José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO86
08 JUN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 RELATOS

 

No limite que a Terra suspende, entre o Céu e o Inferno, John Constantine marca uma existência caprichosa, pervertida, angelical - sob a perspectiva dos que enfrenta, o desígnio de quem o pretende, a expectativa em que se manifesta - não necessariamente por esta ordem, ao subverter os rituais e os valores que regem, sob o compromisso ou a precaridade, uma arquitectura volúvel entre a realidade e o imaginário. Tudo remonta a 1985, quando Alan Moore, abalando a virtualidade em quadradinhos, decidiu agitar as águas pantanosas de Swamp Thing, atribuindo-lhe um misterioso manager. Três anos mais tarde, John Constantine - aliás JC, aliás Mr Constantine - era já proprietário de Hellblazer, por Jamie Delano & John Ridgeway. Garth Ennis tornou-se regular argumentista, cabendo a Neil Gaiman & Dave McKean sondar-lhe uma ancestralidade mágica, porém equívoca. Tais histórias primordiais evoluem Nas Ruas de Londres - sob chancela Devir/Blitz - uma antologia medonha, prodigiosa, que afinal estiliza, com ironia fantástica, o errático destino humano além da perdição e da expiação.

CALENDÁRiO

FEV2006 - Uma equipa de cientistas chineses e americanos, da Universidade de Nanjing e do Museu de História Natural de Carnegie, descobre o fóssil de um mamífero ancestral, carnívoro, semi-aquático e nadador, designado Castorocauda Lutrasimilis, o qual viveu há cento e sessenta e quatro milhões de anos. Residia na região de Jiulongshan - formada durante o Jurássico - antes da extinção maciça dos dinossauros, que ocorreu no final do Cretáceo. Tal revelação leva a repensar as datas e as causas de diversificação ecológica da linha evolutiva que deu origem aos mamíferos modernos, pondo assim em causa a teoria prevalente de uma radiação adaptativa que teria começado há cerca de sessenta e cinco milhões de anos.

MAR2006 - Aos 84 anos, Jacques Martin cede os direitos de todos os seus heróis e séries - incluindo Alix, Lefranc, Jehn e As Viagens de Alix - à editora Casterman. Os termos do acordo de transacção, pelo valor de dois milhões de euros, permitirão à Casterman revitalizar a criatividade e dinamizar o lançamento, quanto a futuros projectos a partir do universo conceptual de Martin, a quem serão apresentados e caberá dar a opinião final. Além de Hervan/Mangoval em Alix, e de Rafael Morales para As Viagens de Alix, será escolhida uma outra dupla de argumentista/desenhador com virtualidades na ambiência histórica e na arquitectura clássica IMAGINÁRiO30.

MEMÓRiA

1886-1966 - Eugen Herrigel: «Viver sem medo da morte não significa que, durante as horas felizes, nos gabemos de não tremer diante dela, nem que possamos afirmar que a enfrentamos com segurança. Porém, quem domina a vida e a morte está livre de todo o temor, a tal ponto que não é mais capaz de experimentar a sensação de medo» (A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen)

18MAR1926-2003 - Augusto Abelaira: «Escrevo para um leitor que invento, não me preocupa o número de leitores».

1888-14JUN1946 - John Logie Baird: Engenheiro escocês, inventor do radar, das fibras ópticas e da televisão - produtor do primeiro sistema usado pela BBC (1929).

1899-14JUN1986 - Jorge Luís Borges: «Um remoto imperador, infinitamente remoto no tempo e no espaço, faz com que infinitas gerações levantem um muro infinito que dê a volta em seu império infinito para deter o curso de exércitos infinitamente distantes».

ANTIQUÁRiO

17FEV1936 - Principia a saga de O Fantasma/The Phantom, concebida por Lee Falk e distribuída na Imprensa pelo King Features Syndicate.

1946 - À Beira do Abismo - Transposição do primeiro romance de Raymond Chandler, The Big Sleep, por William Faulkner, Jules Furthman & Leigh Brackett, que baniram as referências políticas. Tão afamada equipa de escritores garantiu o orçamento posto pela Warner à disposição de Howard Hawks, realizador e responsável pela produção. Conservando a atmosfera dissoluta, esta obra-prima - que sagra os parâmetros de Hollywood, pelo culto do filme negro - expõe uma fascinante estratégia, segundo a qual o espectador vai conhecendo os tramites da investigação, ao mesmo tempo que o detective privado. Philip Marlowe é incumbido, por um general em declínio, de proteger as duas filhas - uma ninfómana e viciada em drogas, a outra ávida de emoções fortes... Existiu uma versão original (mostrada às Forças Armadas, em 1945), da qual foram suprimidas/refilmadas cenas com dezoito minutos; e uma cinematização posterior (1978 - O Sono Derradeiro de Michael Winner, com Robert Mitchum).

1956 - Fernando Garcia dirige a curta metragem Madeira, Uma Canção, filme pioneiro na utilização da cor pelo cinema português. Uma produção de Ricardo Malheiro, em 1968 responsável por Tráfego e Estiva de Manuel Guimarães, o nosso primeiro documentário em 70 mm.

REPOSITÓRiO

 

Conhecido por Duende que Caminha, o Fantasma é um justiceiro solitário e mascarado, que habita na selva profunda, como senhor indiscutível dos temíveis pigmeus Bandhar - cuja soberania persiste, acatada pelas tribos de Bengalla. Inimigo implacável das distintas formas de crueldade, pirataria, criminalidade e opressão, o vigésimo-primeiro descendente duma fantástica linhagem - que remonta ao aristocrata britânico Sir Christopher Standish, desde 1525 - consagrou-se ao longo de décadas, em banda desenhada. Tendo estudado nos Estados Unidos, Kit Walker prestigiou-se como atleta universitário, conhecendo então a bela e liberal Diana Palmer.
Assim se revitalizou a lenda do Fantasma imortal - um ser misterioso, configurado ao símbolo da caveira, supostamente dotado de poderes sobrenaturais. Concebido por Lee Falk em 1936, foi ilustrado por Ray Moore (1936-1947), Wilson McCoy (1947-1961), e desde essa altura por Sy Barry, com inúmeros colaboradores anónimos. Apesar do relativo aburguesamento, quanto ao actual mentor, mantém-se inalterável o fenómeno do Duende-que-Caminha, por uma intervenção diária através da Imprensa mundial, para uns 60 milhões de leitores. Após o casamento com (a noiva de sempre) Diana (1977), nasceram os gémeos Robert-Christopher e Eloisa (1979).

Em 1943, a Columbia produziu The Phantom - um serial dirigido por B. Reeves Eason, e protagonizado por Tom Tyler. A este sucedeu Billy Zane, na longa metragem O Fantasma (1996) - realizada por Simon Wincer, enriquecendo um manancial fabuloso. Além das novelas sob autoria de Falk, de folhetins radiofónicos ou das representações teatrais, destaca-se uma eventual expansão em revistas de quadradinhos: em 1939-1949, 1951-1960 e 1962-1967 - por Wallace Wood, Jeff Jones e Al Williamson; em 1969-1974 - por Steve Ditko e Jim Aparo. Até ressurgir em 1994 sob chancela Marvel, com assinatura de Dave DeVries & Glen Lumsden.
Pela mesma altura, a Hearst Entertainment - aliada ao original King Features Syndicate - desenvolvia, em animação, uma vertente para o novo milénio. A supervisão de Phantom 2040 coube a Steve Herman, com guião de Judith & Garfield Reeves-Stevens - a partir da violenta urbe Metropia; ou enfrentando os temíveis adversários na selva virtual, a sempre depravada Cyberville. Felizmente, os facínoras ignoram que ele não é um simples indivíduo, mas uma estirpe - o primogénito de uma família de valentes mascarados, que herda os sinais anónimos e uma missão inexorável.

A independência das regiões industânicas e oriental-africanas, após a II Guerra Mundial, alterou as coordenadas geográficas do País dos Bandhar. Frequentemente, o Fantasma permanece nos Estados Unidos, junto da família - Diana trabalha na Comissão dos Direitos Humanos da ONU; ou actua em áreas neutras, politicamente indefinidas - em parâmetros cuja dimensão realista se transcende, sempre, pelo ideal
expiatório. Além dos sinais mínimos de identidade, indicativos duma personalidade ambígua e introvertida, o Homem-Mascarado prossegue o seu desígnio paladínico sem contemplações ou reticências, mas como se perseguisse a própria maldição.
Escrita por Jeffrey Boam, a versão de Wincer sobre O Fantasma Destrói o Mal é inventiva, trepidante e genuína, quanto aos fundamentos do mito ritual, no qual se transfigura o Duende-que-Caminha, em sua duplicidade como homem (existência) e símbolo (essência). A acção remonta a Nova Iorque, em meados da década de ’30 no Século XX, especulando as coordenadas primordiais. Como pretexto, estão as prodigiosas Caveiras de Touganda - ambicionadas pelo perverso magnata Xander Drax para, com o seu impressionante sortilégio, chantagear a própria sobrevivência da humanidade!

NOTICIÁRiO

Alpinismo - O mais famoso alpinista português inicia no próximo domingo [02ABR2006] projecto para escalar até 2010 oito picos acima dos 8.000 metros. Primeiro alvo é o Gangchenjunga (8.586 m), na Índia-Nepal. Se vencer mais este desafio, João Garcia passará a ser uma das 14 pessoas - cinco que tal como ele o fazem sem recurso a oxigénio - que até hoje escalaram os 14 picos com mais de 8.000 metros. E depois? «Gostava muito de ir ao Polo Norte e ao Polo Sul» IMAGINÁRiO73.
26MAR2006 - Público

BREVIÁRiO

Temas e Debates edita Enigmas - A Costa dos Tesouros de Mónica Bello.

NVC Arts/Warner lança em DVD, O Navio Fantasma (1989) de Aarno Cronvall; a ópera de Richard Wagner, com Franz Grundheber e Senta de Hildegard Behrens no elenco vocal.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 21

 Ali estava, pois, a própria mulher íntegra, ante o homem dual, desafiado em sua projecção. Aliás, continuaria ela a ser imaculada, a ponto de dispersar  uma qualquer diatribe com que, cruel, a provocasse? Quem sabe… Nada como experimentar!

A Fada persistia suspensa daquele sorriso gentil, tão intimidatório. Então, Deodato Roble virou-lhe as costas, com a arrogância clássica de um marialva. Tal petulância surtiu efeito pois, atrás de si, percepcionou o Fado um estranho fenómeno de efusão - como se o mundo mesmo desabasse da sua arquitectura virtual, que era a Fada a precipitar-se, num transe brusco, para a mulher fatal:

– Não me deixes assim... Uma donzela indefesa, fora de horas, até pode perder a pontualidade!

