce - Retrato de Um Artista Quando Jovem
(1916, excerto)
O rosto de Samuel Spade era longo e ossudo e o seu queixo formava um pronunciado V, sob o V mais suave da boca. As narinas abriam-se, também sob a forma de um V mais pequeno. Os seus olhos verde-claros rasgavam-se horizontalmente, em forma de amêndoa. Sobranceiras a um nariz aquilino, viam-se duas rugas paralelas donde emergiam espessas sobrancelhas cuja configuração era, uma vez mais, a de um V bem vincado, caprichosamente invertido. O cabelo castanho-claro tinha como fronteira uma testa alta e despida de rugas sobre a qual avançara, como um istmo original, uma porção de cabelo que formava assim, no centro, um bico de viúva. À primeira vista, Spade tinha o aspecto agradável de um demónio saxão. Naquele momento, inquiria de Effie Perine:
Que se passa, meu amor?
A interpelada era uma jovem desenvolta, de cútis docemente crestada pelo sol. O seu vestido castanho, de fino tecido de lã, colava-se-lhe ao corpo como uma luva bem ajustada, dando a impressão de estar molhado. Pelos olhos castanhos da rapariga perpassava uma expressão de malícia; o seu rosto agarotado era iluminado por um perpétuo sorriso. Effie Perine fechou a porta sobre si e encostou-se ao batente:
Está ali uma rapariga que te quer falar. Diz chamar-se Wonderly.
Uma cliente? inquiriu Sam Spade.
Dashiell Hammett - O Falcão de Malta (1930
tradução de Baptista de Carvalho, excerto)
INVENTÁRiO
RELÍQUIA MACABRA (1941)
Primeira longa metragem dirigida por John Huston, também autor do argumento sobre um romance de Dashiell Hammett, do qual existiam duas versões anteriores (1931 - The Maltese Falcon de Roy Del Ruth, com Ricardo Cortez; 1936 - Satan Met a Lady de William Dieterle, com Warren William). Após o assassinato do seu sócio, o detective Sam Spade, cínico e insinuante, envolve-se numa teia de mistérios, cupidez e impiedade... Logrou três nomeações aos Óscares de Hollywood - Melhor Filme, Melhor Argumento, Melhor Actor Secundário (Sydney Greenstreet, na sua primeira intervenção falada). Ainda no elenco, Mary Astor e Peter Lorre.
EPISTOLÁRiO
Escuteiros:
Se porventura vocês tiverem visto a peça Peter Pan, deverão lembrar-se de que o chefe-pirata estava sempre a fazer o seu discurso de moribundo, porque receava que, possivelmente, quando chegasse a hora de ele morrer, já não teria tempo para dizer tais coisas.
Sucede quase o mesmo comigo e, assim, e embora neste momento eu não esteja a morrer um dia destes, morrerei - , quero enviar-lhes uma palavra de despedida. Lembrei-me de que será a última vez que vocês irão ouvir as minhas palavras. Portanto, pensem bem nelas. Eu tenho desfrutado de uma vida muito feliz e quero que cada um de vocês também tenha uma vida feliz. Acredito que Deus nos colocou neste mundo alegre para que sejamos felizes e para gozarmos a vida. A felicidade não provém do facto de ser rico, nem meramente de termos sido bem sucedidos numa carreira; e, tampouco, de sermos indulgentes para connosco. Um passo em direcção à felicidade é o de tornarmo-nos saudáveis e fortes enquanto ainda somos um jovem, de modo que possamos vir a ser útieis e, dest'arte, gozar a vida quando formos homens.
O estudo da natureza mostrar-lhes-á quão repleto de coisas belas e maravilhosas Deus fez o mundo para vocês gozarem. Alegrem-se com o que receberam e façam disso bom proveito. Olhem para o lado brilhante das coisas, e não para o lado sombrio delas. Contudo, a melhor maneira de obter felicidade é proporcionar felicidade às outras pessoas. Tentem deixar este mundo um pouco melhor do que o encontraram para que, quando chegar o vosso momento de morrerem, possam sentir-se felizes porque, pelo menos, não desperdiçaram tempo, e, sim, fizeram o melhor que puderam. Estejam preparados, desta maneira, para viverem e morrerem felizes, sempre fiéis à vossa Promessa Escuteira, até mesmo depois que deixarem de ser jovens - e que Deus os ajude a cumpri-la. Vosso amigo, Baden-Powell - Carta de Despedida
BREVIÁRiO
Estrofes & Versos edita As Sete Mulheres de Barba Azul de Anatole France (1844-1924); tradução de Susana Pires.
BdMania edita Marvels de Kurt Busiek e Alex Ross; o universo dos Marvel Comics, pelo olhar e a lente de Phil Sheldon.
VGM edita em CD, sob chancela Alpha, Carl Philipp Emanuel Bach [1714-1788]: Concerti a Flauto Traverso Obligato - II por Alexis Kossenko, com Arte dei Suonatori.
Em Escritores dos Países de Língua Portuguesa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda edita Jogos de Prazer de Virgílio de Lemos & Heterónimos: Bruno dos Reis, Duarde Galvão e Lee-Li Yang.
PRONTUÁRiO
CREPÚSCULOS
«Eu sinto claramente que nasci de uma praga de ciúmes. Eu sou as sete pragas sobre o Nilo e a alma dos Bórgias a penar!» Assim (se) expunha José de Almada Negreiros (1893-1970), escritor modernista, em A Cena do Ódio (1915)… Dois excepcionais autores da criatividade artística em banda desenhada, o argumentista chileno Alexandro Jodorowsky e o ilustrador italiano Milo Manara prestam em Bórgia - sob chancela das Edições Asa - um tremendo e fascinante testemunho histórico, estilizado, para adultos, que em 3 - As Chamas da Pira consome o esplendor e a miséria, o hausto e o fausto, a violência e a decadência em Roma, durante o Século XV, ao tempo do Papa Alexandre VI. Os excessos da realidade e os fantasmas da perversão, entre monstros e demónios, luxo e luxúria, pecado e perdição, subjugam um imaginário prodigioso, crepuscular, que se adensa pela intriga sórdida, decadente, culminando afinal sob a funesta iminência de ameaças naturais e de predações políticas. Desvendando a máscara humana, intemporal, além das trevas e das pulsões físicas, entre excrecências e pestilências. IMAG.3-13-52-64-132-140-147-221
CALENDÁRiO
1914-22MAI2010 - Martin Gardner: Matemático norte-americano, escritor e divulgador científico, especialista em Lewis Carroll - «A ciência moderna deve estimular em todos nós uma humildade face à imensidão do inexplorado, e uma tolerância perante as hipóteses bizarras».
27MAI-13JUN2010 - Em Beja, decorre o VI Festival Internacional de Banda Desenhada - uma organização da Câmara Municipal e da Bedeteca de Beja, em parceria com Museu Regional de Beja / Associação Para a Defesa do Património Cultural da Região; inclui exposições, conferências, espectáculos, lançamento de livros, oficinas, workshops e sessões de cinema.
27MAI-17JUL2010 - Arquivo Municipal de Lisboa apresenta, na Sala de Leitura do Arquivo Fotográfico, Casabsoluta - exposição de fotografia de Isabel Aboim Inglez.
28MAI-16SET2010 - Em Algés, Centro de Arte Manuel Brito/CAMB apresenta Exposição de Pintura e Desenho de Graça Morais. IMAG.65-68-139
1936-29MAI2010 - Dennis Hopper: «Tinha eu dezoito anos, e julgava que era o melhor actor do mundo… Até que conheci James Dean. Antes, nunca tinha visto ninguém a improvisar. Nunca tinha visto alguém que fizesse coisas que não estavam no papel. Fiquei deslumbrado!». IMAG.127-250-257
29MAI2010 - Na Amadora, José Ruy apresenta Do Analógico à Litografia Digital, no Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI.
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02JUN-25JUL2010 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Hierográficos Fotográficos de Paco Caparrós, em colaboração com o Institut Valencià d’Art Modern.
20-27JUN2010 - Em Espinho, decorre o FEST - Festival Internacional de Cinema Jovem /Training Ground.
