José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO179

16 MAI 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

RECORRÊNCIA

 

Após uma primeira geração de notáveis artistas pioneiros, a banda desenhada de expressão franco-belga explora distintos horizontes e protagonistas, sob a estratégia das principais editoras, e visando um mais amplo público de adolescentes e de adultos. Aos aliciantes da aventura correspondem os temas virtuais, estilizando-se versáteis grafismos pela pulsão estética e narrativa. Em tais parâmetros sobressai Jean-Claude Denis - cuja intervenção se estende, com igual sucesso, à música e à publicidade - enveredando por uma subtil transparência autobiográfica, ao desvendar Alguns Meses em Amélie, entre nós sob chancela Asa. Assim, este escritor/ilustrador - de fértil engenho e circunspecta ilustração - contrasta em Aloys Clark, seu anti-herói sob os auspícios duma vivência melancólica, desencantada, entre a prática e a prédica à deriva nos labirintos da literatura, a experiência dum intelectual que enfrenta a lucidez volúvel, a crise de inspiração, transferindo os desígnios da identidade para a mágica assunção de um livro primordial e alternativo... Eis, pois, realidade e imaginário - em sublimação de todos os dilemas, de todos os desafios - expostos na (con)fusão essencial de quem, afinal predisposto ou ainda disponível, se recria aos estímulos da existência, para além dos limites de sua própria maturidade.

CALENDÁRiO

1922-03JAN2008 - Fernando José Francisco: «…Talvez, de todos nós, o pintor mais dotado e que, pouco depois, forneceria à pintura surrealista portuguesa o seu terceiro caso de emigração, esta total: para dentro, desaparecendo de todo o convívio, e ocultando para sempre, se é que os não destruiu, os seus óleos e desenhos» (Mário Cesariny).

ANTIQUÁRiO

MAI1998 - Durante o Festival Internacional de Cinema de Cannes, é anunciada a escolha de Gérard Depardieu para encarnar Obélix, num filme em imagem real que assinalaria os quarenta anos, em banda desenhada, de Astérix, o Gaulês IMAG.2-4-21-29-37-58-69-76-94-101-136.

MEMÓRiA

1896-04MAR1948 - Antoine Marie Joseph Artaud, aliás Antonin Artaud: «Exprimir objectivamente verdades secretas... Uma linguagem mais concreta que a utilizada para falar da esfera psicológica: mudar a finalidade da palavra no teatro, é servir-se dela num sentido concreto e espacial, combinando-a com tudo o que o teatro contém de espacial e de significação concreta; é manipulá-la como objecto sólido, capaz de abalar as coisas inicialmente no ar, e em seguida num domínio mais misterioso e mais secreto» (O Teatro e o Seu Duplo) IMAG.32-97-173.

20MAI1908-1997 - James Stewart: «Alfred Hitchcock utiliza-o sempre muito bem… Poderia supor-se que Cary Grant e Stewart são intercambiáveis, mas a direcção é complemente distinta, quando trabalha com um ou com o outro. Se conta com Cary Grant, há mais humor; ao intervir Stewart, consegue mais emoção» (François Truffaut).

VISTORiA

Post-Scriptum 

 
Eu, Antonin Artaud, sou o meu filho,
o meu pai,
a minha mãe,
e eu mesmo.
Eu represento Antonin Artaud!
Estou sempre morto.

Mas um vivo morto,
um morto vivo.
Sou um morto
sempre vivo.
A tragédia em cena já não me basta.
Quero transportá-la para a minha vida.

Eu represento totalmente a minha vida.

Onde as pessoas procuram criar
obras de arte, eu pretendo
mostrar o meu espírito.
Não concebo uma obra de arte
dissociada da vida.

Eu, o senhor Antonin Artaud,
nascido em Marselha
no dia 4 de Setembro de 1896,
eu sou Satã e eu sou Deus,
e pouco me importa a Virgem Maria.

Antonin Artaud - Para Acabar Com o Julgamento de Deus (excerto)

TRAJECTÓRiA

JAMES STEWART

 

Um dos mais notáveis artistas, em sagração por Hollywood, James Stewart imprimiu aos seus heróis um carácter reservado, ou vibrante, tal como se debatem o bem e o mal, estilizando uma carisma própria sob os ideais humanistas mais conservadores. Nasceu James Maitland Stewart em Vinnegar Hill, Indiana (Pensilvania), em 1908. Em miúdo, tocava acordeão e desejava ser ilusionista, revelando os seus talentos em festas de escuteiros e, mais tarde, no Princeton Triangle Club. Integrou a equipa cénica da Model School e, em 1928, concluiu estudos na Mercersburg Academy. Quatro anos depois, licenciava-se em Arquitectura, em Princeton. Estimulado por um colega, Joshua Logan, participou nos University Players de Falmouth (Massachussetts); aí se tornou amigo inseparável, apesar das convicções políticas, de Margaret Sullavan e Henry Fonda, decidindo profissionalizar-se.

Lançados na Broadway, cedo Stewart logrou nomeada e, com uma recomendação de Hedda Hopper, partiu para Hollywood. Contratado pela MGM, estreou-se no cinema em 1935; passados dois anos, interpretava já papéis de relevo - embora a figura alta, esguia, e o sotaque rústico não o beneficiassem. Até que, em 1938, ganhou reputação como protagonista de Frank Capra, e a Academia lhe atribuiu um Oscar por Casamento Escandaloso (The Philadelphia Story - 1940) de George Cukor. Entre 1939 e 1955, mereceu outras quatro nomeações, sendo finalmente honrado, em 1985, com um Oscar aos cinquenta anos de carreira. Em 1942-1946, alistado na Força Aérea, Stewart efectuou duas dezenas de missões sobre a Alemanha; no fim da guerra, atingira o posto de Coronel e em 1968, na reserva, figurava como Brigadeiro-General. O actor com a mais elevada patente nas Forças Armadas americanas, Stewart regressara entretanto a Hollywood, dirigido pelos maiores realizadores. Nas décadas de ’40 e ‘50, destaca-se a relação icónica com Alfred Hitchcock, consagrada em Janela Indiscreta (Rear Window - 1954).

Até ao fim, Stewart continuou no mundo do Oeste, correspondendo a cineastas como John Ford, Henry Hathaway ou Andrew V. McLaglen. Num reconhecimento internacional, sobressaem o Prémio à Interpretação em Anatomia de Um Crime (Anatomy of a Murder - 1959), pelo Festival de Veneza; e, em 1962, o Galardão à Carreira, no Festival de Berlim. A partir de 1958, passara a dedicar-se também à televisão; assim realizou, produziu e apresentou Cowboy 57 (1959), foi dirigido por Ford em Flashing Spikes (1962), e promoveu The James Stewart Show (1972). Em 1980, o American Film Institute concedeu-lhe o Life Achievement; cinco anos depois, era-lhe conferida a mais alta distinção oficial a uma personalidade civil, a Medalha da Liberdade. Em 1949, contraíra um casamento exemplar com Gloria Hatrick McLean - até à morte desta, em 1994. Cinco anos antes, editara um surpreendente James Stewart and His Poems. Faleceu em 1997.

PRIORITÁRiO





Integrada nas comemorações do quadragésimo quinto aniversário de Astérix, Edições Asa continua a publicação das aventuras do popular herói de René Goscinny (argumento) e Albert Uderzo (ilustração), autenticada com selo branco e exemplares numerados. Álbuns recentemente lançados: Astérix Legionário (1967), O Domínio dos Deuses (1971), Os Louros de César (1972), Astérix Na Córsega (1973), A Grande Travessia (1975) e Obélix e Companhia (1976). A consultar em www.asterix.com

 BREVIÁRiO

Guerra e Paz edita Guia Terapêutico do Cinema - Como Curar Insónias, Fobias, Depressões e Desastres Amorosos de Pedro Marta Santos.

Apple Corps/EMI Music lança em DVD, Help! (1965) de Richard Lester, com The Beatles; edição com imagem restaurada e som remisturado para 5.1 IMAG.70-136-153.

Teorema edita [William] Shakespeare [1564-1616] - A Biografia de Peter Ackroyd IMAG.26-79-131-141-146-164.

Cavalo de Ferro edita Tudo o Que Sobe Deve Convergir de Flannery O’Connor (1925-1964); prefácio e tradução de Clara Pinto Correia IMAG.55.

Relógio D’Água edita Pais e Filhos de Ivan Turgueniev (1818-1883); tradução de António Pescada.

Dwitza distribui em CD, sob chancela Cherry Red Records, I Am the Shadow Of the Songs (1953-1956) de Jacques Brel (1929-1978).

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

 Capítulo Nove

TANDEM OU O TRIO TERMINAL - 68

 Sanha e insanidade. Formavam um trio arcaico, de tipos estúrdios que faziam chufas e chimpavam com o que tinham à mão. Por costume, ao desaforo. Gozando ao achincalhar as leis do reino. Mas a história alterara-se. Subitamente. Sem saberem como. Arrastando-os para o desaire. Atarantando-os numa iminência alternativa. E pronto.

Portanto, aquele ali era um indecente, um frívolo funesto, depravado interminável. Nos bolsos, andava sempre cheio de pedras, com as quais, ao longo dos séculos, escarocou, crepitou e lapidou todas as mulheres possíveis, de lágrimas lavadas, passíveis, turvas, barregãs ou estigmatizadas… Aquelas que sobravam de açoitadas, fustigadas, no rol da inclemência sexual, da intolerância ôntica.

Além da sua punção aos homens - dos empalados, dos açaimados, dos martirizados, dos chibatados, dos degolados, dos violados, dos aflitos, dos castrados, dos vazados, dos amputados, aos varridos num vil desígnio mórbido, perverso, em que tudo foi reflectido, pensado, prensado e impresso... Como estilizavam os relicários da dor, como consta nos sacrílegos cardápios do horror - e que ele, Dórdio Vasques, aliás o Malsão protagonista, assumia num fanático gozo eterno.

Súbito, Malsão imitou um ligeiro estremecimento, provocando a desvairada debandada dos três à sua frente, qual cáfila de fantoches desarticulados. Porém, o abominável queria-os arrebanhados, embora ineptos, lançando um silvo gutural que de novo os prostrou em letargia infindável, sobrenatural...

Como se chegara àquele aparatoso tormento de trespasse, desaposse, antagonismo e rendição?

Tudo, por causa dos talantes talentos do impressionante Dórdio Vasques. Qual diafragma catártico, revirando os olhos no sentido dos ponteiros do relógio - era assim que Malsão viajava ou transferia no imaginário. Em giro inverso, havia o mundo de cabeça para baixo - sobre o qual também abismou as alturas ou elevou-se às profundezas.

 Continua  



 

IMAGINÁRiO178

08 MAI 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004

 PRONTUÁRiO

 FESTEJAR





Registando e analisando os múltiplos eventos e exposições que sagraram o 18º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd 2007, sendo director Nelson Dona, o Catálogo alusivo - sob coordenação editorial de Cristina Gouveia - confirma a já tradicional relevância de um documento indispensável, quanto à arte em quadradinhos, de manifestação portuguesa e com expressão além fronteiras. Conjuga-se assim, com atraente e dinâmica apresentação, profusa e criteriosamente ilustrada, a importância de um certame cujo tema do ano - tão significativo - celebrou A Maioridade, sendo o design gráfico inspirado na criatividade original de Alain Corbel. Para tal, cabe assinalar o precioso contributo de importantes articulistas e investigadores, nacionais e estrangeiros, combinando a informação, o testemunho e a reflexão. A propósito, e pelo seu especial relevo como efeméride e revelação, distinga-se Centenário de António Cardoso Lopes Júnior [1907-1985] - O «Caso Tiotónio» por Leonardo De Sá, sob um turbilhão apelativo, emocionante, de histórias obscuras e evidências familiares.

MEMÓRiA

11MAI1898-1979 - Brunilde Júdice: «O teatro é, para mim, superior ao cinema. Objectar-me-á com o convencional dos argumentos, a ficção das entradas em cena e até os monólogos explicativos, embora já hoje raros. Mas, para um actor, tudo isso desaparece, para apenas se lembrar de que está em contacto directo e íntimo com o espectador» (1929).

12MAI1828-1882 - Dante Gabriele Rossetti: Poeta, tradutor, pintor e ilustrador inglês, fundador do movimento artístico da Irmandade Pré-Rafaelita, com William Holman Hunt, Ford Madox Brown e John Everett Milhais.

14MAI1898-1983 - Chianca de Garcia: «Nada quero de Portugal. Mas isso não me impede de pensar em assuntos portugueses. E não me impede de verificar que o cinema português, comparado às mais modestas produções do mundo, fica sempre em nível inferior, porque não dá, nem de longe, a mais pequena impressão de vida. De vida viva…» (1974)

1915-14MAI1998 - Frank Sinatra: «Basicamente, sou a favor de tudo o que me leve através da noite - seja representar, uma série de tranquilizantes ou uma garrafa de Jack Daniels».

CALENDÁRiO

1922-27DEZ2007 - Jerzy Kawalerowicz: Entre os cineastas fundadores da Escola Polaca nos anos ’50 do Século XX, dirigiu Madre Joana dos Anjos (1961), O Faraó (1965) nomeado para o Óscar do Melhor Filme Estrangeiro, ou Quo Vadis? (2001) - «Poucos realizadores atingiram tal alcance, do filme realista ao profundo drama psicológico, do épico histórico à trama política» (Vacláv Merhaut).

