José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO159
16 DEZ 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

TRESVARIOS




Indissociável da dupla heróica Wallace & Gromit (1982), a aventura da Aardman Animation principiou por 1972, em Inglaterra, entre David Sproxton e Peter Lord, tendo-se dedicado a séries televisivas, videoclips, publicidade e fitas curtas. Nick Park ligou-se ao estúdio de Bristol a partir de A Grand Day Out (1985), seguindo-se outras pequenas maravilhas, galardoadas pela Academia de Hollywood. Até à longa imortalidade, com A Fuga das Galinhas (2000), e à virtual aliança com a Dreamworks de Steven Spielberg, de que Por Água Abaixo (2006) - editado em DVD, sob chancela Lusomundo - foi a derradeira e irresistível manifestação. O mais sugestivo é o carácter extravagante, trágico, vitalista, de uma variegada bicharada - ratos, sapos, lesmas! - expondo a saga do roedor Roddy St. James, entre uma Kensington cosmopolita e os esgotos de Londres... Não sendo original, a Aardman foi pioneira ao especializar-se numa animação com modelos em argila e plasticina, recorrendo a meios minuciosos. Além do insólito deslumbramento visual, logrado pela realização de David Bowers & Sam Fell, sobressaem Por Água Abaixo o delírio narrativo e a graça dos diálogos, estilizando a exuberância sofisticada aos requisitos do espectáculo musical.

CALENDÁRiO

JUL1907-1972 - João Miguel dos Santos Simões: Investigador e historiador do Azulejo, tendo criado critérios para a sua inventariação, classificação, definição tipológica e datação. Em 1947, organizou uma secção no Museu Nacional de Arte Antiga/MNAA, a partir da qual foi fundado o Museu Nacional do Azulejo em 1960.

1929-02JUL2007 - Beverly Sills: «Um insucesso poderá desapontar-nos, mas nunca nos perdoaremos se não chegarmos a tentar».

1927-05JUL2007 - Régine Crespin: «A sua voz, o seu humor e o seu temperamento caloroso faziam dela uma personalidade irresistível» (Marcel Quillévéré).

31JUL-18NOV2007 - Museu Nacional de Arte Antiga/MNAA expõe O Tapete Oriental em Portugal - Tapete e Pintura, Séculos XV-XVIII.

MEMÓRiA

24NOV1897-1962 - Salvatore Lucania, aliás Charles Lucky Luciano: Gangster ítalo-americano, fundador e líder do crime organizado, durante a década de ’30. Amnistiado no final da II Grande Guerra, por «serviços prestados ao Exército dos Estados Unidos», foi deportado em 1946, instalando-se em Nápoles, onde passou a controlar o tráfico internacional de estupefacientes, em conivência com a máfia local.

1445-16DEZ1515 - Afonso de Albuquerque: «Mal com os homens por amor d’el-Rei, e mal com el-Rei por amor dos homens» IMAG.55.

1903-17DEZ987 - Marguerite Cleenewerck de Crayencour, aliás Marguerite Yourcenar: «Nunca perder de vista o gráfico de uma vida humana, que se não compõe, digam o que disserem, de uma horizontal e duas perpendiculares, mas sim de três linhas sinuosas, prolongadas no infinito, incessantemente aproximadas e divergindo sem cessar - o que um homem julgou ser, o que ele quis ser e o que ele foi» IMAG.47.

1904-19DEZ1977 - Jacques Tourneur: Um dos raros cineastas que, entre o inferno e o firmamento, se consagraram no limbo de Hollywood - usufruindo de um culto intemporal, sem estar cotado entre os mais célebres, tendo embora dirigido algumas obras paradigmáticas em vários géneros - como A Pantera (1943) sobre o drama fantástico, ou O Arrependido (1947) quanto ao film noir IMAG.55.

21DEZ1867-1943: António Pinheiro: «Em Portugal, há muito quem perceba de teatro, de cinema, de pintura e de medicina. Até há quem toque de ouvido…»

INVENTÁRiO

09JUN1597 - Em Reritiba, povoação da Capitania do Espírito Santo, morre o jesuíta José de Anchieta. Nascido em Tenerife, no ano de 1534 e cognominado o Apóstolo do Brasil, os seus restos mortais foram depositados junto ao altar-mor da Igreja do Colégio, na Bahia, sendo declarado beato pelo Papa João Paulo II em 1980.

23JUN1897 - Chega a Nápoles, a bordo do paquete Bundsratch, José Maria Furtado de Mendonça, estudante da Escola do Exército que se incorporara voluntariamente nas fileiras gregas em guerra contra os turcos. Participou em dois combates, como em Domokos, usando uma espingarda Kropatchek, e evidenciando sempre a maior coragem, o que lhe valeu uma carta especial do comandante da coluna em que se alistara, publicada no Diário de Atenas: «Da divisão garibaldina de Kilsiote sobressai, pela coragem e ânimo em combate, o intrépido Camisa Vermelha e amigo dos helénicos JMF Mendonça - este jovem leão encara a morte como um verdadeiro herói».

TRAJECTÓRiA

 ANTÓNIO PINHEIRO



Actor, encenador teatral e realizador do cinema português, António Pinheiro nasceu em Tavira, a 21DEZ1867, tendo falecido em Lisboa, a 02MAR1943. Aos dezoitos anos, interrompeu os estudos politécnicos, para cursar Declamação e Arte de Representar, no Conservatório Nacional. Em 1886, estreou-se no Theatro do Gymnasio, com o drama Nobres e Plebeus. A partir de 1905, dirigiu em Lisboa o Theatro Livre, tendo ensaiado vários autos e encenado diversas peças. Em 1908, liderou uma iniciativa de criação do Theatro do Povo. Enérgico, de um talento versátil, experimentou todos os géneros - da tragédia à comédia, da opereta à revista - nos principais teatros de Lisboa e do Porto, tendo realizado várias digressões ao Brasil. Aí se estreou no cinema em 1915, representando em Nossa Senhora da Penha/O Milagre da Senhora da Penha. Em 1911-1932, foi professor do Conservatório - contando-se entre os seus alunos Lily Damita, que celebraria uma carreira internacional no cinema. Em 1917, participou activamente na fundação da Associação de Classe dos Trabalhadores de Teatro. A partir de 1922, no Porto, colaborou em exclusivo com a Invicta Film - onde há três anos principiara uma regular carreira artística - nas funções de director de actores. Em Portugal, interpretou os seguintes filmes: A Rosa do Adro (1919), Os Fidalgos da Casa Mourisca (1920), Amor de Perdição (1921), Mulheres da Beira (1921), O Destino (1922 - e Director de Actores), O Primo Basílio (1922 - e Adaptação do Argumento, e Director de Actores), Cláudia (1923), Lucros… Ilícitos/Gold & Cª (1923), A Morgadinha de Val-Flor (1923 - substituído por Duarte Silva), Tragédia de Amor (1923 - e Realizador, e Argumentista), Tinoco em Bolandas (1924 - e Realizador), A Tormenta (1924), Festas da Curia (1927 - Director de Actores), A Portuguesa de Nápoles (1931). Traduziu algumas peças estrangeiras, e elaborou o guião cinegráfico de Entre Giestas (Carlos Selvagem). Publicou os Livros: Coisas da Vida, Contos Largos, Estética e Plástica Teatral, Opereta Portuguesa, Ossos do Ofício e Teatro Português; deixou inéditos Vocabulário Vicentino e Toda a Minha Vida.

VISTORiA



Em 1517, indo Duarte Coelho com Fernão Peres de Andrade, caminho da China, com um temporal que lhe deu arribou à costa do reyno de Sião, e entrou por o rio Menam, que o atravessa, nas correntes do qual está situada a cidade de Hudiá, capital do reyno, 30 leguas da qual elle invernou aquelle anno, e de ali tornou a fazer seu caminho por a China, d’onde era vindo... Quando, no anno seguinte, D. Aleixo de Menezes, tendo ordenado os negocios da cidade de Malaca, sua provisão e segurança, ordenou envia-l’o a el rey de Sião com cartas e um presente que lhe el rey D. Manuel mandara na armada em que d’este reyno se partiu Antonio de Saldanha o anno de dezassete. E isto em retorno de que o mesmo rey lhe tinha envido por Antonio de Miranda, quando lá foi por embaixador por mandado de Affonso de Albuquerque, depois de tomada Malaca, em traz do qual fora o mesmo Duarte Coelho, como atraz fica dito.

... E d’esta vez também teve grandes inteligencias em saber as cousas de lá, nas quaes estava mui pratico; assim que por essas razões o despachou D. Aleixo em um navio, em que o mandou bem acompanhado. E a substancia da sua embaixada era conformação de pazes, que Antonio de Miranda e elle assentaram com el rey de Sião; e pedir-lhe que houvesse por bem mandar que algum dos seus naturaes viessem povoar Malaca, como já lhe mandara dizer, porque sua tenção era desterrar d’ella todos-los mouros Malayos, e povoando-se dos seus, seria um meio para se melhor communicarem com os portuguezes em amor e paz, e as cousas do commercio andariam em suas mãos e não dos mouros, com que se tinham feito senhores da maior parte do maritimo de todo aquelle oriente; com a qual embaixada Duarte Coelho, partiu em 18 de Julho, d’aquelle anno de dezoito e chegou lá em novembro, porque o navio em que foi era do reyno de Sião e foi fazendo algumas demoras nos portos da costa.