ANUÁRiO
1271-1336 - Isabel de Aragão, Rainha Santa Isabel: «Levava uma vez a Rainha santa moedas no regaço para dar aos pobres, / Encontrando-a el-Rei lhe perguntou o que levava, / ela disse, levo aqui rosas. E rosas viu el-Rei não sendo tempo delas» (Frei Marcos de Lisboa - Crónica dos Frades Menores, 1562). IMAG.210-271
1871 - Este ano, são construídas em Portugal 25 embarcações mercantes - em Caminha, São Martinho, Esposende, Vila do Conde, Porto, Aveiro, Setúbal, Olhão e Faro.
ANTIQUÁRiO
15ABR1516 - Isabel de Aragão, mulher de El-Rei D. Diniz, é beatificada pelo Papa Leão X.
25MAI1625 - Isabel de Aragão, mulher de El-Rei D. Diniz, é canonizada pelo Papa Urbano VIII.
OBSERVATÓRiO
http://galileu.no.sapo.pt/ - GAlileu Galilei (1564-1642) - Este é o mundo que conhecemos hoje - «Eppur si mouve» - Inclui Introdução, A Vida de Galileu Galilei, As Ideias Científicas, Na Época de Galileu, Ideias Dominantes na Época, Conclusão, Bibliografia, Links. IMAG.23-39-46-56-146-266-287
VISTORiA
Soneto
Que relógio de sol, que serventia
Ter não pode de alguma utilidade
Quando o dia está brusco, e na verdade
Ninguém faz dele caso nesse dia.
Assim se da pobreza a mão sombria
Faz no homem qualquer escuridade
Em lhe faltando do ouro a claridade
É dos outros desprezo e zombaria.
Dos planetas mais nobre é o sol louro;
O ouro dos metais; e está mais fusco,
Que relógio sem sol, homem sem ouro.
Disto exemplos alheios eu não busco;
Pois me vejo que estou, com vil desdouro,
Qual relógio de sol em tempo brusco.
Joaquim Fortunato de Valadares Gamboa (1791)
COROLÁRiO
Rainha Santa Isabel
…E por qualquer lugar onde fosse não aparecia pobre que dela não recebesse esmola... E em cada quaresma fazia grandes esmolas a homens e a mulheres envergonhados; e no dia que se diz Ceia do Senhor lavava a certas mulheres pobres e leprosas os pés, e lhos beijava, e vestia-as e dava-lhes de calçar e contas por amor de Deus.
Biografia Hagiográfica
PARLATÓRiO
Qualquer mago lhes dirá que os cientistas são as pessoas mais fáceis de enganar do Mundo; nos seus laboratórios, os instrumentos são exactamente o que parecem. Não há espelhos ocultos, nem compartimentos secretos, nem imãs escondidos. O pensamento de um cientista é racional, baseia-se em toda uma vida de experiência com o mundo lógico. Pelo contrário, os métodos do mágico são irracionais, e totalmente alheios à experiência do cientista.
Martin Gardner
NOTICIÁRiO
Motu-Contínuo
Diz El Liberal [Madrid] que um mecânico amador, D. Francisco Lumbreras, descobriu o motu-contínuo. Baseia-se o aparelho demonstrador na gravidade dos corpos; uma alavanca desigual que produz oscilações isócronas de maneira tão permanente que, uma vez posto em movimento, o aparelho só parará por desgaste da madeira empregada na sua construção. Se assim é... não há nada mais certo.
03JAN1890 - Diário de Notícias
BREVIÁRiO
Na colecção Álbuns Infantis, Texto Editores lança A Zebra Zezé de Ana Ventura (história) e Alberto Faria (ilustração). Jovem e estrábica, Zezé nunca sabia quem eram os seus pais. Como as zebras se reconhecem umas às outras pelas riscas, é fácil perceber a sua atrapalhação, sempre se dirigia a outras famílias, convencida de que eram a dela! Mas, um dia acertou - e, a partir de então, ficou com o problema resolvido… Aventura interactiva, contada, peça por peça, em pleno cenário alusivo à biodiversidade africana.
Edições Asa lança Portugal com planeamento, narrativa e ilustração de Luís Diferr - sobre as viagens e as aventuras de Loïs Lorcey, concebidas por Jacques Martin em 2003, evocando os reinados de Luís XIII e Luís XIV, em França. Olhar histórico sobre um tempo e um lugar, em que Loïs visita, desta vez, o Portugal de finais do Século XVII e inícios do Século XVIII, detendo-se por lugares como o Convento de Mafra, a Torre de Belém, o Convento de Cristo ou o Paço da Ribeira.
Guimarães edita Sinais de Fogo de Jorge de Sena; introdução de Mécia de Sena.
IMAG.60-67-87-112-181-202-249-264-268
Casa das Letras edita A Fábula de William Faulkner (1897-1962); tradução de Maria João Freire de Andrade. IMAG.86-153-231-232
Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Johann Sebastian Bach [1685-1750]: The Well-Tempered Clavier I pelo pianista Maurizio Pollini. IMAG...212-216-220-240-248-267-268-269-280-284
¨Relógio D’Água edita Cossacos - Novela do Cáucaso de Lev/Leon Tolstoi (1828-1910); tradução de Nina Guerra e Filipe Gerra. IMAG.56-194-299
TRANSGRESSÕES
Tratar de animação em cinema significa, inevitavelmente, evocar Walt Disney - com citação subversiva em Gremlins / Pequeno Monstro (1984) de Joe Dante, durante uma caótica e corrosiva projecção da Branca de Neve e os Sete Anões / Snow White and the Seven Dwarfs (1937 - David Hand). Para além da irreverência, persiste uma homenagem eivada de nostalgia e matiz histórico. Disney corresponde ao patriarca inevitável, pelo carácter absoluto de experiências com que chancelou a sua produção. Não se trata, apenas, de um pioneiro exponencial, suscitando influências e referências, que sobrepõem uma prodigiosa evolução do universo gráfico e virtual. A este nível, Pequeno Monstro é um ritual feroz e delirante, que visa os demónios do imaginário - quanto ao litígio entre o bem e o mal, quando a fantasia se adensa no limite dos pesadelos. Produzido por Steven Spielberg, sagra-se afinal uma revolução - no interior do próprio envolvimento entre realidade e artifício, com recurso exacerbado a uma artilharia de efeitos especiais, em que se conjugam mecânica e electrónica.
CALENDÁRiO
1924-17MAI2010 - Yvonne Loriod: Pianista francesa, compositora e professora, mulher e intérprete de Olivier Messiaen - «Tudo o que eu desejo é uma morte serena, e depois vou para o céu, reunir-me com ele».
1916-19MAI2010 - Robert Laffont: Editor francês - «Vivi e progredi sem esmagar ninguém e, sobretudo, sem fazer batota. Nunca fui comprado nem comprei ninguém. Exprimi sempre inequivocamente os meus gostos, sem desprezar os que têm outra opinião. Cumpri o objectivo de tornar-me um homem fiel à criança que fui» (1994).
27-29MAI2010 - Teatro Nacional de D. Maria II apresenta FIMFA Lx 10 - Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas.
02JUN-05OUT2010 - Na Amadora, Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI expõe A I República Na Génese da Banda Desenhada e No Olhar do Século XXI, no âmbito das Comemorações Nacionais do Centenário da República, com a participação de João Castela Cravo, Osvaldo de Sousa, Paulo Cambraia e João Paulo de Paiva Boléo. IMAG.301-303
MEMÓRiA
1849-17JAN1910 - Joaquim Nabuco: Escritor, político, historiador e diplomata brasileiro - «Vejo muitas consolações para os infelizes… Para os felizes, nunca as encontrei».
1912-21DEZ1980 - Nelson Rodrigues: «A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades».
1711-25DEZ1780 - Frei João de Mansilha - Frade dominicano, teólogo, Conselheiro régio, inquisidor do Santo Ofício de Lisboa (1761) - «Nenhum religioso nosso receba dádivas das religiosas, nem também lhas mandem, e os que obrarem o contrário, se castiguem gravissimamente» (História Escandalosa dos Conventos da Ordem de S. Domingos Em Portugal - 1774-1776).