1925-02JAN1908 - George MacDonald Fraser: «Foi um escritor muito amado, que deu prazer a milhões de pessoas - e não apenas pelos seus romances sobre Sir Harry Flashman, pelos quais será inevitavelmente lembrado» (Victoria Barnsley).

03JAN2008 - O Conselho de Ministros anuncia a criação de um quinto canal generalista em sinal aberto no âmbito da Televisão Digital Terrestre/TDT, que irá substituir a actual emissão em analógico, sendo o concurso para a nova estação gerido pela ERC/Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e devendo estar finalizado em 2009.

15JAN2008 - O cineasta Manoel de Oliveira recebe o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade do Algarve IMAG.2-11-23-41-42-68-72-74-83-134-158-164-170-175.

PRIORITÁRiO

http://wanya-escalaemorongo.blogspot.com Sítio privilegiado para todas as informações sobre Wanya - Escala em Orongo de Nelson Dias e Augusto Mota, épico fantástico em quadradinhos com lançamento original por Assírio & Alvim em 1973, e reeditado pela Gradiva em 2008. E ainda ponto de encontro entre argumentistas, ilustradores, analistas, investigadores e entusiastas de banda desenhada. IMAG.166-173.

GALERIA

CHIANCA




Lisboeta, cineasta, escritor e jornalista, homem de teatro e encenador de espectáculos históricos, Chianca de Garcia assinou alguns dos filmes mais vibrantes e famosos de início do sonoro - O Trevo de Quatro Folhas (1936), Aldeia da Roupa Branca (1938), A Rosa do Adro (1938)…

Chianca saiu de Portugal em 1939, no que se previa ser uma ausência de poucas semanas, tendo falecido no Brasil sem mais voltar à pátria. Evocá-lo, é destacar uma personalidade de artista insatisfeito e polémico, com um talento disperso por múltiplos limites onde jogou «o prazer da vida».

TRAJECTÓRiA

SINATRA

 


Francis Albert Sinatra nasceu em Paterson, a 12 de Dezembro de 1915, vivendo em Hoboken com a família de origem siciliana. Em 1932, era cantor em bares de Nova Jersey. Em 1937, juntou-se à orquestra de Harold Harlen. Em 1939, casou com Nancy Barbato e fez as primeiras gravações, unindo-se à orquestra de Tommy Dorsey. Em 1941, foi eleito best male band singer pela revista Down Beat. Iniciada uma carreira a solo em 1942, e contratado pela Columbia em 1943, levou à histeria milhares de teenagers em Nova Iorque, ficando isento do serviço militar por problemas físicos. Em 1944, já conhecido como The Voice, actuou em Higher and Higher/Milionários de Ocasião, ligando-se à RKO. Em 1947, recebeu o Thomas Jefferson Award for Fighting Against Intolerance e foi denunciada a sua relação com o gangster Lucky Luciano. Em 1950, lançou o primeiro LP, Sing and Dance, e estreou-se na televisão com Bob Hope, assinando pela CBS. Em 1951, novo matrimónio com Ava Gardner. Passou para a Capitol em 1953, sendo distinguido com o Óscar ao Actor Secundário por From Here To Eternity/Até à Eternidade. Em 1957, a revista Metronome elegeu-o o músico dos músicos do ano. Em 1958, publicou For Only the Lonely, primeiro álbum stereo, formando - com Dean Martin, Sammy Davis Jr, Peter Lawford, Joey Bishop e Shirley MacLaine - o grupo Rat Pack no culto pelo submundo. Em 1960, fundou a editora Reprise. Em 1963, apresentou a cerimónia de entrega dos Oscars. Em 1966, consorciou-se com Mia Farrow. Em 1967 e 1970, depôs oficialmente sobre negócios com Sam Giancana e a Máfia, que refutou. Em 1971, foi honrado com o Jean Hersholt Umanitarian Award pela Academia de Hollywood. Em 1976, desposou Barbara Blekeley Marx, e apareceu com figuras do crime organizado como Jimmy Fratiano e Carlo Gambino. Em 1979, foi agraciado como Grande Ufficiale dell’Ordine al Mérito della Republica pelo Governo italiano e, em 1985, com a Presidential Medal of Freedom por Ronald Reagan. Em 1980, aparecera o álbum Trilogy. Apoiou as candidaturas presidenciais de John Kennedy (1960) e, após rotura com os Democratas, as dos republicanos Richard Nixon (1968) e Ronald Reagan (1980 e 1984). Em 1994, recebeu o Lifetime Achievement Award durante a celebração dos Grammy. Vítima de ataque cardíaco, Sinatra faleceu em Los Angeles, a 14 de Maio de 1998.

INVENTÁRiO

BRUNILDE

Pela transição dos anos 20, quando a ficção se adensava no cinema português, prefigurou-se também uma das suas únicas actrizes imortais: Brunilde Júdice. Intuitiva, espontânea, versátil, insinuante. E escultural, belíssima! Antes de qualquer outra, e talvez como nenhuma mais conseguisse, ela foi a diva - mesmo quando (a)parecia pouco casta...
A revelação de Brunilde ao público deu-se por Novembro de 1921, em Amor de Perdição de Georges Pallu. Ainda hoje nos comove como atormentada Mariana, entre o afecto, a resignação e o sacrifício -  com uma naturalidade transfiguradora e devotada, como nunca se repetiu, noutras transposições do romance de Camilo Castelo Branco.
Por essa altura, já Rino Lupo manivelava Mulheres da Beira/Funesta Ambição, sobre A Frecha de Misarela de Abel Botelho. Estreado em 1923, Brunilde é sublime - ao personificar Aninhas, uma jovem ambiciosa e volúvel, cujos devaneios terão, por fim, uma redentora expiação. A ousadia desse papel revestir-se-ia, para Brunilde, como um símbolo libertário.
Seguiu-se Tempestades da Vida (1923) por Augusto de Lacerda - o qual foi também o principal actor, contando com a supervisão de Pallu. A seu lado contracena Brunilde em Rosa - e, segundo Olho de Lince na revista Invicta Cine, foi «uma artista conscienciosa, correcta... E mais faria, se lhe dessem margem a demonstrar os seus recursos».
Brunilde Júdice só em 1931 regressaria ao ecrã, participando em A Voz do Operário - Catedral do Bem por António Leitão - onde, a par do testemunho documental sobre a benemérita instituição de assistência, se evoca a sua história - interpretada por prestigiados artistas que ali passaram - envolvendo episódios de preguiça, vício e maternidade.
Muito outro tempo mais havia que esperar, até Brunilde ressurgir - já na maturidade, em Ladrão, Precisa-se!... (1946) por Jorge Brum do Canto. Uma comédia moderna, anedótica e estilizada, na qual Brunilde pontua - sobre um elenco amplo, uniforme - na composição de Clarisse, à qual atribui um recorte matizado pelas vivências.
Filmada na mesma altura, mas apenas estreada cá em 1948, a produção luso-espanhola Amanhã Como Hoje/Mañana Como Hoy (1946), de Mariano Pombo, contava com Brunilde, sem relevo especial - destacando-se a rodagem de interiores nos estúdios madrilenos da CEA. Em representação, a atmosfera romântica e liberal por finais do Século XIX.
Três anos depois, Brunilde Júdice era dirigida por Henrique Campos, em Ribatejo (1949). Como Júlia, volta a ser um desempenho breve, característico e secundário, mas - como acentuou Mário Pires, no Diário de Notícias - daqueles «que se fazem notar e trazem a sua presença e experiência a valorizar a acção nalguns dos seus pormenores mais tocantes».
Prosseguindo entretanto uma determinante carreira teatral, Brunilde só voltará a intervir perante as objectivas, dirigida por Fernando Garcia em O Cerro dos Enforcados (1954), fidelizando-se ao lado de Alves da Costa. A partir do conto O Defunto por Eça de Queiroz, a sua Mécia - aparente, relevante - tem uma postura decisiva, nessa incursão fantástica pelo século  XV.
Ainda em 1954, Brunilde registou, em duas ou três aparições fugazes, uma excelência de relevo e determínio - como Morgada dos Arcos, em Quando o Mar Galgou a Terra de Henrique Campos, sobre a obra de Armando Cortes Rodrigues. É o perfil da perfídia, num drama rústico-passional ambientado em Furnas - São Miguel, Açores - sobre o poder e os sentimentos.
Por último, muito tempo depois, Brunilde despediu-se na tela com Traição Inverosímil (1970) de Augusto Fraga, adaptando o original de Domingos Monteiro. Para Portal da Costa, no Diário de Notícias, está «exageradamente trágica» - aliás, na personagem difícil e austera de uma sogra cega, intriguista, que precipitará a catástrofe entre um casal burguês...
Brunilde Júdice expôs-se, pois, em coragem e encanto - no próprio desafio do seu prestígio. Aliás, houve várias actrizes que ao cinema nosso fizeram dádiva de grande talento e forte personalidade. Mas raras irradiaram a mulher perturbante, sensual, que a câmara recupera e a película encarna, como signo cintililante entre as luzes e as trevas... Nesse fascínio, Brunilde é excepcional.



 

IMAGINÁRiO177

01 MAI 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MOTARDS



O sucesso dos filmes é uma incógnita, e isso torna tão aliciante o desafio da indústria artística. O lucro reinvestido pela conjugação de vedetas, a reciclagem de ficções, uma distinta exploração de géneros, um outro estilo sobre os rituais de acção, permitem ao cinema superar a mediania mediática. Eis a proeza de Porcos & Selvagens - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - de Walt Becker, sobre quatro amigos na precariedade da maturidade. Fartos da rotina redonda de encontros aos domingos suburbanos, em roupa de couro e nas Harley-Davidson, os Hot Dogs decidem romper as contingências pessoais, familiares e profissionais, partindo pela estrada fora através da América. Porém, os sarilhos surgem ao atravessarem o território dos Del Fuegos, uma quadrilha de motards... Afinal, sendo protagonistas John Travolta, Tim Allen, William H. Macey e Martin Lawrence, tudo se resgata com humor e furor - entre os artifícios subjacentes à tipificação de cada personalidade, e um empolamento sarcástico sobre estímulos libertários, rivalidades periféricas e inevitáveis preconceitos culturais.

CALENDÁRiO

1929-02DEZ2007 - David Maybury-Lewis: «...Antropólogo social inglês, professor em Harvard, que publicou o primeiro estudo extenso e pormenorizado da estrutura social de uma tribo indígena da Amazónia (Akwe-Shavante Society, 1967)» (José Cutileiro).

27DEZ2007 - Lusomundo estreia Call Girl de António-Pedro Vasconcelos; com Soraia Chaves e Nicolau Breyner.

MEMÓRiA

04MAI1958-1990 - Keith Haring: «O vermelho é uma das cores mais fortes; lembra o sangue, impõe-se ao olhar. Talvez por isso, a sua função nas luzes do trânsito, é um sinal de paragem… E, pensando bem, eu uso o vermelho em todas as minhas pinturas».

05MAI1818-1883 - Karl Marx: «O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas. É o ópio do povo» IMAG.148.

ANTIQUÁRiO

MAI1998 - Em Portugal, a Sociedade Independente de Comunicação/SIC inicia a emissão de Teletubbies.

VISTORiA

Stewart

Régua compasso transferidor
dobrar cortar e colar.
Mãos artesãs.
Assim passou um último Verão.

Agradado por pôr de lado
os encargos técnicos da Geometria
e voltar ao acto ágil da construção.

Próprio do soldado raso
nas fileiras do exército de Euclides
que insistia sempre fora.

Francisco José Craveiro de Carvalho

OBSERVATÓRiO


A semana de 6 a 10 de Maio foi ritmada pelas manifs, pelos meetings, pelas barricadas. O país descobre os seus jovens enraivecidos contra De Gaulle, contra a ordem dos vieux cons, contra a sociedade de consumo.

Jean Daniel
Le Nouvel Observateur (15MAI1968)

O Maio de 68 fala por si mesmo. Foi um movimento de libertação dos constrangimentos. E revelou a amplitude destes nas nossas sociedades. A política-ficção está na ordem do dia...

Daniel Cohn-Bendit
Le Grand Bazar (1975)

Estávamos em presença de um verdadeiro processo de subversão.

Alain Peyrefitte, Ministro da Educação em 1968
France Inter (28MAI1998)

Os homens passam, as ideias generosas permanecem.

Léo Ferré
Radio Libertaire  (1998)

VISTORiA

A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho consome-a, fazendo o vendedor dela trabalhar. Este, ao trabalhar, torna-se realmente no que antes era apenas potencialmente: força de trabalho em acção, trabalhador. Para o trabalho reaparecer em mercadorias, tem de ser empregado em valores-de-uso, em coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza. O que o capitalista de-termina ao trabalhador produzir é, portanto, um valor-de-uso particular, um artigo especificado. A produção de valores-de-uso muda a sua natureza geral por ser levada a cabo em benefício do capitalista ou estar sob o seu controle. Por isso, temos inicialmente de considerar o processo de trabalho à parte de qualquer estrutura social determinada.