Com a chegada ao qual el rey foi mui contente e me fez grande honra; e quando veiu a jurar as cousas da paz e da amizade que Duarte Coelho com ele assentou, em modo de sacramento da nossa religião, arvorou uma grande cruz de pau com as armas d’este reyno ao pé, no mais notavel ogar da cidade, como memoria e testemunho de paz que jurava, de que el rey ficou mui contente. E d’ahi a poucos dias ao pé d’ella enterrou Duarte Coelho um Pero Lopo criado do Duque de Bragança, D. James, que levava consigo, o qual faleceu de doença. Despachado Duarto Coelho muito à sua vontade por el rey de Sião, elle partiu da cidade de Hudiá em novembro do anno de dezanove, com três navios, um seu e dois que o mesmo rey mandava em sua guarda... Em as partes da Asia que descobrimos ha tres principes gentios, com quen temos communicação e amizade, aos quaes podemos chamar imperadores de toda a gentilidade oriental que habita a terra firme d’ella... O segundo é o rey de Sião. Ha ali grande quantidade de elephantes, chegando o rey de Sião a reunir n’uma guerra dez mil de combate.
João de Barros - Décadas (excerto) IMAG.68.



No recinto impregnado de vinagre em que dissecámos aquele morto, o qual não era mais o filho ou o amigo, mas apenas um belo exemplar da máquina humana, experimentei pela primeira vez a sensação de que a mecânica, de um lado, e a Grande Arte, de outro, tratam apenas de aplicar ao estudo do universo as verdades que nos ensinam os nossos corpos, nos quais se repete a estrutura do Todo. Não seria bastante toda uma vida para cotejar um com o outro este mundo em que estamos e este mundo que somos. Os pulmões eram o fole que reanima a brasa; o pénis, uma arma de arremesso; o sangue nos meandros do corpo era a água circulante das canaletas de um jardim oriental; o coração, conforme se adoptasse esta ou aquela teoria, era a bomba ou o braseiro; o cérebro, o alambique em que se destila uma alma...
Marguerite Yourcenar
A Obra em Negro (1968 - excerto)  



IMAGINÁRiO158
08 DEZ 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MISTÉRIOS



Parece uma charada, à maneira dos quadradinhos. E, em cada par de páginas, a vertigem das imagens forja um jogo intrincado, especula um cenário a desvendar... Tudo, para descobrir Onde Está Bin Laden? E Muitos Outros... - em álbum editado sob chancela BookTree - com ilustrações de Daniel Lalic, expandindo um estilo meticuloso e irreverente. À partida, Xavier Waterkeyn propõe a acção contextual, a seguir pelo virtual leitor convertido em explorador submergente, caso não se entretenha com os sarcásticos comentários a propósito de uma conturbada actualidade - que corresponde à realidade internacional das estratégias terroristas, dos tráficos ilícitos, das situações de risco, das vivências em perigo. De Paris ao Cairo, passando por Espanha ou Afeganistão, eis uma viagem estimulante e controversa - aos desafios que nos confrontam, às ameaças que nos cumpre identificar.

CALENDÁRiO

JUL2007 - Cármen Dolores é homenageada no 24º Festival de Teatro de Almada, incluindo uma exposição comissariada por Fernando Filipe.

JUL2007 - No Centro Cultural de Belém/CCB, decorre o 16º Concurso Internacional de Música Vianna da Motta, disputado pela primeira vez em 1957, sendo fundador e ainda presidente o pianista e pedagogo José Carlos Sequeira Costa.

1936-04JUL2007 - Henrique Viana: «Não tenho medo da morte, tenho é pena de morrer».

12JUL2007 - No São Jorge, Real Ficção estreia Ensaio Sobre o Teatro de Rui Simões; a partir da adaptação pelo Grupo de Teatro O Bando de Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago, retrata-se o processo criativo sobre o texto para peça, seguindo a encenação de João Brites IMAG.155.

28JUL2007 - Castello Lopes estreia Os Simpsons: O Filme de David Silverman, com as vozes de Dan Castellanata, Julie Kavner e Nancy Cartwright; sobre a série de animação concebida por Matt Groening, e emitida por Fox Network a partir de 1989.

1912-30JUL2007 - Michelangelo Antonioni: «Enfim, nós sabemos que sob a imagem revelada está uma outra mais fiel à realidade, e uma outra por debaixo desta, e ainda uma outra sob esta última, até existir a verdadeira imagem dessa mesma realidade, absoluta, misteriosa, que nunca será vista por ninguém».

1918-30JUL2007 - Ingmar Bergman: «Muitas pessoas de teatro esquecem que o nosso trabalho no cinema começa com o rosto humano. Podemos, com certeza, deixar-nos absorver completamente pela estética da montagem, podemos reunir objectos e seres inanimados num ritmo fascinante, podemos fazer composições do real de uma beleza indestrutível... Mas a possibilidade de nos aproximarmos de um rosto humano é, sem dúvida, a originalidade primeira e a qualidade que distingue o cinema».

MEMÓRiA

1925-09DEZ1977 - Clarice Lispector: «Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...»

1901-10DEZ1987 - Jascha Heifetz: «Não interessa em que lado estamos quanto a um argumento; há sempre pessoas que estão de acordo connosco, mas que gostaríamos de encontrar na posição contrária.»

14DEZ1897-1985 - Corina Freire: «Muito elegante, com um ar moderno... com uma voz mais educada do que o comum revisteiro» (Vítor Pavão dos Santos).

BREVIÁRiO

2006 - Deutsche Grammophon edita, em lançamento Universal, It Ain’t Necessarily So pelo violinista Jascha Heifetz; gravações registadas em 1944-1946.

¨Relógio D’Água edita Contos de Clarice Lispector.

PRIORITÁRiO

 





Latitudes - Cahiers Lusophones - Relativo a Abril de 2007, o número 29 desta revista bilingue, sendo director Daniel Lacerda, privilegia a temática Um Outro Nordeste: Trás-os-Montes, com destaque para prosoética, exposições, livros, música. Em Memória, José Manuel Esteves evoca o Centenário de Agostinho da Silva, «o homem que namorava o amanhã». A contactar para latitudes.cl@wanadoo.fr

ANTIQUÁRiO

DEZ1967 - O Cine-Clube do Porto organiza uma Semana do Novo Cinema Português, durante a qual são debatidas a crise e a rotura que afectam a nossa indústria artística. Tal reflectir-se-ia por um grupo representativo de autores revelados pelo Novo Cinema, em documento a apresentar à Fundação Calouste Gulbenkian. Perante O Ofício do Cinema em Portugal, a Gulbenkian anunciou, em finais de 1968, um montante de 3.200 contos à disposição do cinema nacional. Em Junho de 1970, eram aprovados os estatutos da cooperativa Centro Português de Cinema/CPC. Em Novembro de 1971, O Passado e o Presente de Manoel de Oliveira - primeira longa metragem do CPC executada com o patrocínio da Fundação - era exibido no Grande Auditório da Gulbenkian. Seguiram-se Pedro Só (1971 - Alfredo Tropa), O Recado (1971 - José Fonseca e Costa), O Mal-Amado (1972 - Fernando Matos Silva), Perdido Por Cem... (1972 - António-Pedro Vasconcelos), A Promessa (1972 - António de Macedo), Fragmentos de Um Filme-Esmola/A Sagrada Família» (1973 - João César Monteiro), Cartas na Mesa (1973 - Rogério Ceitil), Meus Amigos (1974 - António da Cunha Telles) ou Brandos Costumes (1974 - Alberto Seixas Santos).

1996 - Em produção de SP Filmes, Jorge Marecos Duarte e Sérgio Tréfaut realizam D. Carlos, Oceanógrafo: A vida e os estudos oceanográficos de D. Carlos I (1863-1908), o penúltimo Rei de Portugal. Contraste amargo entre a consagração científica do monarca e as caricaturas sarcásticas da época, que o parodiavam em todas as suas facetas.

NOTICIÁRiO

O Cometa Novo - Foi descoberto na noite do 1.º de Dezembro no Observatório de Paris, por Fabry. Tem a aparência de uma nebulosidade muito fraca, de um minuto e meio de diâmetro e o núcleo apresenta o brilho de uma estrela de 12.ª grandeza, o que a torna invisível à vista desarmada. Está situado na constelação de Andrómeda, na vizinhança do quadrado de Pégaso, dois graus pouco mais ou menos abaixo da estrela Zeta de Andrómeda. A sua posição no dia 1.º de Dezembro era às 9 horas, 34’ e 25” da noite, tempo médio de Paris. Ascensão recta, meia noite, 39’; 8”, 5”, distância polar 68057’ 35”. O cometa caminha 6 segundos por hora em ascensão recta e o movimento em declinação é muito fraco. Actualmente aproxima-se do Sol. É possível que a aparição d’este astro tenha conexão com a chuva de estrelas cadentes observada há dias ou que pertença ao grupo de fragmentos cometares de que faz parte o cometa de Biela.
10DEZ1885 - Diário de Notícias

 




Exposição Oceanográfica de El-Rei - Sua Majestade El-Rei esteve ontem na Escola Polytechnica e ali se demorou durante a tarde para ultimar os trabalhos de organização da sua Exposição, que deve chamar a atenção dos estudiosos para a sua importância científica.
El-Rei foi recebido pelos senhores Conselheiro Barbosa Du Bocage e Alberto Girard.
Esta interessante Exposição, segundo nos consta, deve abrir por estes dias ao público. Estará patente dois dias por semana, bem como o Museu da respectiva Escola, que tem espécimes mui variados e muito notáveis.
28MAR1897 - Diário de Notícias

ANUÁRiO

1987 - Dokie the Dog inicia em quadradinhos as proezas como herói canino, em jornais e revistas, criado pelo cartoonista Tony Ford, e destinado especialmente aos leitores adultos. Com um humor cúmplice mas estilizado, os fanáticos e outros viajantes informáticos puderam finalmente redescobrir histórias antigas ou divertir-se com as recentes proezas, em www.dokiethedog.com

1987 - Nascido Para Matar - Em Full Metal Jackett, Stanley Kubrick sagra um díptico sobre a Guerra do Vietname, entre a recruta dos marines em Parry Island, e a pavorosa vivência de combate na ofensiva de Tet. Rodagem em Inglaterra, com Vincent D’Onofrio, Mattew Modine e Adam Baldwin, sobre um romance de Gustav Hasford.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

 Capítulo Sete
CONTRAFEITOS À CONTRIÇÃO - 55

 Entre a fúria e o fogo, esparge a malícia o seu impasse, tão incapaz de rancores como de remorsos... Assim cismava Jacinto Magno, fluía alta a noite, dando voltas na incómoda cama de bilros. Para um forreta em si próprio, a insónia era um desbaratar da impassibilidade, mesmo na própria impossibilidade dum alheamento.

