José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO68
24 JAN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 EMOÇÕES

 

O fascínio da aventura intemporal, o perpétuo combate do bem contra o mal, a projecção da saga heróica num domínio fantástico, eis temas e pretextos que uma nóvel geração de Hollywood associaria, através do prodígio de sofisticadas técnicas e efeitos, a um culto pelos clássicos, cujo sortilégio se patenteia segundo as virtualidades latentes do imaginário. Do horizonte literário onde decorrem as aventuras do explorador Dirk Pitt, segundo o escritor Clive Cussler, à transfiguração no universo cinematográfico, sob a direcção de Breck Eisner, Sahara (2005) expande as malhas de uma intriga histórica, com contornos misteriosos, inquietantes, que envolve o naufrágio do Navio da Morte durante a Guerra Civil Americana. No rasto de um tesouro que estaria implicado com o assassinato de Abraham Lincoln, até ao Norte de África, numa actualidade em transe, Pitt e o imprevisível companheiro Al Giordino assumem um desafio de humores e emoções - cujas peripécias exóticas, românticas, evoluem em ritmo avassalador, a partir do encontro com Eva Rojas, uma cientista da Organização Mundial de Saúde... Um lançamento em DVD sob chancela Lusomundo, com Penelope Cruz e Matthew McConaughey numa vertigem de correlações artísticas e sentimentais.

OBSERVATÓRiO

 SOCIEDADE RECREATIVA

Tão eficaz e prestigiosa como o próprio historial dos quadradinhos, entre nós, a tradição do cartoon intervém nas páginas dos jornais, convoca a estima dos leitores, exibe-se ao apreço colectivo. Assim ressaltam a criatividade e o talento de Luís Afonso, ao expor/reflectir Sociedade Recreativa - em álbum sob chancela de Publicações Dom Quixote - a partir da apresentação dominical na revista Pública, por 2001-2005, insinuando um privilégio ideográfico, em relação à lógica dialogal de Bartoon, com que o autor nos delicia diariamente no Público. Eis manifestações efémeras de humor crítico, mas amável, sobre Portugal - estatuto e actualidade - que adquirem, preservadas em colectânea, um mais intenso e estilizado contexto visual, cujo significado persiste nas referências incidentais, consagrando a alusão e a dinâmica de um testemunho panorâmico. Bem a propósito, João Cutileiro verifica, em Prefácio, que «nem todos os cartonistas são chatos e sem sentido de humor», ao celebrar Sociedade Recreativa uma cumplicidade afectiva e talentosa, em traços mínimos mas virtuais.

MEMÓRiA

 

 

1496-1570 - João de Barros: «O dia é passado e a noite vem-se» (Ropicapnefma).

1546-1601 - Tycho Brahe: astrónomo dinamarquês refugiado e falecido em Praga - onde foi acolhido pelo Imperador Rudolf II, emérito patrono das artes e das ciências.

1891-24JAN1976 - Augusto Costa/Costinha: «Umas vezes sou assim, outras assim-assim».

27JAN1756-1791 - Wolfgang Amadeus Mozart: «Deixem-me ouvir, uma vez mais, esses sons que foram, durante tanto tempo, a minha consolação e alegria» IMAGINÁRiO36.

CALENDÁRiO

1932-24NOV2005 - Noriyuki Pat Morita: «Era o mais popular sensei do mundo, embora reconhecesse que, tirando alguns treinos para Karate Kid, nunca praticou artes marciais» (Charles C. Goodin).

1925-25NOV2005 - James King: Tenor especializado em óperas de Richard Wagner e Richard Strauss, «era muito intenso e inspirou imensa gente» (Alain Barker).

01DEZ2005 - Microsoft lança em Portugal, a Xbox 360 - «mais do que uma consola de jogos, um sistema multimedia de entretenimento».

08DEZ2005 - Atalanta Filmes estreia O Fatalista de João Botelho; sobre Jacques, le Fataliste de Denis Diderot (1713-1784).

29DEZ2005 - Lusomundo estreia Odete de João Pedro Rodrigues; com Ana Cristina Oliveira e Nuno Gil.

Até 03ABR2006 - Centro de Artes de Sines expõe Os Olhos Azuis do Mar de Graça Morais.

TRAJECTÓRiA

 MOZART

 

Tendo alterado várias vezes o seu nome, ao longo da vida, Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart nasceu em Salzburgo, a 27 de Janeiro de 1756. Filho de um compositor, Leopold Mozart, e genial menino-prodígio, aos cinco anos começou a criar minuetos e duetos. Em 1763, acompanhou o pai e a irmã Nannerl, com doze anos, em digressão a França e Inglaterra. Na década de 1770, como Konzertmeister na Corte de Salzburgo ao serviço do Arcebispo-Conde Hyeronymus Colloredo, compôs missas e sonatas de igreja - apenas visitando Itália, em 1770-1773, onde criou a ópera Mitridate. Em 1781, passou a viver das suas obras e do ensino particular, casando sem amor com Constanze Weber em 1782. Ao sucesso de concertos para piano, distinguiu-se com óperas como Idomeneo (1781), O Rapto do Serralho (1782), As Bodas de Figaro (1786), Così Fan Tutte (1789) e, sobretudo, Don Giovani (1786). O crepúsculo do seu prestígio em Viena trouxe os problemas financeiros, situação agravada pela saúde precária e da esposa. Continuou devotado a uma produção notável e versátil, ainda com cerca de quarenta sinfonias, datando de 1791 as óperas A Clemência de Tito e A Flauta Mágica, com inspiração maçónica. Enfraquecido, deixou por concluir o Requiem K.626. Faleceu em 5 de Dezembro de 1791, sendo enterrado numa vala comum em Viena (de Áustria).

COSTINHA

 

Ernestino Augusto da Costa nasceu em Santarém, a 24 de Fevereiro de 1891. Ainda muito novo, fixou-se em Lisboa e, concluído o Curso Comercial, estudou violino no Conservatório. Durante uma mocidade boémia, dedicou-se ao teatro amador, enveredando pelo profissional na revista Quadros Vivos (1913). No cinema, lançou-se em Lisboa, Crónica Anedótica (1930 - Leitão de Barros). Trabalhou intensamente como actor em revistas, comédias, operetas e no teatro ligeiro, tendo casado com a actriz Luísa Durão. Muito popular comediante e humorista, criou figuras tipificadas pelo seu estilo e personalidade física: baixo e gordo, com uma forte expressão gestual e fisionómica. Interveio em mais de uma vintena de filmes, até 1958. Faleceu em Lisboa, a 24 de Janeiro de 1976.

ANTIQUÁRiO

1506 – O navegador português Lourenço de Almeida chega ao porto de Colombo, capital da ilha que seria conhecida por Ceilão. Segundo outras fontes históricas, tal evento registou-se em 1505. Em 15NOV2005, as autoridades cingalesas escusaram-se a comemorar os 500 Anos da chegada dos Portugueses ao Sri Lanka, embora Jeyaraj Fernadopulle, Ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio, tivesse rejeitado «uma visão ressentida do colonialismo».

1875 - Entra em vigor o padrão do quilograma; o protótipo internacional - um cilindro de platina e irídio, cuja massa foi estabelecida pela Balança de Watt - está depositado em Paris.

19NOV1905 - Abre as portas ao público A Brazileira do Chiado, em Lisboa, sendo fundador Adriano Telles e vendendo «o genuíno café do Brasil», ao preço de 720 réis cada quilo.

21NOV1975 - Em Lisboa, é inaugurado o Quarteto - sendo fundador Pedro Bandeira Freire - o primeiro multiplex e, actualmente, a mais antiga sala de cinema a operar na capital.

1986 - No Japão, gera-se a saga de Dragon Ball, pelo engenho de Akira Toriyama. Popular com Dr. Slamp ou Aracles Chan, o criador fundou o Bird Studio, onde desenvolveu a sua personagem Dragon Boy. A fórmula Dragon Ball parecia simples: adaptar o universo bélico do bem contra o mal, segundo a tradição nipónica, ao mundo infantil. Com Dragon Ball Z, os pequenos guerreiros tornaram-se adolescentes, e alguns distinguiram-se pelas artes marciais. Dragon Ball GT expandiu o elã da aventura, e o ser humano adquiriu configuração virtual.

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita Poesia em Viagem de Blaise Cendrars; tradução de Liberto Cruz.

Atalanta Filmes edita em DVD, Porto da Minha Infância (2001), O Princípio da Incerteza (2002) e Um Filme Falado (2003) de Manoel de Oliveira.

Relógio d’Água edita Contos de Gustave Flaubert; inclui A Lenda de S. João Hospitaleiro, Um Coração Simples e Herodíade, originalmente publicados em 1877.

Evoramons edita Os Poemas de Álvaro Feijó (1916-1941); prefácio de João José Cochofel.

Parceria A.M. Pereira edita O Passado Na Minha Frente, memórias de Luiz Francisco Rebello.

Imprensa Nacional edita, em Temas Portugueses, O Pensamento Filosófico de Raul Proença (1884-1941) de Celeste Natário.

Sony Pictures edita em DVD, SteamBoy (2004), em animação de Katsuhiro Otomo.

Publicações Dom Quixote edita Diário Remendado (1971-1975) de Luiz Pacheco.

 

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 13

 Vulcão, ciente da irreverência temperamental de Vénus, preferiu descomprimir a situação. E a melhor maneira para não fragilizar a sua supremacia, afinal, seria salvaguardar a solenidade das distâncias... Por consequência, abstendo-se.

– Bom... Vou retirar-me! Recolherei aos meus aposentos particulares...