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com a sua própria acção impulsiona, regula e controla o seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Actuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica a sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata aqui das formas instintivas, animais, de trabalho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender a sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre a sua condição e a do homem primitivo com a sua for-ma ainda instintiva de trabalho. Pressupomos o trabalho sob for-ma exclusivamente humana. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquitecto ao construir a sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquitecto da melhor abelha é que ele figura na mente a sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projecto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar a sua vontade. E essa subordinação não é um acto fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraí-do pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais.

Karl Marx - O Capital (excerto)

COMENTÁRiO

TELETUBBIES

Qual a idade ideal para nos tornarmos cinéfilos - ou, pelo menos, videómanos? A questão pode parecer disparatada, mas tem toda a razão de ser. Primeiro, pelo acesso cada vez mais infantil e virtual às novas tecnologias. Depois, pela oferta sempre mais precoce, cabendo sobretudo a quem a torna disponível aos jovens estar atento e escolher com critério, tomando também contacto com um mercado imprevisível.

Pertinente, incorrecta ou injusta, a advertência de que muitos filmes ou subderivados distorcem ou influenciam negativamente, acautela pelo menos para o facto de que o audiovisual é determinante na formação dos mais novos. Levando as principais Companhias a investirem, referenciarem e promoverem as componentes imaginativa, lúdica e pedagógica dos produtos que taxativamente lhes dedicam ou que os podem atrair.

Eis as expectativas de Teletubbies (1997-2001), série especialmente concebida para uma faixa etária entre os meses e os cinco anos, com o objectivo de ajudar os que se encontram em idade pré-escolar a coordenarem o olhar com a aprendizagem, desenvolvendo o seu discurso - pois, para a criadora Anne Wood, «têm uma necessidade emocional de serem ouvidos, num ambiente que possam reconhecer e onde possam sentir-se bem».

Com argumento de Andrew Davenport e narração de Tim Whitnall, conta a lenda que Tinky Winky, Dipsy, Laa-Laa e Po vivem numa colina sobranceira e muito, muito longe, num reino mágico onde tudo pode acontecer. É dessa mesma terra que provem a televisão. Quando o vento sopra, uma aragem mágica traz consigo filmes de tal imaginário distante, reunindo os Teletubbies com as crianças do nosso mundo real...

Ainda segundo Wood, elas «acharão as tentativas de falar dos Teletubbies engraçada e, por isso, ganharão confiança em juntar-se-lhes. Os Teletubbies não sabem nada, são como crianças acabadas de chegar ao nosso mundo». Este produto Ragdoll, destinado à BBC, converteu-se num sucesso irresistível, e num fenómeno para os maiores - ao apreciarem os Teletubbies na televisão, e os mais pequeninos a verem os Teletubbies!

BREVIÁRiO

Edições + (&) ´ lança Aparas de Lápis, com traduções de Francisco José Craveiro de Carvalho e desenhos de Mark Milnes IMAG.16-117-130.

¯Sony/BMG lança Magic de Bruce Springsteen; o regresso do Boss às origens, ao rock’n’roll IMAG.41-96.

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

 Capítulo Nove
TANDEM OU O TRIO TERMINAL - 67

 Aterrados, Mosca Torta, Nesga Negra e Torra Ossos expunham-se em flagrante, atravancando a antiga Rua da Inveja, actual Beco dos Lusíadas. Sem reagir, estáticos. Olhando para o outro, formidável. Não, nem queriam arriscar a pele, e bem pois o energúmeno, defronte, gostava de esfolar as suas vítimas. Era um assassino elementar, perene, que estava impregnado com a morte, que conhecia as máscaras de cores da escuridão mais retinta, próprias dos furtivos matadores das sombras.

Os três compinchas em zaragatas e ramboiadas, a deixar de pantanas a Lisboa burguesa, passadiça, recatada, sentiam-se agora fora de si e extraídos da sua laia. Embora em casa, em causa. Numa actualidade outra, que os atordoava, e além disso tolhidos pelo medo. De uma existência comum, tornaram-se os transferidos. Ora podiam, mesmo, ali postos, assim, estar prestes à aniquilação, perante aquela estapafúrdia emanação que ao encará-los, opressiva, logo intuíram nefanda e fatídica. Muito mais do que eles. Suspensos.

 Continua



  

IMAGINÁRiO176

24 ABR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

VELEJAR



A partir dos eventos públicos, das exposições temáticas, os livros alusivos preservam um fascínio constante e apelativo, propiciam o conhecimento e a cultura, expandem a informação e a reflexão, conservam ou propõem um manancial em si autónomo e testemunhador. História da Vela em Cascais - Da Primeira Regata à Internacionalização - sob chancela de Edições Inapa, com a Câmara Municipal de Cascais - preenche tais expectativas logo pelo aliciante gráfico, a cargo de Margarida Oliveira, assumindo a coordenação do projecto António Carvalho, Director do Departamento de Cultura do Município. Para especialistas da memória social e entusiastas da modalidade desportiva, esta obra referencial e monumental - profusamente ilustrada com fotografias, imagens, desenhos, reproduções várias da imprensa ou dos documentos de época - desenvolve três módulos essenciais: Da Primeira Regata à Reinvenção da Vela Desportiva (1850-1929) por João Miguel Henriques e Da Ditadura e das Elites à Internacionalização (1930-1961) por Olga Bettencourt, investigadores do Arquivo Histórico Municipal; e Clube Naval de Cascais: Centro de Alto Rendimento de Vela por Teresa Ramirez, do Contacto Atlântico. Eis plenamente consagrada «a secular ligação de Cascais ao mar» - nas palavras do Presidente da Câmara, António d’Orey Capucho, em Apresentação IMAG.155.

CALENDÁRiO

1910-22DEZ2007 - Louis Poirier, aliás Julien Gracq: «Optei por um pseudónimo, quando comecei a publicar, porque quis separar as minhas actividades como professor e escritor. No meu espírito, o pseudónimo não tinha nenhum significado. Procurei uma sonoridade que me agradasse, e pretendi, no conjunto do nome e do apelido, um total de três sílabas».

1915-23DEZ2007 - Michael Kidd: «Não fosse a coreografia por ele concebida e criada, e talvez Sete Noivas Para Sete Irmãos [1954 - Stanley Donnen] não se tornasse um filme tão lembrado e elogiado» (Jane Powell - 1997).

1925-23DEZ2007 - Oscar Peterson: «A luta dos novos jazzistas já não envolve os problemas de racismo que eu enfrentei décadas atrás. Há que superar um obstáculo diferente: a invasão da música pop. As dificuldades tornaram-se maiores, mas penso que o jazz voltará a conquistar terreno».

MEMÓRiA

26ABR1798-1863 - Eugene Delacroix: «Os artistas que pretendem a perfeição são os que em nada logram atingi-la».

NOTICIÁRiO

O Peso de Algumas Rainhas

Uma folha estrangeira dá a seguinte nota acerca do que pesam algumas soberanas da Europa. A rainha de Inglaterra, que passou por Cimiez, quando ali esteve, pesava 70 quilos. A rainha Margarida de Itália pesa, exactamente, 63 quilos e meio. A rainha regente de Espanha, 60 quilos; o peso da rainha Isabel eleva-se a 83 quilos. Quanto à imperatriz da Áustria, pesa apenas 41 quilos e meio.

10JUL1897 - Diário de Notícias

 Richepin

Há dias, chegou a Palma de Mallorca um par de namorados que chamou a atenção e a desconfiança de muita gente. Averiguando-se quem eram, soube-se que ele era o grande poeta e dramaturgo francês João Richepin, e ela a esposa do compositor Louis Ganne, fugidos de Paris em Julho último.

22AGO1897 - Diário de Notícias

 A Filha de D. Carlos

Diz um jornal estrangeiro que a princesa Elvira, filha de D. Carlos, que fugiu com o pintor Fobbi, se encontra agora em Washington, onde entrou para uma casa de modas.

23AGO1897 - Diário de Notícias

Infante D. Afonso - Cascais

O senhor infante D. Afonso, acompanhado do seu ajudante Sr. Serpa, veio ontem de Sintra a esta vila, na sua charrette. Sua Alteza esteve na praia e depois andou na sua canoa barqueando.

03SET1897 - Diário de Notícias

 

ANUÁRiO

1481-1558 - Francisco Sá de Miranda: «Filosofou com as musas e poetizou com a filosofia» (Almeida Garrett).

 1568-1625 - Jan Brueghel de Velours - Artista plástico, pintou com Peter Paul Rubens (1577-1640) a série Os Cinco Sentidos, uma das obras mais importantes do Barroco flamengo, a qual foi concretizada para os Arquiduques Alberto da Áustria e Isabel Clara Eugénia, governantes dos Países Baixos.

VISTORiA

A El-Rey D. João III

 ¨Rei de muitos reis, se um dia,
se uma hora só, mal me atrevo
ocupar-vos, mal faria,
e ao bem comum não teria
os respeitos que ter devo;

Que em outras partes da Esfera,
em outros céus diferentes,
que Deus té’gora escondera,
cada uma de tantas gentes
vossos mandados espera.

Porque, Senhor, eles sós
(justo e poderoso Rei!)
desdão ou lhe cortam nós,
como também entre nós
que sois nossa viva lei.

Onde há homens há cobiça;
cá e lá tudo ela empeça,
se a santa, igual justiça
não corta, ou não desempeça
o que a má malícia enliça.

Senhor, qu’é muito atrevida!
E onde ela nós cegos deu,
cortar é coisa devida;
exemplo, o justo de Mida,
que el-Rei vosso avô fez seu.

Ora eu que, respeito havendo
ao tempo mais que ao estilo,
irei fugindo ao que entendo;
farei como os cães do Nilo,
que correm e vão bebendo.

A dignidade real,
que tem o mundo a direito,
(sem ela ter-se-ia mal)
é sagrada, é natural
deixemos medo e proveito.

As vossas velas, que vão
dando quase ao mundo volta,
raramente contarão
gente de algum rei solta:
sem cabeça o corpo é vão.

Dignidade alta e suprema,
que há que a não reconheça?
Viu-se em Marco António tema
de a César pôr diadema
real sobre a cabeça

Que nome de emperador
d’antes a César se dera,
sem suspeita e sem temor;
que inda então muito mais era
ser cônsul, ser ditador.

Um rei ao reino convém;
vemos que alumia o mundo;
um sol, um Deus o sustém;
certa a queda e a fim tem
o reino onde há rei segundo.

Não, ao sabor das orelhas,
arenga cuidada e branda;
abastem as razões velhas:
a cabeça os membros manda;
seu rei seguem as abelhas.

A seu tempo o rei perdoa;
a tempo o ferro é mezinha:
forças e condição boa
deram ao leão coroa
de sua grei montesinha.

Às aves, tamanho bando,
doutra liga e doutra lei,
por vencer todas voando,
a águia foi dada por rei,
que o sol claro atura olhando.

Quanto que sempre guardou
David lealdade e fé
a Saul! Quanto o chorou!
Quanta maldição lançou
aos montes de Gelboé!

Onde caíra o escudo
de seu rei, inda que imigo,
inda que já mal sesudo
saindo de tal perigo,
e subindo a mandar tudo.

O senhor da natureza,
de que o céu e a terra é cheia,
vestindo em nossa baixeza,
de real sangue se preza:
por rei na cruz se nomeia.

Sobre obrigações tamanhas
velem-se com tudo os reis
dos rostos falsos, das manhas
com que lhes fazem das leis,
fracas teias das aranhas.

Que se não pode fazer
por arte, por força ou graça,
salvo o que a justiça quer.
Senhor, não chamam poder
salvo o que lhes val na praça.

E por muito que os reis olhem
vão por fora mil inchaços,
que ante vós, Senhor, se
encolhem
duns gigantes de cem braços
com que dão e com que tolhem.

Quem graça ante o rei alcança,
e i fala o que não deve,
(mal grande da má privança)
peçonha na fonte lança,
de que toda a terra beve.

Quem joga onde engano vai
em vão corre e torna atrás,
em vão sobre a face cai;
mal hajam as graças más
de que tanto dano sai!

Homem de um só parecer,
dum só rosto e duma fé,
d’antes quebrar que volver,
outra cousa pode ser,
mas de corte homem não é.

Ouço gracejar, de cá,
de quem vai inteiro e são,
nem se contrafaz mais lá:
- Como este vem aldeão,
que não sabe onde se está!

As públicas santidades,
estes rostos transportado
não em ermos, mas cidades,
para Deus são vaidades,
para nós vão rebuçados.

Mas, despois, que lhes fazemos?
Pode ser, não pode ser,
adiante o saberemos:
estamos um pouco a ver;
cai-lhes o rebuço, e vemos.

Senhor, hei-vos de falar
(vossa mansidão m’esforça)
claro o que posso alcançar;
andam pera vos tomar
por manha, que não por força.

Por minas trazem suas azes,
encobertos seus assanhos,
falsas guerras, falsas pazes:
de fora são mansos anhos,
de dentro lobos robazes.

Tudo sua cura tem:
que é assi, bem o sabeis
e o remédio também.
Querei-los conhecer bem?
No fruito os conhecereis.