Continua


IMAGINÁRiO85
01 JUN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 HUMANIMAIS

 

Sondando um género com as maiores tradições no cinema americano - a aventura criminal, cuja memória se mitificou em mais de meio século - Juan Díaz Canales explora, em Blacksad, um confronto avassalado por estranhos códigos e valores. Ao ritual impune, expiatório, corresponde o contraste psicológico e sentimental de bons contra maus, estilizado em quadradinhos por Juanjo Guarnido, sob o signo antropomórfico. Isto é, figuras de corpo humano com rostos de animais, em bizarra fusão (est)ética e zoológica. Apresentado sob chancela das Edições Asa, Algures Entre as Sombras e em Artic Nation, John Blacksad - um detective felino, à Humphrey Bogart - regressa agora com Alma Vermelha, assombrado por Samuel Gotfield: «rico, jovem, galã, dinâmico, comunista de salão... e canalha!» Em alternativa paralela e aliciante, a Asa publicou, entretanto, Blacksad - Os Bastidores do Inquérito, em que se desvendam os preliminares do mistério criativo, por Canales & Guarnido. Esta fabulosa dupla espanhola foi galardoada por toda a Europa, logo no Salão de Barcelona, pela Melhor Obra de Revelação em 2001, ao revitalizar mitos urbanos e ancestrais, estilizados num grafismo de luz e cor.

CALENDÁRiO

FEV2006 - Em pesquisas desde 2002, na zona norte da Crista Média Atlântica, uma equipa com biólogos marinhos de dezasseis países, incluindo Portugal, dá a conhecer à comunidade científica seis novas espécies, detectando ignotos comportamentos em peixes de profundidade. O Mid-Atlantic Ridge Ecosystems Project, em missão até 2008, permitiu revelar uma biodiversidade inesperada, assinalando ecossistemas e comunidades frágeis - como os recifes de coral cujos tecidos, se destruídos, poderão levar até mil e quinhentos anos a reconstituir-se. Usando tecnologia de ponta, o MAR-Eco faz parte do programa internacional Censo da Vida Marinha, que pretende mapear zonas dos oceanos pouco estudadas, ainda nas perspectivas geológica e hidrodinâmica.

MAR2006 - PedranoCharco lança BD Jornal número 11, sendo director J. Machado-Dias; em foco, Guido Crepax e a Banda Desenhada Erótica IMAGINÁRiO40.

1912-07MAR2006 - Gordon Parks: «O entusiasmo é a energia da vida. Como se consegue? Agimos desse modo, e torna-se um hábito».

17MAR2006 - No Centro Cultural de Cascais, é inaugurada a exposição Dez Anos Depois, comemorativa do aniversário da Fundação D. Luís I, de génese municipal e que promove programas plurianuais de actividades culturais.

23MAR2006 - Columbia & Warner estreia V For Vendetta de James McTeigue, com Rupert Graves, Natalie Portman e James Purefoy; baseado na graphic novel em serial de Alan Moore & David Lloyd (1988).

VISTORiA

 Vida

Eu sou de ambas as tuas direcções
Existindo mais com a fria geada
Forte como uma teia ao vento
Sobre tudo suspensa
Permanecendo de qualquer modo
aqueles raios que cintilam as cores
Eu vi em pinturas – ah vida
foste enganada
Norma Jean, aliás Marilyn Monroe

 

A receita será esta: carne da mais pura,
sem qualquer molho simbólico;
visões reais & prisões reais
tal como as vemos uma vez por outra.

 Prisões e visões apresentadas
com muito raras descrições
que correspondem exactamente
às de Alcatraz e de Rose.

 Um almoço nu é natural para nós;
comemos sanduíches da realidade.
Mas alegorias são demasiado folhas de alface.
Não ocultam a loucura.
Allen Ginsberg - Sobre a Obra de Burroughs

GALERiA

DAVY CROCKETT
OS LIMITES DA AVENTURA

 

Personalidade lendária do primitivo Oeste, pela fronteira histórica entre a realidade como aventureiro e político, David Crockett nasceu em Limestone, a leste do Tenesseee, em 1786. De origens modestas, o pai era estalajadeiro. Davy começou a trabalhar muito jovem, para os ricos agricultores da região, tendo uma educação escassa. No entanto, era mais forte o apelo de outros horizontes. Em 1812-1815, notabilizou-se durante a Creek War, mas em breve abandonou as fileiras. Entretanto, casara com Mary Finley. Hábil explorador, durante o Inverno caçava ursos, tornando-se famoso pelo seu longo rifle. Ciente de que a tribuna pública era indispensável, na concretização dos ideais, em 1821 foi eleito para a legislatura do Tenesseee - iniciando uma carreira nacional de sucessos e desaires, na Câmara dos Representantes, até à derrota definitiva em 1835. Então, retirou-se para o Texas, por cuja independência pugnou. Assim, ingressou com muitos voluntários americanos nas forças que, em 1836, foram massacradas em Fort Alamo, pelo exército mexicano sob o comando do General Santa Ana. No entanto, o seu espírito combativo (como adversário de Andrew Jackson e do novo Partido Democrático), e uma defesa veemente das suas causas (como um tratamento preferencial na ocupação de terras pelos squatters), consolidaram nele a personalidade indómita e frontal. Para tal contribuiram, ainda, uma Autobiografia escrita em 1834, com Thomas Chilton, representante do Kentucky; e uma série de Almanacs que lhe foram dedicados, em 1835-1836, sagrando a aura do defensor dos índios e dos colonos... No cinema, as proezas de Davy Crockett foram tratadas a partir de 1909, exaltando sobretudo a mística do aventureiro. Já sob o signo de Hollywood, sobressaem: David Crockett at the Fall of the Alamo (1926) de Robert N. Bradbury, com Cullen Landis, ainda ao tempo do mudo; Sangue Vermelho (Davy Crockett, Indian Scout, 1950) de Lew Landers, com George Montgomery; O Invencível Davy Crockett (Davy Crockett, King of the Wild Frontier, 1955) e Davy Crockett and the River Pirates (1956), ambos de Norman Foster  e com Fess Parker. Finalmente, coube a John Wayne imortalizar Álamo (The Alamo, 1960) como protagonista e realizador, com a amizade cúmplice de John Ford. A saga de Davy Crockett foi, paralelamente, celebrada em quadradinhos - tanto nos Estados Unidos como na Europa, onde cabe destacar a arte do português Eduardo Teixeira Coelho, sob o pseudónimo de Martin Sièvre em França.

MEMÓRiA

1786-1836 - David Crockett: «Matá-los-emos como cães!» (ao Major-General Andrew Jackson, em 1812, sobre o massacre dos índios Creeks).

01JUN1926-1962 - Marilyn Monroe: «Nunca odiei um homem o suficiente para lhe devolver os diamantes que ele me ofereceu».

03JUN1926-1977 - Allen Ginsberg: «Aqui estou eu nu sem identidade / sem mais corpo do que o fino traço negro da pena no papel macio» IMAGINÁRiO9.

18NOV1786-05JUN1826 - Carl Maria Von Weber: compositor, pioneiro do drama musical alemão, maestro - introduziu uma vareta ou batuta para substituir o rolo de partitura.

ANTIQUÁRiO

 

 

1206 - Em Diyar-Bakir, Badi Al-Zaman AbulI-Ezz Ibn Ismail Ibn Al-Razzaz Al-Jazari (1150?-1220?) escreve o Livro do Conhecimento de Procedimentos Mecânicos ou A Ciência dos Maquinismos Engenhosos, contendo descrições e ilustrações sobre relógios (como um aparelho de água com automatismos), fontanários e dispositivos de fluxos perpétuos, instrumentos para fazer subir ou cair líquidos e uma miscelânea de outros apetrechos - integrando os dois elementos tecnológicos essenciais: a sagacidade funcional e o sortilégio ornamental. Al-Jazari estava vinculado a Nasir Al-Din, e permaneceu vinte e cinco anos com a família governante, tendo ainda servido o pai e o irmão deste monarca. O patrocínio dos Artúquides - dinastia que manteve uma precária autonomia durante o Século XIII na Mesopotâmia - compreendia, além de financiamento, salário e habitação. Assim, pôde dedicar o seu tempo a estudar, pesquisar, escrever e inventar. Al-Jazari considerava-se um elo pessoal em longa sucessão de artífices e engenheiros. Preocupado com a inovação, descreve com detalhe e minúcia os vários equipamentos - contudo, falhando por vezes na tentativa de fornecer dados coerentes quanto ao processamento matemático e geográfico.

1926 - Alma Reville, uma jovem inglesa muito versátil e inteligente, casa com Alfred Hitchcock. A partir de então, a sua influência pessoal e a sua participação artística no trabalho do marido foram cada vez mais importantes. Colaborou com frequência nos argumentos, adaptações e sequências das obras-primas do mestre do suspense IMAGINÁRiO4.

BREVIÁRiO

Lusomundo edita em DVD, No Direction Home - Bob Dylan (2005) de Martin Scorsese IMAGINÁRiO13-61.

Saída de Emergência edita Os Melhores Contos de H.P. Lovecraft; organização de José Manuel Lopes.

Ambar edita O Fogo Sagrado - Funções do Religioso de Régis Debray; tradução de Lurdes Júdice.

Caminho edita Baixa Pombalina - A Luz Obscura do Iluminismo de Henrique Dinis da Gama.

Mute - Emi lança em DVD, Nick Cave and the Bad Seeds; inclui o documentário The Road To God Knows Where  (1989) de Uli M. Schueppel e o concerto Live at the Paradiso (1992) em Amesterdão.

Gradiva edita O Livro das Escolhas Cósmicas de Orfeu Bertolami; prefácio de Carlos Fiolhais.

Editorial Presença lança Na Rota da Pimenta - As Vias, os Meios, os Homens de Theresa M. Schedel de Castello Branco.

Círculo de Leitores edita Júlio Verne - Da Ciência ao Imaginário sob direcção de Philippe de la Cotardière; prefácio de Michel Serres.

Antígona edita A Invasão do Mar de Júlio Verne; tradução de Luís Leitão LIMAGINÁRiO28.

Lusomundo edita em DVD a Colecção Alfred Hitchcock, com: O Inquilino Sinistro (1926), Os Trinta e Nove Degraus (1935), À 1 e 45 (1936), Jovem e Inocente (1937) e Desaparecida! (1938).


IMAGINÁRiO84
24 MAI 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 INCENDIADOS

 Na memória dos homens, na história e nas lendas da humanidade, nos vestígios da literatura apologética ou da narrativa mítica, tudo deriva de uma rivalidade dialéctica e também familiar, que se perde na origem dos tempos e perdurará até ao embate final. Anos atrás, foi lançado um medicamento que afectaria a gravidez natural: as crianças cujas mães o tomaram, possuem poderes transcerebrais de que podem ou não estar conscientes. São os scanners, que uma importante corporação científica, Consec, controla sem revelar todavia como surgiram. Na Consec, o Doutor Ruth - que superintende às experiências secretas - sabe dum grupo de sobredotados contrário ao seu programa, dirigido por Revok, um dissidente. Para investigar-lhe os domínios e exterminá-lo, Ruth designa Vale, um mutante excepcionalmente habilitado... A partir dum tema insólito mas fascinante, ao nível das aberrações científicas, David Cronenberg sagra uma fábula moderna e fantástica, especulando em Scanners (1980) - em DVD, sob chancela Lusomundo - uma intriga hábil, eficaz, pelos contornos espectaculosos e com impressionantes efeitos especiais, desafiando as convenções do suspense na emergência duma absurda e terrífica realidade.