  Continua


IMAGINÁRiO67
16 JAN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 ESPANTOS

 

Eles são extraordinários super-heróis, mutantes nascidos com poderes estranhos e prodigiosos. Liderados pelo Professor X - leia-se Xavier - são conhecidos na América como Children of the Atom, e lutam para proteger aqueles que tanto os odeiam e temem! Em sucessos e convulsões, êxtases e apocalipses, os X-Men formam, porventura, a mais popular e fascinante entre as corporações de paladinos, cujo único limite é a própria inspiração dos múltiplos artistas que, ao longo de décadas, os têm recriado sob chancela Marvel Comics. Por cá, ei-los em revistas várias lançadas pela Devir, sobressaindo Espantosos X-Men - com titulares protagonistas tão insólitos e imprevisíveis como Gambit, ou Wolverine... Enquanto aquele se excede em exposições mirabolantes, sempre de poucas palavras e muita animação, Logan evolui da catástrofe oculta à fúria catártica, em que avassalam os mitos ancestrais, atraindo sarilhos para fazer jus à sua fama de solitário valentão.

MEMÓRiA

30DEZ1865-18JAN1936 - Rudyard Kipling: «Se és capaz de sonhar, sem que o sonho te domine, / E pensar, sem reduzir o pensamento a vício, … Se assim fores, serás um HOMEM».

22JAN1906-10JUN1936 - Robert Erwin Howard: «Com a excepção de um sonho, nunca me reconheci, ao viajar por mundos de tempos ancestrais, como um homem civilizado».

BREVIÁRiO

Plátano Editora lança O Desígnio - Um Conto de Natal de Sérgio Ferreira; Portugal - no Século XIX, durante as Invasões Francesas, e depois na actualidade - onde a morte e a vida estão lado a lado, a esperança e a tristeza são companheiras, a fortuna e a pobreza se completam.

Numérica edita Jorge Peixinho - Música Para Piano, com interpretação de Miguel Borges Coelho.

VISTORiA

 

VIVER É ARRISCAR-SE

Rir é arriscar-se a parecer doido...
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental...
Estender a mão é arriscar-se a comprometer-se...
Mostrar os seus sentimentos é arriscar-se a se expor...
Dar a conhecer as suas ideias, os seus sonhos,

é arriscar-se a ser rejeitado...
Amar é arriscar-se a não ser retribuído no amor...
Viver é arriscar-se a morrer...
Esperar é arriscar-se a desesperar...
Tentar é arriscar-se a falhar...
Mas devemos nos arriscar!
O maior perigo na vida está em não arriscar.
Aquele que não arrisca nada...
Não faz nada...
Não tem nada...
Não é nada...
Rudyard Kipling

CALENDÁRiO

OUT2005 - Em escolha da revista Total Film, Tudo Bons Rapazes (1990) de Martin Scorsese é considerado o melhor filme de sempre.

1939-11NOV2005 - Thomas Patrick John Anson, Conde de Lichfield, aliás Patrick Lichfield: «Eu sou um conde que se tornou fotógrafo».

14NOV2005 - No Centro Cultural de Belém, é apresentada a candidatura das tradições orais galaico-portuguesas a Obra-Prima do Património Imaterial da Humanidade; não reconhecida pela UNESCO a 25NOV2005, por ser «demasiado abrangente».

1931-23NOV2005 - Isabel de Castro: «Sempre vi a morte como uma mulher pálida, de longos cabelos negros, misteriosa mas nada terrífica».

TRAJECTÓRiA

JORGE PEIXINHO

 

Jorge Manuel Rosado Marques Peixinho nasceu em Montijo, a 20 de Janeiro de 1940. Em 1951-58, estudou piano e composição no Conservatório Nacional, em Lisboa. Estagiou no estrangeiro, em diversos países; foi aluno de Luigi Nono, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen; ou, com uma Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, de Godofredo Petrassi e Boris Porena, em Roma. Em 1970, fundou o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Na sua carreira, cultivou um estilo de vanguarda electrónica, com reconhecimento internacional. Entre as suas obras, destacam-se Canto Marginal, Elegia Para Amílcar Cabral, Canto Germinal, CDE, Sucessões Simétricas I, Canto Para Anna Lívia e Passage Intérieur. Professor nos Conservatórios do Porto e de Lisboa, dirigiu também vários cursos de música contemporânea. Em 1988, foi agraciado com o Prémio Joly Braga Santos. Participou por diversos modos no cinema português - como actor em Sofia e a Educação Sexual (1973 - Eduardo Geada), colaborando ainda como compositor/músico em filmes como Brandos Costumes (1974 - Alberto Seixas Santos), O Prisioneiro (1979 - Sérgio Ferreira) e Sinais de Vida - Breve Sumário da Vida e da Obra de Jorge de Sena (1984 - Luís Filipe Rocha). Na sequência de um ataque cardíaco, faleceu em Lisboa, a 30 de Junho de 1995.

OBSERVATÓRiO

CONAN

«Nos tempos que mediaram entre o fim da Atlântida e das cidades luminosas, e o nascimento dos filhos de Aryas, houve uma era desconhecida, em que magníficos reinos se espalhavam pelo mundo, como mantos azuis sob as estrelas. Aí viveu Conan o Cimério, um gigante de cabelos negros e olhos frios, ladrão, sonhador, mercenário, sujeito a grandes melancolias e a grandes entusiasmos, que esmagou sob os seus pés os poderosos da Terra...»

 

Assim narra Robert E. Howard (1906-1936) em As Crónicas de Nemédia, sobre o seu herói - que apaixonaria sucessivas gerações, inspirando ainda múltiplos imaginários. Artistas famosos, como Frank Frazetta por 1966, ilustraram esta saga exótica, aparecida em Weird Tales, um pulp na década de ’30. Com a passagem aos quadradinhos, a partir de 1970, coube - através da Marvel, sendo Roy Thomas o primordial guionista - a Barry Windsor-Smith, Neal Adams, Sal Buscema, Jim Steranko, Gil Kane, Berny Wrightson, Mike Kaluta, Al Williamson, Howard Chaykin, Frank Giacoia ou Tony De Zuniga. A popularidade renovada pela exploração gráfica suscitou, em 1981, a saga fílmica Conan e os Bárbaros - produzida por Dino De Laurentiis, sobre argumento de Oliver Stone e John Milius, que dirigiu um impressionante Arnold Schwarzenegger. Estilizando a complexa psicologia de Connan e seus ideais primitivos, num desígnio vingador ou expiatório - como invencível lutador, escravo precário ou predador ousado.

REPOSITÓRiO

TUDO BONS RAPAZES

 

Com uma carreira iniciada em 1963, Martin Scorsese sobressai em geração de realizadores cujo talento, modelado pela formação universitária e um entranhado apelo dos clássicos, transformaria - no cinema americano - as motivações tradicionais, sobre a realidade e o imaginário. Trata-se dum autor cuja autenticidade motiva, além da nostalgia ou do fascínio, singulares expectativas para uma reformulação, em constante vertigem entre a indústria e o espectáculo.

Sobretudo, Scorsese encara os filmes pela fruição - sensível, inteligente, contra as tendências convencionais de alienação. Mas contrapondo, ao artifício crítico, um resgate por vezes perturbador, vibrátil, no qual se gera o culto... Assim, a associação entre Scorsese e Robert De Niro é impressionante e memorável. Relação mítica - quase um pacto de sangue, quanto as origens sociais e profissionais - em que se forjou o fascínio dos cinéfilos.

Ambos nasceram em Nova Iorque, na comunidade italiana (Martin em 1942, Robert em 1943) e tiveram um vínculo geracional com o patriarca Roger Corman. Mestre vampírico, este dirigiu De Niro em O Dia da Violência (1970), e proporcionou a Scorsese concretizar A Mulher da Rua (1972). Segundo a lenda, foi Corman quem propôs De Niro a Scorsese, para Os Cavaleiros do Asfalto (1973) - vinculando o futuro de artistas veneráveis...

Pelo início da década de ‘90, para empolgamento dos fanáticos, tal aliança entre favoritos revitalizou-se - secundariamente, com mais uma saga de gangsters. Transpondo um romance de Nicholas Pileggi, Tudo Bons Razes relata a iniciação, o envolvimento, a ascensão e a rotura de um títere da Mafia, através de agravos e conivências, façanhas e pavores - sem nunca lograr o topo do poder no submundo, devido às suas origens impuras como ítalo-irlandês.

São três décadas de uma história em transe, pelos cenários de Nova Iorque - avassalados pela ignomínia, a perversão, a impunidade, os compromissos precários e, afinal, a traição pela sobrevivência, como delactor num exílio anónimo. Protagonista desta aventura autêntica, feroz ou desalmada, para além de todos os símbolos, no paroxismo da mais sofisticada mas grotesca amoralidade, Ray Liotta assume  Henry Hill, numa caracterização inquietante, assombradora.

A De Niro cabe interpretar Jimmy Conway, o seu maduro e insolidário cúmplice, numa fiel fatalidade... Vibrante, magistral, Scorsese reconduz-nos às mais profundas, trágicas e expiatórias engrenagens do filme negro - pela vibração das ruas, na sordidez dos bares, com os equívocos rituais em família, até à náusea dos conflitos íntimos. Acção feérica, elegia do abominável - num exorcismo grotesco, porém transfigurador, sobre a noite americana.