Obras, que palavras não!
Porém, Senhor, somos muitos;
e entre tanta abrigação,
tresmalham-se-vos os fruitos,
que não sabeis cujos são.

Um, que por outro se vende,
lança a pedra, e a mão esconde;
o dano longe se estende;
aquele a quem dói, entende,
com sós suspiros responde.

A vida desaparece,
e entretanto geme e jaz
o que caiu; e acontece
que dum mal que se lhe faz,
outro mor se lhe recresce.

Pena e galardão igual
o mundo em peso sustém,
é uma regra geral:
que a pena se deve ao mal,
o galardão ao bem.

Se alguma hora aconteceu
na paz, muito mais na guerra,
que a balança mais pendeu,
faz-se engano às leis da terra;
nunca se faz às do Céu.

 Francisco Sá de Miranda

 - Carta (excerto)



BREVIÁRiO

Na colecção Humanidades, Casa das Letras edita A Rota das Especiarias de John Keay.

2006 - Centro de História de Além-Mar/CHAM da Universidade Nova de Lisboa/UNL edita Relação do Descobrimento da Ilha de São Tomé (Século XVIII) de Manuel do Rosário Pinto; introdução e fixação de Arlindo Manuel Caldeira IMAG.145.

Assírio & Alvim edita Magalhães - O Homem e o Seu Feito (1938) de Stefan Zweig; sobre Fernão de Magalhães (1480-1521) IMAG.63-78.



IMAGINÁRiO175

16 ABR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MATREIRICES



O maior aventureiro de todos os tempos regressa, roubando aos ricos para dar aos pobres. A lenda de Sherwood é re-cantada pelo bizarro menestrel Allan-a-Dale. Tudo começa quando Robin Hood e Little John caminham despreocupadamente pela floresta, sem saberem que estão prestes a cair numa armadilha do Sheriff de Nottingham... Eis Robin dos Bosques (1973) de Wolfgang Reitherman - com lançamento em DVD sob chancela Lusomundo, entre Walt Disney Clássicos com A Edição Mais Procurada - consagrando os principais aliciantes da animação quanto à transposição de clássicos da literatura, ou inspirada em lendários da cultura popular. Tomando por base uma concepção de Ken Anderson, cuja variedade animalista faz intervir ursos, raposas, galos ou abutres, assinala-se a intervenção artística e técnica de Don Bluth, ainda em desenvolvimento de carreira no imaginário das Disney Pictures - aliando artifício, melodia, ritmo, colorido, no apreço com que toda a gente, e de qualquer idade, evoca os seus títulos de glória, associando-os a um património universal e emocionante. IMAG.7-8-21-30-37-47-50-80-107-110-116-123-155.

CALENDÁRiO

20DEZ2007 - Atalanta Filmes estreia Floripes de Miguel Gonçalves Mendes; sobre a lenda da moura encantada que vagueia por Olhão, sendo protagonistas Catarina Barros e João Salero.

21DEZ2007 - No Palácio Foz, decorre a cerimónia de aquisição, por parte do Estado, do acervo de oito mil discos, sobretudo de Fado, pertencente ao coleccionador inglês Bruce Bastin, pelo valor de 1,1 milhões de euros. A colecção contem gravações em 78 rotações feita por HMV, Columbia, Grammophone, Homokord e Victor entre 1904 e 1945, com vozes de Júlia Florista, Maria Victoria, Reinaldo Ferreira, José Bastos, Almeida Cruz, Eduardo de Souza, Armandinho, António Menano, Edmundo Bettencourt ou Alfredo Marceneiro. IMAG.26-37-59-77-96-103-135-150-166.

MEMÓRiA

16ABR1908-1995 - António Lopes Ribeiro: «O cinema, como arte, não é uma arte popular. É, sim, um espectáculo popular, mas não é uma arte popular. É uma manifestação explicada, sentida, com uma gramática que se exprime através da montagem» (1977).

22ABR1868-01JUN1948 - José Vianna da Motta: «Uma das figuras mais importantes do panorama musical português, foi director do Conservatório Nacional de 1919 a 1938. Era um músico que, reunindo um conjunto de potencialidades artísticas e culturais, desenvolveu actividades musicais diversificadas. Embora seja mais conhecido como um brilhante pianista de craveira internacional, é também hoje lembrado como um distinto compositor, pedagogo e musicógrafo» (Teresa Castanheira) IMAG.158.

NOTICIÁRiO

Caída de Fome

Ontem, às 10 1⁄2 da manhã, estava caída na Praça de Camões, Maria José Souvia, moradora na Rua da Fonte Santa, 13, rés-do-chão. O Polícia 174, a quem ela disse que estava morta de fome, levou a desgraçada à Taverna Nº 8, da mesma praça, onde lhe mandou dar de comer, e em seguida pagou-lhe o transporte no ascensor, acompanhando-a a sua casa. É uma acção digna d’um polícia.

10MAI1897 - Diário de Notícias

 Cabras em Lisboa

Foi ontem publicada a postura regulando o trânsito de cabras em Lisboa. São mantidas as taxas de licença, conforme a postura de 7 de Agosto de 1890. É proibido depois das nove horas da noite transitarem pela via pública rebanhos de cabras, sob pena de 1$000 réis de multa por cada cabeça.

23OUT1897 - Diário de Notícias

VISTORiA

 
Relação do Reino de Portugal - 1701

Os Pobres comem muito mal. A família de um trabalhador do campo não come geralmente mais do que Pão durante todo o dia. À noite, quando o homem regressa do trabalho, têm alguma Hortaliça ou Arroz e peixe, e isto é a Ceia para toda a família. Raramente comem carne mais do que uma vez por semana, e, mesmo assim, é Carne de vaca no valor de 1 tostão a dividir por 7 ou 8 pessoas.

Thomas Cox  (excerto)

Se olhar para fora da janela, é provável que veja uma pessoa ou outra a catar-se. Fazem isso à porta de casa, no meio da rua, em qualquer sítio, sem terem vergonha disso.

Cox Macro (excerto)

ITINERÁRiO

ANTÓNIO LOPES RIBEIRO

 

António Filipe Lopes Ribeiro nasceu em Lisboa, em 16 de Abril de 1908, numa família de artistas. Jornalista e crítico desde 1925, como Retardador, fundou Imagem (1928), Kino (1930) e Animatógrafo (1934). Em 1929, visitou Moscovo. Realizou Gado Bravo (1934), A Revolução de Maio (1937) e Feitiço do Império (1940). Director Artístico da Missão Cinegráfica às Colónias de África (1938) e Supervisor da SPAC/Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas. Em 1941, tentou uma produção contínua, com O Pátio das Cantigas (1941 - Francisco Ribeiro/Ribeirinho), Aniki-Bobó (1942 - Manoel de Oliveira), Camões (1946 - Leitão de Barros), e os seus O Pai Tirano (1941) e Amor de Perdição (1943). Dirigiu as séries de actualidades Jornal Português (1938-51) e Imagens de Portugal (1953-58). Empresário teatral (Os Comediantes de Lisboa), versátil documentarista. Na Radiotelevisão Portuguesa/RTP, apresentou o Museu do Cinema (1957). Cronista, publicou vários livros. Actor na telenovela Chuva na Areia (1984 - Nuno Teixeira). Realizou ainda A Vizinha do Lado (1945), Frei Luís de Sousa (1950) e O Primo Basílio (1959). Faleceu em Lisboa, em 14 de Abril de 1995 IMAG.1-27-31-48-74-76-94-115-130-131-164-166.

BREVIÁRiO

Em Textos BN, a Biblioteca Nacional edita Relação do Reino de Portugal - 1701/Account of the Kingdom of Portugal de Thomas Cox; considerada a mais antiga descrição de Lisboa e arredores feita por estrangeiros, no caso um comerciante britânico e seu tio, o reverendo Cox Macro - que concluiu a narrativa e acrescentou notas ou comentários. Obra referenciada no catálogo da British Library por Joaquim Romero de Magalhães; investigação coordenada por Maria Leonor Machado de Sousa do Centro de Estudos Anglo-Portugueses/CEAP, tradução de Maria João da Rocha Afonso.

Publicações Dom Quixote edita Dez Compositores Portugueses de Manuel Pedro Ferreira; sobre Claudio Carneyro, Clotilde Rosa, Constança Capdeville, Emmanuel Nunes, Fernando Lopes-Graça, Frederico de Freitas, Jorge Croner de Vasconcellos, Jorge Peixinho, Joly Braga Santos e Luís de Freitas Branco; inclui o CD Cinco Peças Exemplares.

CTT Correios de Portugal edita Em Busca da Lisboa Árabe de Adalberto Alves.

Deutsche Grammophon/Universal edita em CD, [Felix] Mendelssohn (1809-1847) por Daniel Hope (violino) com a Chamber Orchestra of Europe, sob direcção de Thomas Hengelbrock.

Livros Horizonte edita O Mobiliário das Elites de Lisboa Na Segunda Metade do Século XVIII de Carlos Franco.

Publicações Dom Quixote reedita Contos Populares Portugueses (1879) de Adolfo Coelho (1847-1919); prefácio de Ernesto Veiga de Oliveira.

Campo de Letras edita Do Livro dos Salmos de Mário Castrim (1920-2002); a partir de colaboração nas revistas dos Missionários Combonianos.

Difel edita História do Feio com direcção de Umberto Eco; tradução de António Maia da Rocha.

Casa da Musica edita em CD, Épures du Serpent Vert II e Duktus de Emmanuel Nunes, pelo Remix Ensemble; direcção musical de Peter Rundel.


Alêtheia Editores lança Condessa d’Edla - A Cantora de Ópera Quasi Rainha de Portugal de Teresa Rebelo.

NOTICIÁRiO

Vianna da Motta

Temos por vezes dado notícia aos nossos leitores do progresso e aplausos que tem recebido em Berlim o jovem pianista Vianna da Motta, que ali está estudando a expensas de sua majestade El-Rei D. Fernando. Tendo entrado há três anos no Conservatório de Scharwenka, terminou neste curto espaço de tempo os seus estudos de piano, harmonia, contraponto, composição e orquestração. Talento privilegiado, não é só na música que se tem tornado notável. Nos seus estudos literários tem obtido louvor em quase todas as disciplinas e no fim do seu primeiro ano escolar no acto de distribuição de prémios foi apresentado como modelo de talento e aplicação perante numeroso auditório que assistia àquela festa imponente.

 Não contente com o muito que tem conseguido nos seus estudos e desejando corresponder ao merecido conceito que se faz do seu talento, manifestou à senhora Condessa de Edla e a El-Rei D. Fernando o desejo de receber algumas lições de Liszt. Sua majestade, que se interessa vivamente por que o seu protegido seja o orgulho da sua nação e uma notabilidade europeia, acaba de lhe conceder a continuação dos seus estudos, enviando-lhe uma carta de recomendação para Liszt e autorizando o seu protegido a acompanhar o mestre nas suas viagens.

Saudamos sua majestade El-Rei D. Fernando e a senhora Condessa de Edla pelo muito que se interessam pelas artes do nosso país e damos os nossos parabéns aos pais do talentoso moço.

30AGO1885 - Diário de Notícias

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL

Primeira Jornada

 Capítulo Oito

A INSUBMISSA RESSURREIÇÃO - 66

 O pior, era a incipiente verve rítmica, que por vezes o tramava - algo que parecia inadmissível a um especialista do léxico neutro, a um veterano da prosa artificcional...
Quem lhe valia, então, era a amiga de sempre e primeira confidente, Rosa dos Ventos - outrora actriz residente e retirada do Teatro Nacional, que entretanto se entretinha a fazer luxuriantes figurações em fitas publicitárias sobre o laxante Colex
Rosa interrompeu-o, compadecida, quando Magno cofiava o cabelo ralo, olhando com desconfiança os seus incongruentes papéis dispersos, à mesa do Café Nicola.
– Estás bem?
– Estou… Preciso de encontrar uma palavra que rime com mundo…
– Que tal imundo?
– Caramba... Isso é profundo!
– Ora, aí a tens…

 Continua  



 

IMAGINÁRiO174

08 ABR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

VIAGENS



Para um autor de banda desenhada, os clássicos da literatura são um risco mágico, entre a expressão artística e o estímulo criativo. Mas poucos intuíram tal desafio como Régis Loisel, ao reexpor a saga de Peter Pan, subvertendo e expandindo o manancial prodigioso de J.M. Barry. Também versátil argumentista, que se manifesta através dum exuberante delineamento, Loisel concebeu e ilustrou com Jean-Louis Tripp a série Armazém Central - entre nós sob chancela das Edições Asa - cuja acção decorre pela paisagem do Quebeque, la Belle Province, durante um Inverno dos anos ’20 do Século XX. Após Marie, tudo recomeça quando Serge, motociclista atrapalhado por uma avaria, engrena o seu destino, ao encontrar refúgio e convívio na pequena aldeia de Notre-Dame-des-Lacs… Assim se forja uma saga cúmplice, vitalista, ao explorar as mais fascinantes virtualidades da escola franco-belga - atraindo pelo grafismo sensual, o traço caricaturesco, a graciosidade da composição, a cor luxuriante por François Lapierre. Alternativa para uma narração madura, insinuante pela irreverência das implicações, eis um entrecho evocativo na pulsão realista mas nostálgica, referenciada ao Canadá - a partir de um atelier partilhado, desde 2003, por Loisel & Tripp em Montreal - cuja linguagem rústica, pitoresca, coube a Jimmy Beaulieu tornar mais acessível, temperar. Afinal, celebrando a fundamental autenticidade da aventura em quadradinhos - realista e visionária, singular e universal.