CALENDÁRiO

FEV2006 - O Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo desenvolve, em parceria com a Universidade do Minho, um projecto de avaliação de arquivos em suporte digital, tendo em vista criar um modelo que assegure a sua futura gestão e salvaguarda. Segundo Silvestre Lacerda, director do Instituto, um dos objectivos é «perceber que documentação é produzida hoje em ambiente digital». O Dicionário Geográfico de 1758 - cujos quarenta e quatro volumes foram digitalizados - é uma das obras mais procuradas da Torre do Tombo, estando já acessível no site http://www.iantt.pt

06MAR2006 - Principais Vencedores da 78ª Edição dos Oscars da Academia de Hollywood - Filme: Colisão (Paul Haggis), Realizador: Ang Lee (O Segredo de Brokeback Mountain), Actor: Philip Seymour Hoffman (Capote - Bennett Miller), Actor Secundário: George Clooney (Syriana - Stephen Gagham), Actriz: Reese Witherspoon (Walk the Line - James Mangold), Actriz Secundária: Rachel Weisz (O Fiel Jardineiro), Filme Estrangeiro: Tsotsi (Gavin Hood - África do Sul), Filme de Animação: Wallace & Gromit: A Maldição do Coelhomem (Nick Park & Steve Box), Documentário: A Marcha dos Pinguins (Luc Jacquet - França). Óscar Honorário: Robert Altman.

16MAR2006 - LNK estreia Uma História de Violência (2005) de David Cronenberg; com Viggo Mortensen e Maria Bello.

VISTORiA

 

«Ao convento! ao convento!» - Uiva de longe o vento.
É noite. E a multidão, descalça, esfomeada,
à luz de archotes, sobe a ladeira empedrada,
praguejando e gritando: - «Ao convento! ao convento!»

A onda do povo cresce e galga num momento.
Chispam ferros no ar. A porta, chapeada
de bronze, range, oscila e cai à machadada.
Nem um frade. Deserta a casa de São Bento.

A multidão convulsa invade a portaria:
- «Fogo ao convento! fogo à igreja, à sacristia!»
O incêndio lavra, estoira o vigamento a arder.

Em baixo, o povo dança. E uma mulher grosseira
grita, rouca, atirando um Missal à fogueira:
- «Tanto livro, e ninguém nos ensinou a ler!»
Júlio Dantas - O Incêndio

ANTIQUÁRiO

1916 - Almada Negreiros (1893-1970) publica em folhetos o Manifesto Anti-Dantas e Por Extenso, o manifesto Exposição Amadeo de Souza-Cardoso, Liga Naval de Lisboa e o poema Litoral.

VISTORiA

 

E fique sabendo o Dantas que se um dia houver justiça em Portugal todo o mundo saberá que o autor de Os Lusíadas é o Dantas que num rasgo memorável de modéstia só consentiu a glória do seu pseudónimo Camões.
E fique sabendo o Dantas que se todos fossem como eu, haveria tais munições de manguitos que levariam dois séculos a gastar.
Mas julgais que nisto se resume literatura portuguesa? Não. Mil vezes não!
Temos, além disto, o Chianca que já fez rimas prá Aljubarrota que deixou de ser a derrota dos Castelhanos pra ser a derrota do Chianca.
E as pinoquices de Vasco Mendonça Alves passadas no tempo da avozinha! E as infelicidades de Ramada Curto! E o talento insólito de Urbano Rodrigues! E as gaitadas do Brun! E as traduções só pra homem do ilustríssimo e  excelentíssimo senhor Mello Barreto! E o frei Matta Nunes Moxo! E a Inês Sifilítica do Faustino! E as imbecilidades do Sousa Costa! E mais pedantices do Dantas! E Alberto Sousa, o Dantas do desenho! E os jornalistas do Século e da Capital e do Notícias e do Paiz e do Dia e da Nação e da República e da Lucta e de todos, todos os jornais! E os actores de todos os teatros! E todos os pintores das Belas-Artes e todos os artistas de Portugal que eu não gosto. E os da Águia do Porto e os palermas de Coimbra! E a estupidez do Oldemiro César e o Dr. José de Figueiredo Amante do Museu e ah oh os Sousa Pinto hu hi e os burros de cacilhas e os menos do Alfredo Guisado! E (o) raquítico Albino Forjaz de Sampaio, crítico da Lucta a quem Fialho com imensa piada intrujou de que tinha talento! E todos os que são políticos e artistas! E as exposições anuais das Belas-Arte(s)! E todas as maquetas do Marquês de Pombal! E as de Camões em Paris; e os Vaz, os Estrela, os Lacerda, os Lucena, os Rosa, os Costa, os Almeida, os Camacho, os Cunha, os Carneiro, os Barros, os Silva, os Gomes, os velhos, os idiotas, os arranjistas, os impotentes, os celerados, os vendidos, os imbecis, os párias, os ascetas, os Lopes, os Peixotos, os Motta, os Godinho, os Teixeira, os Câmara, os diabo que os leve, os Constantino, os Tertuliano, os Grave, os Mântua, os Bahia, os Mendonça, os Brazão, os Matos, os Alves, os Albuquerques, os Sousas e todos os Dantas que houver por aí!!!!!!!!!
Almada Negreiros - Manifesto Anti-Dantas e Por Extenso (excerto)

MEMÓRiA

1756-1830 - William Strutt: «A invenção de uma máquina algo similar, na aparência exterior, ao sistema de rodas satélites que, antigamente, se usava em engenhos a vapor, e a sua aplicação a relógios e máquinas para indicar e registar as revoluções dos mecanismos giratórios, foi um dos seus últimos trabalhos, e a respectiva simplicidade, precisão e absoluta novidade atestam o poder do seu génio e a amplitude da sua mente» (Derby Mercury).

MAI1876-1962 - Júlio Dantas: «O mais difícil não é escrever muito: é dizer tudo, escrevendo pouco.»

1770-28MAI1836 - Anton Reicha: Compositor checo nascido em Praga, professor de Berlioz, Franck e Gounod, compôs vinte e quatro quintetos parisienses para uma invulgar formação de flauta, oboé, clarinete, trompa e fagote.

26MAI1896-1971 - Alves da Costa: «O seu talento, a sua personalidade vigorosa, a sua personalidade de artista inteligente e culto fizeram a sua estrela» (Jaime de Castro).

30MAI1916-1979 - Carlos Otero: «Cinematograficamente, sou um insatisfeito. Sempre que sou chamado ao plateau, esforço-me por cumprir o melhor possível»

25MAI1926-1991 - Miles Davis: «Para mim, a música e a vida têm tudo a ver com estilo».

BREVIÁRiO

Caminho e Edimpresa lançam a colecção Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX; primeiro volume, Almada Negreiros por Rui Mário Gonçalves.

ABR2006 - A Loja.Galeria Rosa da Rua apresenta, com Artlandia Design, a exposição fotográfica Lisboa 1983/2003 de Lúcia Vasconcelos.

Cinemateca Portuguesa edita David Cronenberg - A Expressão Nua; organização literária de Luís Miguel Oliveira e Maria João Madeira.

Relógio d’Água edita Metamorfose de Franz Kafka (1883-1924).

TRAJECTÓRiA

WILLIAM STRUTT
GÉNIO E ENGENHO

 

Nascido em Belper, Derbyshire, em 1756, William Strutt foi um versátil engenheiro e inventor, dedicando a sua atenção a uma grande variedade de problemas. Em 1817, foi escolhido para membro da Royal Society, em reconhecimento generalizado das suas capacidades. Entre os padrinhos, constavam nomes tão famosos como Watt e Brunel; era, também, amigo de Erasmus Darwin. Entre os feitos pelos quais é recordado, destacam-se a concepção dos primeiros moinhos «à prova de fogo» e a construção do Hospital de Derby. Íntimo de William Wigston, um fabricante de maquinaria que fazia peças para engenhos a vapor, trabalhava em Derby por 1831, manufacturando encaixes, actividade que, em 1835, se estendeu a mecanismos de relojoaria. Fascinado com as engrenagens epiciclodais, Strutt concebeu um aparelho baseado no respectivo princípio, manufacturado por William Wigston. Faleceu em 1830.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 20

 Normalmente, Deodato Roble reagia pelo comando cerebral, mas tinha, ainda, uma genuína percepção bairrista, alfacinha, que lhe permitia distinguir entre sonsas e lorpas. Não sendo um destes, também reconhecia a Fada como uma emanação transfigurada, o melhor que havia em Ofélia Luna, ao devotar-se em prol da humanidade. Deixando o Fado sempre em contrição, reagindo sem defesas, mas tão inacercável, quando ela o aliciava com aquela irresistível tentação feminina, na tentativa de lhe sugerir uma aliança virtual.
Continua


IMAGINÁRiO83
16 MAI 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 LUTOS

 

Os admiradores do Homem-Aranha têm motivos de inquietação e celebração, com Morte em Família - por Paul Jenkins (argumento) & Humberto Ramos (ilustração) - onde convergem ameaças e predadores clássicos, com perigos e conflitos intemporais. Tudo, pelo regresso do Duende Verde, motivando os inevitáveis conflitos como monstro criminal ante o seu atormentado alter-ego. Ora, também Norman Osborn pretende convocar Peter Parker para uma cerimónia indeclinável, de motivações funestas, sobretudo pairando a morte trágica de Gwen Stacy e um pacto de vingança entre pai e filho. Neste ambíguo e fascinante álbum sob chancela Devir, sobressai ainda Rescisão Amigável - por Greg Rucka (argumento) & Eduardo Risso (ilustração) - sobre o contrato fatídico de Wilson Fisk, o pérfido Rei do Crime com um dos seus fiéis sicários, levando a expiação às últimas consequências, após a intervenção do apenas mencionado Homem-Aranha... Uma aventura intensa, patente. Uma intriga sinuosa, sombria. Alternativas em banda desenhada, arte e fruição pelo engenho dos criadores e pela virtualidade dos heróis.

CALENDÁRiO

 FEV2006 - Uma equipa internacional de astrónomos do Rochester Institute of Technology, de Nova Iorque, anuncia a descoberta - graças ao telescópio espacial Spitzer, da NASA - de dois novos sistemas solares no mapa do universo, detectados na Grande Nuvem de Magalhães, a galáxia mais próxima da Via Láctea. Designados R66 e R126, estão ainda em formação, apresentando a forma de enormes discos de poeiras em torno das suas estrelas, as quais são de megadimensão - respectivamente, trinta e setenta vezes maiores que o nosso próprio Sol. Extraordinariamente quentes e brilhantes, com ventos muito fortes, os resultados científicos obtidos sugerem - segundo o investigador principal Joel Kastner - que «o processo de formação planetária pode ser bem mais vigoroso e agreste do que anteriormente se presumia».