IMAGINÁRiO66
08 JAN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 FILIPE E FRANCIS

 

O que acontece quando dois inconsideráveis artistas dos quadradinhos decidem parodiar uma prestigiada dupla heróica, e subverter o seu tradicional território de aventuras, com a cumplicidade da respectiva chancela editorial? A resposta sagra Ameaças ao Império - uma colectânea surpreendente, irresistível, sobre As Aventuras de Philip e Francis (2005) por Pierre Veys (argumento) & Nicolas Barral (ilustração), com original lançamento Dargaud. Tal como As Aventuras de Blake e Mortimer por Edgar Pierre Jacobs, iniciadas em 1946 com O Segredo do Espadão, logo patenteando a arte monumental de Edgar Pierre Jacobs (1904-87). Agora, e entre nós pela Gradiva, os próprios fundamentos da Comunidade Britânica estão em causa, quando as mulheres começam a manifestar-se imprevisíveis ou conflituosas, independentes ou contestatárias, desde o seio familiar até aos meandros políticos... Constrangidos a lutar contra os intrínsecos azares, enfrentando desafios e adversários como o frenético Coronel Olrik, Philip e Francis superam-se em Londres à beira do caos e restabelecem a ordem mundial - perdão, sexual em Inglaterra... Para gáudio dos leitores, genuínos ou alternativos.

MEMÓRiA

1946 - Precário ilustrador de Flash Gordon, durante uma Europa em guerra, Edgar Pierre Jacobs (1904-87) inicia As Aventuras de Blake e Mortimer com O Segredo do Espadão, após O Raio U (1943), original prova de talento e prestígio, com sugestões do Mundo Perdido de Arthur Conan Doyle LIMAGINÁRiO10.

13NOV1965 - No Teatro Gil Vicente, em Cascais, estreia Esopaida de António José da Silva, o Judeu, com que nasce o Teatro Experimental de Cascais/TEC; no elenco, João Vasco, Maria do Céu Guerra, Zita Duarte e Carlos Avilez.

1917-08JAN1986 - Juan Rulfo: «A chuva está regenerando a terra, agora que não necessitam dela está voltando a ser produtiva, quando já não há remédio» (sobre Pedro Páramo - 1955).

1830-11JAN1896 - João de Deus: «Ah! Se tu não fosses / Lágrima do céu, / Lágrimas tão doces / Não chorara eu».

1890-12JAN1976 - Agatha Christie: «Tudo aquilo que alguma vez existiu, é certo que existirá para toda a eternidade».

BREVIÁRiO

Prisvídeo lança em DVD, Marple - segundo os Mistérios Arrepiantes concebidos por Agatha Christie, sendo protagonista Geraldine McEwan; produção sob chancela Granada International, com quatro nomeações aos Emmy 2005.

Editorial Verbo lança Annualia 2005 • 2006.

Publicações Dom Quixote re-edita Praça da Canção de Manuel Alegre, com ilustrações de José Rodrigues.

CALENDÁRiO

03NOV2005 - Mário Cesariny de Vasconcelos é galardoado com o Prémio Vida Literária, atribuído por Associação Portuguesa de Escritores/APE e Caixa Geral de Depósitos/CGDLIMAGINÁRiO29.

09NOV2005 - A partir do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão,  é lançada a Venus Express. Primeira sonda enviada pela Agência Espacial Europeia/ESA a Vénus, com recurso ao foguetão russo Soiuz-Fregat. Um dos objectivos é recolher informação sobre a atmosfera do planeta mais próximo da Terra, no qual existe uma enorme quantidade de dióxido de carbono e um elevado efeito de estufa.

 

 

Até 31JAN2006 - No Castelo de São Jorge, está patente Software + Hardware = Burros, exposição fotográfica de Oliviero Toscani; cinquenta grandes painéis em evento integrado no âmbito do Festival Sete Sóis Sete Luas, que inclui ateliers, actividades lúdicas e passeios diários com dez burros de Miranda do Douro, salvaguardando um património asinino em extinção, sob o lema Burros no Castelo.

TRAJECTÓRiA

AGATHA CHRISTIE
A RAINHA DO CRIME

 

Maria Clarissa Agatha Miller nasceu em Torquay, Inglaterra, a 15 de Setembro de 1890. Na infância, viveu com a família vários anos no Sul de França. Leitora fiel de Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle, estudou em Paris por 1906. Em 1914, casou com Archibald Christie - que, durante a I Guerra Mundial, serviu como piloto nos Royal Flying Corps. Enfermeira voluntária da Cruz Vermelha, começou a escrever, redigindo cartas dos soldados feridos; e interessou-se por fórmulas químicas que, mais tarde, usou para envenenamentos nos seus relatos negros. Instalada em Londres com o marido e a filha Rosalind, nascida em 1919, logrou publicar um primeiro livro em 1920; seis anos depois, atingiu o sucesso com The Murder of Roger Ackroyd. Em 1930, contraiu novo matrimónio com o arquélogo Max Mallowan, efectuando várias viagens ao Médio Oriente. Em 1938-45, foi voluntária no University College Hospital de Londres. Prestigiou a literatura policial com Hercule Poirot e Miss Marple. Em 1967, foi eleita Presidente do British Detection Club. Em 1971, Elizabeth II distinguiu-a com título de Dame Commander of the British Empire. Sendo o autor mais vendido de sempre (dois biliões de exemplares, em 44 idiomas), após William Shakespeare, legou (ainda sob o pseudónimo de Mary Westmacott) um acervo constituído por 79 romances, dezanove peças de teatro, seis novelas, dois relatos de memórias e uma autobiografia. Faleceu em Wallingford, a 12 de Janeiro de 1976.

VISTORiA

Durante tantos casos criminais em que actuámos juntos, a simetria foi sempre uma inclinação minha, lembra-se?

Talvez você tenha suspeitado da verdade. Talvez, ao ler-me neste momento, você sinta que já o soubera.

Por outro lado, creio que não. Você é demasiado confiante. Tem uma natureza demasiado pura...

Não acredito que um ser humano deva executar a Lei por suas próprias mãos... Mas, por outro lado, eu sou a Lei!
Agatha Christie - Cai o Pano (excertos)

 

 CAMÕES

Camões comparado
Aos mais escritores,
Nem entre os maiores
Foi sempre igualado:

Qual deles deu brado
Com tantos primores,
Tais frutos e flores
De engenho inspirado?

Com graças tão finas,
Ciência tamanha?
Estâncias divinas!

Qual deles lhe ganha?
Os mais são colinas,
Ele é a montanha!

João de Deus - Campo de Flores

REPOSITÓRiO

 

O MISTÉRIO DE AGATHA

 

Em 1926, aquando do lançamento de The Murder of Roger Ackroyd, a famosa escritora de romances criminais Agatha Christie atravessa uma crise matrimonial insanável, provocada pelo desinteresse do marido, que pretende divorciar-se para casar com uma secretária. Amorosa e traumatizada, Agatha desaparece durante onze dias, chegando a pôr-se a hipótese de se ter suicidado. Incansáveis, polícia e populares procuram-na. Mais tarde, surge uma equívoca explicação oficial: Agatha perdeu a memória, tendo vagueado e sofrido uma existência errática e ilusória.
Cinquenta anos depois, a jornalista Kathleen Tynan reconstituiu, com a diligência duma investigação à Hercule Poirot, o que na realidade teria acontecido. As suas conclusões, tão fascinantes como surpreendentes, revelam facetas inimagináveis sobre uma mulher tímida, reservada, cuja fantasia era, porém, capaz de atingir requintes morbosos. Em 1978, essa possível verdade foi transposta por Michael Apted em O Mistério de Agatha - com Vanessa Redgrave assumindo o sortilégio de uma paixão funesta, sublimada e rendida aos seus revezes dramáticos.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 12

 Vulcão olhou-a de alto a baixo - ou melhor, na horizontal, porque ela achava-se toda exposta numa camilha, desleixada e provocante...

– Mulher, mulher – balbuciou, com um esgar equívoco, o monstro da perfídia – não me confundas também tu, em virtude dos meus vícios! 

Vénus pôde conter-se. Entre uma abusada indulgência aos apetites esquisitos do Vulcão, e uma bisbilhotice preguiçosa com as demais no harém, o que mais lhe agradava era aquela latente pasmaceira enquanto favorita. À espreita, à espera. Mais que exibir-se ou o resguardar de privilégios, insubmissa à tradição, a insinuante cortesã investia, assim, numa eventual distinção à escala suprema do destino - ousando a sagração ou a fatalidade, qual agente de uma rara estirpe, mitificada em missões de alto risco.

Continua


IMAGINÁRiO65
01 JAN 2006 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 MENINOS

 

Segundo tradições incontornáveis, o cinema pressupõe - convencionalmente - uma dimensão de aventura, onde possa expandir-se o imaginário. Tais vectores, que se afirmaram da memória popular aos clássicos da literatura, lograram uma correspondência alusiva no domínio cinematográfico, sob o signo de Hollywood. Com a evolução ao longo do Século XX, e sobretudo pela hegemonia dos audiovisuais, o mundo tornou-se pequeno para ampliar tal projecção, sob os prodígios da animatrónica. Daí que os criadores venham recorrendo, para revitalizar a acção, às transposições no tempo ou às desproporções no espaço. Tal reciclagem romanesca, pela apropriação em cada época, é exposta com Pinóquio 3000 (2004) de Daniel Robichaud - em DVD, sob chancela Lusomundo -  investindo a criatura de Carlo Collodi como emanação robótica pela paternidade de Gepeto, ao sagrar a defesa dos fracos e oprimidos, a tenacidade, a celebração da amizade e da protecção. Além do lendário insólito e do envolvimento deslumbrante, sob implicações românticas e familiares, consolida-se assim um elemento essencial, para explorar o sortilégio do espectáculo: a aplicação das tecnologias-de-ponta, virtualizando uma intensidade mágica e empolgadora.