CALENDÁRiO

1925-02DEZ2007 - Palmina Omiccioli, aliás Eleonora Rossi Drago: Manequim e estrela de cinema, celebrada como deusa do sexo, e distinguida pela imprensa italiana como Melhor Actriz do Ano em Um Verão Violento (1959) de Valério Zurlini.

1916-02DEZ2007 - Elizabeth Hardwick: «Escritora, casada com Robert Lowell, um dos grandes poetas americanos do Século XX. Fundou com ele e mais dois amigos a prestigiada New York Review of Books» (José Cutileiro).

1926-11DEZ2007 - Fernanda Botelho: «…Testemunho da complexidade, do enigma e da imprevisibilidade da condição humana, que é sempre irredutível a qualquer visão esquemática e simplificadora» (Jorge Sampaio - 1999).

1948-13DEZ2007 - Isabel Queiroz: «Pertenceu ao extinto Ballet Gulbenkian e trabalhou com Maurice Béjart... Foi a melhor bailarina portuguesa mas preferiu sempre esse título a uma carreira internacional» (Davide Pinheiro).

MEMÓRiA

1841-11ABR1918 - Otto Wagner: «O único ponto de partida possível para a criação é a vida moderna. Todas as formas devem estar em harmonia com as novas exigências do nosso tempo. Nada que não seja prático poderá ser belo» (1894).

ANUÁRiO

1488 - El-Rei D. João II manda edificar uma torre defensiva sobre o Atlântico, no que se converteria em Cidadela de Cascais - imóvel de interesse público a partir de 1977, e incluindo dentro das suas muralhas a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz, a Igreja de Nossa Senhora da Vitória, a Torre Fortificada de Cascais e o Palácio da Presidência da República. Ali desembarcou Nicolau Coelho, para informar D. Manuel I do sucesso da expedição à Índia por Vasco da Gama; e, em 1580, o Duque de Alba para tomar Portugal, ao serviço de Filipe II de Espanha. Dando-se por concluída a Cidadela em 1675, nela se instalou o francês Junot até 1810, durante as Invasões Napoleónicas. Paço Real desde a época de D. Luís I, tal a manteve D. Carlos I, sendo onde se inaugurou a iluminação eléctrica em Portugal. Após a implantação da República em 1910, foi usada como residência oficial de Presidência, estando até 2004 ocupada pelo Exército; em 2005, foi entregue ao Município, instalando-se o Museu de Arqueologia. 

ANTIQUÁRiO

 
1928 - No seu terceiro romance, o escritor Leslie Charteris (1907-1993) lança as aventuras de Simon Templar, em O Santo Encontra o Tigre/Meet - The Tiger!

ABR1958 - A programação da Radiotelevisão Portuguesa/RTP chega a 60% da população, cobrindo 44% do território nacional IMAG.15-21-40-97-121.

13ABR1598 - Em França, o Rei Henrique IV promulga o Édito de Nantes, que concede aos huguenotes tolerância religiosa e a liberdade de culto, após trinta e seis anos de perseguição e chacina por todo o país, com realce para o Massacre da Noite de São Bartolomeu, em 1572. Foi revogado por Luís XIV, a 23OUT1685, com o Édito de Fontainebleau.

TRAJECTÓRiA

 

Uma das personagens mais populares da literatura negra, Simon Templar - aliás, o Santo - granjeou enorme sucesso em múltiplos meios de comunicação. O seu criador, Leslie Charteris nasceu em Singapura, 1907, de pai inglês ali residente, e mãe oriental, descendente da dinastia Shang. Chamado Leslie Charles Bowyer Yin, revelou-se artisticamente em 1926. Ainda jovem, foi para Inglaterra, estudando na Universidade de Cambridge, e interessando-se por criminologia. O rosto refinado, snob, a elegância, a paixão pelo hipismo e a aeronáutica, uma vida intensa, transferir-se-iam para o seu herói, aparecido em O Santo Encontra o Tigre (1928). Em 1932, Charteris radicou-se nos Estados Unidos, como argumentista da Paramount Pictures.
Simon Templar é um aventureiro atlético, com 1,87 m de altura, desportista, hábil lutador, especialista no arremesso de pequenos punhais, e praticante de equitação, automobilismo, aviação, poliglota, culto e inteligente, irresistível para as mulheres, frio e inexorável com os adversários. Serve-se de métodos pouco ortodoxos, ilegais mesmo, para atingir os seus objectivos, rouba aos ricos para fazer justiça, fortuna pessoal... e dar aos espoliados. Paladino romântico do Século XX, insolente ou insinuante, a sua assinatura com um boneco de cabeça aureolada é inconfundível, tanto entre os financeiros desonestos, na alta-roda, como no submundo, entre traficantes, ou para as vítimas a quem protege.

 

Segundo o autor, «pretendi (re)criar algo de elementar e genuíno: combates, assassínios, mortes imprevistas, damas ameaçadas, e uma total indiferença perante o perigo». O estilo requintado, pontuado por humor e dramatismo, culmina em O Santo em Londres (1934) ou O Santo em Nova Iorque (1935). Em 1953, surge The Saint Detective Magazine. Desde final dos anos ‘30, Templar triunfa no cinema, em produções inglesas, americanas ou francesas, distinguindo-se como protagonista George Sanders; na década de ‘60, Roger Moore tornou perene o mito, em pequeno ecrã. Em quadradinhos, lança-se nos Estados Unidos, por Charteris & Lew Schwartz (1947), seguindo-se Mike Roy (1948) com Jack Davis (1950), o excelente John Spranger (1951-1959), Bob Lubbers e o notável Doug Wildey (até 1962). Nos anos ‘50, houve uma versão argentina, por Nevelle & Eisen.

COMENTÁRiO



Val Kilmer compõe o sortilégio ambíguo, furtivo de Simon Templar - aliás O Santo (1996), filme realizado por Philip Noyce. Os argumentistas Wesley Strick & Jonathan Hensleigh inspiraram-se no romanesco de Leslie Charteris, e a rodagem decorreu nos Estúdios Pinewood, em Inglaterra. Com orçamento de setenta milhões de dólares, os exteriores correspondem aos locais da acção - em Londres e Oxford, além da Rússia, sobretudo em Moscovo.

O milionário Ivan Tretiak ambiciona tornar-se líder do novo império russo. Demagógico e sem escrúpulos, goza de influências ao mais alto nível. Além da imagem pública, e em plena impunidade, tenta apoderar-se de todos os meios para atingir os seus desígnios. É o caso de uma revolucionária fórmula de combustível, descoberta pela bela cientista Emma Russell. Só que ela está também na mira de Simon Templar, um aventureiro insinuante e ousado...

BREVIÁRiO

2007 - Costa do Castelo edita em DVD, O Santo - Primeiros Filmes (1938-1942); inclui O Santo em Nova York, As Férias do Santo, O Santo Levanta Voo, O Santo Revolta-se, O Santo em Palm Springs, O Santo em Londres, O Santo em Dupla Encrenca e O Santo Encontra o Tigre; entre os protagonistas, Louis Hayward, George Sanders e Hugh Sinclair.

Relógio d’Água edita Contos de Saki - aliás, Hector Hugh Munro (1870-1916); tradução de Manuel Resende.

Sony BMG edita, sob chancela NPG Records, Planet Earth de Prince.

Editorial Asa lança Arthur & George de Julian Barnes; sobre Arthur Conan Doyle e George Edalji, tradução de Helena CardosoLIMAG. 17-104-116-128.

PRIORITÁRiO

 

 
http://texwiller.blog.com/ - Tudo o que sempre quis saber sobre o imaginário, as aventuras, os autores, as edições, a mitologia ou o universo de Tex Willer, está no Blog do Tex - incluindo estudos críticos, abordagens históricas, reportagens e entrevistas, novidades e curiosidades - em que se destaca o entusiasmo contextual de José Carlos Francisco IMAG.31-65. A contactar: josebenfica@hotmail.com

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL

Primeira Jornada

 Capítulo Oito

A INSUBMISSA RESSURREIÇÃO - 65

 Nem blindagem emocional, nem clivagem marcial. Apenas um limbo de exílio, de existências incontinentes, múltiplas, amotinadas e adulteradas na balbúrdia abissal do Céu à Terra.

Corpos incorruptos… Seres que se transformavam numa pantominice patética, poética - como os descrever assim, escrever a sua história? Eis uma empresa ingente, de melindre utópico e de miséria romanesca, apenas acessível a um historiador prestigiado a prestidigitar tanto a cábula como a cabala...

Com que voz? Nada que embargasse - nada que abraçasse aqueles tais no enxovalho duma verve silente, nem que, para contar, mesmo os embaraçasse qual xarope de malvas ou de urtigas. Ora, problemas de raiz, cantos de asa cortada, nunca se resolveriam pela abdução em panaceia, ou pela mera prescrição dos rebuçados de mentol.

Nisso, a pigarrear, matutava Jacinto Magno - após noites recentes mal dormidas que, insistentemente, o vinham desassossegando para uma inspiração inquieta, megalómana - até germinar em projecto formidável: dar corpo a novo épico lírico, virtual, de feição clássica, porém virado para o futuro.

Intitulado Os Atlântidas, e havia de consumá-lo - nem que, para tarefa tamanha, tivesse que pôr em causa todo o seu prestígio, desabrochar num renascido autor!

 Continua   



IMAGINÁRiO173

01 ABR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


 PRONTUÁRiO

 REVELAÇÕES



Estilizado por visões apócrifas entre a realidade e o imaginário, o fenómeno espectacular de certos filmes - que se forjariam no impacto devastador dos seus efeitos e artifícios - transfigura a emergência virtualizada sobre uma estratégia romanesca de sucesso, contrastada entre o testemunho perturbador e a sabedoria ancestral. Nestes primeiros tempos do Terceiro Milénio, Hollywood consuma o decisivo confronto entre as luzes e as trevas, o bem e o mal, pela reassunção dum elo místico sobre a aventura humana e iniciática. Inspirado no bestseller por James Redfield, A Profecia Celestina de Armand Mastroianni - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - sagra a jornada primordial dum professor de história - desocupado no mundo que se habituou controlar, resistente a outros horizontes de entrega e descoberta - a quem um enigmático nexo de pistas e coincidências leva ao Peru, até um estranho manuscrito em aramaico... Matthew Settle, Sarah Wayne Callies e Joaquim de Almeida protagonizam esta fantástica experiência de revelação e renovação, intrincada na eminente escala de um futuro iminente, no qual estão em causa a íntima evolução e o progresso espiritual.

CALENDÁRiO

16NOV2007-17FEV2008 - Museu Colecção Berardo expõe Um Teatro Sem Teatro - sobre as influências recíprocas entre palco e artes plásticas durante o Século XX, contrastando autores como Andy Warhol, Antonin Artaud, Bruce Nauman, Carl Andre, Dan Graham, Donald Judd, James Coleman, Mike Kelley, Michelangelo Pistoletto ou Oskar Schlemmer.

17OUT1938-30NOV2007 - Robert Craig Knievel, aliás Evel Knivel: Acrobata e duplo em motocicleta, considerado o America’s Legendary Daredevil (1974) pela Smithsonian Institution - «Ele viveu mais vinte anos do que a maioria das pessoas» (Kelly Knievel).

22AGO1928-05DEZ2007 - Karlheinz Stockhausen: «A música pode ser definida como a matemática da acústica. É a arte de criar vibrações... A razão por que eu componho resume-se ao meu desejo de agradar a Deus».

08DEZ2007 - No Palácio de Valenças, e organizadas pela Câmara Municipal de Sintra, decorrem as Comemorações do Centenário do Nascimento de José Alfredo da Costa Azevedo, o popular historiógrafo sintrense José Alfredo (1907-1991).

MEMÓRiA

02ABR1928-1991 - Serge Gainsbourg: «Ser feio é, de certo modo, superior a ser bonito, porque dura mais tempo».

05ABR1908-1989 - Herbert Von Karajan: «Estou ciente de que vou reger a orquestra para a mais pequena audiência da minha vida. Mas acredito que vieram aqui para ouvir música, e prometo-lhes que, para vós, irei fazer a minha melhor performance» (Baltimore, 1955).

1471-06ABR1528: Albrecht Dürer: «Frequentemente, Deus concede a capacidade de aprender e a perspicácia para realizar algo de bom ao homem de quem não se encontram semelhantes no seu próprio tempo e que, muito cedo, não irá ter sucessor».

ANTIQUÁRiO

1748 - El-Rei D. João V encomenda ao ourives Joaquim Caetano de Carvalho uma sumptuosa peça litúrgica, para expor solenemente a hóstia à adoração dos fiéis. Entregue em 1760 aos representantes eclesiásticos, por D. José I, a Custódia da Sé Patriarcal é uma jóia de arte sacra única no Mundo, feita de ouro, diamantes rosa, rubis, jacintos, esmeraldas, safiras do Ceilão, brilhantes e minas novas, estando guardada no Museu do Tesouro.