Involuntário, Magno reportava em seu íntimo abstracto - além do abatimento ou da consciência, como se fosse a papel químico impresso no próprio espírito sempre latente - o inexorável soçobrar dum historial intemporal, quanto à vacilação da estética virtual em detrimento da aberração ética.

Aliás, que esperar numa nenhuma Lisboa, réstia de todos os fenómenos - se os perfeccionistas definhavam na indiferença, quando a consumição avassalava aos proscritos?

Sinais eventuais. Inconformista, por sua vez, o Infante Portugal sentia no ar uma nauseabunda rendição aos valores amotinados. Promíscuo, vagou entre trastes e turistas pelo Panteão Imperial, onde tendia a vaguear sempre que o carácter lhe vogava para um conformismo saudosista. Depois, imiscuiu-se na frigidez do mármore, sem rendição, impregnado pelo calafrio afoito ante os mais venturosos. Era como um folheto mortiço, com o qual se exalçasse a sempiterna cerimónia dos primitivos ressurrectos.

Tal carícia imaculada reiniciou-o - para a posteridade duma gesta gasta, para a menoridade dum desígnio insigne. Sublime e néscio. Lembrou-se, então. Enquanto Rui Ruivo, havia à sua espera uma agenda imperativa, carregada de vacuidades. Logo, de ali a meia hora, assistir à solene tomada de posse na Vereação do Município... Um predisposto a confrade de eleições supletivas, tinha que despachar-se!

Tanto à pressa, o nó da gravata podia mesmo esganá-lo - até porque Deodato Roble nunca se habituaria aos hábitos de que se revestiam tais prosápias. Heroicamente, preferia o seu fato de Fado. Humanamente, o facto de um colarinho aberto lhe facilitar a circulação de Fluidos, numa estiagem das traqueias, era a melhor postura para aquela mania do inato à vontade. Mas um alívio de nada lhe valia, entretanto, quando a pressa de circunstância o bulia, todo, a ponto de cismar na depressão.

 Continua  



 

IMAGINÁRiO157
01 DEZ 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

VIBRAÇÕES



Reflectindo os parâmetros sobre a lei e a ordem que, nos Estados Unidos, fundamentam a justiça, a paz social tornou-se - ao longo de décadas - um garante virtual, a partir do qual Hollywood contrastaria uma dialéctica entre espectáculo e imaginário. Por outras palavras - o que convencionalmente se projecta em grande ecrã, resultaria como manifestação exacerbada de atritos e conflitos menores, enquadrados pelas fronteiras civis. Foi assim, até a América estarrecer, com o colossal atentado em 11 de Setembro de 2001. Desde então, o terrorismo converteu-se num fenómeno intrínseco - ferindo, transferido para o foro nacional. Em World Trade Center - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - Oliver Stone assume, explícito e radical, essas trágicas implicações pela saga de dois polícias da Port Authority, entre os últimos sobreviventes, resgatados dos escombros das Torres Gémeas em Nova Iorque. A emoção, a ansiedade, estigmatizadas no desempenho de Nicolas Cage e Michael Peña, segundo as referências testemunhadoras e os modelos rituais, recolocam a dinâmica de acção ante as motivações de identificação e alternidade, além dos pressupostos complexos ou redutores sobre o bem e o mal. Consagrando a realidade, penitenciada entre as sombras e as cintilações do cinema, qual espectro transfigurador.

CALENDÁRiO

07-24JUN2007 - Em Lisboa, decorre a segunda edição do Lisbon Village Festival, tendo como objectivo promover e incentivar a produção de cinema apenas em suporte digital.

18JUN2007 - Em edição de 2007, é atribuído o Prémio Stuart de Desenho de Imprensa El Corte Inglés / Casa da Imprensa: Grande Prémio Ilustração - Plágio Literário de João Fazenda (Público); Prémio Tira Cómica - Janela de Oportunidade de João Bandeira (Diário de Notícias); Prémio Cartoon/Caricatura - Reflexões Petrolíferas I - A Bandeira de António Antunes (Expresso).

22JUN-30SET2007 - No Porto, Museu Nacional da Imprensa apresenta o IX PortoCartoon World Festival, sob o tema principal Globalização; além da Festa da Caricatura, destacam-se as exposições O Humor de Ludo Goderis e Marlene Pohle - Tango.

1936-26JUN2007 - Filipe Ferrer: «Era um actor correcto e um profissional competente, com uma magnífica máscara» (Luiz Francisco Rebello).

29JUN-26AGO2007 - No Centro Cultural de Cascais, está patente a exposição de fotografias Cascais, em iniciativa da Fundação D. Luís I com The She Mouse Photo Event.

MEMÓRiA

1908-02JUL1997 - James Stewart: «Quando se tratava de beijar, nos filmes, Jean Harlow era a melhor».

08NOV1847-1912 - Bram Stoker: Romancista irlandês, autor de Drácula (1897): «Ocorreu algo semelhante a um milagre: perante o nosso olhar, e quase durante o tempo de um fôlego, todo aquele corpo se transformou em pó, desaparecendo».

1875-01DEZ1947: Aleister Crowley, aliás Augustus Edwin John Alistair Crowley: «A sua reputação foi a de um homem que adorou Satanás, mas é mais exacto dizer que apenas se adorou a si mesmo» (Martin Gardner).

03DEZ1867-1924 - Joseph Conrad: «O mar nunca foi um amigo. Quando muito, pode ter sido o cúmplice da inquietação do homem.»

07DEZ1937-1984 - José Carlos Ary dos Santos: «De sílabas de letras de fonemas / se faz a escrita. Não se faz um verso. / Tem de correr no corpo dos poemas / o sangue das artérias do universo.»

VISTORiA

 
Uma rosa vermelha absorve todas as cores,
menos a vermelha.
Vermelha, portanto, é a única cor que ela não é.
Tal Lei, Razão, Tempo, Espaço,
toda Limitação, cega-nos à Verdade.
Tudo o que sabemos sobre o Homem, a Natureza, Deus,
é apenas aquilo que eles não são;
é aquilo que rejeitam como execrável.

Aleister Crowley - Liber CCCXXXIII

ANTIQUÁRiO

1988 - José Pina concebe e realiza, para Radiotelevisão Portuguesa/RTP, O Mistério da Boca do Inferno. Portugal, 1930. A história secreta duma maldição, cuja vítima é um astrólogo pouco conhecido mas notável: Fernando Pessoa. O causador: Aleister Crowley - um mago negro, inglês e satânico, provável possuidor de todos os vícios possíveis a um homem, se o fosse, pois auto-intitula-se «a Besta 666». Entre um e outro, Pessoa e Crowley, vai travar-se a eterna luta entre bem e mal… Com José Mora Ramos e João d’Ávila.

ITINERÁRiO

 
Um Homem na Cidade

Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.

 José Carlos Ary dos Santos

BREVIÁRiO

Editorial Caminho edita Auto-Retrato - Poesia de João de Melo.

Afrontamento Edita Poema Pial de Fernando Pessoa; ilustrações de Manuela Bacelar.

Teorema edita A Casa dos Encontros de Martin Amis; tradução de Telma Costa.

Lusomundo lança em DVD, sob chancela Paramount, Neil Young: Heart of Gold de Jonathan Demme.

Publicações Dom Quixote edita Obras Completas de Urbano Tavares Rodrigues, cujo Volume I inclui A Porta dos Limites, Vida Perigosa e A Noite Roxa.

Civilização edita Corre, Coelho de John Updike; tradução de Carmo Romão.