1821-28DEZ1890 - Octave Feuillet: Escritor e académico francês - «As suas peças deixaram fama na cena portuguesa» (Diário de Notícias - 30DEZ1890) .
IMAG.27
X1846-28DEZ1900 - Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto: Militar, explorador e administrador colonial, entre finais de 1877 e 1879 realizou uma viagem entre Angola e Durban, na costa do Índico, Sul de África, com a missão de observações quanto à topografia, sistemas fluviais e clima, agricultura, zoologia, costumes e raças dos povos indígenas. IMAG.125-247
30DEZ1910-1999 - Paul Bowles: «Penso que nunca vi o teu rosto / Num dia de chuva, quando as sombrias artérias do céu / Pulsam junto às árvores, e no teu coração / A água corre. Nunca te vi chorar / Com um monólogo da noite, com a tua mente resistindo ao silêncio».
IMAG.204-247-251
31DEZ1930-2008 - Odetta Holmes: Cantora de blues, activista pela igualdade e liberdade humanas - «Na escola ensinaram-me a contar e a juntar as palavras. Mas, sobre o espírito humano, aprendi tudo através da música folk». IMAG. 227
ANTIQUÁRiO
25ABR1890 - Raphael Bordallo Pinheiro oferece a Serpa Pinto um escarrador de faiança das Caldas, seu delicado trabalho artístico, o qual representa John Bull sobrançando dois sacos cheios de libras. Amanhã, o ilustre oficial e intrépido explorador entra ao serviço de El-Rei D. Carlos I, por quem foi nomeado seu ajudante de campo efectivo. IMAG.22-32-43-59-77-98-115-197-208-242
ABR1890 - Diário de Notícias
PARLATÓRiO
Eu desejava concordar com os nobres deputados, em que se deveria deixar a liberdade a todas as seitas; mas, enquanto a Igreja Católica estiver, diante das outras seitas, em uma situação privilegiada, os nobres deputados hão de admitir que ela vai fazer ao próprio Estado, de cuja proteção se prevalece, uma concorrência poderosa no terreno verdadeiramente leigo e nacional do ensino superior. Se os nobres deputados querem conceder maiores franquezas, novos forais à Igreja Católica, então separem-na do Estado. É a Igreja Católica que em toda a parte pede a liberdade do ensino superior. Essa liberdade não foi pedida em França pelos liberais; mas pela Igreja. E porque reconheça que o ensino deva ser livre? Não. Aí está o Syllabus que fulmina de excomunhão quem o sustentar. O que ela pretenderia é a partilha do monopólio para, quando achar-se senhora exclusiva, fechar a porta à liberdade e à ciência.
Joaquim Nabuco
(15MAI1879 - excerto)
VISTORiA
A Suspeita
Casados há dois anos, eram felicíssimos. Ambos de ótima família. O pai dele, viúvo e general, em vésperas de aposentadoria, tinha uma dignidade de estátua; na família de Solange havia de tudo: médicos, advogados, banqueiros e, até, ministro de Estado. Dela mesma, se dizia, em toda parte, que era «um amor»; os mais entusiastas e taxativos afirmavam: «É um doce-de-coco». Sugeria nos gestos e mesmo na figura fina e frágil qualquer coisa de extraterreno. O velho e diabético general poderia pôr a mão no fogo pela nora. Qualquer um faria o mesmo. E todavia... Nessa mesma noite, do aguaceiro, coincidiu de ir jantar com o casal um amigo de infância de ambos, o Assunção. Era desses amigos que entram pela cozinha, que invadem os quartos, numa intimidade absoluta. No meio do jantar, acontece uma pequena fatalidade: cai o guardanapo de Carlinhos. Este curva-se para apanhá-lo e, então, vê, debaixo da mesa, apenas isto: os pés de Solange por cima dos de Assunção ou vice-versa. Carlinhos apanhou o guardanapo e continuou a conversa, a três. Mas já não era o mesmo. Fez a exclamação interior: «Ora essa! Que graça!». A angústia se antecipou ao raciocínio. E ele já sofria antes mesmo de criar a suspeita, de formulá-la. O que vira, afinal, parecia pouco, Todavia, essa mistura de pés, de sapatos, o amargurou como um contato asqueroso. Depois que o amigo saiu, correra à casa do pai para o primeiro desabafo. No dia seguinte, pela manhã, o velho foi procurar o filho:
Conta o que houve, direitinho!
O filho contou. Então o general fez um escândalo:
Toma jeito! Tenha vergonha! Tamanho homem com essas bobagens!
Foi um verdadeiro sermão. Para libertar o rapaz da obsessão, o militar condescendeu em fazer confidências:
Meu filho, esse negócio de ciúme é uma calamidade! Basta dizer o seguinte: eu tive ciúmes de tua mãe! Houve um momento em que eu apostava a minha cabeça que ela me traia! Vê se é possível?!
Nelson Rodrigues - A Vida Como Ela É...
(1992 - excerto)
NOTICIÁRiO
A Chouriça
Esta mulher que faz recados aos presos do Limoeiro, e contra a qual se fez uma acusação de gatuna, procurou-nos para nos dizer que nunca furtou nada a pessoa alguma, e que esteve detida como apenas tendo sido portadora de objectos para empenhar, ignorando se eram roubados. A Chouriça vive no Bairro da Oliveirinha, e não no Pátio do Gama, como se disse, e o filho d’ela não está degredado e sim em Rilhafoles.
20DEZ1897 - Diário de Notícias
BREVIÁRiO
ZON Lusomundo edita em DVD, Gremlins / Pequeno Monstro (1984) de Joe Dante; com Zach Galligan e Phoebe Cates.
Modo de Ler edita Henrique Pousão (1859-1884) de Abel Salazar (1889-1946); apresentação de Maria João Vasconcelos. IMAG.101-112-236
Megamusica edita em CD, sob chancela AliaVox, Le Royaume Oublié por Jordi Savall, com La Capella Reial de Catalunya e Hespèrion XXI. IMAG.229-263-296
Labirinto edita João Pina de Morais (1889-1953) - Crónicas No ‘Jornal de Notícias’ (1942-1950); coordenação de João Luís Sequeira Rodrigues.
Todomundo edita em CD, sob chancela Nonesuch/Warner, Here Lies Love por David Byrne & Fatboy Slim.
GALERiA
Universo trepidante e prodigioso, pelo fenómeno da mangà nipónica, Warcraft - Legends apresenta em Volume 5 - sob chancela das Edições Asa - os episódios Guerreiro Feito - Parte 2, Guerreiro: Unidas, O Primeiro Guardião, Um Fogo Purificador e Pesadelos por Christie Golden, Grace Randolph, Louise Simonson, Evelyn Fredericksen e Richard A. Knaak (argumento) & In-Bae Kim, Erica Awano, Seung-Hui Kye, Ryo Kawakami e Rob Ten Pas (ilustração). IMAG.227-298
EXTRAORDINÁRiO
OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico
TEM-TE NO LEITO,
TENTO NA LÍNGUA - 5
Deu-lhe então a tal lassidão, uma modorra mansa. Em suas águas furtadas na Rua dos Confeiteiros, Honorato escreveu breves palavras numa folha de papel. Dobrou o bilhete em quatro, lacrou-o, assinalando como destinatário, apenas: «M. Lizandra Terezo». A patroa da Pensão Medusa saberia entregá-lo.
Depois, e displicente, Honorato Sabino aperaltou-se como se preparasse uma cerimónia de circunstância. Junto ao peito, pôs um cliché amarrotado da mãe, que falecera quando ele era ainda garoto. Evitou um gesto em falso ao deixar na gaveta a cebola e a corrente de aço, dissimulando no bolso o tira-teimas recém adquirido no Bazar do Armeiro.
Desceu, enfim, até ao Cais de Sodré, disposto a chegar à Outra Banda logo que lhe fosse possível. Ainda com os pés bem assentes na terra, pairava já na sua última mensagem: «É só para lhe dizer que nunca mais lhe direi nada».