1748 - A platina torna-se conhecida na Europa, quando o navegador espanhol Antonio Ulloa a menciona na relação da sua viagem à América, atribuindo-lhe o nome por que ficou então designada, diminutivo de plata. Uma das primeiras aplicações práticas ocorreu quando o relojoeiro Faverger fabricou uma cadeia com este metal.

1948 - A Oficina Nacional de Normalização de Washington D.C. desenvolve um relógio atómico para ser utilizado como padrão de frequência. Não afastou o relógio de precisão de quartzo, mas o relógio atómico é a referência definitiva para experimentar e acertar os outros, incluindo o de quartzo.

1958 - Na Cidade Universitária de Lisboa, consolida-se a construção dos edifícios monumentais das Faculdades de Direito e de Letras, sob projectos do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro, concluídos pelo sobrinho António Pardal Monteiro. Tendo as fachadas decoradas com desenhos de Almada Negreiros, a obra culminou em 1961, com a inauguração da Reitoria.


DEZ1973 - Assírio & Alvim edita Wanya - Escala em Orongo de Nelson Dias e Augusto Mota IMAG.166.

COMENTÁRiO

MEMÓRIAS & EMOÇÕES

Em todas as artes, como em todas as coisas, há instantes ou referências que, para sempre, permanecem indeléveis - como fenómenos únicos, fascinantes e irrepetíveis. Pessoalmente, destacaria as circunstâncias excepcionais que, nos recentes Anos ’70 do Século XX, me revelaram Wanya - Escala em Orongo de Augusto Mota (texto) e Nelson Dias (desenhos) - uma aventura visionária e metafórica, testemunho a preto-e-branco, tratando em pontilíneo as ideias e os ideais relativos ao desígnio humano. 

Conhecia Augusto Mota de muito antes da Wanya - particularmente, várias ilustrações suas vieram publicadas em suplementos juvenis que eu coordenava no Diário de Coimbra e no Mar Alto (Figueira da Foz). Aí também divulgava as histórias em quadradinhos, quando recebi em Coimbra a visita de Augusto - nascido em Leiria (1936), onde vivia, tal como Nelson (1940-93) - trazendo uma surpresa deslumbrante: os primeiros originais de Wanya, para uma vista de olhos e uma troca de impressões.

Fiquei espantado pelas virtualidades, nunca poderia imaginar uma tal obra-prima e por autores portugueses! Logo, propus dar início a uma campanha de difusão - tanto quanto possível vasta e, mesmo, além fronteiras. Em Dezembro de 1973, Wanya - Escala em Orongo consumou-se em álbum e, a partir de então, teve uma notável carreira pública. Mas os autores não esqueceram aqueles trâmites e, em especial, o envolvimento que o fanzine Copra havia estimulado, com um destacável de Boomovimento.

Assim, quando Copra desafiou os artistas de banda desenhada a conceberem, num máximo de seis pranchas (mais capa), uma heroína com o nome do seu título («em qualquer figura, profissão ou dimensão, temporal e espacial») - dando, afinal, corpo a um projecto que, desde o início, tivera em mente e me animara - Augusto Mota e Nelson Dias foram os primeiros a apresentar a sua versão... Esse magnífico trabalho, A Flor da Memória, foi publicado no número 3 de Copra, pela Primavera de 1974.

Um estilo coerente, evolutivo, sintetizava a narrativa épica e poética de Augusto Mota, orlando o grafismo minucioso e preciosista de Nelson Dias. Tanto em Wanya como em Copra, os autores optaram por uma linguagem inusitada, de modo a propor uma leitura/fruição dinâmica, por páginas a par, duas a duas, e não isoladamente. Quanto aos exemplos comuns da época, depreciavam uma conotação erótica que sagrara Barbarella, valorizando embora a pendência feminista de uma Saga de Xam...

Segundo Augusto Mota, «Wanya é o símbolo de um anseio… O facto de ser mulher, acentua o significado de uma ambiência mais criadora, fecunda mesmo, na medida em que gera vida com seu corpo e suas acções. Ela é um mensageiro de amor e paz, empenhado na construção do Futuro. Pelo epílogo, depois da destruição nuclear que aniquilou a superfície do planeta Orongo, há uma exortação de fé na autogestão do povo de Citania, séculos abrigado sob as cordilheiras de Lerga».

 

Para Nelson Dias, tratar-se «de uma mulher releva, ainda, uma evidente preocupação de não-agressividade, pois Wanya não recorre a armas nem faz uso da força - a não ser, uma vez em que está em causa a sua dignidade. Mesmo então, reage numa luta corpo a corpo - em defesa natural, quase instintiva. A violência que perpassa é sempre contada em flashback, como recordação - tanto do que vitimou Orongo, como do que ocorreu na Terra, antes de ter superado uma atávica inclinação guerreira».

BREVIÁRiO

Gradiva reedita Wanya - Escala em Orongo de Nelson Dias e Augusto Mota.

¨Relógio d’Água edita Obra Poética de Federico Garcia Lorca; tradução de José Bento IMAG.38-108.

Sob chancela Edsel, Sony/BMG lança em CD, Born To Be - Affectionately Melanie (1968-1969) por Melanie Safka.

Assírio & Alvim edita Diálogos Com Leucó (1945-1947) de Cesare Pavese; tradução de José Colaço Barreiros.

Asa edita Um Brinde à Morte de Agatha Christie IMAG.66.

Rhino/Warner edita em CD, The Doors At The Boston Arena; encerramento da digressão que apresentou [Jim] Morrison Hotel, em ABR1970.

Em Clássicos da Literatura Contemporânea, Ulisseia edita Tristão e Outros Contos de Thomas Mann; tradução de Sara Seruya, Maria Manuela Pena Gomes, Maria Lin de Sousa Moniz, Teresa Seruya.

TRAJECTÓRiA

ALBRECHT DÜRER



Albrecht Dürer nasceu em Nuremberga, a 21 de Maio de 1471, filho de um ourives de ascendência húngara. Discípulo de Michael Wohlgemut em 1486, em 1492 trabalhava no atelier de Martin Schonganer em Colmar. Seguiram-se Basileia e Estrasburgo, onde ilustrou A Nave dos Loucos de Sebastian Brant. Regressado a Nuremberga, em 1494 casou com Agnes Frey, partindo para Itália. Em 1495, de novo em Nuremberga, aprimorou a técnica de xilogravuras em Apocalipse de São João (1498), ou a gravação em cobre como Adão e Eva (1504). Em 1505-1507 voltou a Itália, privilegiando a aguarela; em Veneza, conviveu com Giovanni Bellini ou Lorenzo de Credi. Fixado em Nuremberga, o seu prestígio na Alemanha e além-fronteiras consolidou-se, como pintor de Adão e Eva (1507) ou A Ascenção da Virgem (1509), ou com Pequena Paixão em madeira (1511) e Melancolia em cobre (1514). Em 1512, foi nomeado artista da corte do imperador Maximiliano I. Em 1520, durante uma visita aos Países Baixos, em que conheceu Erasmo em Roterdão, contraiu malária. Prosseguiu em plena actividade, culminando com os grandes painéis de Os Quatro Apóstolos (1526). Escreveu Instrução Para Medições à Régua e ao Compasso (1525), Tratado Sobre Fortificação de Cidades, Vilas e Castelos (1527) e Sobre a Proporção do Corpo Humano (1528). Faleceu em Nuremberga, a 6 de Abril de 1528.




IMAGINÁRiO172

24 MAR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FELINOS



Invadem as leituras, ocupam as poltronas. Miam, arranham. Não é possível compará-los a outros heróis, humanos ou animais. Mesmo entre bichanos, os protagonistas de banda desenhada distinguem-se pelas birras, pelos caprichos, pelas graças, pelos amuos. Volúveis, complexos, tensos, sonsos, assanhados, sensuais, e para além da personalidade própria, correspondem - afinal - ao fascínio dos seus criadores em quadradinhos que, tendo-os familiarmente, neles reflectem a inspiração e o carácter pessoal... Tal relação revelou-se, por excelência, no talento de Jim Davis sobre as proezas de Garfield - editadas sob chancela BooTree. Álbuns recentes vêm confirmar a actualidade intemporal duma arte crítica e sarcástica, em que o grafismo estilizado corresponde a uma vivência irreverente. Ao transcender o humor enquanto Superstar, o nosso gato favorito - tão matreiro como aventureiro - confirma, afinal, que O Mundo É Dele! Um sucesso consagrado em plena celebração estultícia, enquanto Garfield desabafa com a sua irresistível neurastenia: «Estou tão feliz, que sinto vontade de chorar!»

CALENDÁRiO

19NOV2007 - Bertrand Livreiros comemora 275 Anos de existência, dispondo actualmente da maior rede de livrarias em Portugal.

1921-21NOV2007 - Fernando Fernan-Gómez: Actor, escritor, argumentista, encenador teatral e realizador de cinema: «Era um artista completo, de eficácia e excelência, de presença constante, insubstituível, com uma versatilidade sem limites. Representa a história do cinema espanhol do seu início até à actualidade» (Pedro Almodóvar).

1924-23NOV2007 - Emilio Sanz de Soto: Argumentista de cinema, colaborador de Luis Buñuel, orador e autor literário, amigo de Truman Capote: «As suas palavras escritas, o caudal da sua sabedoria, os arquivos das suas recordações não se vão perder de todo» (El País).

29NOV2007 - Atalanta Filmes estreia Porca Miséria de Joaquim Pinto e Nuno Leonel.

MEMÓRiA

07MAR1878-1930 - António Patrício: «Foi António Patrício o que, estando mais longe da realidade, nos poude legar a possibilidade de uma rápida visão de conjunto da sua obra, virtude também, da sua unidade intrínseca. E eu creio que não foi indiferente a este facto a circunstância puramente fortuita de ter passado a maior parte da sua vida de escritor no estrangeiro, inacessível portanto às familiaridades que diminuem ou à facilidade nos contactos sociais que não são, em Portugal, como se sabe, elemento de convívio e de interconhecimento fecundo» (Luiz Forjaz Trigueiros).

31MAR1908-1992 - Eugénio Salvador: «Se pudesse escolher, morreria em cena, porque o público é que conta… É o grande juiz de tudo isto. A minha vida sempre foi o teatro».

ANTIQUÁRiO

17MAR1923 - No Porto, Olympia estreia Aventuras de Agapito - Fotografia Comprometedora de Roger Lion (ou Maurice Mariaud), em produção de Patria Film; com Nestor Lopes e Romão Gonçalves, estreou em Lisboa no Salão Central, a 07ABR1924, sendo distribuidor Raul Lopes Freire.

1978 - Nasce Garfield, um gato americano com fãs em todo o mundo, para êxito e fortuna do autor Jim Davis - que se inspirou na personalidade do avô, James Garfield. Durante anos, andou a arranhar os quadradinhos até se fazer notado, no século passado, por finais da década de ‘80 IMAG.2.

VISTORiA


De que me rio eu?... Eu rio horas e horas
só para me esquecer, para me não sentir.
Eu rio a olhar o mar, as noites e as auroras;
passo a vida febril inquietantemente a rir.

Eu rio porque tenho medo, um terror vago
de me sentir a sós e de me interrogar;
rio pra não ouvir a voz do mar pressago
nem a das coisas mudas a chorar.

Rio pra não ouvir a voz que grita dentro de mim
o mistério de tudo o que me cerca
e a dor de não saber porque vivo assim.

António Patrício

COMENTÁRiO

ROMÃO GONÇALVES
E O DÓ DE PEITO



Como ocorre noutras cinematografias, em que a escassa produção é compensada por um vasto anedotário, deparamos entre nós - ao longo da história respectiva - com figuras pitorescas e episódios característicos, cuja evocação - além de peculiar relevância - traz por vezes elementos significativos, para iluminar outras incidências, porventura mais importantes mas ainda obscuras... É o caso de Romão Gonçalves, durante os anos ’20 do Século XX - segundo o fundador da Cinemateca Nacional, M. Félix Ribeiro - «muito extravagante e muito popular, pelas suas exuberâncias de indumentária, pelas atitudes e pela preocupação, sem grandes resultados, de ser tomado como um emérito cantor de ópera». Um nome e uma imagem que ficaram ligados a várias fitas - a primeira referenciada, Romão, Chauffeur e Mártir, feita em frente do Clube Ritz, mas que só estreou em Lisboa (Central) uma semana após o lançamento no Porto (Carlos Alberto) em FEV1920; e em JUL, a mesma sala da capital apresentava Romão, Boxeur e Atleta. Trata-se de obras cómicas, em geral atribuídas a Ernesto de Albuquerque - embora A. Videira Santos alerte que a segunda pode estar ligada ao Studio Film, que tinha Carlos Machado como encenador, sendo operador Fernandes Thomaz... Entretanto, em NOV, exibia-se no Olympia de Lisboa A Visita do Rei dos Belgas - que, para o Diário de Notícias, reportava «os aspectos mais interessantes da chegada de Sua Majestade, entre eles o arrojado acto de coragem e patriotismo do tenor Romão Gonçalves, que se atirou à água e, nadando, cantou o hino belga»...