09MAR2006 - Lusomundo estreia Espelho Mágico de Manoel de Oliveira; sobre A Alma dos Ricos de Agustina Bessa-Luís IMAGINÁRiO2.

20MAI2006 - No Museu Ferreira de Castro, em Sintra, Luís Manuel de Araújo pronuncia a conferência Ferreira de Castro e o Antigo Egipto.

VISTORiA

Você tem-me cavalgado,
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.
Alexandre O’Neill - A História da Moral

MEMÓRiA

1608-1666 - D. Francisco Manuel de Mello: «Espalhei meu triste canto / pelas desertas areias: / os olhos foram as veias, / a música foi o pranto, / o instrumento as cadeias.»

1924-1986 - Alexandre O’Neill: «Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, / golpe até ao osso, fome sem entretém».

1451-20MAI1506 - Cristóvão Colombo: «O ouro é o tesouro e aquele que o possui tem tudo o de que necessita no mundo: com ele tem, também, o meio de resgatar as almas do purgatório e de as chamar ao paraíso».

1828-23MAI1906 - Henrik Ibsen: «O homem mais forte do mundo é aquele que permanece mais solitário».

26MAR1916-23MAI1986 - Sterling Hayden: «Não há em Hollywood dinheiro suficiente para me convencer a interpretar outro filme com Joan Crawford… E eu gosto muito de dinheiro».

BREVIÁRiO

Gradiva edita A Morte de Colombo - Metamorfose e Fim do Ocidente Como Mito de Eduardo Lourenço.

Assírio & Alvim edita Anos 70 - Poemas Dispersos de Alexandre O’Neill; organização de Maria Antónia Oliveira e Fernando Cabral Martins.

Publicações Europa-América edita Literatura do Antigo Egípcio de José Nunes Carreira.

Ésquilo edita Os Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira de José Manuel Anes.

¨Cavalo de Ferro edita O Galo de Ouro e Outros Textos Dispersos de Juan Rulfo; tradução de Sofia Castro Rodrigues e Virgílio Tenreiro Viseu.

TRAJECTÓRiA

CRISTOVÃO COLOMBO

Cristóvão Colombo nasceu em Génova, a 25 de Agosto/31 de Outubro de 1451. Filho de um tecelão, os primeiros vinte anos de vida permanecem um mistério. A partir de 1472, serviu como embarcadiço pela rota do Mediterrâneo, com o corsário francês Coullon. Em 1476, fixou-se em Portugal como representante da casa Centurione. Em 1479, desposou Filipa Moniz, filha de Bartolomeu Perestrelo, navegador e governador da Madeira, vivendo no Funchal e em Porto Santo (1480-1482). Com os marinheiros lusos, efectuou várias viagens à Guiné, em aprendizagem e experiência atlântica. Em 1484, El-Rei D. João II não se interessou pelo seu projecto de chegar à Índia rumando para Ocidente. Em 1485, recorreu à Corte de Espanha, logrando o apoio de Isabel de Castela e Fernando de Aragão, após a expulsão do Califa Boabdil da fortaleza de Alhambra. Em Agosto de 1492, largou de Palos com  a nau Santa Maria, e as caravelas Pinta e Niña capitaneadas por Martin Alonso e Vicente Yañes Pinzon. Em Outubro desse ano, acostou às Baamas, no Golfo do México - descobrindo a América, quando presumia ter atingido o Extremo Oriente. Em Setembro de 1493, Maio de 1498 e Abril de 1502 efectuou mais três viagens, às Antilhas, Mar das Caraíbas e foz do Rio Orenoco. Para as suas correspondência e anotações, preferia o castelhano, tendo redigido Cartas, Privilégios, Células e Outras Escrituras de Dom Cristóvão Colombo, almirante maior do mar Oceano, vice-rei e governador das ilhas de terras firmes e O Livro das Profecias. Incapaz de alcançar os objectivos primordiais, e decepcionado na tentativa de vincular benesses, morreu em Valladolid, a 20 de Maio de 1506. O frade dominicano Bartolomeu de las Casas denunciou a prática de genocídio e delapidação nas colónias.

STERLING HAYDEN

Para o bem e para o mal, tal como dividiu as suas representações, Sterling Hayden considerava-se «marcado pelo físico», sendo propenso a desempenhos ásperos ou agressivos, aos quais atribuiu, no entanto, as pessoais expressão dramática e vibração íntima, com especial relevância para as personagens estilizadas no universo do western. Nasceu Sterling Relyea Walter em Montclair (Nova Jersey), em 1916. Inscrito na Browne & Nichols School, em Cambridge (Massachussets), mas atraído pelos oceanos desde a infância, aos dezasseis anos abandonou os estudos; a partir de 1937, viajou pelo mundo, como marinheiro; dois anos depois, era capitão do navio Aries. Ambicionando possuir o seu próprio barco, experimentou vários trabalhos, até tornar-se modelo. Louro, de elevada estatura e com uma presença imponente, em 1940 foi contratado pela Paramount; estreou-se no cinema um ano depois, promovido como «O Homem Mais Belo que Apareceu na Tela», e cedo adquirindo uma especial popularidade.
A lenda de Hayden em Hollywood ficaria, no entanto, gravada como gangster - em Quando a Cidade Dorme (The Asphalt Jungle, 1950, John Huston) e Um Roubo no Hipódromo (The Killing, 1956, Stanley Kubrick). Durante a II Guerra Mundial, participou nos US Marine Corps; vinculado aos serviços secretos militares, espiou em território inimigo da Grécia e da Jugoslávia, sob o nome de código John Hamilton. Influenciado por uma militância europeia, em 1946 inscreveu-se no Partido Comunista, que abandonou passados seis meses. Em 1947, regressou a Hollywood e à Paramount; em 1954-1958, trabalhou regularmente para a United Artists. No entanto, ficara marcado pessoal e publicamente - quando em 1952, perante a Comissão das Actividades Anti-Americanas, assumiu o seu passado político e denunciou outros camaradas em Hollywood. Oficialmente louvado como «cidadão escrupuloso e leal», tal afectou a sua consciência, mas assegurou-lhe uma carreira, embora com flutuações - encarnando protagonistas marcantes (com uma notória ressurreição por 1963) ou inolvidáveis figuras secundárias; e condensando afinal, sob direcção de Stalley Kubrick (em 1956/1964), um talento maturado pela veterania artística.
Hayden trabalhou também, desde 1958, em diversas produções televisivas, sendo dirigido por John Frankenheimer ou Joseph L. Mankiewicz. Foi casado com as actrizes Madeleine Carroll (1940-1946), Betty DeNoon (1947-1955) e Catherine McConnell (1960-1970). Em 1963, publicou a autobiografia The Wanderer; era o nome do seu barco, no qual partira em 1956 para os Mares do Sul, após o segundo divórcio; ali confessava interessar-lhe pouco ser actor por profissão, dispondo-se a largar tudo pelo fascínio dos oceanos. Em 1976, publicou o romance Voyage. Sete anos depois, Hayden confiou as suas memórias e vivências ao filme documental Lighthouse of Cahos. Vítima de um cancro na próstata, faleceu com 70 anos.

VISTORiA

Uma das coisas que mais assegurar podem a futura felicidade de casados é a proporção do casamento. A desigualdade no sangue, nas idades, na fazenda, causa contradição; a contradição, discórdia. E eis daqui os trabalhos por onde vêm. Perde-se a paz, e a vida é inferno.

Para satisfação dos pais convém muito a proporção do sangue, para o proveito dos filhos, a da fazenda, para o gosto dos casados, a das idades. Não porém que seja preciso uma conformidade, de dia a dia, entre o marido e mulher; mas que não seja excessiva a vantagem de um a outro. Deve ser esta vantagem, quando a haja, sempre a parte do marido em tudo à mulher superior. E quando em tudo sejam iguais, essa é a suma felicidade do casamento.

Dizia um nosso cortesão, havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do diabo, casamento de morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do diabo, o da velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o velho.

 Ele certo tinha razão porque os casados moços podem viver com alegria; as velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia; os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias.
D. Francisco Manuel de Mello - Carta de Guia de Casados (1651)




IMAGINÁRiO82
08 MAI 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 RADICAIS

 Seres excepcionais, mutantes, concebidos através de experiências perversas, alterados por desígnios militares ou criminais, além da consciência humana para uma cominação apocalíptica. Com um passado volúvel e um futuro virtual. Assombrados num presente de memórias forjadas, criaturas proscritas duma identidade manipulada. Wolverine, que uma organização secreta pretendia transformar em Arma X, consumando um (anti)herói errático e dilacerante. Fantomex, enigmático prodígio duma tecnologia intemporal, desenvolvido como Arma XIII, em tensão vigilante e expiatória... Reunidos num presente avassalador, confrontados entre os Novos X-Men, juntos assumem o mais íntimo, inexorável pacto de justiça e vingança, aliando Cíclope em Assalto à Arma Plus - sob chancela Devir - cuja perversa alternativa é o Mundo latente, além da realidade, exposto no próprio desafio da sobrevivência. Insurreição, ressurreição, inspiram uma aventura radical por Grant Morrison, exploratória pela ilustração de Phil Jimenez, enfim estilizada no imaginário que Andy Lenning consagra à arte e ao culto dos quadradinhos.

CALENDÁRiO

6FEV2006 - Uma intervenção conjunta entre investigadores do Instituto de Paleontologia de Pequim e do Museu de História Natural de Nova Iorque, sobre dois esqueletos fossilizados descobertos em 2002 na Bacia de Junggar, região de Xinjiang, no Noroeste da China, permite identificar um primitivo dinossauro baptizado com o nome científico Guanlong Wucaii, ou Dragão Coroado, que viveu no Jurássico Superior, há cento e sessenta milhões de anos, e tinha três metros de comprimento. Segundo Xing Xu, coordenador da equipa, seria um «um predador feroz» e teria já as características comuns aos que lhe sucederam - designadamente em relação aos membros - como o dominante Tirarossaurus Rex, que viveu há setenta milhões de anos, no Cretáceo Superior, chegando a atingir treze metros.

FEV2006 - PedranoCharco lança BD Jornal número 10, sendo director J. Machado-Dias; entre críticas e notícias, sobre festivais e edições, em foco Dossier - Hoje, a Bd - A Banda Desenhada em Portugal 2005.

02MAR2006 - Atalanta Filmes estreia Coisa Ruim de Tiago Guedes & Frederico Serra; com Adriano Luz e Manuela Couto.

09MAI2006 - Teatro Nacional de São Carlos apresenta, no Centro Cultural de Belém, Ein Deutsches Requiem, op. 45, de Johannes Brahms, pela Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, sendo maestro titular Giovanni Andreoli; com Maria Bengtsson (soprano) e Johan Reuter (barítono), e direcção musical de Leopold Hager.

02-11JUN2006 - Em Setúbal, decorre o 22º Festróia/Festival Internacional de Cinema.

MEMÓRiA

1896 - Guerra Junqueiro escreve Pátria, na sequência do Ultimatum inglês (1890).

1906-1997 - Rómulo de Carvalho, professor, aliás António Gedeão, poeta.