Continua
IMAGINÁRiO303
· 16 DEZ 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004
VACILAÇÕES
Um dos artistas europeus de banda desenhada mais intervenientes e prestigiados, Enki Bilal regressa com Animal’z - sob chancela Asa - um testemunho / alerta sobre tempos próximos de degradação climatérica e crise ecológica, sobre a escassez de água potável e a demolição social, implicando mutações irreversíveis e desafios a uma sobrevivência em catástrofe. Sagrando uma dimensão épica e simbólica, Bilal consuma, em alternativa, uma perturbante recorrência plástica e virtual: o privilégio da narrativa sobre a dramaturgia; uma atmosfera poluída e degradada. Assim, a componente visionária resulta pelos contrapontos: entre o grande plano e a distorção gráfica, numa fluida profundidade. Perturbadora esta impressão de uma dinâmica em quadradinhos sem pontos mortos, mas da qual persistem volúveis vestígios vivos - de denúncia ou emoção, como memória emulativa e deslumbrante criatividade. Traçando um sortilégio fantástico, entre sacrifício e libertação, qual exorcismo exacerbado sobre as luzes e as trevas - nos limites de Animal’z, eis um imaginário crepuscular.
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MEMÓRiA
16DEZ1770-1827 - Ludwig Van Beethoven: «Os compositores de outrora, costumavam captar estritamente a base do tema, como se fosse o que realmente pretendiam tratar. Beethoven varia a melodia, a harmonia e os ritmos de um modo maravilhoso» (Johannes Brahms). IMAG...229-236-237-239-255-268-285-298
1783-17DEZ1830 - Simón José Antonio de la Santísima Trinidad Bolívar Palacios y Blanco, aliás Simón Bolívar: «O novo mundo deve ser constituído por nações livres e independentes, unidas entre si por um corpo de leis em comum que regulem os seus relacionamentos externos».
18DEZ1870-1916 - Hector Hugh Munro, aliás Saki: «Os jovens têm aspirações que nunca se concretizarão, tal como os velhos têm reminiscências do que nunca lhes aconteceu». IMAG.174
19DEZ1910-1986 - Jean Genet: «O ódio faz-nos falta. Dele, brotarão as nossas ideias» (Les Nègres - 1958). IMAG.78-139-183
1798-20DEZ1890 - Joaquim Lopes, o Patrão Lopes: «Humilde herói, benemérito da Humanidade, operário do mar, trabalhaste todo o dia e ganhaste-o bem» (Diário de Notícias - 22DEZ1890) - «Ainda me restam, Deus louvado!, algumas forças para lutar com as vagas!».
1896-21DEZ1940 - F. Scott Fitzgerald: «A marca de uma inteligência de primeira ordem é a capacidade de ter duas ideias opostas, presentes no espírito ao mesmo tempo, e nem por isso deixar de funcionar». IMAG.161-248
21DEZ1940-1993 - Frank Zappa: «Existem vários guitarristas muito bons, no nosso meio, mas posso garantir que sou o único a actuar como o faço. Isto porque não me apresento como uma vedeta. Quando estou em palco, é para tocar música».
CALENDÁRiO
MAI2010 - No âmbito da 7ª Mostra Internacional de Escolas de Cinema, a decorrer no Porto, João Mário Grilo é distinguido com o Prémio Aurélio da Paz dos Reis, pela sua carreira como cineasta e académico. IMAG.6-122-251-272
MAI2010 - Na Amadora, Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI edita A República - Jornal de Banda Desenhada, aquando das Comemorações Nacionais do Centenário da República - sendo ícones anfitriões Quim e Manecas, as personagens de Stuart Carvalhaes revistas por Richard Câmara. IMAG.301
1930-18MAI2010 - Edoardo Sanguineti: Poeta e escultor italiano, crítico e intelectual membro do Gruppo 63 - «sem remédio o tempo / voltou-se para os seus dias; a terra oferece imagens confusas; / saberá reconhecer a cabra, o camponês, o canhão?» (em ti dormia como um fibroma enxuto... - excerto - tradução de Maurício Santana Dias).
27MAI-26JUN2010 - Em Lisboa, Galeria Bernardo Marques apresenta New York City Estudio 1984-1992 - Vintage Prints, exposição de fotografia de Marcus Leatherdale.
VISTORiA
Quando o Patrão já velho,
ao pé do mar assoma,
só de o encarar, o oceano
se atemoriza e doma.
Tomás Ribeiro
PARLATÓRiO
Colombianos! A minha última vontade é a felicidade da pátria. Se a minha morte contribuir para o fim do partidarismo e para a consolidação da União, baixarei em paz à sepultura.
Simón Bolívar - Ao Povo da Colômbia (08DEZ1830)
NOTICIÁRiO
O Assassinato do Major Beja - O London & China Telegraph, recebido ontem, traz um extenso artigo com respeito ao assassinato do Major Beja, em Macau. Lamenta que deixássemos alistar no Batalhão do Ultramar um homem de carácter tão malvado como o assassino, que fora condenado a degredo para a África por ter assassinado em Lisboa uma mulher. Conclui pedindo a Portugal que, já que aboliu a pena de morte, não deixe homens tão sanguinários, como o assassino, à rédea solta, porque isso é extremamente prejudicial à sociedade. O assassino chama-se Agostinho Pacheco e, depois de ter praticado o crime, tentou forçar a mulher da sua vítima, roubando-lhe, sob ameaça de morte, doze patacas! O assassino declarou que ele foi ao quartel para matar o Capitão Almeida, servindo de Major, e não o comandante. Mas, como não encontrou aquele, matou o comandante. Um correspondente diz que o assassino já ali estivera com o 1º Batalhão, e que fora condenado a dois anos de prisão, por ter dado uma facada numa mulher. Outro correspondente afirma que são atribuídos ao malvado vários crimes, tais como o de ter enforcado um chinês e apunhalado outro, e de ter ferido uma mulher da primeira vez que ali estivera. O facínora tem apenas vinte e cinco anos.
21DEZ1880 - Diário de Notícias
BREVIÁRiO
Antígona edita O Santo Condestável de Tomás da Fonseca. IMAG.122-205-292
Numérica edita em CD, Marcos Portugal [1762-1830] - Missa Grande pelo Coro de Câmara de Lisboa, sob a direcção de Teresita Gutiérrez Marques. IMAG.270
Alétheia Editores lança Fontes Pereira de Melo [1819-1887] - Uma Biografia de Maria Filomena Mónica. IMAG.115-242
Edições 70 lança Diário de Luto de Roland Barthes (1915-1980). IMAG.125-267
Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Giacomo Puccini [1858-1924] Ritrovato por Plácido Domingo e Violeta Urmana, com a Filarmónica de Viena sob a direcção de Alberto Veronesi. IMAG.147-188-207-226-227-279
Quadra edita O Regresso de Joseph Conrad (1857-1924). IMAG.157-224-243
Dom Quixote re-edita O Mundo Alucinante de Reinaldo Arenas (1943-1990); tradução de Joaquim Pais de Brito. IMAG.301
Harmonia Mundi edita em CD, Ludwig van Beethoven: Sonatas Para Piano e Violino por Isabelle Faust e Alexander Melnikov.
Harmonia Mundi edita em CD, Ludwig van Beethoven: Complete Piano Sonatas por Paul Lewis.
Modo de Ler edita, com Afrontamento, Chuva Sobre o Rosto de Eugénio de Andrade (1923-2005); introdução de João Miguel Fernandes Jorge. IMAG.33-45-150-248
Quetzal edita Fumo Sagrado de Guillermo Cabrera Infante (1929-2005); tradução de Salvato Telles de Menezes. IMAG.28
VISTORiA
«A grande tragédia na vida de minha tia ocorreu há uns três anos», disse a menina; «quer dizer, depois que a irmã do senhor foi embora.»
«Uma tragédia?», perguntou Framton; de alguma forma, neste pacífico recanto as tragédias pareciam algo fora de lugar.
«O senhor deve ter se perguntado por que motivo deixamos aquela janela escancarada numa tarde de Outubro», disse a sobrinha, apontando para uma larga janela que dava para um jardim.