Deste modo, designou-se também Romão Gonçalves, Cantor e Nadador, embora - em MAR1933! - fosse, ainda, publicitada em Negrelos (Cine-Alves) como O Sofrimento Dum Cantor Por Um Chefe do Estado. Aliás, voltam a dividir-se as versões, quanto aos responsáveis por tal filme: pertenceria a Mario Huguin da Pathé, mas Rogério Pérez - em OUT1930, no Kino - garantia que foi manivelada por Albert Durot, acrescentando que Albert I toda a vida deve ter lembrado «aquele tritão lírico» do Tejo... Em 1927, as excentricidades de Romão lavaram-no a inventar o licor Romanini, para fazer concorrência ao francês Beneditine. Continuando um cinéfilo inveterado, decidiu então promocioná-lo através de As Aventuras do Tenor Romão, ou O Dó de Peito como se imortalizaria. Rogério Pérez escreveu que «entrava ele próprio, um casaco de peles bastante impróprio, e um cão que, pelas ruas de Lisboa, passeava com ele e o casaco»; outros intérpretes: Aurora Martins Vaz, Francis, Adler e Hans Cooper. Realizou Rino Lupo, com fotografia de Fernandes Thomaz. Raul Lopes Freire aceitaria projectá-lo (Salão Central), em JUN. Seguiram-se sessões contínuas no Cinema Tenor Romão Gonçalves, de que o dito era dono e empresário, em Campolide. Certo dia, teve a triste ideia de lhe agregar o Cantor e Nadador, amputando para isso o filme principal em cartaz; o público protestou, e Romão respondeu com os argumentos do seu corpulento físico, intervindo a polícia. À hora em que, como prometera, devia dar em viva voz O Dó de Peito, estava preso na esquadra, e os espectadores enfurecidos arrasaram o recinto!

PARLATÓRiO

 

Pela minha experiência, nunca encontrei nenhum problema ou resistência quanto à diferença de idade ou ao grupo geracional, em relação aos actores com quem trabalhei, como realizador de cinema ou encenador teatral.
Eu próprio, intérprete para o grande ecrã, os directores com quem sinto maiores afinidades são Luís Berlanga e Luís Buñuel. Entre os que me deram mais prazer, a trabalhar, citarei Carlos Saura e Jaime de Armiñan. E considero El Espiritu de la Colmena (1973), de Victor Erice, um dos melhores filmes que desempenhei, se não o melhor…
Fernando Fernan-Gómez (1980)

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita O Fim (1909) e Diálogo na Alhambra (1914) de António Patrício; organização de Armando Nascimento Rosa.

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita A Palavra de João Miguel Fernandes Jorge, José Loureiro e Rita Azevedo Gomes; fotografias sobre filmes de Carl Th. Dreyer.

Deutsche Grammophon/Universal edita em CD, Mozart - Concertos Para Violino (1-5) por Anne-Sophie Mutter no Mozarteum, com a orquestra Camerata Salzburg.

Bertrand Editora lança A Casa Grande de Romadrigães (1957) de Aquilino Ribeiro; ilustrações de João Abel Manta IMAG.50-128-163.

NOTICIÁRiO

Romão Gonçalves & C.ª - Os senhores Romão Gonçalves & C.ª obtiveram concessão da Câmara para assentarem em qualquer ponto da rua de arvoredo que circunda a Praça do Comércio, dois kiosques de madeira, ferro e vidro, para venda de jornais, flores, tabacos e refrescos.

20JUL1881 - Diário de Notícias

 

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL

Primeira Jornada

 

Capítulo Oito

A INSUBMISSA RESSURREIÇÃO - 64

 Nessa altura, a alvura de Lisboa toda se suspendia sobre as pestanas do assombrado Nero Faial - instável estrela oficial, experimentando-se como novel empossado num recanto de requinte do seu gabinete da Fundação de Artes Narcisistas, alcandorado em plena Lapa. Pois, se até aos mais soturnos a lucidez nega-se, pela nesga do olhar, à enviesada visão dum compasso relacional…

Tal Nero Faial intimamente conjugava, intermitente entre uma fractura anti-ética como Vulcão, e a recorrência sensual do assédio de Plevna Kostoglotov, aliás Oktobraia, com a ignara provação que forjara à predilecta Vénus, ainda a abrasá-lo.

Então, Vénus… Estaria ela amuada? E quanto à calórica Plevna… Teria ela arrefecido?

Para Vulcão, havia dúvidas do Vénus operandi, mas Nero Faial esbanjava certezas sobre a fervura de Oktobraia. A pilhagem mútua em que se rastrearam nos últimos tempos, entre as manhas e os miados, era uma doidice garrida de provocação e prevaricação.

Ele, refractário iconoclasta, aviando-lhe num tratamento circunflexo a receita do costume:

– Você não tem juízo, muito menos memórias...

– Fui saqueada disso, também... É culpa minha? – choramingando, trocista e falsa, enquanto dela emanavam relâmpagos e clarões.

 

Continua  


 

IMAGINÁRiO171

16 MAR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

TIROTEIOS




O valente marshal de Dodge City, Wyatt Earp chega a Fort Griffin, para assistir ao julgamento de dois fora-da-lei, Ike Clanton e Johnny Ringo. Pouco depois, Earp intervém para salvar Doc Holliday, um exímio pistoleiro e jogador profissional, de linchamento popular. Minado pela tuberculose, Holliday continua temido e odiado, mas nunca foi ingrato, auxiliando Earp num tiroteio contra uma quadrilha que assalta bancos. Entretanto, Earp - apaixonado por Laura Denbow, uma mulher insinuante - decide tentar a vida como rancheiro. Recebe então uma mensagem urgente do irmão Virgil, marshal de Tombstone, que lhe pede ajuda. Acompanhado por Holliday, Earp acaba por partir para Tombstone - uma cidade em convulsão, aterrorizada pelo gang Clanton-Ringo. Johnny Earp é assassinado pelos Clanton, e Wyatt, resignando às suas funções como autoridade, lança-lhes um desafio terminal... Eis Duelo de Fogo (1957) de John Sturges - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - sendo protagonistas Burt Lancaster e Kirk Douglas. Nessa alvorada de 26 de Outubro de 1881, entre a fúria e a lenda, no Arizona, a História do Oeste registará, em O.K. Corral, um dos seus confrontos mais vertiginosos e sangrentos: durante cerca de trinta segundos, foram feitos trinta e quatro disparos, tendo morrido seis homens.

CALENDÁRiO

04NOV2007 - No encerramento do I Congresso Internacional da Gaita-de-Foles, em Miranda do Corvo, é oficialmente reconhecido o carácter singular da gaita-de-foles mirandesa, passando a haver regras quanto à sua construção e respectivo timbre, cujo padrão foi estabelecido no âmbito de um projecto de investigação apoiado pelo Ministério da Cultura, a partir de vinte e cinco exemplares do instrumento musical transmontano.

X06NOV2007-09FEV2008 - Biblioteca Nacional expõe Guerra Peninsular - 200 Anos IMAG.156-169.

1923-10NOV2007 - Norman Mailer: «Há um lado meu que adora a intervenção pública, e há outro lado que só quer estar sozinho, e trabalhar, e escrever».

1920-11NOV2007 - Delbert Mann: Cineasta norte-americano revelado com Marty (1955), que a Academia de Hollywood distinguiu com quatro Oscars, incluindo o Melhor Filme e a Melhor Realização.

13NOV2007-30JAN2008 - Gare Marítima de Alcântara expõe Traços da Diáspora Portuguesa; uma organização de Museu da Presidência da República com Comunidades Portuguesas.

1927-21NOV2007: Maurice Béjart: «Em minha opinião, nós morremos sempre no momento certo… O tempo é contado de maneira diferente em relação a cada pessoa, mas acaba por chegar a nossa hora».

24NOV2007 - Em Montijo, é inaugurada a Obra de Requalificação da Zona Ribeirinha, junto ao antigo Cais de Aldeia Gallega, havendo ainda uma visita ao Moinho de Maré - símbolo da relação com o Rio Tejo da comunidade, desde a sua fundação - no Cais das Faluas, que se encontra recuperado desde 2005, pela Câmara Municipal.

13JAN2008 - Na cerimónia dos Globos de Ouro, em Los Angeles, Steven Spielberg é distinguido com o Prémio Cecil B. DeMille, da Hollywood Foreign Press Association, pelo seu «excepcional contributo para a indústria do entertainment».

24ABR-04MAI2008 - Em Lisboa, decorre a quinta edição do Festival Independente de Cinema - Indie-Lisboa.

MEMÓRiA

17MAR1938-1993 - Rudolf Nureyev: «Técnica é aquilo em que caímos, quando se nos acaba a inspiração».

ANTIQUÁRiO

02MAR1918 - É assinado o contrato entre a Invicta Film, por Henrique Alegria e Alfredo Nunes de Mattos, e o cineasta francês Georges Pallu, que viveu em Portugal até 1924.

PRIORITÁRiO



Museu do Neo-Realismo - Criado em 1990, a partir da actividade dum Centro de Documentação sobre o movimento neo-realista português, o projecto evoluiu inicialmente em torno da área arquivística e bibliográfica. Cedo diversificou o património, desenvolvendo colecções museológicas - com destaque para espólios literários e editoriais, arquivos documentais (impressos e audiovisuais), acervos iconográficos, obras de arte, bibliotecas particulares e uma especializada. Inaugurado em 2007 IMAG.168.

A consultar em www.museudoneorealismo.pt

RELATÓRiO

 

Determinante para a produção documental, nos primórdios da República, a Invicta Film foi fundada no Porto, em 1912, por Alfredo Nunes de Mattos, gerente do Jardim Passos Manuel desde 1908. Para esta primitiva Invicta, transitaram Manuel Cardoso Pereira, que assim seguiu a sua obra após o desaparecimento da Portugalia Film; e Thomas Mary Rosell, um espanhol que se instalou entre nós durante alguns anos.
De entre a vasta produção desta fase da Invicta Film, podem salientar-se títulos como Exercícios dos Bombeiros Municipais do Porto, Monoplano «Commet» ou Festas da Aviação em 1912, Visita ao Porto do Presidente da República ou Exercícios de Artilharia, de 1914, Chaves, Incursões Monárquicas, Plácido de Abreu Treina-se ou Naufrágio do «Silurian», no ano seguinte, e Expedição Militar a Angola ou Expedicionários em Campanhã, de 1917.
Um dos registos mais espectaculares da Invicta - pela dimensão da ocorrência e pela divulgação do documentário no estrangeiro - foi o Naufrágio do «Veronese». Mais de uma centena de cópias circulou por vários países europeus e pelo Brasil deste desastre ocorrido a poucos metros da costa, em frente da Boa Nova, perto de Leixões, a 10 de Fevereiro de 1913.
O Naufrágio tinha 300 metros, dimensão inusitada para a época, neste tipo de filme, que poucos dias depois já se encontrava em exibição nas mais prestigiadas salas do país, com o merecido destaque. Mas não foi só este título que a Invicta levou ao estrangeiro, já que Nunes de Mattos era o correspondente dos jornais de actualidades da Gaumont e da Pathé, que desse modo difundiam com regularidade temas nacionais.
Em 1918, sob os nomes responsáveis de Alfredo Nunes de Mattos e Henrique Alegria, uma primordial Invicta Film surgia no Porto, a ela se devendo o mais significativo investimento industrial, durante o cinema mudo. Personalidade decisiva no arranque da sua actividade, foi o cineasta francês Georges Pallu, que em 1918 se iniciou entre nós - paralelamente à produtora - com Frei Bonifácio, fita de características experimentais, a partir de um conto de Júlio Dantas.

Sobre uma novela de Manuel Maria Rodrigues, A Rosa do Adro (1919) de Pallu correspondia ao lema da Invicta - ainda sem instalações cénicas, nem estruturas técnicas - que investiu dez contos de reis, propondo: «Romance Português - Filme Português - Cenas Portuguesas - Artistas Portugueses», segundo a organização publicitária por Raul de Caldevilla.
Em 1920, cumpria-se a vocação determinante da Invicta, para uma execução contínua de filmes com entrecho, sob dois vectores essenciais: por técnicos estrangeiros, com artistas nacionais. Assim, ficava concluída a construção de um complexo no Carvalhido - envolvendo estúdios e laboratório, escritórios e armazém, central eléctrica e dependências afins.
No segundo ano em Portugal, com Os Fidalgos da Casa Mourisca segundo Júlio Diniz, Pallu formalizava a ênfase sobre a transposição de obras literárias, pela Invicta, que assim inaugurava as suas instalações laboratoriais, únicas na Península Ibérica, tal como a aparelhagem técnica. Em 1921, sobre o clássico de Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição teve um orçamento de 95 contos, com rodagem nas Beiras e Universidade de Coimbra.