NOTICIÁRiO

Joanna d’Arc - Diz o Monitor de Roma que a causa da beatificação de Joanna d’Arc foi submetida há dias à Congregação dos Ritos. A célebre virgem de Orleans terá o título de venerável até à sua beatificação.
07DEZ1855 - Diário de Notícias

VISTORiA






Tinha um rosto expressivo, nariz proeminente, testa alta e cabelos escassos na fronte, porém muito abundantes no resto da cabeça. A boca, sob o farto bigode, era talvez a parte mais notável: de aspecto cruel e dentes tremendamente brancos e aguçados, que sobressaíam entre os lábios mais vermelhos que já vi na vida. Quanto ao resto, as sobrancelhas quase se uniam por cima do nariz; as orelhas, um tanto afiladas; o queixo forte e as bochechas firmes, ainda que delicadas. Era extraordinária a sua palidez. Tinha as mãos firmes, também muito alvas, de unhas longas e afiadas. Possuía pelos no centro das palmas! Quando se inclinou para mim, e me tocou, não pude reprimir um calafrio...
Bram Stoker - Drácula (excerto)

PRIORITÁRiO



AEPGA - Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino - Associação sem fins lucrativos, fundada em 09MAI2001, tem por objecto social a protecção e promoção do Gado Asinino, em particular a raça autóctone Terras de Miranda - Burro de Miranda. Reúne criadores e admiradores deste gado e contribui para o melhoramento genético e criação de um conjunto de animais de características semelhantes, que actualmente sobrevive no Planalto Mirandês, representando a primeira raça autóctone de asininos de Portugal. Pretende ainda re-valorizar a imagem do Burro a nível nacional, particularmente do Burro de Miranda, contribuindo para a recuperação do seu efectivo e a potenciação de um modelo de aproveitamento socio-económico que respeite e preserve o património cultural e natural da região do Nordeste Transmontano. Consultar: www.aepga.pt

ANUÁRiO

1967 - Corto Maltese desponta n’A Balada do Mar Salgado por Hugo Pratt (1927-1995), convertendo-se em herói primordial na sagração de uma obra-prima da banda desenhada europeia IMAG.1.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Seis
SOB O SUOR DA ENGRENAGEM - 54

 

Por instantes, contemplou-os Huna com ostensiva defensiva. Porém, ao segundo segundo, segundo os parâmetros automáticos de Escudeiro Europa, evadia-se pelos seus pés em direcção ao Aqueduto das Águas Livres, enquanto ia remodelando a cápsula simbiótica.
Muito lá para trás, numa erecção frustrada, o Mocho Macho postou-se perante a Besta Seca, debicando a poção cebácea que se lhe aninhava na cabeça como inteligência.
Entre rezingada e resignada, ainda ali estacionava Auzenda Ausente, num chilique. Tão bem conhecia o parceiro, que esperava um iminente pinote de Abel Vertigem, a espernear pelo azedume.
Amo e amor, um contra-senso.
– Leste aquilo? Agora, até do Leste por cá atacam... – amainou o Mocho Macho, farto na frustração.
E, com a Besta Seca à cintura, assim rumaram, cabisbaixos, para o seu casulo infecto na Buraca.
O obtuso e o abstruso, um fiasco.
Escudeiro Europa oscilou, jactante, no topo do zimbório da Basílica da Estrela - onde, entretanto, se perfilara a espairecer, funâmbulo, espargindo emanações fosfóricas.
Afinal, podia ter sido pior. Poderia ter petrificado em gárgula no Jamor! E, embora ferreamente empedernido, sentiu um visco grosso escorrer-lhe entre as virilhas.

 Continua



IMAGINÁRiO156

24 NOV 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.or
· Ano IV · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

EMIGRAR



No Século XIX, a expansão agrícola e a carência de mão-de-obra atraíram ao Brasil uma importante emigração europeia. A partir da independência em 1822, verificou-se um incremento do fluxo migratório, ampliado pela proibição do tráfico de escravos em 1850, e tendo em vista a indústria, o comércio, as plantações de café e de algodão, ou a exploração da borracha.

Esse fenómeno incluiu mais de um milhão de Portugueses, oriundos primordialmente do Minho, das Beiras e da região de Lisboa, com embarque na foz do Douro e no porto da capital, além dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Tal motivou uma vasta rede de engajadores, mantendo-se como referência social e económica durante o primeiro quartel do Século XX.

CALENDÁRiO

07JUL-31MAR2008 - Na Amadora, o Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI expõe 007 Ordem Para Humorar, sendo comissário Osvaldo de Sousa, em quatro painéis: O Autor - Os Actores - Filmes e Personagens - Alegorias Políticas.

MEMÓRiA

26NOV1857-1913 - Ferdinand de Saussure: «Um signo é a unidade básica de uma língua. A fala é uma manifestação externa de uma língua».

28NOV1757-1827 - William Blake: «A ave constrói o ninho; a aranha, a teia; o homem, a amizade».

29NOV1797-1848 - Gaetano Donizetti: «Acabou-se o meu tempo, e outro deve ocupar o meu lugar. O mundo pretende algo de novo. Somos herdeiros de outros, e devemos também passar o nosso testemunho... Alegra-me dar a vez a alguém com o talento de Verdi» (1844).

1892-30NOV1947 - Ernst Lubitsch: «Todos poderemos recordar as grandes estrelas do cinema silencioso que deixaram de brilhar; os grandes realizadores que desapareceram; os grandes argumentistas que foram afastados. Mas lembrem-se disto, enquanto viverem: os produtores nunca perdem um homem. São eles que fazem a diferença. É entre eles que encontramos o maior talento».

ANTIQUÁRiO

29NOV1807 - Na iminência da invasão de Portugal pelo exército francês, liderado por Junot, D. João VI e a família real embarcam para o Brasil, em companhia de oito a quinze mil pessoas, sobretudo nobres e gente da alta-sociedade.

NOTICIÁRiO

Gaetano Donizetti - A cidade de Bérgamo, pátria do autor de Lucrecia Borgia, de Lucia, de Don Pascuale, da Linda de Chamounix, e de outras óperas que lhe deram celebridade, trata de comemorar o centenário d’esse glorioso maestro, que ali nasceu em 1797. A comissão artística do theatro da Scala, em Milão, resolveu também associar-se à comemoração donizettiana.
3FEV1897 - Diário de Notícias

VISTORiA


Saudade

Naquele dia, que nunca esqueci,
Parti de casa ao lado de meu pai.
Minha mãe soluçava!... Filho, vai,
Que eu ficarei rezando a Deus por ti.

...Manhã de Maio... Adeus, oh! bem querida
Aldeia carinhosa onde eu nasci...
Mares e grandes terras percorri,
Sempre lembrando aquela despedida.

E anos passaram.... Lutas, ansiedades,
E ela sempre dizendo: Filho meu,
Volta, vem mitigar minhas saudades!

Vem descansar aqui, perto de mim.
E eu não voltei... E minha mãe morreu
Saudosa, me esperando até ao fim!

Cruz d’Alva (Aristides de Matos-Cruz)
- Saudades (São Paulo - Brasil, 1956)

VISTORiA

 

O homem que nasceu
de cabeça para baixo

Julho de 1949

Francisco Sena ajeitou o fato de linho creme, todo em desalinho, e pôs os parcos centavos a tilintar no bolso das calças. Conferida a corrente do relógio, plaqué brilhante como ouro, seguiu-se o chapéu a tapar uma careca já com partículas de suor.
César, o irmão, mais velho, que ficara no Minho, esperava-o sentado no escano, coberto de cinza e poeira. Francisco inquietou-se, teve um leve trejeito de escárnio, porém logo dissimulou. Era como se voltasse atrás no tempo. Como se nunca tivesse de lá saído e, em vez do mano, fosse o pai quem ali estivesse.
Entre sedimentos de miséria e decepção, Francisco sentia-se incomodado. Mas tinha que reagir. Aproximou-se pois, blasonando, com o privilégio do seu mistério:

- Você está vendo? Eu voltei rico...

César nem pestanejou, hirto. Apesar de ansioso, inquiriu com uma frouxa indiferença:

- Esta manhã vais visitar o resto da família, e a aldeia?

- Não - contestou Francisco, com impaciência sonsa. – Eu hoje pretendo conferir alguns dos campos cá na terra, aqueles de que nunca fizemos partilha...

Sabia-lhe bem perturbar César. Mas o que Francisco queria, mesmo, era voltar aos sabores e olores da infância.
Saindo lesto, por um caminho em granito chegou à casa do Caneiro. Atendeu-o um alarve que ele não conhecia, o primo Maciel. Feitas as saudações, já calma a confraternização, a Auzenda de sempre reaproximou-se, com um rectângulo amarelecido:

- Lembras-te deste postal, que nos mandaste um dia?

- Sim, é isso aí... Eu vivi no Rio de Janeiro, fui um conceituado carioca!

- Carioca é um café com leite que eu, uma vez, tomei em Braga - atalhou Maciel, boçal mas sem chacota, palitando os dentes.

E logo Francisco, quebrando o imbróglio:

- Cachaça não é o mesmo que esta aguardente, que é fogo...

Tentando emendar a mão, Maciel incitou-o a contar mais. A divagar, Francisco cofiou o bigode fininho, ridículo:

- Amazonas, ferrovias, quedas de água de Iguaçu... Oh, eu andei por lá, andei por lá...

Auzenda subitamente, estando mais abandonados:

- Tu pintas o cabelo, não pintas?

Francisco atabalhoou, com um ligeiro embaraço:

- Qual cabelo, quase não tenho mais...

Maciel voltou à carga, com uma chalaça:

- Extravagâncias dessas, só para os que sabem abanar a árvore das patacas... E teve algum perigo, nas suas viagens?

Francisco, então, respondeu enigmático:

- Uma vez, ia sendo comido por uma jibóia...

Contudo, o brasuca Xicô, que em mancebo pertencera à Tertúlia dos Alegres Foliões, já estava farto da conversa mole.
De volta, César recebeu-o na mesma posição e com igual disposição, como se nem por um instante se tivessem apartado:

- Sempre foste um desnorteado...