«Faz bastante calor nesta época do ano», disse Framton; «mas o que tem a janela a ver com a tragédia de sua tia?»
«Por essa janela, há exactamente três anos, o marido de minha tia e os seus dois irmãos menores saíram, para a caçada do dia. Nunca mais regressaram. Ao atravessarem o matagal que conduzia ao seu local preferido de caça, afundaram-se num trecho traiçoeiro do pântano. Foi durante um verão terrivelmente chuvoso, sabe, e os terrenos que antes eram firmes cediam sem que houvesse maneira de escapar. Os seus corpos nunca foram encontrados. Esta é a pior parte da história.»
Nesse momento, a garota perdeu o tom seguro de sua voz e tornou-se vacilantemente humana.
«A minha pobre tia ainda acredita que eles voltarão algum dia, eles e o pequeno cão acastanhado que os acompanhava, e que entrarão por aquela janela como costumavam fazer. Eis por que a janela é mantida sempre aberta, até que caia a noite. Pobre e querida tia, vive contando-me o modo como eles saíram, o seu marido com o impermeável branco no braço, e Ronnie, seu irmão mais novo, cantando “Bertie, por que pulas?”, sempre a provocá-la, pois sabia que essa canção a irritava. Sabe, às vezes, em tardes tranquilas como a de hoje, eu tenho uma sensação apavorante de que todos eles entrarão por aquela janela.»
Saki - A Janela Aberta (excerto
Sobre tradução de Jonas Queiroz)
EXTRAORDINÁRiO
OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico
TEM-TE NO LEITO,
TENTO NA LÍNGUA - 4
Para que havia de continuar a querer viver?
Honorato Sabino jamais sucumbiria ao ultraje, mas devastava-o um desapontamento. Para alguém fino de trato, cujo modelo de futuro e de carreira se configurava pelo reflexo das harmonias virtuais com que se via desviado frente ao espelho, nunca se compadeceria agrilhoado ao compasso de espera sobre as suas ilusões palpitadas como um mecanismo uniforme.
Despertar consciências, pela hora da morte? Não, Honorato nunca tivera tendência para relojoeiro funerário, quanto mais para coveiro sacristão. E, além do enquadramento em que assumia a sua pose, também o derreava uma taleigada de culpas que, pontualmente, fora deitando para trás das costas.
Continua
PRONTUÁRiO
MASSACRE
Um casal de alcoólicos, Martha e George discutem e insultam-se asperamente. Ele é professor do liceu, ela filha do reitor. Certa vez, recebem a visita de um jovem par - a princípio, chocado com o desmazelo da casa, a linguagem grosseira ou o desassombro dos anfitriões… Eis Quem Tem Medo de Virgínia Wolf? (1966) - adaptação de uma peça de Edward Albee, famosa e controversa pela carga psicanalítica, no despudor sobre o casamento e pela acutilância dos diálogos, a demolição física, afectiva e intelectual. Destaca-se o rigor de transposição, acentuada na contida e sóbria exploração dos valores cénicos, segundo o talento de Mike Nichols - que iniciou carreira como actor teatral, e se estreia nas funções de realizador com uma obra que já havia encenado em palco. A vitalidade fílmica é, porém, expressiva e poderosa, quer ao nível da sequência quer pelo recurso aos grandes planos - sobre os rostos, os gestos, ou a complementaridade de objectos. Elizabeth Taylor (galardoada com o Oscar) e Richard Burton são magníficos, insuportáveis. Além do testemunho sarcástico e feroz sobre a erosão das relações, a (auto)destruição mútua e recíproca, paira - afinal - uma nova consciência reabilitada, em catarse e libertação.
MEMÓRiA
02DEZ1940-2008 - Thomas Dish: Escritor de ficção especulativa, autor de On Wings of Song (1979) - «Uma cidade como Nova Iorque, para o meu universo criativo, representa o próprio Mundo... Escrevo poesia, porque é a coisa mais árdua que consigo fazer bem. Por isso diverte-me, tal como um cavaleiro que gosta de estar muito tempo sobre a montada. A poesia é o meu cavalo predilecto». IMAG.207
08DEZ1900-1994 - Fernanda de Castro: «Vai, minha alma, branco veleiro, / vai sem destino, a bússola tonta... / Por oceanos de nevoeiro / corre o impossível, de ponta a ponta.» (Asa No Espaço).IMAG.74-142-224
1894-08DEZ1930 - Florbela Espanca: «Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida. / Meus olhos andam cegos de te ver! / Não és sequer razão do meu viver / Pois que tu és já toda a minha vida!».IMAG.17-80-151-243-284
1450-15DEZ1500 - Pero Vaz de Caminha: Cavaleiro do Duque de Bragança, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, autor da Carta a El-Rei D. Manuel sobre o Descobrimento do Brasil: «Se a Carta nos permite chegar à identificação do litoral brasileiro, visitado pela armada de Cabral; do Porto Seguro onde ancoraram; do ilhéu; do rio e do lugar onde foi plantada a Cruz, mais importantes são os dados que fornece como revelação do conhecimento dum Novo Mundo… Na terra nova, recoberta de selvas de incontáveis prumagens, onde tumultuavam aves nunca vistas, Caminha e os seus companheiros contemplaram com pasmo um homem novo. E essa foi para eles a maior e mais impressionante das novidades!» (Jaime Cortesão - 1943). IMAG.33-48
61571-15DEZ1630 - Johannes Kepler: «A crença no efeito das constelações deriva, em primeiro lugar, da experiência - tão convincente, que só pode ser negada por gente que nunca a examinou».IMAG.56-115-123-124
CALENDÁRiO
29MAI-03JUN2010 - Centro Cultural de Belém/CCB apresenta A Sagração da Primavera segundo Igor Stravinsky, pelo compositor Luís Tinoco e pela coreógrafa Olga Roriz, com Orchestrutopica, Companhia Olga Roriz, Orquestra Metropolitana de Lisboa, sob a direcção de Cesário Costa. IMAG.186
ANTIQUÁRiO
08DEZ1720 - Sob o patrocínio de El Rei D. João V, é fundada a Academia Real da História, tendo por fim «Purificar da menor sombra de falsidades a narração dos sucessos pertencentes a uma e outra História [eclesiástica e secular] e investigar aqueles que a negligência tem sepultado nos arquivos».
ELUCIDÁRiO
Leis de Kepler
Lei das Órbitas: Os planetas descrevem órbitas elípticas ao redor do Sol, sendo que este ocupa um dos focos da elipse.
Lei das Áreas: O segmento imaginário que une o centro do Sol e o centro do planeta varre áreas proporcionais aos intervalos de tempo dos percursos.
Lei dos Períodos: O quadrado do período de revolução de cada planeta é proporcional ao cubo do raio médio da respectiva órbita.
Lei da Gravitação Universal: Os corpos atraem-se com forças que são directamente proporcional à sua massa, e inversamente proporcional ao quadrado de suas distâncias.
INVENTÁRiO
Carta a El-Rei Dom Manuel
Senhor
Posto que o capitão-mor desta Vossa frota e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta Vossa terra nova, que se ora nesta navegação achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, inda que, para o bem contar e falar, o saiba pior que todos fazer.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, a qual, bem certo, creia que por afremosentar em afear haja aqui de pôr mais do que aquilo que vi me pareceu.
Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer e os pilotos devem ter esse cuidado. E, portanto, Senhor, do que hei-de falar, começo e digo que a partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de Março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achámos entre as Canárias, mais perto da Grã Canária. E ali andámos todo aquele dia, em calma, à vista delas, obra de três ou quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às 10 horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, isto é, da ilha de S. Nicolau, segundo dito de Pêro Escolar, piloto. E a noute seguinte, à segunda-feira, quando lhe amanheceu, se perdeu da frota Vasco d’Ataíde, com a sua nau, sem aí haver tempo forte nem contrairo para poder ser. Fez o capitão suas diligências para o achar, a umas e a outras partes, e não apareceu mais.