09MAI1896-1962 - Aura Abranches: Actriz, filha de Adelina Abranches, estreou-se como protagonista em palco com A Menina do Chocolate, e no cinema em Lisboa, Crónica Anedótica (1930 - Leitão de Barros).

11MAI1916-2002 - Camilo José Cela: «A história, a indefectível história, vai a reboque das ideias».

12MAI1916-1980 - Perdigão Queiroga: «Não sou fantasista. Vivo da prática, como, aliás, devem viver todos os profissionais de cinema».

VISTORiA

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão - Pedra Filosofal (excerto)

CALENDÁRiO

Editorial Presença lança Poesia de Fernando Pessoa; selecção de Adolfo Casais MonteiroLIMAGINÁRiO28.

Assírio & Alvim edita Espera de Deus de Simone Weil; tradução de Manuel Maria Barreiros.

Círculo de Leitores edita Filipe III de António de Oliveira; sobre o monarca cognominado o Grande (1621-1640), também IV de Espanha

TRAJECTÓRiA

PERDIGÃO QUEIROGA

 

José Manuel Nobre Perdigão Queiroga nasceu em Évora, a 12 de Maio de 1916. Em Lisboa, frequentou o Instituto Industrial, optando pela técnica cinematográfica - fotografia e montagem. Exerceu tais funções como assistente em longas metragens (1936-1943), lançando-se documentarista em 1943. Durante a guerra, em Hollywood, trabalhou em actualidades (montagem e dobragem de March of Time e Paramount Pictures, fotografia de Pathé News). Em 1946, ingressou na Lisboa Filme. Após Fado, História d’Uma Cantadeira (1947) - grande sucesso popular - fez Sonhar É Fácil e Madragoa (1951), Os Três da Vida Airada (1952), Planície Heróica (1953), Viagem Presidencial a Moçambique (1956), As Pupilas do Senhor Reitor (1960), Portugal de Cristo - O Cristo-Rei (1960), O Milionário (1962) e O Parque das Ilusões (1963). Responsável pelas Produções Cinematográficas Perdigão Queiroga (1958) e pelos jornais de actualidades Imagens de Portugal (1958) e Visor (1961), continuou como técnico, documentarista e publicitário. Faleceu em Lisboa, em 8 de Maio de 1980.

ANTIQUÁRiO

WILLIAM WALLACE

 

1276-1305 - No Século XIII, o  rei de Inglaterra, Edward I, apodera-se da Escócia, cujo monarca faleceu sem herdeiro. Perverso, falho de escrúpulos, submete o povo e alicia a nobreza, com títulos e propriedades. Entretanto, aí regressa William Wallace, após errar pelo mundo. Partira jovem, quando o pai foi vítima de Edward, e logo reconhece a bela Murron, com quem brincara em criança. Apaixonados, casam em segredo, para evitar o privilégio sobre a noiva, na primeira noite nupcial, concedido por Edward aos senhores da terra. A morte de Murron, em circunstâncias trágicas, incita o bravo coração de William, por vingança e liberdade. Logo atrai seguidores, sucedem-se as vitórias, mas os fidalgos vacilam, sob interesses ou rivalidades.

VISTORiA

Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonha, feixes de miséria, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice, pois que já nem com as orelhas é capaz de sacudir as moscas…
Um clero português, desmoralizado e materialista, liberal e ateu, cujo Vaticano é o ministério do reino, e cujos bispos e abades não são mais que a tradução em eclesiástico do fura-vidas que governa o distrito ou do fura-vidas que administra o concelho…
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo…
Um exército que importa em 6.000 contos, não valendo 60 réis…
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo…
A Justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara a ponto de fazer dela um saca-rolhas…
Dois partidos monárquicos, sem ideias, sem planos, sem convicções…
Um partido republicano, quase circunscrito a Lisboa, avolumando ou diminuindo segundo os erros da monarquia, hoje aparentemente forte e numeroso, amanhã exaurido e letárgico…
Instrução miserável, marinha mercante nula, indústria infantil, agricultura rudimentar…
Um regime económico baseado na inscrição e no Brasil, perda de gente e de capital, autofagia colectiva, organismo vivendo e morrendo do parasitismo de si próprio…
Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante, o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários…
Uma literatura iconoclasta, - meia dúzia de homens que, no verso e no romance, no panfleto e na história, haviam desmoronado a cambaleante cenografia azul e branca da burguesia de 52…
E se a isto juntarmos um pessimismo canceroso e corrosivo, minando as almas, cristalizado já em fórmulas banais e populares [...] teremos em sintético esboço a fisionomia da nacionalidade portuguesa no tempo da morte de D. Luís, cujo reinado de paz podre vem dia a dia supurando em gangrenamentos terciários…
Guerra Junqueiro (1850 - 1923) - Anotações anexas a Pátria

 EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 19

 

Achava-se a meio do Rossio, seriam umas três da madrugada, e tinha abandonado há pouco o Teatro Vaz de Moraes, no Parque Mayer, onde estavam a ensaiar-lhe a peça Os Impassíveis, em deprimente estilo retro. Então, o que fazer? Os encenadores modernos desprezam as simples sugestões expressas pelos autores... E, nas actuais circunstâncias, Deodato Roble que resolvesse aquele dilema emergente, insuportável, sobre como instilar alguma nicotina, mais, para os seus pulmões frementes!

Nessa altura, a intermitente luz dos candeeiros públicos estarreceu ainda mais, lucitremente, sob um aparente efeito sobrenatural, que em revoar endemoninhado culminou, até se suspender de imprevisto à sua frente. Fascinante, ali pairava a fabulosa Fada - uma essência diáfana e sem consistência, em comprometedor silêncio, que tanto e sempre o intrigava e seduzia.

 Continua


IMAGINÁRiO81
01 MAI 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

MISTÉRIOS

 

Segundo a literatura clássica, persistem muitos mistérios entre o céu e a terra - pelo menos, sensações e fenómenos imprevisíveis ao comum olhar humano. Entretanto, a perspectiva expandiu-se, encurtando este mundo no limite entre as luzes e as sombras. A leitura das aparências tornou mais nítida uma volúvel realidade de tentações, ameaças, fascínios e desafios. Precipitando o inferno na vertigem humana… Eis as coordenadas para a abordagem de um terrível imaginário - em que se move, domina, determina e, afinal, desvenda O Inimigo - por Thierry Robberecht (argumento), Alberto Pagliaro & Cosimo Lorenzo Pancini (ilustração) - sob chancela das Edições Asa. Tudo principia com As Moscas, envolvendo uma série de macabros assassínios rituais - cuja investigação policial põe em contraste o duro e veterano inspector Willie Lowry, com um jovem trio de peritos universitários, no qual se destaca a criminóloga Yasmine Giggs, cujas relações de sangue incitam um oculto vínculo de perigo e protecção, apenas latente para ela... Além dos limites de justiça e de abjecção, eis uma saga em quadradinhos para adultos, sob o profundo assombro do horror-sobrenatural.

CALENDÁRiO

FEV2006 - Ao trabalhar na sepultura do faraó Amenmsés, da 19ª Dinastia, no Vale dos Reis, uma equipa de arqueólogos da Universidade de Mênfis encontra mais um túmulo egípcio da Antiguidade - o primeiro completamente intocado desde 1922, quando foi identificado o monumento funerário de Tutankamon. A partir de 1540 aC, e durante quinhentos anos, o Vale dos Reis, no Sul do Egipto, serviu para repouso de faraós e seus familiares, sendo revelado no Século XVIII, e desde então descobertos sessenta e três conjuntos funerários, designados Kv. Segundo a curadora de arte egípcia Patricia Podzorski, a câmara aparecida a quatro metros de profundidade (Kv63) fica, apenas, a cinco metros do túmulo de Tutankamon, contendo cinco sarcófagos com máscaras funerárias e vinte recipientes com selos de faraós, intactos, estimando-se que date entre 1539 aC a 1292 aC, e pertença à 18ª Dinastia com capital em Tebas.

1939-11FEV2006 - Álvaro Lapa: «Sou um escritor que pinta».

16FEV2006 - Lusomundo estreia Aeon Flux de Karyn Kusama; com Charlize Theron IMAGINÁRiO35.

18MAI-18SET2006 - Museu Nacional de Arte Antiga expõe Grandes Mestres da Pintura Europeia: de Fra Angelico a Bonnard - parte da Colecção Gustav Rau (1922-2002), com cerca de oitocentas obras (incluindo ainda Lucas Cranach o Velho, El Greco, Canaletto, Bellotto, Tiepolo, Cézanne, Manet, Degas), oferecida à UNICEF/Fundo das Nações Unidas Para a Infância.

27/28MAI-02/04JUN2006 - No Parque da Belavista, decorre o Rock in Rio - Lisboa («O importante é fazer uma grande festa» - Roberto Medina).

MEMÓRiA

06MAI1856-1939 - Sigmund Freud: «É um progresso o que se passa, actualmente. Na Idade Média, ter-me-iam lançado na fogueira...».

1956 - Alain Resnais realiza, a preto e branco, Toda a Memória do Mundo, curta metragem sobre a Biblioteca Nacional de Paris.

1922-06MAI-1986 - Laura Alves: «Tinha que ser actriz, era o destino. É isto, aliás, que me faz ser um pouco fatalista: procurei tantas vezes fugir ao teatro e nunca consegui! A minha paixão era a ciência, queria tirar um curso de medicina».

 

1986 - Tendo apreciado o seu talento, com diversas nomeações aos Oscars, a Academia de Hollywood atribui uma estatueta honorífica a Paul Newman, «em reconhecimento dos seus muitos e memoráveis desempenhos no cinema, e pela sua integridade pessoal e dedicação à actividade». Entre outros galardões, foi distinguido com o Prémio à Interpretação - no Festival de Cannes, por Paixões Que Escaldam (The Long Hot Summer - 1958 de Martin Ritt), e no Festival de Mar del Plata, por A Vida é Um Jogo (The Hustler - 1961 de Robert Rossen); repetiu este papel na maturidade de A Cor do Dinheiro (The Color of Money - 1986 de Martin Scorsese), que finalmente lhe valeu um Oscar em 1987.