 
Sobre o conto A Frecha de Misarela de Abel Botelho, o cineasta italiano Rino Lupo fez prova de qualidade com Mulheres da Beira (1921), cujo período dilatado de rodagem (Setembro a Novembro) originou reparos, quanto à rigorosa gestão da Invicta. Em 1922, António Pinheiro - professor do Conservatório Nacional e habitual protagonista em filmes da Invicta, que Henrique Alegria entretanto abandonara - lançou-se como realizador de Tinoco em Bolandas.
Em 1923, a Invicta alterou radicalmente perspectivas e temáticas, cedendo a uma produção artificiosa e cosmopolita, segundo requisitos internacionais que visavam outros mercados no estrangeiro. O capital foi quadriplicado para seiscentos contos, seguindo-se um importante reequipamento técnico. No cinedrama Cláudia, Pallu dirigiu  Francine Mussey, uma vedetinha em França, onde estreou como Mademoiselle Cendrillon.
No entanto, a crise económica ensombrava uma dispendiosa gestão de recursos - quanto aos crescentes problemas estruturais, por compromissos bancários. Em 1924, a Invicta Film cessou actividade com A Tormenta, de Pallu. O juro de um capital imobilizado durante meses paralisara a administração, incapaz de superar as deficiências de distribuição e estreia.

BREVIÁRiO

Civilização edita Corre, Coelho de John Updike; tradução de Carmo Romão.

Deutche Grammophon lança em CD, Brahms - Integral dos Quartetos de Cordas - Quinteto Com Piano Op 34 pelo Quarteto Emerson, com Leon Fleischer ao piano.

Assírio & Alvim edita, com El Corte Inglés, André Carrilho: O Rosto do Alpinista de João Paulo Cotrim.

Gradiva edita Pura Anarquia de Woody Allen; tradução de Jorge Lima.

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

 Capítulo Oito
A INSUBMISSA RESSURREIÇÃO
- 63

 Nordestina imiscuíra-se com Huno durante aquelas mirabulantes vernissages que atraíam meio mundo à Sociedade Lusíada de Belas-Artes, e da pior maneira - quando desastrada, e numa gargalhada cristalina, derramou meio cálice de champanhe sobre alguém a seu lado. Ao virar-se, para um pedido de desculpas, logo percebeu que tinha à sua frente um rascunho do que poderia ser.

- Desculpai… Não fiz por mal…

Escudeiro Europa - que não foi ungido com os óleos matriciais, e estava  aliás afectado por uma fuga de gel na junção retráctil - lívido, parecia andrógino no surreal esforço para se manter sob o incógnito heróico. E assim, à beira duma colossal disfunção sob a qual ficaria levitando, ígneo, antes permaneceu, mesmo de rastos, entretido pelo trinar em surdina daquela, e a partir de então, sua correspondente acidental.

Harmonias e desequilíbrios... A arma, sim, a alma, não.

Do literal ao figurativo, o certo é que em José Adamastor, embora de pouco tino, prevaleceria um sujeito pacato. E acabou zarpando para outras margens de encantamento. Sem nunca deixar de arrostar, qual coriáceo estorvo, do litoral ao figurão. Com um sucesso torpe, entre lástimas e lamúrias... A par e passo, no fundo tropeçava. Chumbou a tiro. Tirando as brancas meias, era um forte sem ameias, com a frouxidão dos pés de chumbo.

 Continua   




IMAGINÁRiO170

08 MAR 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

MEMORIAL

 

A vertente tradicional, com características pedagógicas de reflexão ou testemunho, continua a ser, em quadradinhos, uma das alternativas mais aliciantes e populares, conjugando a expectativa de editores e criadores, ao interesse das instituições e dos leitores de todas as idades. Tendo-se especializado, desde a sua estreia em 1959, na revisão de ocorrências do passado, recente ou remoto, através do perfil dos seus eventuais protagonistas, ou das ocorrências mais relevantes, Carlos Baptista Mendes propõe-nos a História de Trancoso, em lançamento sob chancela Âncora. Com o sugestivo lema E Assim Se Fez Portugal!..., logo se desvenda a zona como chave de passagem entre o Norte e o Sul, para os povos que invadiram a Hispânia, envolvendo o castelo em contínuas destruições e reconstruções, devido à sua situação estratégica. Outras facetas, realidades, lendas, personalidades, com destaque para Gonçalo Anes, o sapateiro Bandarra, preenchem as páginas coloridas, empolgantes, deste álbum em banda desenhada, bem ao estilo meticuloso e apelativo de um veterano criador, Baptista Mendes.

CALENDÁRiO

30OUT-15DEZ2007 - Em Lisboa, decorre o Festival Temps d’Images - A Imagem Encontra o Palco, em produção DuplaCena com o Centro Cultural de Belém/CCB.

08NOV2007 - Com distribuição de Columbia & Warner, estreia 30 Dias de Escuridão de David Slade, sendo protagonistas Josh Hartnett e Melissa George; sobre o fenómeno em quadradinhos 30 Dias de Noite de Steve Niles (argumento) & Ben Templesmith (ilustração) IMAG.7-95.

08NOV2007 - Na terceira edição do Fórum Fantástico, a decorrer na Universidade Lusófona, C.B. Cebulski - argumentista e editor dos Marvel Comics, convidado com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian - apresenta o concurso ChesterQuest, destinado a escolher doze novos desenhadores talentosos de todo o mundo, a contratar para ilustração de histórias e de capas das edições em quadradinhos sobre super-heróis ou outros imaginários em arte sequencial.

08-24NOV2007 - No Jardim de Inverno, Teatro Municipal de São Luiz apresenta Sheiks - A História Contada Pelos Próprios; com Paulo de Carvalho, Carlos Mendes, Fernando Chaby e Edmundo Silva

08NOV2007-MAR2008 - Museu Nacional do Teatro expõe António Casimiro - 50 Anos de Cenografia; retrospectivamente, alguns aspectos mais significativos da vastíssima carreira deste criador entre a televisão e o teatro, com algumas incursões na ópera, no bailado e no cinema.

25FEV-09MAR2008 - Organizado por Cinema Novo, decorre o 28º Festival Internacional de Cinema do Porto - FantasPorto 2008.

MEMÓRiA

14MAR1938-1981 - Glauber Rocha: «Inventar-te-ei, antes que os outros te transformem num mal-entendido».

1936-15MAR1998 - António Machado: «O [seu] rosto fica na memória do cinema português essencialmente por dois filmes: A Cruz de Ferro [1967 - Jorge Brum do Canto] de que foi protagonista masculino e O Passado e o Presente [1971 - Manoel de Oliveira] onde fazia, à perfeição, a caricatura do conquistador lusitano» (Jorge Leitão Ramos).

19MAR1938 - 1999 - Manuel Costa e Silva: «Um director de fotografia tem de conhecer a pintura, por causa das cores e da luz. A escola holandesa e a espanhola são de importância fundamental».

PRIORITÁRiO

www.mariajoaofranco.com - Pintura, imagens, textos, poesia de Maria João Franco, sob a expressão fantástica e realista, metafórica e visionária, íntima e eventual. A contactar: mail@mariajoaofranco.com

VISTORiA

APARIÇÃO DO ANJO À VIRGEM

Estou amarga
Porque a rua não chegou ao seu destino
Mar sem pão
Terra maldita

o Sol queimou o resto
e as estrelas não nasceram ainda

 Maria João Franco (2005)

TRAJECTÓRiA

GLAUBER ROCHA

 

Cineasta brasileiro, Glauber de Andrade Rocha nasceu em Vitória da Conquista (Bahia), em 14 de Março de 1938; faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de Agosto de 1981. Fez crítica e jornalismo. Estreou-se com o documentário O Pátio (1956), dirigindo a primeira longa metragem Barravento em 1961, obra forte e desigual. Deus e o Diabo Na Terra do Sol (1964) chamou a atenção do mundo para o Cinema Novo do Brasil, e revelou um realizador de forte expressão plástica. Terra Em Transe (1967) debate, originalmente, o problema político do Brasil, enquanto O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1968) é uma espécie de ópera popular. Abandonando o Brasil, e ligado aos movimentos do Novo Cinema europeu, Glauber Rocha filmou, no Congo, Der Leone Have Sept Cabeças (1969) e, em Barcelona, Cabezas Cortadas (1970), que marca uma certa decadência.



Em 1980, apresentou o seu último filme no Festival de Veneza, A Idade da Terra, rodeado de grande polémica. Rodou-o no Brasil, onde havia regressado, apoiando o projecto político do General João Figueirado. Em 1981, publicou o livro Revolução do Cinema Novo, súmula do seu pensamento cinematográfico. Nos últimos meses de vida, Glauber Rocha viveu em Sintra. Em 1980, a Cinemateca Portuguesa dedicou-lhe uma retrospectiva (e editou um catálogo sobre a sua vida e obra), interrompida por um incêndio ocorrido na sala de projecção. Glauber Rocha encontra-se, por três testemunhos, ligado ao cinema português: em Abril/Maio de 1974, participou na rodagem e intervém em As Armas e o Povo (1975), realização do Colectivo dos Trabalhadores da Actividade Cinematográfica (do 25 de Abril ao 1º de Maio); em 1980, dirigiu Um Povo Nunca Morre (incidências e memórias da Revolução dos Cravos); em 1981, Manuel Carvalheiro tornou-o centro e participante de Abecedário.

MANUEL COSTA E SILVA


Realizador, director de fotografia e produtor de cinema, Manuel Fernando Costa e Silva nasceu a 19 Março de 1938 em Lisboa, e aí faleceu a 26 de Janeiro de 1999. Após o Curso Liceal, estudou Engenharia de Máquinas em Graz/Áustria (1959) e, com uma bolsa Fundo do Cinema Nacional, no IDHEC/Paris (1959-61), diplomando-se em Fotografia. Em paralela carreira internacional (França - 1960, Suécia - 1963-64), foi operador de actualidades cinematográficas (1961-62) para Actualités Francaises e Imagens de Portugal. Em 1961-63, foi professor do EUCE, na área do cinema. Em 1967, colheu experiência nos EUA, com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Em 1969-74, trabalhou como realizador e director de fotografia do Instituto de Tecnologia Educativa/ITE, e na área da Telescola. Distinguiu-se ainda como crítico de cinema (Filme, Celulóide, Plano; Chaplin - Suécia) e escritor (Aspectos Técnicos e Expressivos da Curta Metragem - 1974, Cinema Búlgaro - 1978, Cinema Africano - 1981, Guia Profissional do Audiovisual - 1989). Foi professor da Escola de Cinema (Câmara, Iluminação). Em 1985-86, foi director do FesTróia/Festival de Cinema de Tróia. Membro fundador da Média Filmes (1966), do Centro Português de Cinema/CPC (1970), de A Quimera do Ouro (1982). Prestigiado documentarista, em 1985 dirigiu a longa metragem Moura Encantada. Foi supervisor do sector de cinema de Amascultura - Centro Cultural Malaposta.

BREVIÁRiO

Lusomundo edita em DVD, sob chancela RTP Vídeos, Ruca em O Grande Mágico e O Caçador de Dinossauros; animação infantil por Telefilm Canada.

Editorial Caminho lança Dois Corpos Tombando Na Água - Poesia de Alice Vieira em O Campo da Palavra.

Companhia Nacional de Música edita em CD, As Últimas Gravações de José Afonso IMAG.119.

Relógio d’Água edita Salammbô de Gustave Flaubert; tradução de Pedro Tamen.

Ecofilmes apresenta Tomb Raider: Anniversary sob chancela Crystal Dynamics, com Lara Croft entre Egipto, Grécia e Peru; disponível para PS2, PSP, PC e Wii IMAG.46.

Antígona edita Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1949) de George Orwell; tradução de Ana Luísa Faria.

Quasi edita Eu, Poeta e Tu, Cidade de Pedro Homem de Mello IMAG.10.

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL

-Primeira Jornada

 

Capítulo Oito

A INSUBMISSA RESSURREIÇÃO - 62

 Rui Ruivo recebeu-a nessa mesma tarde, em seu escritório do Bairro Alto. Escutou como profissional, no limbo melómano da sua líbido, e lívido reflectiu à opípara diva:

- Em rigor, nada se pode contrapor... O coração não tem leis!

- Está querendo dizer-me que devo acatar tal desaforo...? - e a voz crepitou da fogosa Nordestina, embargada pela decepção.

- Pelo contrário! - sossegou-a Rui Ruivo, sorrindo, inconvincente. - Aja, sem reagir. Esmague-o com toda a altivez da sua indiferença e, em breve, a petulância do Adamastor há-de amainar!

Longos minutos após ela se despedir, atónita e sem jeito, ainda Rui Ruivo sorria, saboreando a liquidez do seu escárnio marítimo. Enquanto ia, secamente, amarrotando o cartão de visita que apresentara Nordestina Serralho - com o nome timbrado de Huno Europa, a solicitar-lhe os melhores préstimos...

Que raio, como se conheciam eles - a pura telúrica a o turvo tártaro? Seria um motivo para o Infante Portugal investigar - se não tivesse a processar outros desígnios, à procela de outros mares e marés!

Aliás, o Infante sempre tivera as maiores perplexidades quanto à vácua personalidade que se eximia como Huna ou Huno Europa - e porém, como Rui Ruivo, bem sabia que a legitimidade para nomear justiça se confinava à assunção, explícita, de quem prevaricasse... Ora de Europa, ele ou ela, tudo se presumia, inevitável e formalmente, pela subtil identidade duma diletância fátua!

 Continua   

imaginario17