E assim seguimos nosso caminho por este mar, de longo, até terça-feira d’oitavas de Páscoa, que foram 21 dias d’Abril, que topámos alguns sinais de terra, sendo da dita ilha, segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas, os quais eram muita quantidade d’ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho e assim outras, a que também chamam rabo d’asno.
E à quarta-feira seguinte, pela manhã, topámos aves, a que chamam fura-buchos. E neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, isto é, primeiramente d’um grande monte, mui alto e redondo, e d’outras serras mais baixas a sul dele e de terra chã com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra da Vera Cruz. Mandou lançar o prumo, acharam 25 braças e, ao sol-posto, obra de 6 léguas de terra, surgimos âncoras em 19 braças - ancoragem limpa. Ali ficámos toda aquela noute. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra e os navios pequenos diante, indo por 17, 16, 15, 14, 13, 12, 10 e 9 braças até meia légua de terra, onde todos lançámos âncoras em direito da boca d’um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às 10 horas, pouco mais ou menos. E dali houvemos vista d’homens que andavam pela praia, obra de 7 ou 8, segundo os navios pequenos disseram, por chegarem primeiro.
Ali lançámos os batéis e esquifes fora e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor e ali falaram. E o capitão mandou no batel, em terra, Nicolau Coelho, para ver aquele rio. E tanto que ele começou para lá d’ir, acudiram pela praia homens, quando dous, quando três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, eram ali 18 ou 20 homens pardos, todos nus, sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas setas. Vinham todos rijos para o batel e Nicolau Coelho lhe fez sinal que pusessem os arcos. E eles os puseram.
Pero Vaz de Caminha (excertos)
VISTORiA
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca - Sonetos
Perdão
Aqui me tens, meu Deus, em confissão.
Não roubei. Não matei. Não caluniei.
Mas nem sempre segui a tua lei,
nem sempre fui a irmã do meu irmão.
Não recusei aos outros o meu pão.
Amor, algumas vezes, recusei.
Mas por tudo o que dei e o que não dei,
eu te peço, meu Deus, o meu perdão.
Perdão para os meus pecados conscientes
e para os meus pecados inocentes,
para o mal que já fiz e ainda fizer ...
Perdão para esta culpa original,
para este longo e complicado mal:
o crime sem perdão de ser mulher.
Fernanda de Castro
BREVIÁRiO
ZON Lusomundo edita em DVD, Quem Tem Medo de Virgínia Wolf? / Who’s Afraid Of Virginia Woolf? (1966) de Mike Nichols; com Elizabeth Taylor e Richard Burton. IMAG.49
Assírio & Alvim edita Evocação de Sophia de Alberto Vaz da Silva; prefácio de Maria Velho da Costa, posfácio de José Tolentino Mendonça; sobre Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004). IMAG.2-18-112-168-213-249-268
PRONTUÁRiO
AVENTURAS
Reclamando uma herança da cultura europeia nas suas expressões aventuresca e memorialista, a escola-franco belga imprimiu o imaginário em banda desenhada com características literárias e artísticas, estéticas e estilísticas, que privilegiaram o estatuto dos criadores completos - argumentistas e ilustradores que aliam, ao talento próprio, a versatilidade e a persistência dos projectos virtualizados. Entre os autores cuja maturidade se insinua por distintas vertentes, François Bourgeon é um valores maiores - da inspiração histórica à vertente fantástica - ritualizando a aparência dos lugares, sagrando a respiração dos tempos, estigmatizando civilizações, rasgando horizontes, inscrevendo o desígnio humano entre vicissitudes e cintilações… De Os Companheiros do Crepúsculo a O Ciclo de Cyann, passando por Os Passageiros do Vento - em que A Menina de Bois-Caїman, sob chancela das Edições Asa, é um segmento magistral, e cujo Livro 2 envolve a Guerra da Secessão, na América do Norte, durante a Primavera de 1863. Um épico singular, pelos rostos e os corpos das mulheres, a solidariedade e a sobrevivência, a coragem e a renúncia, as emoções e os desaires, que se transmitem através duma paisagem adversa, receptiva, mutante e matricial.
MEMÓRiA
27NOV1940-1973 - Bruce Lee: «O que eu penso de mim mesmo? Considero-me um ser humano. De facto, não desejo acreditar que, como Confúncio dizia, sob o firmamento, debaixo do céu, existe apenas uma família. Sucede que as pessoas são diferentes, entre si» (1971).
1854-30NOV1900 - Oscar Wilde: «É o nosso único verdadeiro dramaturgo. Ele mistura tudo, a inteligência das falas, filosofia, sentido dramático, os actores, a audiência, todo o teatro...» (George Bernard Shaw). IMAG.14-61-204-256-277
05DEZ1890-1976 - Fritz Lang: «A minha vida privada nada tem a ver com os meus filmes». IMAG.38-93-272
1867-05DEZ1930 - Raul Brandão: «A que se reduz afinal a vida? A um momento de ternura e mais nada... De tudo o que se passou comigo só conservo a memória intacta de dois ou três rápidos minutos. Esses, sim! Teimam, reluzem lá no fundo e inebriam-me, como um pouco de água fria embacia o copo». IMAG.48-121-161-293
1943-07DEZ1990 - Reinaldo Arenas: Escritor cubano - «O aspecto surrealista dos meus romances representa um obstáculo suplementar à sua promoção, porque aqui defende-se um realismo dos mais limitados, que não tem nada a ver com a verdadeira realidade» (anos ‘1960) .
10DEZ1920-1977 - Clarice Lispector: «Liberdade é pouco, o que desejo ainda não tem nome». IMAG.158
CALENDÁRiO
1917-09MAI2010 - Lena Horne: Actriz norte-americana, cantora de jazz - «Tornei-me única, no sentido em que era uma rapariga negra que as pessoas brancas não podiam aceitar. Seria o sonho delas. Tive uma má aceitação não pelo que era, ou por um contributo pessoal. Tudo derivou do meu aspecto».
1928-10MAI2010 - Frank Frazetta: Ilustrador norte-americano, artista de banda desenhada e mestre pioneiro da fantasy adventure, assinou pranchas de Tarzan, Conan the Barbarian, John Carter of Mars ou Vampirella - «Espero que a minha obra inspire os jovens autores. Procurei sempre manter um estilo pessoal, um dos principais motivos para me tornar notado… Sou um criador de imagens, e é tudo».IMAG.6-67-221
11MAI-21JUN2010 - No Centro Cultural de Belém/CCB, Museu Colecção Berardo apresenta Dentro do Labirinto / Dans le Labyrinthe, instalação do cineasta, fotógrafo e artista plástico Pierre Coulibeuf, num mundo composto por «signos obscuros e imagens móveis, estranhas».
12MAI1910-05MAI2010 - Giulietta Simionato: Cantora lírica italiana, mezzo-soprano, presidente da Associação Maria Callas - «Um extraordinário fenómeno artístico» (Bruno Tosi).
13MAI2010 - Real Ficção produziu, e estreia Ilha da Cova da Moura de Rui Simões. IMAG.158-277
18MAI2010 - Nos Recreios da Amadora, é assinado um Protocolo de Colaboração entre os Presidentes da Câmara Municipal e da Comissão Nacional Para as Comemorações do Centenário da República, tendente à alusiva programação nacional de banda desenhada, a desenvolver pelo Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI.
OBSERVATÓRiO
http://quartodejade.wordpress.com/ - Quarto de Jade - Site dos artistas gráficos Diniz Conefrey e Maria João Worm - Primórdios do Cinema de Animação em Portugal - 1. Inventores & Construtores, 2 - Criadores & Imaginautas por José de Matos-Cruz (Ilustração: A Lenda de Miragaia - 1931 de António Cunhal e Raul Faria da Fonseca). LIMAG.289
VISTORiA
Estou há quase dois anos na prisão. Durante esse tempo, o meu temperamento fez-me passar por momentos de selvagem desespero, de entrega total ao sofrimento, que era constrangedora até para quem a observava, por uma raiva terrível e impotente, por sentimentos de amargura e rancor, por uma angústia que me fazia soluçar, um sofrimento que não encontrava palavras para expressar-se, um arrependimento mudo, um pesar silencioso. Passei por todos os estágios possíveis do sofrimento. Entendo melhor que o próprio Wordsworth, o que ele quis dizer quando escreveu: «O sofrimento é algo permanente, misterioso e sombrio e tem a natureza do infinito».