OBSERVATÓRiO

Todos os meses, os amadores da ilustração e do imaginário têm à disposição o Bd Jornal - editado por PedranoCharco, e sobre banda desenhada e não só... Referente a Novembro de 2005, o número 7 dedica especial destaque ao Amadora Bd, aliando aliás uma actualidade propícia a diversos certames e manifestações, entre nós e no estrangeiro, ao detalhe sobre a mais recente criatividade, por autores consagrados ou em revelação. No Editorial, o director J. Machado-Dias regista uma dinâmica «ao correr dos acontecimentos», destacando-se em alternativa a análise histórica - como A Longa Cavalgada de Tex, o Ranger Sem Fronteiras por José Carlos Francisco. Além de notícias, entrevistas, recensão crítica, com amplo suporte (foto)gráfico, há ainda um destacável - que permitirá aos leitores coleccionarem os quadradinhos seleccionados de nóveis artistas. A contactar em bdjornal@yahoo.com

MEMÓRiA

02NOV1755-1793 - Marie Antoinette, Rainha de França: «Coragem! Eu revelei-a durante anos. Achais que a vou perder agora, quando os meus tormentos estão para findar?»

1896-19?? - Ayres d’Aguiar: «Com noventa e nove anos, ainda me vou aguentando» (em 1996).

BREVIÁRiO

Extractus lança O Menino Triste - Os Livros de João Mascarenhas.

Cavalo de Ferro edita Uma Campanha do Argus - Uma Viagem na Pesca do Bacalhau (1951) de Alain Villiers; introdução de Álvaro Garrido.

Alêtheia edita O Diário Secreto de Maria Antonieta de Carolly Erickson.

CALENDÁRiO

OUT2005 - Em Madrid, Pedro Calapez é distinguido com o Prémio de Arte Gráfica 2005, atribuído pela Calcografia Nacional da Real Academia de Bellas-Artes, com a Fundación ICO, pelas «contribuições e inovações» para a realização de imagens com o lápis óptico, a partir de fotografias sobre motivos paisagísticos ou arquitectónicos.

OUT2005 - Ministério da Cultura anuncia que Lisboa será a quarta cidade do Mundo - após Las Vegas, Londres e Amesterdão - a ter um polo do Museu russo Hermitage de São Petersburgo, em 2010, ao comemorarem-se os cem anos da República em Portugal.

1934-20OUT2005 - Jean-Michel Folon: «Um dos grandes protagonistas do panorama artístico europeu do Século XX» (Adnkronos).

1928-22OUT2005 - Armand Pierre Fernandez, aliás Arman: «O ser humano retrata-se a si mesmo, revela o seu tempo, a sua ansiedade, os seus gritos, as suas lágrimas e as suas gargalhadas».

27OUT2005 - No Monte Estoril, abre o Museu da Música Portuguesa - Casa Verdades de Faria: «a mais significativa colecção dedicada à música portuguesa alguma vez exposta».

Até 08JAN2005 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Retratos e Auto-Retratos de Graça Morais.

Até 15JAN2006 - Museu da Arte Contemporânea de Serralves, no Porto, apresenta Fora! - exposição de «diálogo e confronto» entre filmes de Pedro Costa e esculturas de Rui Chafes, sendo comissários João Fernandes e Catherine David.

20FEV-05MAR2006 - No Porto, decorre o 26º Fantasporto - Festival Internacional de Cinema do Porto, organizado pela cooperativa Cinema Novo.

OBSERVATÓRiO

CONTOS E ENCANTOS
SOBRE NÓS MENINOS

 

Quando abandonamos a adolescência? Quando atingimos a maturidade? As experiências de juventude deixam marcas e memórias que persistem entretanto, como mágoas ou emoções, ora deploradas ora queridas, que afinal determinam as vivências peculiares com que culminamos a nossa existência.

Todos nós somos assim? Em princípio, sim. Aparentemente, não. Nada nos afecta mais que a matriz na qual forjamos sonhos e expectativas. E, no entanto, tudo se perde ou reinveste no refúgio em que pomos em causa o que valeu a pena, ou acrisolamos a magia de quanto realmente singulariza cada um.

Crises de identidade, questões de solidão. E uma mera aura de coragem que - já homens ou mulheres, constituídos ou incompletos - nos torna heróis comuns, como ao Menino Triste. E quem é ele? Só ele? Ele só? Nós todos? Um pouco todos nós? Um símbolo que nos identifica, ou com que nos identificamos?

Através do vínculo prodigalizado entre João Mascarenhas e o Menino Triste, criador e criatura, contrasta-se um subtil jogo de espelhos e de ressonâncias cujos reflexos ou retornos formatam a generosidade de uma obra aberta, a propensão de um retrato alternativo sobre cada destinatário.

Um rosto emblemático. Um instante imaginário. Uma melodia inesquecível. Uma narrativa extraordinária. Fascínios. Referências. Personagens fantásticas. Figuras influentes. Sinais esparsos, aleatórios, e que chamamos à nossa colação. A colecção intrínseca das nossas sensações, dos nossos rituais.

Um livro sobre o amor aos livros - fonte de conhecimento, factor de inspiração. Letras que se aprendem, palavras que se constroem, frases que se ordenam. Entrechos que ganham sentido, viajam dentro de nós, levam-nos a outros horizontes - paisagens indescritíveis, cenários encantados ou virtuais.

Um universo a preto-e-branco revitalizado pelo arco-íris da sensibilidade, um mundo de silêncios em que se propagam as batidas do coração, cada detalhe meticuloso rendilhado com a arquitectura das catedrais, a fugaz complexidade do que nos fere o olhar cintilando a eternidade das coisas simples.

Esboços volúveis a que damos íntima configuração e consistência. Ilustrações estilizadas pela nossa diversidade. Fotografias que ganham relevo e colorido. Fotogramas encarnados como imagens animadas. Estigmas e vestígios que conservamos em nós, além de qualquer suporte - papel, película, projecção.

Feição artística, semblante pessoal. Impressão física, colagem conceptual - assim evolui O Menino Triste, deixando rasto entre Os Livros. Confiando-nos a sua história, revelando-nos em surpresa, propondo a jornada sem fim e sempre reiniciada de sucessos ou de fracassos pela qual somos - ainda crianças.

Aliás, não estamos sós. Com O Menino Triste, João Mascarenhas compõe e corresponde-se numa banda desenhada diferente, que nunca nos deixa indiferentes. Assim, fica connosco e questiona a nossa maturidade, desafia os nóveis pactos da confiança, da confidência, da partilha, da solidariedade.

Circunspecto aos aspectos oníricos, visionário nos fenómenos do quotidiano. Um autor e os seus leitores, culminando a aventura em quadradinhos. Exercício de reconquista da afectividade, partindo das próprias origens. Até ao futuro - com a mão sobre o nosso ombro, e Os Livros debaixo do braço.

ANTIQUÁRiO

Complexo mecanismo de relojoaria cuja construção remonta a 86 aC, durante muito tempo pensou-se que a antikythera seria de proveniência alienígena. Encontrada na ilha grega de Antikythera em 1900, daí derivando o seu nome, apenas setenta anos mais tarde se descobriu ser o primeiro modelo material dos céus, conhecido na Terra. Sob a forma de calendário-calculadora, avalia e mostra a posição do Sol e da Lua em relação aos doze signos do Zodíaco, a ascensão e o poente de diversas estrelas e constelações, os meses lunares e as fases da Lua. Nela, encontra-se o primeiro diferencial, procedendo a tais cálculos para o ciclo completo de dezanove anos, que é o que a Lua demora a voltar a coincidir com o calendário solar.

1935 - Na Pensilvânia, Charles B. Darrow cria e lança o Monopoly, que se converteu num dos jogos de tabuleiro mais populares de todos os tempos - com cerca de duzentos e cinquenta milhões de exemplares, vendidos em mais de oitenta países. Para comemorar a efeméride, a companhia Hasbro, actual detentora dos direitos, lançaria Monopólio - O Renascer de Um Clássico, que inclui uma versão para Portugal.

 1950 - Australiano, oficial da Marinha de Guerra e repórter do National Geographic Magazine, o Comandante Alain Viliers filma Homens dos Bancos - A Viagem da Escuna «Argus». Roteiro: Porto de Lisboa: embarque do sal; largada dos lugres bacalhoeiros; sorteio dos dorys, preparação dos equipamentos; escala em São João da Terra Nova; marinheiros e pescadores em pausa; lugre Milena ancorado; aquisição de isco congelado; partida de St. Johns; preparativos a bordo; largada dos dorys; regresso sem peixe; manutenção de cabos e correntes; regresso dos dorys caregados de peixe, transfega, amanho, lavagem; North Sidney: entrada em porto; oficiais fazem contagem; escuna Creoula - carpintaria no convés; bóias de cortiça; navegação sob nevoeiro num mar coalhado de pequenos icebergs; o navio de apoio Gil Eannes - oficiais e convidados; Holstensborg - Greenland: população indígena (Inuits), cemitério, bacalhoeiro Elisabeth; a viagem de regresso a Portugal.

1956 - Sob chancela Fleetway, até 1963, Battler Britton - Fighting-Ace of Land, Sea and Air aparece em The Sun Weekly, por Thriller Pictures Library e Air Ace Picture Library, com o labor anónimo de distintos artistas - Geoff Campion, Eric Bradbury, Colin Marritt, Nevio Zeccara, Ian Kennedy, Hugo Pratt, Carlos Freixas, José Ortiz, Guido Buzzelli, Giorgio Trevisan, Graham Cotton, Alberto Breccia ou George Stokes. Entre nós, publicado na revista Falcão Juvenil (1960-87), a paternidade portuguesa do herói - após indicação da Censura - foi-lhe atribuída, sob o nome de Major Alvega, pelo editor Mário do Rosário, segundo a sugestão do tradutor Anthimio de Azevedo.