E Francisco, lacónico, com uma sensual melancolia:

- Não, isso não... Em criança, engoli uma bússola, e cresci a fazer o pino. Por isso me fui...

Cá se fazem, assim se pagam.

@José de Matos-Cruz - Os EntreTantos (2003)

 

Nota de Autor

Os homens transitam do Norte para o Sul, de Leste para Oeste, de País para País, em busca de pão e de um futuro melhor.
Nascem por uma fatalidade biológica e quando, aberta a consciência olham para a vida, verificam que só a alguns deles parece ser permitido o direito de viver. Uns resignam-se logo à situação de elementos supérfluos, de indivíduos que excederam o número, de seres que o são apenas no sofrimento, no vegetar fisiológico duma existência condicionada por milhentas restrições.

Curvam-se aos conceitos estabelecidos de há muito, aceitam por bom o que já estava enraizado quando eles chegaram e deixam-se ir assim, humildes, apagados, submissos, do berço ao túmulo - a ver, pacientemente, a vida que vivem outros homens mais felizes. Nem todos, porém, se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos patrióticos, com palavras farfalhentas, existe apenas, como o resto do mundo, para fruição duma minoria. Mas eles, mordidas as almas por justificada ambição, querem também viver, querem também usufruir regalias iguais às que desfrutam os homens privilegiados. E deslocam-se, e emigram, e transitam de continente a continente, de hemisfério a hemisfério. Dão a volta ao planeta, cada um com a sua esperança colectiva, só o dinheiro tem valor para satisfação de determinados prazeres e para assegurar, com o bem-estar familiar, a tranquilidade na velhice.

Mas em todo o mundo, ou em quase todo o mundo, vão encontrar drama semelhante, porque semelhantes são as leis que regem o aglomerado humano. Não esmorecem apesar disso. Continuam a transitar de olhos postos na chama que a sua imaginação acendeu, enquanto os mais ladinos, aproveitando todas as circunstâncias favoráveis ou criando-as até, quando a esperteza é maior, fazem oiro com a ingenuidade dos ingénuos.
Eles continuam a transitar com uma pátria no passaporte, mas, na realidade, sem pátria alguma, pois aquela que lhes é atribuída pertence apenas a alguns eleitos. Para eles, ela só existe quando nos quartéis soam as cornetas ou nas repartições públicas se recolhem tributos. É assim na Europa e é assim nos outros continentes.

Nasce o homem e se não dispõe de riqueza acumulada pelos seus maiores, fica a mais no mundo. Entra na vida - já se disse e é bem certo - como as feras nos antigos circos - para a luta! Luta para criar o seu lugar, luta contra os outros homens, luta pelas coisas mesquinhas e não pelas verdadeiramente nobres, porque para essas quase não há tempo na existência de cada um.
Homens que, sujeitos a todas as vicissitudes provenientes da sua própria condição, transitam de uma banda a outra dos oceanos, na mira de poderem também um dia saborear aqueles frutos de oiro que outros homens, muitas vezes sem esforço de maior, sem sair sequer de sua casa, colhem às mãos cheias.

Esses homens vão correr a sua aventura porque têm falta de pão ou porque se convenceram, justamente, de que no mundo em que vivem só quem dispõe de oiro tem direito a expressões capitosas da vida. Em circunstâncias particulares, são iludidos por outros homens, que os exploram na sua própria terra, afirmando à ingenuidade deles que, mesmo assim rudes, mazorros e primários, encontrarão, neste e naquele trecho do planeta, fabulosas riquezas. E eles partem, então, fascinados pela miragem...

Ferreira de Castro - Emigrantes (1928 - excerto)



IMAGINÁRiO155
16 NOV 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

TESTEMUNHO



Mesmo entre nós, a tendencial adaptação em quadradinhos da existência e carreira de figuras públicas encontra dificuldades inerentes à versão oficial em contraste com a visão artística. Um exigente e meticuloso criador, João Amaral assumiu tais desafios e expectativas De António Martinho do Rosário a... Bernardo Santareno - Fragmentos de Uma Vida Breve [1920-1980], em álbum sob chancela de Âncora Editora, privilegiando o testemunho sobre um homem intrinsecamente complexo, sensível à realidade do seu tempo e aos problemas sociais, notável escritor dramático e poeta comprometido, que transfigurou para a representação os duelos íntimos, os dilemas da palavra límpida, as marcas da censura, a adversidade e a repressão, os transes da política e a liberdade cerceada, o paradoxo histórico e os desígnios da religião, a angústia sexual e os compromissos da felicidade. Entrecortada ou fragmentária, na primeira pessoa, a narrativa de João Amaral, reveladora e acutilante, tem uma expressiva correspondência no seu peculiar estilo pictográfico.

ANTIQUÁRiO

16FEV-27MAI2007 - Museu do Chiado expõe Columbano Bordalo Pinheiro - 1874-1900; primeira parte de um díptico de homenagem ao pintor, sendo curador Pedro Lapa, a propósito dos 150º Aniversário do seu nascimento.

17NOV1717 - Mandado construir por D. João V, é lançada a primeira-pedra do Real Convento de Mafra - o mais importante monumento do barroco português, sendo director da obra João Frederico Ludovice. A Basílica foi sagrada em 1730, celebrando-se o quadragésimo-primeiro aniversário do monarca.

18NOV1985 - Em trinta e cinco jornais americanos, principia a publicação de Calvin & Hobbes, entre nós no Público desde 05MAR1990; até 31DEZ1995, tendo o autor Bill Watterson entrado em reclusão absoluta.

CALENDÁRiO

JUN2007 - O autor e argumentista de quadradinhos, Stan Lee - com oitenta e quatro anos, pai de super-heróis como Spider-Man ou X-Men - assina contrato com a Walt Disney, para a criação de novas personagens e a sugestão de jogos, livros, comics e outros formatos, através da sua empresa Pow! Entertainment IMAG.1-3-5-19-20-23-27-40-45-47-74-98-110-114-133.

1931-8JUN2007 - Richard Rorty: Ensaísta norte-americano, professor universitário, teórico da escola do pragmatismo, «salvou a filosofia dos seus constrangimentos analíticos» (Russell A. Berman).

23JUN-09SET2007 - No Centro Cultural de Cascais, está patente A História da Vela em Cascais, exposição organizada pela Câmara Municipal, assinalando os Campeonatos do Mundo de Vela e as Comemorações do Centenário da Federação Internacional de Vela/ISAF.

10JUL2007 - No Cinema Teatro Joaquim de Almeida, Câmara Municipal de Montijo apresenta Música, Estética e Sociedade Nos Escritos de Jorge Peixinho de Cristina Delgado Teixeira, em lançamento da Editora Colibri e do Centro de Estudos de Sociologia e Estética da Universidade Nova de LisboaLIMAG.40-67.

16-24NOV2007 - Em Évora, decorre o FIKE 2007 - Festival Internacional de Curtas Metragens.

MEMÓRiA

1714-15NOV1787 - Christoph Wilibald Gluck: Compositor bávaro, considerado o pai da ópera moderna - em parceria com o dramaturgo italiano Raniero de Calzabigi (1714-1795); em França, foi professor da rainha Marie Antoinette, e compositor da corte imperial.

15NOV1887-1972 - Marianne Moore: «Quando a técnica não tem qualquer interesse para um escritor, duvido que esse escritor seja um artista».

17NOV1927-1993 - Rogério Paulo: «Uma criatura muito honesta e um grande companheiro, para além de ser um grande actor» (Eunice Muñoz).

18NOV1787-1851 - Louis Jacques Mandé Daguerre: Criador do Diorama, na década de ’30 do Século XIX desenvolveu o daguerreótuipo, um dos mais antigos suportes de imagem fotográfica.

 

21NOV1857-1929 - Columbano Bordallo Pinheiro: A fama não eliminou «o carácter de misantropia, de desconfiança, de egoísmo e de secura da personalidade de Columbano. A sua genialidade não rimava com a sua simpatia humana. O mestre criara um mundo estreito e fechado, de que era o único e terrível senhor» (Fernando de Pamplona).

COMENTÁRiO



Em Novembro de 1977, estreava o segundo grande filme de antecipação e fantástico dos tempos actuais, após 2001 - Odisseia No Espaço (1968) de Stanley Kubrick. Sagrando Encontros Imediatos do Terceiro Grau, um espectáculo inexcedível de emoções e deslumbramento - onde pela primeira vez se foca, de uma forma coerente e fascinante, o convívio entre humanos e seres de outros mundos.

Mais de cento e cinquenta milhões de pessoas assistiram, desde então, a essa inolvidável aventura concebida por Steven Spielberg - segundo o que poderia constituir uma nova era para a civilização a que pertencemos, sem descurar o cunho realista de que, verosimilmente, deveria revestir-se. A fórmula ideal resultou, mantendo quanto aos alienígenas a intensidade de mistério e maravilhoso, embora dotando os anfitriões de capacidade e conhecimento tecnológico suficientes para estabelecer um encontro.

Três anos passados, Spielberg levou mais longe a sua ousada experiência, inaugurando uma estratégia aliciante, na história de maiores sucessos do cinema americano: uma outra versão dos Close Encounters of the Third Kind - integrando novas sequências, dinamizando a montagem, mesmo com alguns cortes cirúrgicos, e - principalmente - seguindo o protagonista ao interior da nave visitante.