VISTORiA

 

 Certo dia, os irmãos que tinham sido expulsos voltaram a juntar-se, mataram e comeram o pai, colocando assim um epílogo à horda patriarcal. Unidos, tiveram a coragem de o fazer, e foram bem sucedidos no que lhes teria sido impossível concretizar individualmente. (Algum avanço cultural, talvez o domínio de uma nova arma, proporcionou-lhes uma noção de força superior.) Selvagens canibais como eram, tornar-se-ia desnecessário referir que não apenas matavam, mas também devoravam a vítima. O violento progenitor primevo fora, sem dúvida, o temido e invejado modelo de cada um do grupo de irmãos: e, pelo acto de devorá-lo, consumavam uma identificação com ele, cada um deles adquirindo uma parte de sua força.
Sigmund Freud - Totem e Tabu e Outros Trabalhos (1913-1914, excerto)

 Toda a Memória do Mundo

O documentário explora toda a complexa estrutura arquitectónica e a gigantesca máquina organizativa da Biblioteca Nacional de Paris. Não nos são mostrados apenas os aspectos monumentais e a estrutura logística mais conhecida ou visível, mas descrevem-se também os lugares secretos ou aparentemente pouco significativos, o trabalho minucioso, metódico, desconhecido, mas essencial ao funcionamento da grande «memória», dos inumeráveis funcionários da «Nationale». Assim, a par com as grandes estátuas renascentistas e neo-clássicas, com as grandes salas de leitura imersa na luz filtrada dos vitrais barrocos e liberty, Alain Resnais descreve os recantos obscuros das caves, os espaços silenciosos e poeirentos das águas-furtadas, os estaleiros em que se estão a construir as novas alas do enorme edifício, o trabalho de recepção, catalogação, requisição, distribuição dos recentes e antigos volumes depositados.
Quando sai para exterior, o filme aborda certas personalidades que contribuíram muito para o prestígio da Biblioteca Nacional.
O «documentário» de Resnais não era um convite a frequentar a Biblioteca, antes parecia desacreditar a ilustre instituição, apresentando-a como uma espécie de prisão (os primeiros enquadramentos nos subterrâneos cheios de pó), ou mesmo como um inquietante campo de concentração, como sustentam certos críticos maníacos da simbologia. Os fascinantes travellings, mais que simples veículos duma «promenade» - para seguir ou substituir alguém que caminha, a «câmara» não pode, por certo, ficar entalada a meio de um corredor, como nos filmes de Chaplin -, cumprem a mágica e expectante procura de um «retorno no tempo».
E, na intenção do autor, tudo era, como sempre, muito mais simples.
Aldo Tassone

BREVIÁRiO

Costa do Castelo edita em DVD, Obras Documentais de Alain Resnais - incluindo Guernica (1950), Toda a Memória do Mundo (1956) e O Canto do Estireno (1958).

Cotovia edita Satyricon de Petrónio; versão portuguesa de Delfim F. Leão.

NOTICIÁRiO

Doze anos depois do(s) extraordinário(s) Smoking/No Smoking, Alain Resnais vai adaptar nova novela do inglês Alan Ayckbourn, que em francês dará um filme chamado Petites Peurs Partagées. Para essa ocasião ele reunirá três dos seus comediantes fétiches, Sabine Azéma, Pierre Arditi e André Dussolier, e dirigirá pela primeira vez Isabelle Carré e Laura Morante.
11NOV2005 - Actual - Expresso

ANTIQUÁRiO

1977 - José Ribeiro Mendes concebe e realiza a curta metragem À Primeira Vista - sendo protagonistas Álvaro Lapa e Maria Beatriz - sobre um cineasta que, passado um período de desemprego, vai ter, enfim, a oportunidade de realizar «o seu filme», aguardando para isso a mulher que o interpretará.

 

PARLATÓRiO

 Quando tive oportunidade de frequentar a Biblioteca Nacional, muitas vezes me interroguei: o que acontece depois de alguém compilar os dados com a requisição, e a coloca na secretária do funcionário, até ao momento em que o livro lhe é entregue? E assim, em certo sentido, coloquei a máquina de filmar num charriot e segui o percurso da solicitação. O caminho, o travelling, é aquele que efectua o funcionário típico. Os funcionários nunca aceleram o passo, deslocam-se lentamente, com ritmo solene, senão ao fim do dia ficariam doidos...
As salas da Biblioteca Nacional eram como os bastidores de um teatro. Obviamente, também me preocupei em mostrar o aspecto fantástico da viagem. Mas não me parece ter pretendido dar uma interpretação metafórica daqueles corredores ou do edifício: revelámos as coisas como estavam, sem forçar a realidade em sentido expressionista, sem inventar nada. Que uma tal viagem proporcione a sensação fantástica de despojamento é inegável, mas não nos propusemos «criar fantástico» a todo o custo, assim como não pretendemos desvendar apenas os aspectos estranhos do edifício. Repito, procurei apenas restituir as emoções que experimenta um qualquer visitante.
Alain Resnais

OBSERVATÓRiO

Em especial para os apreciadores de banda desenhada, Jorge Machado-Dias apresenta pontualmente on line, com notícias e comentários, http://kuentro.weblog.com.pt

O mundo da música, seus fenómenos e as memórias de Filipe Boavida - «referências que apesar de serem ferozmente independentes, teimosamente obscuras, ou simplesmente fora de moda, moldaram o meu gosto pessoal e alimentaram a minha paixão» - estão, agora, em www.petsongs.blogspot.com


IMAGINÁRiO80
24 ABR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004


 PRONTUÁRiO

 TRAPAÇAS

 

Há muito talentos cúmplices - quanto ao argumento, à realização e ao desempenho - a cintilar no firmamento de Holywood, em filmes como Destinos Opostos (1970) ou O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes (1980), Bob Rafelson realiciou Jack Nicholson para Sangue & Vinho (1997), forjando uma peculiar correspondência entre os requisitos da comédia criminal, sobre um conto de Nick Villiers, e os contrastes duma representação moral, que se reflectem pelo jogo vivencial dos intérpretes. Alex Gates é um negociante de vinhos em Miami, com clientes famosos e uma vida familiar em crise. O roubo de colar no valor de um milhão de dólares, com a conivência dum assaltante britânico, podia resolver-lhe os problemas financeiros ao lado da amante cubana. Porém, a esposa em fuga leva na mala a jóia, sem o saber, e o filho adoptivo fará tudo para impedir que a recupere... Em DVD sob chancela Lusomundo, Sangue & Vinho conjuga peripécias irresistíveis e personagens carismáticas, numa exploração mais que perfeita sobre as virtualidades do entretenimento.

BREVIÁRiO

Editora Mensagem lança Os Comboios em Portugal - Do Vapor à Electricidade de João Ribeiro da Silva e Manuel Ribeiro.

Diference edita em DVD, Pink Floyd - London 1966/1967; além do êxtase original de Syd Barrett, e os depoimentos por Mick Jagger, Julie Christie, Michael Caine e David Hockney em complemento.

Selecções do Reader’s Digest edita Portugal Lendário - O Livro de Ouro das Nossas Lendas e Tradições; recolha por Viale Moutinho, ilustrações de José Faria.

Difusão Verbo edita Tintin, o Sonho e a Realidade de Michael Farr; sobre o herói de Hergé.

Edições Âmbar lança Bela de Cristina Silva; biografia romanceada sobre Florbela Espanca (1894-1930).

CALENDÁRiO

JAN2006 - No Centro Cultural de Cascais, é lançada a colecção de livros do programa Cascais-Cultura, feitos pelo Observatório das Actividades Culturais através de um protocolo com a Autarquia, incluindo: Associativismo Cultural de Cascais, As Bibliotecas Municipais de Cascais, Cartografia Cultural do Concelho de Cascais, Cascais e a «Memória dos Exílios», O Centro Cultural de Cascais, O Festival Estoril Jazz e Os Museus Municipais de Cascais.

25JAN2006 - O astrónomo Michael Turner, da Fundação Nacional de Ciências dos EUA, anuncia a descoberta do OGLE-2005-BLG-390Lb, o planeta mais parecido com a Terra. Cinco vezes maior, está distante cerca de 25.000 anos-luz, próximo do centro da Via Láctea, e tem uma cobertura de rochas e uma pequena atmosfera. Calcula-se que a temperatura na sua superfície oscile pelos 220 graus negativos.

27JAN2006 - A Western Union desactiva os serviços de telegramas e de mensagens comerciais em território dos EUA, lamentando «qualquer inconveniente». As transmissões em Código Morse começaram em 1844, e o E-Mail teve início em 1960.

27JAN2006 - O filme Bubble de Steven Soderbergh é estreado, simultaneamente, nas salas de cinema e na televisão por cabo dos EUA e, a 31JAN2006, lançado em DVD. Inédita, esta estratégia preocuparia sobretudo o sector da exibição, encarando a generalização de um tal modelo como «a mais séria ameaça» à viabilidade da indústria de sétima arte, como foi desenvolvida e explorada até à actualidade. Ao fim de três dias, o conjunto de receitas da distribuição global - coordenada pela produtora 2929 Entertainment - somava já cinco milhões de dólares.

1972-30JAN2006 - Seth Fisher: Autor de Green Lantern: Willworld, Flash: Time Flies, Doom Patrol, Vertigo Pop Tokyo, Happydale: Devils in the Desert, ou Fantastic Four/Iron Man: Big In Japan.

05FEV2006 - Em Lisboa, a Companhia do Chapitô - Colectividade Cultural e Recreativa de Santa Catarina - comemora dez anos de actividade teatral, iniciada com Viajantes Malucos.

29ABR2006: Comemora-se o Dia Mundial da Dança, coincidente com o nascimento de Jean-Georges Noverre (1727-1810), mestre bailarino e inovador artístico, através do Ballet d’Action.

MEMÓRiA

1596-1650 - René Descartes: «A natureza nada tem de divino, é um objecto criado, situado no mesmo plano da inteligência humana, e, por conseguinte, inteiramente entregue à sua exploração».

1656-1742 - Sir Edmund Halley: Astrónomo real de Inglaterra e membro do Conselho da Longitude, foi o primeiro a fazer um mapa estelar do ciclo astral e a calcular correctamente a data em que voltaria a aproximar-se da Terra o cometa que tem o seu nome.