Oscar Wilde - A Alma do Homem Sob o Socialismo & Escritos do Cárcere (excerto)
Aos Mortos
Se tivesse de recomeçar a vida, recomeçava-a com os mesmos erros e paixões. Não me arrependo, nunca me arrependi. Perdia outras tantas horas diante do que é eterno, embebido ainda neste sonho puído. Não me habituo: não posso ver uma árvore sem espanto, e acabo desconhecendo a vida e titubeando como comecei a vida. Ignoro tudo, acho tudo esplêndido, até as coisas vulgares: extraio ternura duma pedra. Não sei nem me importo se creio na imortalidade da alma, mas do fundo do meu ser agradeço a Deus ter-me deixado assistir um momento a este espectáculo desabalado da vida. Isso me basta. Isso me enche: levo-o para a cova, para remoer durante séculos e séculos, até ao juízo final. Nunca fui homem de acção e ainda bem para mim: tive mais horas perdidas... Fugi sempre dos fantasmas agitados, que me metem medo. Os homens que mais me interessaram na existência foram outros: foram, por exemplo, D. João da Câmara, poeta e santo, Corrêa de Oliveira, um chapéu alto e nervos, nascido para cantar, Columbano e a sua arte exclusiva, e alguns desgraçados que mal sabiam exprimir-se. Conheci muitos ignorados e felizes. Meio doidos e atónitos. O Nápoles ainda hoje dorme sobre a mesma rima de jornais?... Outro andava roto e dava tudo aos pobres. O homem é tanto melhor quanto maior quinhão de sonho lhe coube em sorte. De dor também.
Raul Brandão - Memórias - Prefácio (excerto, 1915)
Viver e Escrever
Quando comecei a escrever, que desejava eu atingir? Queria escrever alguma coisa que fosse tranqüila e sem modas, alguma coisa como a lembrança de um alto monumento que parece mais alto porque é lembrança. Mas queria, de passagem, ter realmente tocado no monumento. Sinceramente não sei o que simbolizava para mim a palavra monumento. E terminei escrevendo coisas inteiramente diferentes.
Não sei mais escrever, perdi o jeito. Mas já vi muita coisa no mundo. Uma delas, e não das menos dolorosas, é ter visto bocas se abrirem para dizer ou talvez apenas balbuciar, e simplesmente não conseguirem. Então eu quereria às vezes dizer o que elas não puderam falar. Não sei mais escrever, porém o fato literário tornou-se aos poucos tão desimportante para mim que não saber escrever talvez seja exatamente o que me salvará da literatura.
O que é que se tornou importante para mim? No entanto, o que quer que seja, é através da literatura que poderá talvez se manifestar.
Até hoje eu por assim dizer não sabia que se pode não escrever. Gradualmente, gradualmente até que de repente a descoberta tímida: quem sabe, também eu já poderia não escrever. Como é infinitamente mais ambicioso. É quase inalcançável.
Clarice Lispector
BREVIÁRiO
101 Noites edita O Gigante Egoísta e Outros Contos de Oscar Wilde; tradução de Nuno Franco.
Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Robert Schumann [1810-1856] - [Claude] Debussy (1862-1918) pelo pianista Arturo Benedetti Michelangeli, com a Orchestre de Paris sob a direcção de Daniel Barenboim.
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Relógio D’Água edita A Cidade Sitiada de Clarice Lispector.
Almedina edita Jornalismo Em Liberdade de João Figueira.
TRAJECTÓRiA
BRUCE LEE
Nascido em San Francisco, 1940, durante uma digressão do pai, actor natural de Hong-Kong, aí travou Bruce Lee uma adolescência rebelde. Radicado nos Estados Unidos, tornou-se perito em artes marciais, aliando à perfeição física a disciplina espiritual. Inventor do método jeet-kune-do, enfrentou a censura dos mestres tradicionais, ao ensinar o sistema de luta a outras raças. O afecto de Linda Emery, sua discípula e futura mulher, suscitou novas crises, a par com o equilíbrio - embora precário, para um ser humano atormentado, na dualidade e no inconformismo. O sucesso esboça-se ao interpretar Kato, na série televisiva The Green Hornet. Mas é no Oriente que forja a celebridade, em grande ecrã: O Invencível (1971) e Big-Boss, o Implacável (1972) de Lo Wei, A Fúria do Dragão (1973) que dirigiu; após O Dragão Ataca em 1973, ficou incompleto O Último Combate de Bruce Lee, também de Robert Clouse, concluído com trucagens em 1977... Entre a realidade e o fenómeno, Bruce Lee, a História de Um Guerreiro» (2000) de John Little expõe os parâmetros biográficos / lendários de uma personalidade rebelde / consagrada: o signo do kung-fu, o nexo sentimental, o destino em causa. No seu irredutível vínculo entre a superação e a fatalidade, paira afinal o desígnio do espectáculo - sobre a adversidade de uma carreira, contrastada pelo fascínio de Hollywood; e a controvérsia que envolve um epílogo prematuro, quanto às suas implicações violentas e passionais. Além do testemunho em abordagem, ilustrado com vários filmes de família até agora inéditos, sobressai uma original experiência atlética / cinemática, com trinta minutos de acção e luta coreografada por Bruce Lee, pouco antes de morrer.
PRONTUÁRiO
RITUAIS
Cineasta americano obcecado pelo signo do argumento e pelo efeito do espectáculo, Paul Schrader enfrentou em Mishima: Vida e Obra Em Quatro Capítulos - Beleza, Arte, Acção, Harmonia Entre a Pena e a Espada - (1985) o seu mais decisivo desafio, ao realizar a convergência entre a vida e a obra de um dos mais influentes escritores japoneses do Século XX, que se suicidou por hara-kiri após tentativa frustrada para sublevar a guarnição de um quartel. Também actor e encenador, Yukio Mishima (1925-1970) - herdeiro de samurais, casado e homossexual - continua a representar a controvérsia e o escândalo, tendo defendido os valores tradicionais e o culto do imperador, reflectindo em suas obras - entretanto, consagradas no Ocidente - uma pujante e pungente projecção dos fantasmas íntimos, das experiências próprias sobre os dilemas radicais da morte, do ritual e da pureza. Paul e o irmão Leonard Schrader conceberam Mishima como um itinerário de iniciação, revelação e epílogo, segundo elipse em que o último dia do artista envolve a encenação do seu imaginário transferencial, como carga acumulada de estímulos que se precipitam, inexoravelmente, para um desfecho exorcizador. Para além da prodigiosa sugestão plástica de John Bailey, pontuada pelo virtuosismo musical de Philip Glass, sobressai em Mishima a siderante contenção de Ken Ogata, na transfiguração múltipla do protagonista, e o rigor de Paul Schrader ao virtualizar um testemunho sacrílego.
MEMÓRiA
1893-22NOV1980 - Mae West: «Quando tenho que escolher entre dois diabos, gosto sempre de optar por aquele que nunca experimentei». IMAG.127-197
1846-24NOV1870 - Isidore Lucien Ducasse, aliás Conde de Lautréamont: «A minha poesia não consistirá em outra coisa senão atacar, por todos os meios, o homem, essa besta-fera, e o criador, que não deveria ter engendrado semelhante insecto. Volumes se amontoarão sobre volumes, até o fim da minha vida, e, no entanto, nada mais encontrarão neles, a não ser esta ideia única, sempre presente em minha consciência!» (Os Cantos de Maldoror).
25NOV1920-2009 - Ricardo Montalban: Actor norte-americano - «Através das fantasias, as pessoas aprendem a apreciar a sua própria realidade». IMAG.234
1925-25NOV1970 - Kimitake Hiraoka, aliás Yukio Mishima: «As mulheres: bolas de sabão; o dinheiro: bolas de sabão; o sucesso: bolas de sabão. Os reflexos sobre as bolas de sabão são o mundo em que vivemos». IMAG.223-254
CALENDÁRiO
1935-25ABR2010 - Dorothy Provine: Actriz norte-americana do teatro, do cinema e da televisão - «A cor dos meus cabelos, as minhas pernas e as minhas medidas traçaram o meu destino aos olhos dos produtores».