Neste acontecimento culminante, corria o realizador o maior risco - ao abstrair, na expectativa de revelação e novidade, o cunho mágico que rodeava o epílogo original. No entanto, o desafio foi resolvido da melhor maneira, graças sobretudo à visão apoteótica que se depara a uns quantos privilegiados, prestes a seguirem o caminho das estrelas...

Assim, e na sequência de um contacto com viajantes cósmicos, plenamente cumprido, efectua-se a troca de alguns terrenos colhidos ao acaso (por exemplo, aviadores durante a II Guerra), por um grupo especialmente treinado para a eventualidade. Antes, descrevem-se as fases preliminares: observação de ovnis e vestígios materiais da sua existência, através dos quais travamos conhecimento com os heróis da extraordinária epopeia, a qual vai entretanto adquirindo dimensão e encantamento.

O grande trunfo e triunfo dos Encontros Imediatos do Terceiro Grau resulta, essencialmente, na excepcional virtualidade dos efeitos especiais de Douglas Trumbull (o mesmo de 2001 - Odisseia No Espaço), gerando uma atmosfera sobretudo luminosa e futurista (com supervisão de Robert Swarthe, na Edição Especial remasterizada), a que a música de John Williams suscita uma extensão prodigiosa. Por sua vez, os intérpretes Richard Dreyfuss, Melinda Dillon e François Truffaut conferem um registo dramático intenso, mas contido.

Spielberg insinuaria, enfim, uma probabilidade significativa mas inquietante: aqueles que, aparentemente, foram escolhidos pelos extraterrestres para os acompanharem, acabam por ser evacuados pelas forças armadas, e substituídos por uma elite de expedicionários - como se o Poder, ainda e sempre, precavesse os seus iniciados, entre o profano e o transcendente.

ELUCIDÁRiO

 

Papel Moeda - Foi em 1797 que em Portugal se criou o papel moeda, o qual apareceu sob a forma de apólices de curso forçado, e devendo representar um quarto do empréstimo de 12 milhões, então anunciado. Essas apólices deveriam ser aceites pelo Estado e pelos particulares, em metade dos pagamentos, por seu valor nominal.

Principiou a emissão por bilhetes de 10$000 réis e foi tal a invasão d’eles no mercado que, no princípio d’este século, posto só estar autorizada a circulação de 1:200 contos, circulavam mais de 10:000.

Em suma, no relatório de José da Silva Carvalho, apresentado a Cortes na sessão extraordinária de 1834, encontra-se a nota, assinada pela Comissão da Junta de Crédito Público d’esse ano, que nos livros respectivos se achava escriturada a emissão de 16.513.720$000 réis em apólices, e a amortização, desde 1801, de 2.900.885$800 réis.

Muito papel moeda falso foi também amortizado e enorme quantidade havia em circulação, pois que a mesma nota menciona que d’ele pagará o Estado 518.364$800 réis.

06JUN1897 - Diário de Notícias

 NOTICIÁRiO

Columbano - A fim de não ferirem a modéstia de Columbano Bordallo Pinheiro, está posta de parte a ideia de que os amigos d’aquele artista lhe ofereçam um banquete, como manifestação de protesto pela votação do júri do concurso para a cadeira de Pintura Histórica na Escola de Bellas-Artes. Estes amigos, porém, vão redigir um protesto que, depois de assinado por literatos e artistas, será entregue ao Governo.

20ABR1897 - Diário de Notícias

PRIORITÁRiO

 

 

2006 - Editorial Caminho lança As Pequenas Memórias de José Saramago. [Azinhaga, concelho da Golegã, 16NOV1923] «Foi nestes lugares que vim ao mundo, foi daqui, quando ainda não tinha dois anos, que meus pais, migrantes empurrados pela necessidade, me levaram para Lisboa, para outros modos de sentir, pensar e viver, como se nascer onde eu nasci tivesse sido consequência de um equívoco do acaso...»

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

 Capítulo Seis
SOB O SUOR DA ENGRENAGEM - 53

 
 Eis quando Abel Vertigem se acercou, também fardado a rigor mas prosaico de excitação. Só que Auzenda não deu vantagem, passando-lhe o passaporte que atestava uma tal Huna Europa.

– Engano-me muito, ou estamos perante um exemplar de emigração ilícita e profissão clandestina...

Chocarreiro, Abel contrariou-a:

– Ou vice-versa, quem sabe! Emigração clandestina... Ou profissão ilícita... Ora, deixa-te disso. Não te esqueças que a própria legalidade é, muitas vezes, duvidosa...

Depois, imperativo, devolvendo o documento à procedência:

– Tu, aí... Abala!

  Continua   



IMAGINÁRiO154
08 NOV 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

ARTES






Sejamos honestos - façamos, então, de conta.
Cada um é como é. Quem sabe, saberá. Ter ou não ter, faz a indiferença.
Há fortuna, ah infortúnio.
E o que nunca será revelado. E quem só por si inspira. Aquilo que não se vende. Tudo o que não se compra.
Artifício, crepúsculo...
Uma invenção autêntica. Criando, os homens despertaram de um sono profundo. Enquanto a natureza adormece, sob as luzes do imaginário.

MEMÓRiA

1909-09NOV1977 - Fernando Fragoso: «Nunca fui argumentista - ou melhor: nunca parti do nada para construir uma história. Fui sempre guionista, um adaptador, um autor de sequências. Tal pressupõe, como é evidente, que se trabalhe sobre uma ideia de base. Quase sempre com inteira liberdade».

13NOV1897-1948 - José Angelo Cottinelli Telmo, «que há muito nos habituámos a admirar como um dos mais talentosos artistas da nossa terra, tem o seu nome ligado à história do cinema português» (Fernando Fragoso).

14NOV1887-1918 - Amadeo de Souza-Cardoso: «O futurismo é um truc charlatão sem sensibilidade nem cérebro, camelote do cubismo; o cubismo é uma caligrafia mental e literária. A arte tal como a sinto é um produto emotivo da natureza».

14NOV2006-14JAN2007 - Fundação e Museu Calouste Gulbenkian expõem Amadeo de Souza-Cardoso, Diálogos de Vanguarda.

BREVIÁRiO

2006 - Fundação Calouste Gulbenkian lança, em edição fac-similada, La Légende de Saint Julien L’Hospitalier de Gustave Flaubert, com ilustração (1912) por Amadeo de Souza-Cardoso.

TRAJECTÓRiA

Souza-Cardoso

Amadeo Ferreira de Souza-Cardoso nasceu em Manhufe, Mancelos (Amarante), a 14 de Novembro de 1887, numa família de lavradores abastados e afidalgados. Em 1905, iniciou o curso de Arquitectura na Escola de Belas-Artes de Lisboa. Em 1906, partiu para Paris, instalando-se em Montparnasse. Dedicou-se ao desenho e à caricatura. Privilegiando a pintura, frequentou ateliers livres - em contacto com o impressionismo ou o expressionismo - e a Academia Vitti de Anglada Camarasa. Em 1911, apresentou trabalhos no XXVII Salon des Indépendants, relacionando-se com Amadeo Modigliani, Diego Rivera e Robert Delaunay. Em 1912, publicou XX Dessins par Amadeo de Souza-Cardoso, e ilustrou La Légende de Saint Julien L’Hospitalier de Gustave Flaubert. Em 1913, participou na exposição The Armory Show em Nova Iorque, seguindo-se Chicago, Bóston e Berlim. Em 1914, após intervenção no XXX Salon des Indépendants, e devido à Guerra Mundial, regressou a Portugal, encontrando-se com Antoni Gaudi na passagem por Barcelona. No Porto, casou com Lucie Pacetto. Em 1916, realizou a exposição individual Abstraccionismo, no Salão do Jardim de Passos Manuel no Porto, e em Lisboa na Liga Naval. Em 1917, participou no Movimento Futurista Português com Almada Negreiros, que o considerou a «primeira descoberta de Portugal no Século XX». Autor vanguardista, desenvolveu o cubismo analítico, tendo experimentado novas formas e técnicas. Vítima de pneumónica, faleceu em Espinho, a 25 de Outubro de 1918.

 Cottinelli Telmo

José Angelo Cottinelli Telmo nasceu em Lisboa, a 13 de Novembro de 1897. Frequentou o Liceu Pedro Nunes. Em 1917, tornou-se decorador da Lusitania Film, trabalhando em O Homem dos Olhos Tortos, Mal de Espanha e Malmequer (1918) de Leitão de Barros. Em 1920, concluiu o curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas-Artes/ESBAL. Autor de banda desenhada, assinando como Tio Pirilau, fundou e dirigiu o ABC-zinho (1921). Responsável pelo grafismo da revista Kino (1930), foi ainda Arquitecto-Adjunto dos Caminhos de Ferro Portugueses/CP (1923-1948), colaborador do Ministério das Obras Públicas, membro da Comissão das Construções Prisionais (1934). Em 1932, orientou a construção dos estúdios da Tobis Portuguesa. Organizou o Pavilhão Português das Exposições do Rio de Janeiro (1922) e de Sevilha (1928), a Exposição do Mundo Português e a Fonte Monumental (1940), a Praça do Império e a Zona Marginal de Belém (1941), o Monumento das Descobertas, e a Cidade Universitária de Coimbra. Em 1938-1942, dirigiu a revista Arquitectos. Escritor, crítico, ilustrador, animador cultural. Professor de Desenho no Liceu Pedro Nunes. Distinguido com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Cineasta amador (entre outros, Canção de Santa Cruz), dirigiu como profissional A Canção de Lisboa (1933) e as curtas metragens Gente da Via, Máquinas e Maquinistas e Obras de Arte (1938). Faleceu em Cascais, vítima de uma onda quando pescava no Guincho, a 18 de Setembro de 1948.