NOTICIÁRiO

 A DANÇA ENTRE OS ANTIGOS

 Antigamente a dança fazia parte das cerimónias religiosas. O povo reunido cantava hinos e dançava à roda dos altares. Uma das danças mais antigas era em honra do culto de Apolo, e acompanhada de cantos, e as mulheres tomavam nelas parte bem como os homens.
Outros, tais como as coribantinas e as danças táquicas, representavam as aventuras da divindade à qual eram consagradas, e eram constituídas por uma mímica particular. As coribantinas figuravam à volta de Baco, depois da sua expedição da Índia. Era uma espécie de marcha triunfal de um carácter inteiramente selvagem.
Os dórios faziam da dança um exercício ginástico próprio para desenvolver a força e a destreza dos homens, e serviam de preparação para as guerras. A mais célebre destas danças chamava-se pírrica. Dançava-se ao som da flauta, num ritmo muito rápido. Era uma espécie de luta guerreira em que se tornava necessário atacar o inimigo e aparar-lhe os golpes!
Os habitantes da Tessália e da Macedónia executam ainda hoje danças que se assemelham às antigas pírricas.
Além das pírricas, os gregos tinham ainda outras danças, principalmente as mímicas, executadas por dançarinos de profissão, para divertir os seus convivas durante os festins.
Na Esparta, os rapazes e as raparigas tomavam parte nas danças, nas festas públicas, e eram concedidos prémios aos mais hábeis!
Os romanos aliavam também as danças às cerimónias religiosas, nos primeiros séculos da república, mas só os homens nobres podiam tomar parte nelas. Mais tarde as danças gregas foram introduzidas entre eles, mas só as dançarinas de profissão e as cortesãs tomavam parte nelas.
Os hebreus faziam entrar as danças em todas as cerimónias de culto, mas o cristianismo baniu-as completamente.
17FEV1885 - Diário de Notícias

GRUPO DISNEY COMPRA PIXAR

O grupo de media Walt Disney anunciou ontem que comprou os estúdios de animação da Pixar por 7,4 milhares de milhões de dólares, revelaram os dois grupos, em comunicado conjunto. Em consequência desta fusão, o patrão da Pixar, Steve Jobs, vai ser proposto como administrador do grupo Disney.
25JAN2006 - Diário de Notícias

REPOSITÓRiO

MARCOS NA ANIMAÇÃO

 O cinema de animação americano recuperará o empolgamento, a magia e o maravilhoso que atingiu, por final dos anos ’30 do Século XX, com os Estúdios de Walt Disney? Trata-se duma questão imponderável - pois o progresso tecnológico, e uma contínua mutação dos requisitos artísticos, abriram excepcionais expectativas à exploração de temas apaixonantes - como fez história o sucesso de Toy Story - Os Rivais (1995) de John Lasseter, primeira animação longa sob o signo Disney, integralmente gerada por computador.
Ao prodígio electrónico correspondia o fascínio aventuresco - pela mística dos heróis, em crise num imaginário trepidante e inteligente, emocionante e divertido. Entretanto, o homem-forte da Disney, Jeffrey Katzenberg abandonou a Companhia, para fundar a DreamWorks com Steven Spielberg. Antz - A Formiga Z (1998 - Eric Darnell & Tim Johnson) foi o primeiro assalto sério aos bastiões da Disney - apostando, com antecipação, no mesmo território de Uma Vida de Insecto (1998), que oportunamente assinalou o regresso de Lasseter.
Finalmente, Toy Story 2 - Em Busca de Woody (1999) consolidou a aliança entre a Disney e a Pixar, cujas chancelas se reúnem à cabeça - explorando todas as virtualidades da sofisticação em CGI, e respectivas vanguardas estéticas: uma fusão visionária entre a pesquisa tridimensional, e os efeitos qualitativos de textura, detalhe, luz e cor. Atributos em que a Pixar fora pioneira, com Os Rivais - e é justo realçar o aval de Thomas Schumacher, determinante na Disney, para superar os meios tradicionais de execução no vínculo apelativo ao artifício/artesanato.
Justamente, Toy Story - Os Rivais valeu a Lasseter um Oscar especial, pelo contributo para o êxito da indústria, no domínio animatográfico. Em Busca de Woody, o cineasta requintou a evolução subsequente - logo, pelos desafios para transfigurar outras potencialidades que estariam latentes: recriação de um manancial emocionante; investimento nos prodígios plásticos e sofisticados da animação; reactivação de personagens que o público passou a amar. Atribuindo-lhes dimensões propícias; explorando mais pormenores de conflito e encanto.

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

Capítulo Três
COMO OS EXTREMOS COLIDEM - 18

 Deodato Roble olhou, com ar de desalento, para o cigarro que se desfazia entre os dedos da sua mão direita, já sem qualquer hipótese de ser fumado. Era sempre assim! Quando ficava tenso ou sob irritação, não controlava a sua extraordinária força e, depois, havia que sofrer as consequências. Ou seja, não tinha nenhum outro no maço de Fluidos, todo amarrotado e, agora, das duas uma: ou inibia o vício por algumas horas, até que Lisboa acordasse e, abrindo as lojas, pudesse comprar mais; ou assumia os prodígios como Fado e, num impulso rápido, dissimulado, dava um pulo a qualquer parte da Europa, ou da América, sabia lá, onde pudesse arranjar o tão almejado tabaco...

 Continua


IMAGINÁRiO79
16 ABR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

Uma famosa asserção explorada pelos americanos - «tudo o que você queria saber sobre (escolha o leitor o filme, imprescindível para satisfazer a mais elementar preferência cinéfila), mas não sabia onde encontrar» - está agora acessível e detalhado, de uma forma sistemática, criteriosa, em DVD - Guia 2006, o primeiro anuário português de filmes em DVD, com coordenação de A. Duarte Ramos e João Antunes. Classificado e ordenado por género, cada título de obra tem caracterização com breves ficha técnica-artística e sinopse, indicação dos extras e identificação da empresa responsável pelo lançamento. Todos os capítulos apresentam ainda uma abertura, em que se comenta a incidência em causa, como fenómeno exemplar e respectiva inventariação tipificada. O DVD - Guia 2006 é editado sob chancela SóPrós, estando os autores «confiantes no seu êxito e na certeza de que esta é uma aventura - é sempre uma aventura o nascimento de uma nova publicação - que terá encontro marcado para o início de todos os anos», como recompensa pelo «trabalho de muitas horas de pesquisa e de tratamento da informação disponível».

MEMÓRiA

29FEV1796 - Em Lisboa, por Alvará, é criada a Real Biblioteca Pública da Corte - contando, entre outras proveniências, com fundos que haviam pertencido à Biblioteca da Real Mesa Censória - instituição à qual corresponde a actual Biblioteca Nacional.

1564-23ABR1616 - William Shakespeare: «Há mais coisas no Céu e na Terra, Horácio, / do que sonha a tua filosofia» (Hamlet).

1886-1970 - Silvino Santos: Nascido em Portugal, aos treze anos atravessou o Atlântico, consagrando-se como pioneiro cineasta do Amazonas (1914-Anos ’60).

05DEZ1906-23ABR1986 - Otto Preminger: «A história do cinema divide-se em duas épocas: antes e depois de Roma, Cidade Aberta [1945 - Roberto Rossellini]».

CALENDÁRiO

1932-29JAN2006 - Nam Jun Paik: Autor pioneiro da videoarte, com «um impacto profundo e constante na cultura mediática de finais do Século XX» (John Hanhardt).

1950-30JAN2006 - Wendy Wasserstein, dramaturga: «Às vezes, apetece-me limpar a secretária e partir…»

1926-01FEV2006 - Moira Shearer, protagonista de Os Sapatos Vermelhos (1948): «Nunca existiu nenhuma companhia de ballet, em nenhuma parte do Mundo, que fosse como aquela» IMAGINÁRiO69.

REPOSITÓRiO

FRANKENSTEIN
ORIGENS NO CINEMA

 

Tendo concluído estudos de medicina, um jovem e nobre cientista, Victor Frankenstein (Colin Clive) ambiciona criar vida, desafiando o privilégio divino. Compõe um corpo humano, a partir de partes de cadáveres, furtados de um cemitério. Mas o assistente Fritz (Dwight Frye), em vez de procurar um cérebro são, traz-lhe, sem que ele saiba, o de um assassino. Falta lograr a centelha essencial, o que Frankenstein consegue, electricamente, durante uma noite de tempestade. Porém, a criatura manifesta-se um Monstro (Boris Karloff) que escapa, mata o disforme Fritz e uma menina, ameaçando ainda Elizabeth (Mae Clarke), a futura mulher do barão. Organiza-se uma batida, e o Monstro perecerá no incêndio de um moinho, onde se havia refugiado…

Eis Frankenstein (1931) de James Whale, o mais fascinante dos filmes fantásticos - incluindo Drácula (1931) de Tod Browning, que o precedeu dez meses. Aliás, o seu protagonista, Bela Lugosi, chegou a rodar testes, sob direcção de Robert Flaherty. Antecedido por uma versão muda (1910) de Thomas Edison, o clássico de Whale foi seguido por múltiplas sequelas, derivações e reciclagens - logo A Noiva de Frankenstein (1935) pelo próprio Whale. Aliando o macabro, a ironia e a tragédia, Frankenstein privilegia o expressionismo alemão, sobre a estilização gótica no romanesco original de Mary Shelley. Em 1973, Victor Erice sagrou, em Espanha, O Espírito da Colmeia - uma homenagem estilizada pela alegoria infantil, entre a inspiração literária e a virtualidade imaginária.

DOCUMENTÁRiO

OTTO PREMINGER
E OUTRAS HISTÓRIAS

 

Nascido em Viena de Áustria, e emigrado nos Estados Unidos com trinta anos, Otto Preminger (1906-1986) possuía, já, experiência de teatro e cinema - que prosseguiu até que, em 1943, passou a dedicar-se apenas à realização. E um decénio depois, com uma carreira sólida e prestigiada, participaria numa das histórias mais insólitas, em que caprichou a tradição de Hollywood. Tudo envolveu a produção de Vidas Inquietas (1953) pela RKO, que pertencia ao milionário Howard Hughes. Preminger trabalhava então na 20th Century Fox, quando o presidente Darryl F. Zanuck lhe colocou uma extraordinária proposta: Hughes tinha uma actriz sob contrato, de quem iria desembaraçar-se após violenta discussão. Mas não sem, antes, a obrigar a mais um filme, dirigido por alguém duro e seguro, como Preminger. A pessoa em questão era a rebelde Jean Simmons que, à sua frente, cortara as madeixas com uma tesoura. Para se vingar, e forçá-la ao elenco, Hughes dispunha apenas de dezoito dias. Além disso, ela deveria aparecer com uma longa cabeleira negra, bem ao gosto de Hughes. Tratava-se de adaptar Murder Story de Chester Erskine, que Preminger logo abominou. Até que o próprio Hughes o levou por um passeio de várias horas, através de Los Angeles, durante a madrugada, acabando por convencê-lo. Garantia a Preminger total arbítrio para reescrever o argumento, escolher a equipa, controlar mesmo a rodagem. Conhecido pelo seu rigor e minúcia, Preminger não perdeu tempo. O certo é que Angel Face, título original, se patentearia como obra de mestre.

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Pequenos Burgueses (1948) de Carlos de Oliveira.

Relógio d’Água edita Os Poemas de Kostandinos Kavafis (1863-1933); tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis.

Universal edita em DVD, Frankenstein: Legacy Collection, incluindo cinco filmes clássicos (1931-1945).

Publicações Dom Quixote edita Dom Quixote - Cervantes: 21 Desenhos de Cândido Portinari, 21 Glosas de Carlos Drummond de Andrade.

VISTORiA

 

Hamlet: Horácio! Vós sois o homem mais justo que eu tenho encontrado.

Horácio: Oh! meu querido senhor!