06MAI2010 - ZON Lusomundo estreia Como Desenhar Um Círculo Perfeito de Marco Martins; com Rafael Morais e Joana de Verona. IMAG.58-125-292
06MAI2010 - O Som e a Fúria produziu, e estreia A Religiosa Portuguesa de Eugene Green; com Leonor Baldaque e Eugere Green.
14MAI-11JUL2010 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta O Teorema da Cor, exposição de pintura de Victor Costa.
21-27MAI2010 - No Centro Cultural de Belém/CCB, Artistas Unidos apresenta, em co-produção com Teatro Municipal de Almada, Comemoração & Nova Ordem Mundial de Harold Pinter (1930-2008); tradução de José Maria Vieira Mendes e Paulo Eduardo Carvalho, encenação de Jorge Silva Melo. IMAG.63-118-230-294
ANTIQUÁRiO
27NOV1490 - Filho único de El Rei de Portugal, D. João II, o Príncipe D. Afonso desposa em Évora, aos seus quinze anos, a Princesa D. Isabel, descendente e herdeira de Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os Reis Católicos. Estando em vista a união dos três reinos ibéricos, sob uma só Coroa, tais desígnios malograram-se em circunstâncias trágicas, com a morte prematura de D. Afonso, apenas oito meses depois, pela queda de um cavalo.
ANUÁRiO
1926-1990 - Carlos Wallenstein: Actor português de teatro, cinema e televisão, encenador, poeta (Teoria da Tributação - 1966), contista (A Maravilhosa História do Internamento - 1967) e dramaturgo (A Sapateira Prodigiosa - 1968). IMAG.77
VISTORiA
Queira o céu que o leitor, tornado audaz e momentaneamente feroz à semelhança do que lê, encontre, sem se desorientar, o seu caminho abrupto e selvagem através dos lodaçais desolados destas páginas sombrias e cheias de veneno; pois que, a não ser que utilize na sua leitura uma lógica rigorosa e uma tensão de espírito pelo menos igual à sua desconfiança, as emanações mortais deste livro irão embeber-lhe a alma, como a água ao açúcar. Não convém que toda a gente leia as páginas que se seguem; só alguns hão-de saborear sem perigo este fruto amargo.
Conde de Lautréamont - Os Cantos de Maldoror
(1868, excerto) - Tradução de Pedro Tamen
São Sebastião
Contam os anais do martírio que, nos anos seguintes à posse de Diocleciano, quando ele sonhava com o poder sem limites, desobstruído como o vôo de um pássaro por céu aberto, um jovem capitão da Guarda Pretoriana foi acusado e preso por ter adorado um deus proibido. Seu corpo maleável lembrava o de um famoso escravo do Oriente por quem o imperador Adriano se apaixonara, e seu olhar era tal qual o de um conspirador, despido de emoções feito o mar. Era de uma arrogância encantadora. Levava no elmo um lírio branco, oferecido todas as manhãs pelas donzelas da cidade. Enquanto descansava de intensos treinamentos, a flor acompanhava as curvas de seus cabelos viris, e a forma graciosa como pendia lembrava a nuca de um cisne.
Não havia uma só pessoa que soubesse seu local de nascimento, de onde viera. Mas todos pressentiam algo. Que aquele jovem com um físico de escravo e feições de príncipe estava ali de passagem. Que aquele Endimião era um pastor de ovelhas. Que ele, mais do que ninguém, fora escolhido como guardador de rebanhos do mais verde dos pastos, de que não havia igual.
Por outro lado, algumas donzelas acalentavam a certeza de que ele viera do mar. Porque de seu peito podia-se ouvir o bramido das ondas. Porque em seus olhos pairava o horizonte misterioso e inextinguível que o oceano deixa como lembrança no fundo das pupilas daqueles que nasceram na costa e de lá precisaram partir. Porque seu hálito era quente como a brisa do mar no auge do verão, e exalava o odor das algas lançadas à praia.
A beleza que exibia Sebastião, o jovem capitão da Guarda Pretoriana, não estaria destinada à morte? E as robustas mulheres de Roma, com seus cinco sentidos aguçados pelo sabor da boa bebida, de estremecer os ossos, e pelo gosto da carne gotejante de sangue, não teriam elas logo percebido seu malfadado destino, que ele próprio ignorava, não o teriam amado por causa disso? O sangue corria no interior daquele corpo alvo com fúria e velocidade ainda maiores, espreitando a fenda por onde jorraria tão logo dilacerada a carne. Como poderiam as mulheres deixar de ouvir desejos tão intensos de um tal sangue?
Não se tratava de uma vida frágil. Não era, de modo algum, um destino lastimável. Era, antes, insolente e trágico. A ponto de se poder chamá-lo resplandescente.
É provável que, mesmo em meio a doces beijos, a agonia da morte em vida se tenha prenunciado no franzir das sobrancelhas.
Yukio Mishima - Confissões de Uma Máscara
(1948, excerto) - Tradução de Jacqueline Nabeta
NOTICIÁRiO
Japão - Descoberto Filme
Feito Por Yukio Mishima
O negativo de um filme escrito, realizado e interpretado pelo falecido escritor japonês Yukio Mishima foi descoberto na sua casa de Tóquio. Patriotismo, baseado no romance de Mishima com o mesmo título, foi estreado no Japão em 1966 e julgava-se que a viúva do escritor, Yoko, que morreu em 1995, havia destruído o negativo, bem como todas as cópias existentes, após o suicídio do marido, em 1970.
No entanto, o negativo da fita, com meia hora de duração, foi descoberto pelo seu produtor, Hiroaki Fujii, numa caixa de madeira, na semana passada.
Patriotismo, ambientado nos anos 30 e tendo como protagonista um militar que comete hara-kiri após um golpe de Estado falhado, prenuncia, pelo seu tema, o próprio suicídio de Yukio Mishima. O escritor fez hara-kiri após o assalto falhado a um quartel de Tóquio, juntamente com a sua organização paramilitar Sociedade do Escudo, em 26 de Fevereiro de 1970. Na altura, o autor de O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar, um tradicionalista ligado à cultura samurai e crítico do Japão moderno, apelou aos militares nipónicos para desencadearem um golpe de Estado.
23AGO2005 - Diário de Notícias
BREVIÁRiO
Antígona edita Os Cantos de Maldoror - Poesias I & II por Conde de Lautréamont, aliás Isidore Ducasse (1846-1870); tradução de Manuel de Freitas.
Sony edita em CD, ssob chancela Legace, Valleys of Neptune de Jimi Hendrix (1942-1970). LIMAG.251-291
EXTRAORDINÁRiO
OS HUMANIMAIS
- Folhetim Aperiódico
TEM-TE NO LEITO,
TENTO NA LÍNGUA - 3
Para que havia de querer continuar a viver? Honorato Sabino chegara a uma situação de total fastio, após a renúncia às núpcias por Lizandra Terezo, a qual lhe minara as expectativas de uma rotina familiar e de uma âncora social. Sem tudo isto, afinal, de que lhe valia a situação desafogada ao balcão de L’Urbaine, companhia de seguros com alvará na Rua d’El-Rei?
A menina, filha dum arrojado empresário teatral, sito na Rua da Conceição à Praça das Flores, fora caprichosa e peremptória:
- Você lisonjeia-me com a sua proposta, mas eu não estou preparada para lhe retribuir, pois os bens do coração quase sempre terminam em males do casamento - afirmara ela de rompante, em pleno Chiado, como se repetisse uma tirada cuidadosamente premeditada, e redigida antes num dos tão ridículos diários femininos. Ou talvez fosse até, quem sabe, uma das insuportáveis falas traduzidas de alguma comédia do francês Ludovic Meillac, e a pôr em cena na próxima época de espectáculos...
Continua
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