IMAGINÁRiO64
24 DEZ 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

PRONTUÁRiO

 EM GUERRA

 

Talentoso e peculiar criador da escola franco-belga, homenageado pelo Festival de Angoulême em 1999, François Boucq volta à cumplicidade do chileno Alexandro Jodorowsky - celebrada com Face da Lua - O Domador de Ondas - sob chancela das Edições Asa, quando Bouncer enfrenta A Vingança do Carrasco, após Um Diamante Para o Além, A Misericórdia dos Algozes e A Justiça das Serpentes. Em causa original, um grupo de mercenários sulistas que, tendo-se recusado à rendição, no crepúsculo da Guerra da Secessão na América, busca uma jóia prodigiosa... À tensão empolgante e violenta cominação, dramatizada por Jodorowsky ao ritualizar o desígnio humano, Boucq confere um grafismo estigmatizado e persistente, na expansão do imaginário lúdico e aventuroso. Para o versátil autor, «a banda desenhada é uma escrita original, incomparável, ilimitada, inclassificável, insolente, que não tem contas a prestar a qualquer outro meio de expressão. A sua nobreza, herdou-a da arte de contar e das imagens da Idade Média».

MEMÓRiA

1524(5)-1580 - Luiz Vaz de Camões: «Que poderei do mundo já querer, / que naquilo em que pus tamanho amor, / não vi senão desgosto e desamor, / e morte, enfim, - que mais não pode ser!»

1922-08AGO2005 - Barbara Bel Gueddes: «Não venho de boas famílias, e não sou propriamente uma senhora».

26OUT1685-1757 - Domenico Scarlatti: Compositor italiano nascido Nápoles, Mestre da Capela Real de D. João V.

1914-25DEZ1985 - Constantino Esteves: «Os meus filmes pretendem fazer rir com vontade».

28DEZ1775-1842 - João Domingos Bomtempo: Concertista e compositor «de elevada qualidade intrínseca» (Jean-Paul Sarraute), que ampliou o panorama musical português da sua época.

1944-30DEZ1995 - Amílcar Lyra: «Filmar é a procura dos possíveis efeitos de uma câmara e de um gravador».

1638-31DEZ1705 - D. Catarina de Bragança, Rainha de Inglaterra: «Ilustríssima Princesa, Infanta do Portugal, filha do falecido D. João IV, e irmã de D. Afonso, presente rei de Portugal» (Assentamento de Casamento com Carlos II, 1662).

VISTORiA

 

Erros meus, má fortuna, amor ardente
em minha perdição se conjuraram;
os erros e a fortuna sobejaram,
que para mim bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
a grande dor das cousas que passaram
que as magoadas iras me ensinaram
a não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
dei causa que a Fortuna castigasse
as minha mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos...
Oh! quem tanto pudesse que fartasse
este meu duro Génio de vinganças!
Luís de Camões - Soneto

CALENDÁRiO

OUT2005 - Em concurso organizado pela Associação Americana de Directores de Revistas, um painel de responsáveis, artistas e designers escolhe, como melhor capa dos últimos 40 anos nos EUA, John Lennon e Yoko Ono fotografados por Annie Liebowitz, na Rolling Stone de 22JAN1981. Mark Whitaker, Presidente da Associação, referiu que «o diverso e surpreendente espectro de capas é uma fascinante montagem cultural».

OUT2005 - Em escolha da revista Total Film, Massacre no Texas (1974) de Tobe Hooper é considerado o melhor filme de terror de sempre, segundo declaração pública porque «a única coisa mais assustadora do que os primeiros 50 minutos de The Texas Chainsaw Massacre, é a sua última meia hora».

1934-21OUT2005 - Shirley Horn, pianista e cantora de jazz: «Ou ela toca, ou não toco eu» (Miles Davis, 1960).

TRAJECTÓRiA

BOMTEMPO

 João Domingos Bomtempo nasceu em Lisboa, a 28 de Dezembro de 1775, filho de Francesco Saverio Buontempo, oboísta italiano que foi o seu primeiro professor de música. Admitido na Irmandade de Santa Sicília como cantor sopranista em 1789, em 1792 ingressou na Capela Real da Bemposta. Em 1795, sucedeu ao pai como primeiro-oboé da Real Câmara de D. José I. Em 1801-10 residiu em Paris, distinguindo-se como pianista e compositor, méritos que o celebraram em Londres, onde passou a viver. Em 1814, voltou a Lisboa, fundando uma Sociedade de Concertos, e continuando a frequentar as capitais da Europa. Fixou-se em Portugal, definitivamente, após a Revolução Liberal de 1820. Em 1822, criou a Sociedade Filarmónica, extinta em 1828 com o Golpe de Estado de D. Miguel I. Alvo de perseguições durante o Regime Constitucional, refugiou-se durante cinco anos no Consulado da Rússia. Restabelecido o Poder Liberal em 1833, foi nomeado Professor de Música de D. Maria II. Após a constituição do Conservatório Nacional em 1835, nomeado seu Director, manteve-se no cargo até à morte, em 18 de Agosto de 1842. Além de pedagogo, concertista e criador notável, prestigiou-se como introdutor de formas da música instrumental clássica, cabendo destacar as Sonatas Para Piano e, sua obra-prima, a Missa de Requiem (à Memória de Camões) em 1918-19.

BREVIÁRiO

Caixotim lança Teatro Completo de [Luís de] Camões; organização de Vanda Anastácio.

RELATÓRiO

PARIS, CIDADE LUMIÈRE

 

A primeira projecção de cinema como hoje a conhecemos ocorreu a 28 de Dezembro de 1895, data da sessão inaugural do Cinématographe Lumière, em Paris, na cave do Grand Café, no número 14 do Boulevard des Capucines. Aí se viram, entre outros,  La Sortie des Usines, Arrivé d’un Train à la Ciotat e L’Arroseur Arrosé. Com a particularidade de conferir movimento à fotografia, uma das atracções da época, e de permitir a projecção numa ampla superfície lisa, vista por um vasto auditório, de imagens antes captadas por uma câmara movida à manivela, os Lumière davam um passo decisivo e qualitativo em relação a uma série de outros aparelhos antes muito em voga, da Lanterna Mágica, cujas origens remontavam ao século XVII, aos inventos de Edison, que já permitiam a observação de imagens em movimento, mas em aparelhos de utilização individual. Com o impulso dessas históricas sessões de Paris, muitos outros projectores começaram a circular por essa Europa fora. Lisboa não iria esperar muito para ver tão extraordinárias imagens animadas, que deixavam boquiabertas as mais sofisticadas plateias do velho continente.

ANTIQUÁRiO

 

1915 - É publicado o primeiro número da revista Orpheu, de cariz literário e periodicidade trimestral, destinada a Portugal e ao Brasil. Em apresentação, Luís de Montalvor anuncia «um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento», pretendendo «formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos».Então, constituíam-se em Lisboa os fundamentos sociais e culturais para um movimento estético pós-simbolista, pelo encontro e influência entre personalidades como Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Santa Rita Pintor.

1965 - Em Nova Iorque, Edie Sedgwick (1943-1971) participa no primeiro dos doze filmes em que será dirigida por Andy Warhol. Nessas produções de pop-art em The Factory, a mítica herdeira, modelo e símbolo do underground - que, então, convive com Bob Dylan, Leonard Cohen, Allen Ginsberg, Truman Capote ou Joel Schumacher - gastará toda a sua fortuna e, abandonado o Chelsea Hotel, temporariamente passa à condição de sem-abrigo.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 11

 Desta vez, o exultante facínora lograra, pois, preceder um Infante Portugal inoportuno, antecipando qualquer arremetida com ele que o provocasse. Aliás, o que poderia ser? E, como retaliar-lhe? Subitamente, em vã perplexidade, o Vulcão sentiu-se incomodado e paradoxal.

Paradoxal, era compreensível. Porém, incomodado... Lesto, desconfiando, Vulcão olhou ao seu estranho redor -  entre espirais de enxofre, néones de lava, mobiliário gótico e propícios acólitos - até se deparar, a uma distância furtiva, com o sorriso insolente da voluptuosa Vénus!

Constrangendo-se, em flagrante, a sua cúmplice mais íntima pareceu ficar petrificada. Mas logo, já refeita, Vénus ousou dirigir-se ao Vulcão:

– Mestre... E o que nos reserva, agora, a vossa bizarria?!

Continua


IMAGINÁRiO63
16 DEZ 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org

 PRONTUÁRiO

 MORT CINDER

 

Obra-prima universal e intemporal da banda desenhada, Mort Cinder tem enfim lançamento português - a partir de Os Olhos de Chumbo, sob chancela das Edições Asa - mantendo as integrais virtualidades artísticas e alegóricas, como à época de revelação no semanário argentino Misterix (1962). Durante um período de violência e repressão na América Latina - que levou ao funesto desaparecimento do prodigioso argumentista Héctor Oesterheld (1919-1977) e implicou o magistral ilustrador Alberto Breccia (1919-1993) em precária situação própria e profissional. Concebido e publicado entre as maiores vicissitudes (restrições individuais, dificuldades económicas, carências no trabalho, mudança de formato), Mort Cinder logrou imediato reconhecimento e, ao longo de décadas, um intenso culto por diversas versões principais europeias. Incólume, permanece o extraordinário fenómeno de transfiguração - no envolvimento fantástico sobre as implicações simbólicas, existenciais, sociais e políticas. Em suma, Mort Cinder representa o ente que sobrevive à morte, para ser vítima da subsequente ressurreição. Luzes, trevas. A preto e branco. Na provação actual, e através dum ancestral artefacto aracnídeo, relaciona-se com Ezra Winston, excêntrico e maduro antiquário de Chelsea. É uma Londres crepuscular, solitária, que Oesterheld & Breccia avassalam em tal imaginário expressionista, fantasmagórico, ritualizando um desígnio humano supremo e imemorial...