Hamlet: Sois; não julgueis que é lisonja; para que vos hei-de adular? Não tendes outro rendimento além do vosso belo espírito para vos alimentar e vestir! Que se lucra lisonjeando o pobre? Não; isso é bom para as línguas de açúcar, que lambem a pompa estúpida, e para os joelhos de sebo, que se curvam perante a recompensa que se segue imediatamente à adulação. Percebeis? Desde que a minha alma, que tanto estimo, foi senhora de escolher e pôde distinguir os homens, marcou-vos com o seu selo, porque vos mostrastes um homem que tudo sabe sofrer como se nada sofresse, um homem que recebeu os embates e as recompensas da sorte com os mesmos agradecimentos; e bem-aventurados sejam aqueles de quem o sangue e o juízo estão em tal equilíbrio que não se pareçam com essas flautas em que a fortuna toca as árias que quer. Dai-me um homem que não seja escravo da paixão, eu o trarei perto do meu peito; sim, eu o trarei no coração do meu coração, como vos faço a vós...
William Shakespeare - Hamlet (excerto)

 

Durante algumas semanas levei uma vida miserável no bosque, procurando curar a ferida aberta. A bala tinha entrado no ombro e não sabia se lá havia ficado alojada; fosse como fosse, não dispunha do necessário para a extrair. O meu padecimento era ainda acrescentado pela injustiça e ingratidão com que fora tratado. Diariamente jurava vingar-me, jurava uma profunda e mortífera vingança, a única que poderia compensar-me dos ultrajes e das agonias que suportara.
Passadas algumas semanas, a minha ferida curou e prossegui viagem. Já nem o sol brilhante nem as benfeitoras brisas primaveris conseguiram aliviar-me nos meus esforços; todo o júbilo era apenas um engano que insultava o meu estado de desolação, e fazia-me sentir mais dolorosamente que não fora criado para desfrutar nada na vida.
Mary Shelley - Frankenstein (excerto)

ANTIQUÁRiO

1816 - Ao passar férias em Montalègre, nas margens do Lago Léman, com o poeta e seu futuro marido Percy Shelley, próximo da residência de Lord Byron, com quem conviviam, Mary Godwin (1797-1851) - filha da femininista Mary Wollstonecraft e do filósofo William Godwin - escreve Frankenstein ou o Moderno Prometeu - obra-prima do romantismo inglês, originalmente publicada em 1818, ainda sem indicação da autora. Em 1831, saiu a terceira edição, revista por Mary Shelley e considerada a versão definitiva.

1997 - Aurélio Michiles realiza O Cineasta da Selva para Superfilmes (Brasil), sendo protagonista José de Abreu. Docudrama sobre a vida e a obra de Silvino Santos (1886-1970), um cinegrafista de origem portuguesa, radicado no Brasil, que captou as primeiras imagens vivas da Amazónia levadas ao ecrã, nos primórdios do Século XX. Recriação de alguns episódios, entre os anos ’20 e ’50, e entrevista com os filhos do pioneiro. Excertos de filmes originais (1913-57) por Silvino Santos. A relação com o Comendador Agesilau de Araújo, seu produtor.


IMAGINÁRiO78
08 ABR 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano III · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

FANTASMA

 

Pelo signo do musical, Joel Schumacher sagra O Fantasma da Ópera como tema recorrente em cinema, assumindo uma fidelidade alternativa às matrizes de origem e de sucesso: o testemunho literário escrito por Gaston Leroux, de 1911, estilizando uma atmosfera romanesca, sombria e sobrenatural, sobre solene mas crepuscular realidade urbana, no Século XIX; o espectáculo concebido e composto por Andrew Lloyd Webber que, a partir de 1986, se converteria em extraordinário fenómeno teatral, visto por mais de oitenta milhões de pessoas. Nos subterrâneos da Ópera de Paris vive um ente desfigurado e funesto, mascarado e proscrito, fatalmente apaixonado pela sensível Christine Daae, uma promissora e esbelta cantora atraída por Raoul de Chagny, abastado visconde e proprietário daquele templo de arte, cuja Companhia o Fantasma aterroriza em favor da sua diva idealizada... Com edição em DVD por LNK, O Fantasma da Ópera transfigura uma feérica sublimação melómana, pulsando o tormento e o fantástico, sob um desígnio trágico, avassalador.

CALENDÁRiO

JAN2006 - Uma equipa de investigadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia/Caltech, liderada por Kenneth Farley, descobriu nos fundos marinhos vestígios da explosão de um grande asteróide, cujos fragmentos terão provocado um arrefecimento climático ao caírem na Terra, há 8,2 milhões de anos. Em sedimentos do final da era do Miocénio, um pouco antes da época de que datam os mais antigos registos fósseis que se conhecem de hominídeos, encontrou-se um pico de concentração de hélio-3 - gás extremamente comum no Universo - que é quatro vezes superior ao normal histórico.

16JAN2006 - Em Pequim, o advogado Liu Gang apresenta uma cópia, de 1763, do mapa original datado de 1418, que assinala as viagens do almirante Zheng He em torno dos cinco Continentes, demonstrando que os Chineses foram os primeiros descobridores do Mundo, entre os anos de 1405 e 1433. Entre a controvérsia e a especulação, ficaria posta em causa a importância das descobertas marítimas de navegadores ocidentais - como Vasco da Gama, Cristovão Colombo ou Fernão de Magalhães.

13ABR2006 - Teatro Municipal de São Luiz apresenta Parabéns, Samuel Beckett - tertúlia, leituras e peças gravadas, assinalando o centenário de nascimento do escritor.

Até 21MAI2006 – Centro de Exposições do CCB apresenta Frida Kahlo (1907-1954), sendo comissária Josefina Garcia Hernández.

MEMÓRiA

17JAN1706-1787 - Benjamin Franklin, inventor e escritor, um dos Pais Fundadores da Nação americana: «Aquele que se apaixona por si próprio, não tem rival».

18JAN1906-1969 - Manuel Mendes: «O tempo dir-se-ia haver parado e por um instante sofreu a sensação da infindável eternidade que o esperava» (Girassol)

28JAN1916-01MAR1996 - Vergílio Ferreira: «A velhice é assim um cemitério, antes de ela própria lá estar. Eu o penso agora, nesta tarde já fria, e me olho e olho ao longe o futuro que não tenho.»

14JAN1936 - Fundado por Raul Correia e António Cardoso Lopes, é lançado o semanário infantil O Mosquito; entre os colaboradores, Eduardo Teixeira Coelho, Jayme Cortez, Vítor Péon, José Garcês e José Ruy.

13ABR1906-1989 - Samuel Beckett: «Ao fazer uma besta de si mesmo, o homem esquece a dor de ser humano».

14ABR1966 - Na China, Mao Tsé-Tung lança a Revolução Cultural, instigando a formação da Guarda Vermelha.
1908-14ABR1986 - Simone de Beauvoir: «Ninguém nasce mulher: torna-se mulher».

1910-15ABR1986 - Jean Genet: «O principal objectivo de uma revolução é a libertação do homem, não a interpretação e aplicação de uma qualquer ideologia transcendente».

1907-15ABR1996 - Beatriz Costa: «Sinto muito orgulho em ser filha de um moleiro, que morreu de barrete. Não tenho peneiras nenhumas».

VISTORiA

 

 

Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos são a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando afirmo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, ininterruptamente fluindo, como uma palavra única, infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras.
Samuel Beckett - Textos Para Nada

PARLATÓRiO

MÚSICA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA

A inconsistência da música, a inconsistência do criador musical, são ideias que levam naturalmente a considerar que a música é apenas a arte de combinar os sons de uma maneira agradável ao ouvido. Umas certas sensações, umas certas impressões, traduzidas por meio dos sons causam prazer. Eis para quem assim pensa, o fim social da música. No aspecto estético nada de análise, nada de aplicação prática; um professor que não saiba uma nota de música pode ensinar estética musical por este processo, puramente verbalístico. Sempre as sensações, as impressões, palavras, muitas palavras, palavras que, desligadas das forças físicas que fazem a música, prejudicam em vez de facilitar, a compreensão.

Tecnicamente o que se ensina, e aqui tenho de novo que dizer: o que se ensina em geral e não o que ensinam os raros entre nós, é o sistema do baixo cifrado, o maior-menor a imperar, não só na harmonia como até no contraponto, o princípio da tonalidade e da modulação regidos pelo número de acidentes à clave, e outras induções igualmente funestas ao bom gosto e à boa composição musicais.

Chego agora a uma questão candente, a uma questão de interesse muito mais geral do que os problemas ligados à substância sonora, de que tenho estado a tratar: refiro-me à interpretação. Pensa-se entre nós sobre o assunto o mesmo que Berlioz pensava quando disse: Wagner dirige «librement, comme Klindworth joue du piano». Isto está longe de ser um elogio para quem pense como Berlioz, pois que, apesar de grande compositor ele, neste aspecto, não tinha razão. A frase não pode ser compreendida senão como uma censura a Wagner e Klindworth, frase vinda de um músico educado, como todos os músicos em geral, na cega submissão à tirania do tempo e do compasso, esses dois inimigos natos do ritmo, e na atitude fria perante a música dos chamados clássicos.
Luís de Freitas Branco
Conferência (excerto) na Academia de Amadores de Música
(11ABR1946)
IMAGINÁRiO48

NOTICIÁRiO

 

 

Um Menino Prodigioso em Pekin - Em Pekin apareceu agora um rapaz de 14 anos, originário dos Montes de Shantung. Foi levado a Pekin por um mandarim, adjunto ao laotai da província, que o apresentou ao Príncipe Chun, pai do jovem imperador.
Afirmam os crédulos que o rapaz tem na palma da mão um espelho prodigioso, que reflecte as cousas a distâncias enormes.
Um dia, perguntaram-lhe:
– O que está sucedendo de mais importante em Annan?
– Batem-se, o dragão imperial alcança a vitória; a bandeira tricolor foi derrubada!
Três dias depois, um telegrama dizia que os chineses haviam alcançado uma vitória sobre os franceses.
23JUN1855 - Diário de Notícias

TRAJECTÓRiA

 BEATRIZ COSTA

 

Maria [Beatriz] da Conceição Costa nasceu na Charneca do Milharado, Mafra, em 14 de Dezembro de 1907. Aos quatro anos, partiu para Lisboa, vivendo depois em Tomar. Foi ajuntadeira e bordadeira, antes de se estrear no palco como corista (1923), tornando-se vedeta do teatro musical. Em 1939-50, desenvolveu carreira artística no Brasil. Participou como actriz nas fitas mudas O Diabo em Lisboa (1926 - inacabado) e Fátima Milagrosa (1928 - Rino Lupo), Lisboa, Crónica Anedótica (1930 - Leitão de Barros). Após A Minha Noite de Núpcias (1931 - E.W. Emmo - versão portuguesa de Ich Heirate Meinen Mann) e Beatriz Costa, Memorialista (1932 - Artur Costa de Macedo), alcançou culto e popularidade em apenas três filmes sonoros: A Canção de Lisboa (1933 - Cottinelli Telmo), O Trevo de Quatro Folhas (1936) e Aldeia da Roupa Branca (1938 - Chianca de Garcia). Participou em Festas da Cidade (1935). Retirou-se em 1960. Azougada, maliciosa, com uma graça irresistível, orgulho da região saloia, «sem papas na língua», escreveu vários livros famosos de recordações. Faleceu em Lisboa, em 15 de Abril de 1996.

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Watt de Samuel Beckett; tradução de Manuel Resende.

Bertrand Editora lança Mao, a História Desconhecida de Jung Chang; sobre Mao Tsé-Tung (1893-1976).

Editorial Presença lança Amália [Rodrigues]- Uma Biografia (1987) de Vítor Pavão dos Santos; versão actualizada e re-ilustrada.