INVENTÁRiO

Assim Me Falava
Fernando Fragoso



De certo modo, uma vertente significativa da existência de Fernando Fragoso (1909-1977) confunde-se com o cinema português que, numa fase importante da sua história, dele manifesta por igual a marca tão expressiva de talento e competência. Lamentavelmente, trata-se de uma personalidade de quem pouco se fala, que hoje poucos conhecem. A quem falta ainda render uma justa homenagem - que poderia começar por ser a valoração integral de uma carreira ampla, multifacetada.

Eis um memorial discreto, mas sempre oportuno, através daquilo que melhor o representaria: o testemunho, as palavras. Começando por lembrar que ele colaborou em revistas como Cinéfilo, Imagem, Animatógrafo, tendo fundado e dirigido outras como Cine-Jornal (1935). Publicou Hollywood em Lisboa (1943) e A Maravilhosa História da Arte das Imagens (1956). Durante trinta e três anos, foi director do São Luiz. E crítico teatral. E director do Diário de Notícias (1971-1974).

A partir de 1931, Fernando Fragoso - que estudara Medicina - realizou filmes como Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul (1940), tal como noutras actividades associado a Raul Faria da Fonseca. A sua prestação primordial e singular resultaria, no entanto, enquanto autor de adaptações e sequências cinematográficas de uma quinzena de longas metragens - entre as quais João Ratão (1940 - Jorge Brum do Canto), O Costa do Castelo (1943) ou A Menina da Rádio (1944 - Arthur Duarte).

Já nos anos ’70, tive oportunidade de conhecer Fernando Fragoso, e de registar as suas impressões cúmplices - sobre o relevante papel exercido, algo competitivamente, pelo São Luiz e o Tivoli quanto à nossa indústria de sétima arte. Impressões informais, em que perpassa a lucidez do observador, a experiência do agente cultural. De certo modo, a vivacidade de um homem conhecedor e afável - que desejaria manter o anonimato, sobretudo no domínio em que exerceu uma vincada influência pessoal.

Lembrava Fernando Fragoso que, quando começou a interessar-se pelo cinema, este «só tinha projecção, como espectáculo, entre as massas populares, dada a natureza dos recintos e o carácter da programação: exibiam-se filmes de aventuras e farsas». A excepção era o «Central, que já funcionava para minorias, como sala de arte e ensaio» - embora os intelectuais se desinteressassem, não lhe reconhecendo um tal estatuto. Além do interregno provocado pelo malogro da Invicta Film, havia a controvérsia quanto às imagens puras.

Graças ao São Luiz a partir de 1928, e ao Tivoli, «a que se ligam os nomes das famílias Ortigão Ramos e Lima Mayer, o cinema conquistou essa camada que, até então, não atraía». Era a época do expressionismo alemão. «Achávamo-nos no fim do mundo - mas, sobretudo os jovens que foram contagiados, sentiram necessidade de escrever e trabalhar no meio». Aliás, tudo coincidiu com «uma subida espectacular de qualidade do cinema português, de modo a interessar as pessoas que dele estavam divorciadas».

A partir de então, observaria Fernando Fragoso, «os intelectuais e os estratos cultos ou evoluídos da população passaram a convergir. O cinema tornou-se um caso de mundanismo - mas ganhou com isso». O São Luiz e o Tivoli chamaram um público que viria a diluir-se com a dispersão das salas, mas que nessa altura «se encontrava compartimentado. Nas quatro primeiras noites de estreia, os filmes tinham que fazer sessenta por cento da receita total, para passarem à semana seguinte - o que era difícil».

Quanto à montagem financeira, estava dividida «em três partes: um terço pertencia ao produtor, os outros ao distribuidor e ao exibidor - porque não havia mecenas, nem bancos que financiassem o cinema. Houve quem perdesse, e houve quem ganhasse. Quem se arruinasse, quem apenas ficasse com os louros. O público não era ignorante: nunca houve tantas nem tão boas publicações especializadas - jornais e revistas. O cinema era acessível às maiorias - elites ou não, gente burguesa ou simples massas populares».

Convém lembrar que, só o São Luiz, tinha mil e duzentos lugares… Analisando o fenómeno, reparou Fernando Fragoso que «o cinema português tinha que assentar na nossa história, nos nossos artistas ou no nosso folclore - que era o que agradava ao grande público. Os actores cómicos resistiram à passagem dos anos e das modas, porque eram bons, tinham talento. As fitas eram fáceis, ligeiras, mas com alguma coisa lá dentro. E, como que por milagre, tornaram-se intemporais - mercê dos gags, da ironia dos diálogos».

EPISTOLÁRiO

Meu querido tio

Estranhei a sua carta pela maneira como me compreendeu, ou eu mal me exprimi. A minha vida não é nada de contemplação, ao contrário tudo o que há de mais real, mais de facto. Nem eu sou um temperamento contemplativo, essa idade passou quando eu ia pelo Coliseu ouvir a Tosca. Não, isso permite-se numa outra idade, e se acaso não passa, é um sinal incontestável de inferioridade. Agora a minha idade é outra - resolver problemas e marchar, subir em cultura física, e espiritual e artística ao mais alto degrau, aproveitar desta vida o mais possível, pois que tudo é passageiro, e o Céu outrora prometido já não seduz os homens modernos. Em Arte estamos em absoluto desacordo. De resto, estou-o também com os amigos compatriotas que marcham numa rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte raras coisas. Porque eu não gosto de Rodin ou Ticiano, todos me dizem que sigo um mau caminho. E porquê? Se cada um se fiasse no caminho que nos aconselham nada de mais se fazia, pois que eles, os outros, só sabem indicar-nos as suas próprias pisadas. Há gente que chama ao meu estado uma pretensão para sair fora do vulgar - que pensem o que queiram, indiferente me é - eu tenho as minhas razões e bastam. Eu sei o que agrada em geral - eu na generalidade desagrado. Até certo ponto não é menos lisonjeiro.

A técnica de que fala é coisa em que nem penso. Fixar aí a ideia é parar muito aquém do fim. Qualquer aprende. Ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa por falta de técnica, mas por falta de outra coisa que se chama temperamento.
Enfim, para mim os tais artistas de técnica acabaram.

Não é precisamente uma exposição que vou fazer. São apenas alguns desenhos e alguns cartões que fiz aí que colocarei no meu atelier com o fim de serem visitados em intimidade e ver se vendo alguns. Tudo isto são coisas a que não ligo nenhuma sorte de importância e talvez as únicas que poderei vender. Eu não me iludo, sei separar-me de mim para julgar...

Agora outra coisa: as minhas ideias não têm relação nenhuma com a nossa estima, e espero que me julgue sempre bom amigo e grato a toda a afeição e favores que me concede. Dê um abraço à Avozinha e outro para si do seu sobrinho e grande amigo

Amadeo (de Souza-Cardoso
- Carta ao tio Francisco Cardoso
-  excerto - c1910)



 

IMAGINÁRiO153
01 NOV 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MISTÉRIOS

 

Portugal, 1943. Enquanto Ilsa Lund, Rick Blaine e Victor Laszlo se debatem, entre dilemas afectivos, crises de consciência ou fantasmas do passado, em Casablanca (segundo Michael Curtiz), Lisboa exibe a calma, aparente, de capital dum país que encena a sua neutralidade. Eis uma cidade cosmopolita, onde se reflectem - afinal - estratégias políticas, interesses económicos, dramas de refugiados, conflitos de diplomacia e espionagem, quanto à guerra que avassala a Europa, num confronto entre blocos beligerantes. A 1 de Julho, um avião civil da KLM, ao serviço da BOAC, assegurando a ligação com o Reino Unido, é abatido por uma esquadrilha germânica, ao sobrevoar o Golfo da Biscaia. Entre as vítimas, Leslie Howard - um prestigiado actor de teatro e cinema cujas incidências misteriosas duma missão entre nós, aliadas às insólitas circunstâncias do trágico acontecimento, geraram suspeitas e especulações sobre conspiração ou silêncios incómodos... Eis O 13º Passageiro - uma fascinante edição em quadradinhos, sob chancela O Mundo em Gavetas - por José António Barreiros (argumento) e Carlos Barradas (ilustração), conjugando o testemunho ficcional e a reconstituição de época. Um incisivo Posfácio do historiador Douglas L. Wheeler estabelece uma abrangência virtual, entre lances volúveis, fragmentários, em que o fascínio da intriga corresponde ao artificialismo de atmosferas, transfigurando a própria mitologia do imaginário.

CALENDÁRiO

1923-09JUN2007 - Ousmane Sambène: Cineasta senegalês - «Não me motiva, apenas, entreter e ganhar dinheiro».

16JUN2007 - Em Kruishoutem (Bélgica), é inaugurado o Centro Europeu de Cartoon/European Cartoon Center - tendo em vista promover o cartoon e a caricatura como expressão artística contemporânea - que presta homenagem ao artista argentino Guillermo Mordillo, cuja obra é divulgada em Portugal pela Booktree.