PARLATÓRiO

 

As coisas velhas ficam impregnadas da vida que as envolveu. Mas poucos podem captar as angústias, as emoções bloqueadas, como fósseis invisíveis, dentro das coisas velhas. Sou um desses poucos, por isso a minha vocação de antiquário. E o meu fascínio pelos templos, qualquer que seja o credo. Tanta prece, tanta esperança, tanta dor dormem nos muros de um templo. Também o meu fascínio pelas armas, para sempre carregadas com a morte que alguma vez causaram. Morte talvez criminosa, talvez libertadora.

Mort Cinder capta mais, muito mais que eu ou qualquer outro, toda essa vida cristalizada para sempre. Mort Cinder é talvez essa vida que ficou incrustada na matéria inerte (nunca direi morta) das coisas. E digo talvez porque nem eu, que viveu tanto tempo com ele, saberia dizer quem é Mort Cinder.
Héctor Oesterheld (1972)

MEMÓRiA

1797-1875 - Charles Lyell: «Vejo através dos seus olhos. Metade do que está nos meus livros, provêm do cérebro dele» (Charles Darwin).

CALENDÁRiO

13OUT2005 - Aos 75 anos, Harold Pinter é distinguido com o Prémio Nobel da Literatura, no valor de 1,1 milhões de euros, por ser «o principal representante da dramaturgia britânica da segunda metade do Século XX».

14OUT2005 - Daniel Craig é escolhido para representar o sexto James Bond na tela, após Sean Connery (1962-1971/1983), George Lazenby (1969), Roger Moore (1973-1985), Timothy Dalton (1987-1989) e Pierce Brosnan (1995-2002). A saga fílmica continua com Casino Royale (2006) de Martin Campbell, segundo o primeiro romance (1953) de Ian Fleming (1908-1964) sobre o seu herói primordial, já adaptado em comédia de 1967, com realização conjunta de John Huston, Ken Hughes, Robert Parrish, Joe McGrath e Val GuestLIMAGINÁRiO21-46.

1930-18OUT2005 - Daciano da Costa: «Acho que há tralha a mais no mundo».

17ABR-18AGO2006 - No âmbito do Programa Gulbenkian Criatividade e Criação Artística, decorre - no Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, da Fundação Calouste Gulbenkian - o Curso de Cinema de Animação, orientado pela equipa da Supinfocom - Ecole Supérieure d’Informatique et Communication, tendente à formação profissional em cinema de animação 3D.

TRAJECTÓRiA

 CHARLES LYELL
E A ORIGEM DA TERRA

 

Charles Lyell nasceu em Kinnordy, Escócia, a 14 de Novembro de 1797, filho de um botânico. Na Universidade de Oxford, principiou os seus estudos pelas matérias jurídicas, logo se apaixonando pelas ciências naturais, em especial a Geologia, como discípulo de William Buckland. Considerado um dos fundadores da Estratigrafia, segundo o legado de James Hutton, influenciou a investigação moderna. Graças a sistemáticos trabalhos de campo, no Sul de França e de Itália por 1928, subdividiu as épocas do Período Terciário. A partir de John Playfair, definiu a Teoria do Uniformitarismo - segundo a qual os processos naturais que acontecem no presente, ocorreram também no passado, e de forma semelhante. Contrariava, assim, a Teoria do Catastrofismo, popular entre os sábios da época. As suas ideias como naturalista - publicadas em Principles of Geology, com onze revisões em 1830-72 - demonstraram que a origem geológica da terra é remota, contestando a hipótese bíblica de uma criação do planeta em 4004 aC. Durante a década de 1840, viajou pelos Estados Unidos e Canadá. Tornando-se entretanto amigo de Charles Darwin, em 1863, com The Antiquity of Man, consolidou o caminho da Teoria Evolucionista. Prestigiado pelos seus notáveis contributos, foi nomeado Sir em 1848 e Barão em 1864. Faleceu em Londres, a 22 de Fevereiro de 1875.

ANTIQUÁRiO

1945 - O sistema Molodensky - actualmente, um dos métodos mais utilizados para transformação de coordenadas entre os dados locais disponíveis - demonstra que a superfície física da Terra pode ser determinada a partir, somente, de medidas geodésicas, sem a necessidade do conhecimento da densidade da crosta terrestre.

DEZ1975 - Nos Burbank Studios, Steven Spielberg inicia a rodagem de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, a qual culminará num gigantesco hangar de Mobile (Alabama); estreado em Novembro de 1977, foi visto desde então por mais de 150 milhões de espectadores.

GALERiA

RUY DE CARVALHO
HOMEM & ACTOR

 

Uma das mais prestigiadas tradições artísticas entre nós, a raça dos actores consagrou-se em palco, atingiu o estrelato pelo cinema, virtualizou o sortilégio radiofónico, logrou popularidade com a televisão. Além da época em que se afamaram, nomes ilustres permanecem como uma herança lendária. Forjando o culto e a glória, em cada carreira pessoal transcende-se a precariedade do ser humano, entre a vida e a morte. Quem foram ou são, no entanto, esses homens e essas mulheres?

O instante fotográfico, o testemunho escrito, o elemento biografado constituem documentos relevantes mas fragmentários - tal como a crónica e a crítica, ou mesmo o registo fílmico, quanto à prova de talento... É neste contexto que se devem estimar obras como Ruy de Carvalho - o Actor de Nunes Forte, sobre um artista exemplar - tanto em historial e na actualidade, como na versatilidade dos seus desempenhos. A comemoração do meio século de carreira (1992) foi o pretexto, sobre aquele que o colega Canto e Castro considerou «a principal referência das pessoas da minha geração».

Mestre Francisco Ribeiro/Ribeirinho tornara-se um marco pessoal, com o Teatro do Povo (1950). Em imagens animadas, Ruy de Carvalho esteve ligado aos primórdios da televisão, em 1957, pela sua original interpretação do Monólogo do Vaqueiro de Gil Vicente. Cinco anos antes, Eram Duzentos Irmãos (1952 - Armando Vieira Pinto) assinalou a sua estreia no cinema. Mas foi António de Macedo a imprimir-lhe o rigor dramático em Domingo à Tarde (1965). A partir de Vila Faia (1982), dignificou a telenovela.

Bem a propósito, Ruy de Carvalho considera que «nós, os actores, temos um museu muito pessoal onde colocamos os nossos queridos, as nossas personagens». Irmão da actriz Maria Cristina, trocaria um curso comercial pelo Conservatório Nacional, tendo-se profissionalizado em 1947. Foi discípulo de Alves da Cunha, e encenador. Pai de João de Carvalho, a partir de 1977 esteve no Teatro Nacional. Incapaz de resistir aos desafios, vem desenvolvendo uma intervenção social e em prol da cidadania.

BREVIÁRiO

Novo Imbondeiro edita Ruy de Carvalho, Um Actor no Palco da Vida de Tito Lívio.

Atalanta Filmes lança em DVD, Os Três da Vida Airada (1952) de Perdigão Queiroga, Crónica dos Bons Malandros (1984) de Fernando Lopes, Filha da Mãe (1990) de João Canijo, O Fascínio (2003) de José Fonseca e Costa e A Passagem da Noite (2003) de Luís Filipe Rocha.

Assírio & Alvim edita A História Fabulosa de Peter Schlemihl de Adalberto Chamiço; tradução e ensaio de João Barrento, escolha de imagens por Lourdes Castro.

¨Fólio Editores lança Do Porto e do Olhar, crónicas e ensaios de Beatriz Pacheco Pereira.

Teorema edita Ada ou Ardor de Vladimir Nabokov (1899-1977); tradução de Fernando Pinto Rodrigues.

Editorial Presença lança A Arte Tibetana do Pensamento Positivo de Christopher Hansard.

Columbia edita em DVD, Bom Dia, Tristeza de Otto Preminger; sobre o romance de Françoise Sagan IMAGINÁRiO13.

Prefácio edita Os Navios de Portugal na Grande Armada - O Poder Naval Português 1574-1592 de Augusto Salgado.

Frenesi edita Portugal - Recordações do Ano 1842 do príncipe polaco Félix Lichnowsky, ao tempo da Rainha D. Maria II.

EMI edita Black Acetate de John Cale.

Antígona edita Sete Livros Iluminados de William Blake (1757-1827); tradução de Manuel Portela.

Quimera lança Fibrilações de Ana Hatherly; edição bilingue com versão em castelhano, por Perfecto E. Cuadrado.

Bertrand Editora lança Fernão de Magalhães - Para Além do Fim do Mundo de Laurence Bergreen; tradução de Inês de Castro.


IMAGINÁRiO62
08 DEZ 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

 ESCOMBROS

 

Na arquitectura fundamental da banda desenhada americana, nenhum dos heróis primordiais é, simultaneamente, tão íntegro e autêntico em sua essência clássica, e tão fecundo e virtual nos desafios recorrentes - como Batman em sua cruzada mártir e vitimadora, guerreira e libertária - entre as luzes e as trevas de um inferno aqui na terra, como o pesadelo gótico em que se ostenta Gotham City. Através de mil crepúsculos e ressurreições, em que a crise paladínica se confronta com a demência criminal, fascinando sempre a imaginação dos artistas mais talentosos, embora conservando a matriz épica sagrada por Bob Kane a partir de 1939, o Homem-Morcego ressurge, mais trágico e obcecado, mais autêntico e mutante, em Cidade Destroçada - sob chancela Devir - tal como o recriaram o escritor Brian Azzarello e o ilustrador Eduardo Risso, uma dupla prestigiada por Jonny Double ou 100 Bullets, especulando um inquietante mas violento fenómeno de justiça e vingança. Para tanto, até o Pinguim, o Joker e o Crocodilo assumem uma volúvel (a)versão no carnaval feérico, devastador, em que se confrontam o bem e o mal - para que tudo culmine num instante vertiginoso, mas transcendente, de inocência ou de expiação...

REPOSITÓRiO

O DETECTIVE CANTOR

 

As transposições entre o pequeno e o grande ecrãs constituem um fenómeno recorrente na tradição de Hollywood, para salvaguarda dos seus mananciais e expansiva sagração de imaginários romanescos. Assim consuma O Detective Cantor (2003) de Keith Gordon, sendo produtor e intérprete Mel Gibson. Cabe a Robert Downey Jr uma estilizada e versátil protagonização, como Dan Dark - um escritor de novelas policiais, na Los Angeles dos anos ’50. Afectado por degenerativa doença de pele, paira num leito de hospital, e vítima da sua propensão para confundir fantasia e realidade. Os negros fantasmas de infância e a sua deprimente situação convergem com as frustrações sentimentais e profissionais, transferindo-o para uma alternidade de conspiração e delírio pela assunção do seu heróico alter-ego, vocalista duma banda de baile. Há ainda gangsters à solta, a relação com as mulheres, um excêntrico psiquiatra e o pânico de perder o último manuscrito... Com base em The Singing Detective (1986), série televisiva de culto da BBC, ambientada em Inglaterra da década de ’40, o prestigiado criador/guionista Dennis Potter concebeu, antes de falecer em 1994, o argumento desta fascinante trama cinematográfica - em DVD sob chancela Lusomundo - envolvendo presente, memória e ilusão, nas suas implicações oníricas ou rituais.

MEMÓRiA

10DEZ1815-1852 - Ada Lovelace: «Cada vez que me envolvo num problema, ele toma uma forma fantástica na minha cabeça».

1874-13DEZ1955 - Professor Egas Moniz: Prémio Nobel da Medicina em 1949 - «pela descoberta do valor terapêutico da leucotomia em algumas psicoses».

19SET1975 - A BBC2 emite o primeiro episódio de Fawlty Towers, considerada uma das melhores séries da televisão britânica de todos os tempos, sendo protagonista John Cleese - também autor, com a mulher Connie Booth. A acção decorre em Torquay, região do Devon, ambientando-se no Fawlty Towers Hotel, cujo temperamental gerente se inspira num autêntico profissional que terá impressionado o excêntrico actor do Monty Python’s Flying Circus, estilizando uma obra-prima da comédia sofisticada e neurótica IMAGINÁRiO52.

CALENDÁRiO

24NOV2005 - Columbia & Warner estreia Harry Potter e o Cálice de Fogo (2005) de Mike Newell; com Ema Watson, Daniel Radcliffe e Rupert GrintLIMAGINÁRiO5.

BREVIÁRiO

Editorial Presença lança Harry Potter e o Príncipe Misterioso, sexto livro da saga por J.K. Rowling.

TRAJECTÓRiA

EGAS MONIZ

 

António Caetano de Abreu Freire nasceu em Avanca (Aveiro), a 29 de Novembro de 1874, vivendo desde cedo com um tio e padrinho em Pardilhó - que lhe alterou o apelido para Egas Moniz, por a família descender em linha directa do aio de D. Afonso Henriques. Após o curso liceal num Colégio de Jesuítas, em 1891 matriculou-se na Faculdade de Medicina em Coimbra. Concluída e formatura em 1899, estudou Neurologia nas Universidades de Bordéus e Paris, especialidade de que se tornou catedrático em Coimbra (1902). Optando pela carreira política, com Afonso Costa e Sidónio Pais, foi Deputado (1903-17), Ministro das Relações Exteriores (1918) e Embaixador em Madrid (1918-19). Voltou à vida médica e académica na Universidade de Lisboa (1921-44). Ali, passou a desenvolver uma importante investigação científica e cirúrgica - sobre a arteriografia (1927), a leucotomia pré-frontal (1936). Atingido o limite de idade, jubilou-se em 1944. Distinguido pela Academia Sueca em 1945, pelos trabalhos em Angiografia Cerebral, em Outubro de 1949 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia - cerimónia a que não esteve presente, por doença. Presidente da Academia das Ciências, pertenceu ao Grande Oriente Lusitano. Faleceu em Lisboa, a 13 de Dezembro de 1955.

 NOTICIÁRiO

Um Planeta a Baptizar - Um astrónomo, o Senhor Palla, mas notem que isto é verdade, que descobriu um número considerável de pequenos planetas, oferece o direito de baptizar o Asteróide N.º 244 ao capitalista que lhe oferecer mil duzentos e cinquenta francos. É de graça. Pois tem graça, poder entrar-se no luxo de ter o seu nome eternamente inscrito nas cartas celestes. Aproveitem os amadores.
14MAR1885 - Diário de Notícias

O Nobel e Egas Moniz - Sessenta anos depois de o primeiro Prémio Nobel português ter iniciado as suas investigações sobre psicocirurgia, reacende-se o debate sobre a prática da lobotomia. Familiares de pacientes que foram submetidos a lobotomias querem que o Nobel atribuído a Egas Moniz seja revogado. A fundação que atribui o prémio mais prestigiado do mundo já garantiu que isso «é impossível».
21JUL2005 - Diário de Notícias - Manuel Ricardo Ferreira (Washington)

Os Monty Python Ganham Concurso - Os filmes dos Monty Pyrhon foram considerados as melhores adaptações de séries de televisão para cinema. O Sentido da Vida, A Vida de Bryan e O Cálice Sagrado derrotaram produções como Missão: Impossível e Star Trek. O concurso foi realizado pela revista britânica Radio Times.
28SET2005 - Diário de Notícias

REPOSITÓRiO

 MONTY PYTHON
E O SENTIDO DA VIDA

 

Cada país tem específicos alvos e modelos de humor. O britânico - tal como provam as séries televisivas - pode tornar-se cáustico e violento, mas expõe-se nele um refinado cinismo e uma perturbadora angústia. Sendo determinante a versão em cinema, a série Monty Python não é um caso à parte, como Terry Jones e Terry Gilliam desbravaram com O Cálice Sagrado (1975), e Jones em A Vida de Bryan (1979), culminando com Monty Python no Hollywood Ball (1982) por Terry Hughes.

Entretanto, as exigências do mercado e os requisitos de uma co-produção anglo-americana tinham levado Jones e os companheiros a alterar, temática e formalmente, as características sobre O Sentido da Vida (1983): adoptando um desenvolvimento em quadros (ou segmentos), para - simultaneamente - lograr uma elipse sobre as distintas manifestações do homem, desde o nascimento e até à morte. Elipse essa, paradoxal e paroxísmica - empregando dois termos tão caros à verve dos Monty Python.

Vinte e tal anos depois, tudo parece agora mais esquisito, desbragado mas irresistível. Para além da fulminante e feroz mordacidade, ou de uma insolência implacável que, por vezes, a grosso modo ronda o grotesco, O Sentido da Vida contém uma reflexão virtual - na qual o ser humano está subjacente em suas misérias e aberrações, porém, numa caricatura apenas ultrajante quanto àqueles que se projectam ou identificam, como reflexo de um olhar insustentável.

Estas e muitas outras peripécias - sórdidas, surrealistas - exaltam a perspectiva dos Monty Python sobre O Sentido da Vida, num delírio cínico e execrável dos próprios intérpretes /argumentistas: Gilliam, Graham Chapman, John Cleese, Eric Idle, Michael Palin, e o realizador Jones. Gilliam ocupou-se ainda das sequências especiais ou animadas, tendo o Festival de Cannes atribuído o Prémio Especial do Júri a esta farsa que, segundo Jones, «é a história ao avesso, exorcizando os tabus e a ganância».

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Folhetim aperiódico

 Capítulo Dois
O VULCÃO DE VOLTA À LIÇA - 10

 Onde Vulcão se acoitava, seria algo irrevelável - e, além dos fiéis serviçais, apenas consabido por uns quantos, poucos cérebros que lideravam a malvadez num Portugal volúvel, clandestino, os quais aliás se submetiam às caprichosas ordens do diabólico superintendente. E o Vulcão - cuja eventual personalidade comum era, isso para todos, uma incógnita - desfrutaria, mesmo, de excepcionais prerrogativas ao nível internacional da tentacular hierarquia criminal! O que lhe conferia ilimitados, ridículos privilégios - como haver convertido o seu vil covil num antro de luxo e luxúria...

Mais fantástico, porém, é que as proezas do Vulcão se processavam numa espécie de universo paralelo àquele mundo trivial, de rituais e de rotinas, em que vivia a maioria da gente vulgar, obcecada pela lógica de subsistência, determinada por uma cultura entre deveres e haveres, morais ou civis, sem ousar nos desafios em que tudo se põe em causa, para além da natureza ou da normalidade. Portanto, o reino do Vulcão, que abencerragens como o Infante ousavam invadir, ou ameaçar, projectava-se pelos confins de uma realidade imaterial, alternativa.

Continua


 

IMAGINÁRiO61
01 DEZ 2005 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano II · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

(R)EVOLUÇÕES

 

Com produção e realização de Jorge António, Outras Frases (2003) documenta a importância criativa e o percurso pedagógico de Ana Clara Guerra Marques, bailarina e coreógrafa que, nos últimos vinte anos, procura novas estéticas e outras linguagens, quer através da pesquisa, estudo e interpretação dos elementos tradicionais, quer a nível da intervenção artística, sendo uma pioneira da dança contemporânea em Angola. Ao enquadrar em fundo a história política e social daquele país africano, com tão íntimas relações históricas e actuais a Portugal, Outras Frases - lançado em DVD, sob chancela Mukixe - toma por lema A dança em Angola mudou..., inserindo o depoimento representativo de personalidades com a relevância duma intervenção cultural de Luandino Vieira, José Mena Abrantes, António Ole ou José Eduardo Agualusa.

REPOSITÓRiO

LUCKY LUKE & MARSUPILAMI

 

Em alternativa à virtual revelação/divulgação duma actualidade em quadradinhos, quanto aos versáteis parâmetros internacionais da criatividade e do entretenimento, Edições Asa prossegue a sua consistente e fundamental ressurreição dos grandes clássicos da banda desenhada franco-belga, aliando a nostalgia dos fanáticos ao enleio das novas gerações:

LUCKY LUKE - As proezas do poor lonesome cowboy que dispara mais rápido do que sua própria sombra começaram em 1948, já com Jolly Jumper, por autoria de Maurice de Bevère, aliás Morris que, sete anos depois, se aliava a René Goscinny como argumentista LIMAGINÁRiO5. Novos álbuns: Arizona (1971), Daisy Town (1983), Os Dalton No Casamento (1993) com Fauche & Léturgie e Oklahoma Jim (1997) com Pearce & Léturgie.

MARSUPILAMI - Criados por Rob-Vel em 1938, convertendo-se André Franquin numa referência essencial, Spirou e Fantásio descobriram em 1952, na floresta virgem Palumbiana, este extraordinário animal - dócil mas irreverente, amável mas ousadoLIMAGINÁRiO4. Novos álbuns: O Pólen do Monte Urticando (1989) com Batem & Yann, Um Filho de Ouro (2000) com Batem, Saive & Bourcquardez e Que Palhaçada É Esta? (2001) com Batem & Dugomier.

MEMÓRiA

1109-06DEZ1185 - D. Afonso Henriques: «...um poder mais alto se alevanta...» (Luís de Camões - Os Lusíadas)

1500?-1545? - Bernardim Ribeiro: «Não sabia se falasse, / se saísse, se estivesse: / que o amor mandava que ousasse».

DEZ1685-1724 - Bartolomeu de Gusmão: «Um objecto mais leve do que o ar poderá, então, voar!».

07OUT1885-1962 - Niels Bohr: «O oposto de uma afirmação certa é uma afirmação falsa. Mas o contrário de uma afirmação profunda pode, bem, ser outra verdade profunda».

CALENDÁRiO

OUT2005 - Âncora Editora lança Humberto Delgado - O General Sem Medo de José Ruy; com o apoio da Fundação Humberto Delgado.

10NOV2005 - Columbia & Warner estreia V For Vendetta de James McTeigue, com Rupert Graves, Natalie Portman e James Purefoy; baseado na graphic novel em serial de Alan Moore & David Lloyd (1988).

16NOV2005 - Lusomundo lança em DVD, sob chancela Paramount Home Entertainment, No Direction Home: Bob Dylan de Martin Scorsese, focando a vida do cantor/compositor em 1961-66, incluindo gravações inéditas e entrevistas com artistas e músicos cujas vidas com a sua se cruzaram, durante o período em abrangência IMAGINÁRiO13.

07DEZ2005 - Na Livraria Almedina (Atrium Saldanha), o ciclo Falar de Blogues prossegue Com José Pacheco Pereira. Organização de José Carlos Abrantes.

07-18DEZ2005 - Teatro Taborda apresenta O Aniversário da Infanta de Oscar Wilde, sob direcção artística de Mário Trigo; também intérprete, com Flávio Tomé e Samuel Matias.

Até 31DEZ2005 - Festival Temps d’Images apresenta, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, a instalação Journey To the Moon de William Kentridge, incluindo Viagem à Lua, Sete Fragmentos Para Georges Méliès e O Dia Pela Noite.

TRAJECTÓRiA

BARTOLOMEU DE GUSMÃO
O PADRE VOADOR

 

Bartolomeu Lourenço de Gusmão nasceu em Vila de Santos, São Paulo (Brasil), em Dezembro de 1685. Feitos os estudos primários na terra natal, prosseguiu os secundários no Seminário de Belém, Bahia, tendo-se filiado na Companhia de Jesus. Aos vinte anos, concebeu um aparelho que fazia subir a água dum ribeiro à altura de cem metros. Em 1708, viajou para a Metrópole e, na Universidade de Coimbra, estudou Física, Matemática, Astronomia, Mecânica, Química e Filologia, além de Diplomacia, Criptografia e Direito Canónico, completando o Curso de Doutoramento em 1720. Entretanto, ao observar uma bola de sabão pairando, por influência da chama de uma vela, imaginou um aparelho mais leve do que o ar. Em 1709, e na sequência duma petição de privilégio para a sua máquina de voar, foi-lhe concedido alvará (sob pena de morte para os que interferissem ou lhe roubassem as ideias) no Palácio da Coroa, fazendo elevar - perante D. João V e o Núncio Apostólico, Cardeal Conti (depois Papa Inocêncio XIII) - um pequeno balão de papel pardo à altura de quatro metros, com o fogo duma tigela de barro incrustada na base.
Mais tarde, um grande curostático - que ele próprio, porventura, pilotou - foi lançado do Castelo de São Jorge, havendo percorrido um quilómetro. Chamou-se Passarola, por ter a forma de pássaro. Prestigiado orador, as suas pregações - como Sermão da Virgem Maria - foram editadas, como outros trabalhos literários e científicos, por Afonso d’Escragnolle Taunay. Após intrigas políticas e religiosas, por inimigos e fanáticos, escapou para Espanha. Em visita diplomática a Roma, por 1711, regressou a Portugal como Secretário dos Estrangeiros. Em 1722, é feito Fidalgo-Capelão da Casa Real. Porém, alvo de suspeitas pelo Santo Ofício, por obra de feitiçaria com a Máquina Volante do Método de Produzir Gás ou Vapor com que esta se enche, voltou a refugiar-se em Espanha, tendo falecido no Hospital da Misericórdia em Toledo, sob nome falso e indigente, a 19 de Novembro de 1724.

NOTICIÁRiO

Modéstia - Um americano inglês, que pelo nome não perca, acaba de oferecer a Sua Majestade El-Rey o senhor D. Luiz o desenho e a descrição de uma machina para voar (!). Este rival do finado Visconde de Vilarinho de São Romão (que também se dedicava à especialidade) termina assim modestamente a sua carta de remessa: ou um subsídio ou uma condecoração. Naturalmente, constou-lhe que andava por cá maré cheia.
18MAI1866 - Diário de Notícias

Bilbao: Viagem Aérea - O balão Saladino, conduzindo o Senhor Powell, foi visto a dois quilómetros desta, por um condutor de carro eléctrico. O balão ia em direcção à costa. Um chefe da Guarda Civil afirma que também o vira (Havas).
19DEZ1881 - Diário de Notícias

Morte de Um Aeronauta - O aeronauta Simmons, que tentava a viagem de Londres a Viena, viu-se obrigado a descer em Molton, mas a barquinha prendeu-se numa árvore e voltou-se, morrendo na queda Simmons, e ficando muito feridos os seus dois companheiros.
29AGO1888 - Diário de Notícias

O Balão - Fez ontem mais uma ascensão, do Jardim Zoológico, o famoso aereostato Lutece, de Mr. Godard. A subida efectuou-se mais cedo, ainda com sol, cujos raios incidiram no magnífico globo, como se ele fosse uma esfera metálica. Tomou a direcção Sul, parecendo por vezes que parava, descendo até ao rio para depois se elevar mais e indo cair para os lados do Sado, na Serra da Arrábida.
02JUL1894 - Diário de Notícias

ANTIQUÁRiO

1785 - Em viagem de balão, o francês Jean-Pierre Blanchard e o norte-americano John Jeffries atravessam o Canal da Mancha em duas horas, levando a bordo algumas cartas e inaugurando, assim, o correio aéreo. Este voo decorreu com várias atribulações, como a perda de altitude do aeróstato, pelo que os aeronavegadores tiveram que se libertar de diversas peças de roupa, para não caírem à água.

VISTORiA

Dizem que havia um pastor
antre Tejo e Odiana,
que era perdido de amor
per Da moça Joana.
Joana patas guardava
pela ribeira do Tejo,
seu pai acerca morava
e o pastor de Alentejo
era, e Jano se chamava.

Quando as fomes grandes foram
que Alentejo foi perdido,
da aldeia que chamam o Torrão
foi este pastor fugido.
Levava um pouco de gado,
que lhe ficou doutro muito
que lhe morreu de cansado;
que Alentejo era enxuito
de água e mui seco de prado.

Toda a terra foi perdida;
no campo do Tejo só
achava o gado guarida:
Ver Alentejo era um dó!
E Jano, pera salvar
o gado que lhe ficou,
foi esta terra buscar;
e, se um cuidado levou,
outro foi ele lá achar.
Bernardim Ribeiro - Écloga II (excerto)