16JUN2007 - Castello Lopes estreia Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado de Tim Story; sobre os super-heróis do Marvel Universe, com Ioan Gruffudd, Jessica Alba e Chris Evans IMAG.45-49-71-92.

24JUN2007 - A Federação Lusa de Yoga/FLY e a Associação Lusa de Yoga/ALYO promovem a Grande Comemoração do Dia Mundial do Yoga - Solstício (21JUN), sob o lema A Riqueza da Diversidade Cultural e o Ecumenismo Religioso.

MEMÓRiA

1893-07JUN1967 - Dorothy Parker: «Ela gostava realmente de flores, de cães e de uma boa sessão de choro; e era essa tristeza e timidez fundamental que tingia o seu humor de uma extraordinária mordacidade e intensidade» (The New York Times).

25SET1897-1962 - William Faulkner: «Aqueles que pretendem ser escritores, lêem as críticas; os que querem escrever, não têm tempo para tal».

02NOV1877-1952 - Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, aliás Teixeira de Pascoaes: «Sempre, no meu corpo, a mesma doença: a vida! / Sempre a mesma elegia, em sílabas de mágoa...»

ANTIQUÁRiO

01JUN1967 - Na GB, sob chancela EMI, é editado Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, segundo o produtor George Martin «o álbum da liberdade, que permitiu aos Beatles descobrirem novos caminhos e crescerem» IMAG.70-136.

03NOV1957 - A partir do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão,  a URSS lança, no Sputnik 2, o primeiro ser vivo no espaço - a cadela Laika Kudriavka, designada pela imprensa americana Muttnik. Não havendo meios tecnológicos para o fazer regressar à Terra, e embora dispondo de um sistema de suporte vital, o animal-astronauta morreu cerca de quatro dias depois, quando a cabina onde viajava ficou sobre-aquecida. Tendo esgotadas as suas baterias ao fim de seis dias, o Sputnik 2 permaneceu em órbita, com todos os instrumentos sem funcionar, acabando por reentrar na atmosfera em 14ABR1958.



04NOV1877 - O comboio chega à cidade do Porto, com a inauguração - pelos Reis D. Maria Pia e D. Luís - da Ponte D. Maria II sobre o Rio Douro, ligando Vila Nova de Gaia a Fontainhas, pouco acima da Ponte D. Luís I, e considerada à época uma obra revolucionária, aliando o arrojo técnico, a elegância e a harmonia. Concebida por Gustave Eiffel «no limite das possibilidades clássicas da construção metálica», nela foram gastas aproximadamente 1600 toneladas de ferro, com início em 05JAN1876, e esteve em uso durante 114 anos, até à entrada em serviço da Ponte de São João, no ano de 1991.

VISTORIA

Elegia do Amor

 ¨Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.
Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava, como a onda
A alar-se em nevoeiro.
Olhavas, descuidada
E triste… Ainda hoje te escuto
A música ideal
Do teu olhar primeiro!
Ouço bem a tua voz,
Vejo melhor teu rosto
No silêncio sem fim,
Na escuridão completa!
Ouço-te em minha dor,
Ouço-te em meu desgosto
E na minha esperança
Eterna de poeta!
O sol morria, ao longe;
E a sombra da tristeza
Velava, com amor,
Nossas doridas frontes.

Hora em que a flor medita
E a pedra chora e reza,
E desmaiam de mágoa
As cristalinas fontes.
Hora santa e perfeita,
Em que íamos, sozinhos,
Felizes, através
Da aldeia muda e calma,
Mãos dadas, a sonhar,
Ao longo dos caminhos…
Tudo, em volta de nós,
Tinha um aspecto de alma.
Tudo era sentimento,
Amor e piedade.
A folha que tombava
Era alma que subia…
E, sob os nossos pés,
A terra era saudade,
A pedra comoção
E o pó melancolia.
Falavas duma estrela
E deste bosque em flor;
Dos ceguinhos sem pão,
Dos pobres sem um manto.
Em cada tua palavra,
Havia etérea dor;
Por isso, a tua voz
Me impressionava tanto!
E punha-me a cismar
Que eras tão boa e pura,
Que, muito em breve – sim! -,
Te chamaria o céu!
E soluçava, ao ver-te
Alguma sombra escura,
Na fronte, que o luar
Cobria, como um véu.
A tua palidez
Que medo me causava!
Teu corpo fino
E leve (oh meu desgosto!)
Que eu tremia, ao sentir
O vento que passava!
Caía-me, na alma,
A neve do teu rosto.
Como eu ficava mudo
E triste, sobre a terra!
E uma vez, quando a noite
Amortalhava a aldeia,
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
- Que incêndio! – E eu, a rir,
Disse-te: - É a lua cheia!...
E sorriste também
Do teu engano. A lua
Ergueu a branca fronte,
Acima dos pinhais,
Tão ébria de esplendor,
Tão casta e irmã da tua,
Que eu beijei, sem querer,
Seus raios virginais.
E a lua, para nós,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, até ao céu…
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.

 

Teixeira de Pascoaes (excerto)

BREVIÁRiO

Relógio d’Água edita Contos de Dorothy Parker; tradução de Cecília Rego Pinheiro.

Assírio & Alvim edita A Modernidade de Walter Benjamin; organização e tradução de João Barreto.

PRIORITÁRiO




JUL2007 - No Egipto, o Teshkeel Media Group lança a revista mensal The 99 - com edição bilingue, em árabe e inglês, e uma tiragem de 250 mil exemplares - considerada a alternativa muçulmana ao imaginário americano em quadradinhos do Marvel Universe. Segundo o editor Tarek Housni, pretende transmitir, «a todas as crianças do mundo, a cultura e os valores morais do Islão». Cada super-herói representará um dos 99 atributos divinos de Alá. Consultar: www.the99.org

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Seis
SOB O SUOR DA ENGRENAGEM - 52

 

 Fendendo a relatividade alar, foi porém a Besta Seca que, aterrada, se lhe pôs à frente, surgindo de atrás duma acácia centenária. Latente, aos modos caprichosos de uma mulher-polícia:

– A menina tem licença para trilhar estes caminhos ínvios?

– Olhe lá como fala... – tentou distender-se, fazendo figas, a suposta interlocutora. – A vida, já em si, é tortuosa e, a minha, há muito que a ando a calcorrear!

– Pois sim, mas, pelos vistos, não arreia... Então, qual é a sua graça?

– Sabe como é... Depois duma chuvada como a de há bocado, estou mais húmida que com humor – desabafou, forçando uma gargalhada prazenteira à Auzenda Ausente, a pretensa paisana. Enquanto, sub-reptícia sob as voláteis vestes, premia um célula da sua intrínseca engrenagem que, geneticamente, lhe facultasse de imediato uma cédula de identidade.

E prosseguiu, de mão estendida, erguendo a voz:

– Tome, pois... Bem pode ver que sou maior e vacinada!

– Pode ser que sim... – ripostou, mal refeita, a outra. – Também, com um nome tão esquisito, até rodagem não lhe deve faltar!

Continua  


 

IMAGINÁRiO152
24 OUT 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

IRREVERSÍVEL 



Pela mística de Hollywood, o fascínio das vedetas transferiu-se para as suas figurações, implicando uma estranha relação de culto e sortilégio sobre o público. Assim derivaria a motivação essencial do star-system, ao sagrar a nostalgia através do celulóide - ultrapassada a vigência dos modelos e respectivos intérpretes, ou remetidos os filmes para a glória dos clássicos. Mas entre o fascínio e a fantasia, desafiando a assombrada memória do tempo, pairam mistérios não desvendados e crimes sem remissão. Como a morte brutal de Elizabeth Ann Short, aspirante a actriz em 1947, horrivelmente decepada e abandonada num baldio. O romancista James Ellroy reconstituiu ficcionalmente essa intrigante mácula nos anais da polícia de Los Angeles, convertida em mito escabroso e perverso. O cineasta Brian De Palma recria tal trama, intensa e volúvel, em A Dália Negra - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - através de dois detectives, parceiros e ex-pugilistas, incumbidos da investigação e, caprichosamente, marcados por uma teia de decepções ou resistências pessoais e profissionais. Inerentes ao caso, relativas à missão. Passíveis, quanto às mulheres que os amam ou seduzem. Josh Hartnett, Scarlett Joansson, Aaron Eckhart e Hilary Swank protagonizam o melodrama virtual, em causa e em caução.

CALENDÁRiO

MAI2007 - Em Nova Iorque, Elephant Eye Theatrical anuncia que The Addams Family, saga clássica e macabra concebida pelo cartoonista Charles Addams, e que Hollywood revitalizou, será transposta em musical da Boadway na temporada de 2009-2010, com produção por Stuart Oken e encenação de Phelim McDermott & Julian Crouch, sendo argumentistas Marshall Brickman & Rick Elice e compositor Andrew Lippa.

MEMÓRiA

22OUT1878-27ABR1930 - Francisco dos Santos: Escultor e artista plástico, discípulo de Simões de Almeida e Eduardo da Silva, autor de Salomé (1913), a sua derradeira obra em mármore.

1608-25OUT1647 - Evangelista Torricelli: «A natureza tem mais horror ao vácuo nas montanhas que nos vales? Que os discípulos de Aristóteles reúnam o que mais importante exista nos escritos do seu mestre e de comentadores para, se conseguirem, explicar tais fenómenos pelo horror ao vácuo».

1883-26OUT1957 - Nikos Kazantzákis: «No começo, era a vergonha que batia em meu coração, depois a compaixão; eu começava a sentir o sofrimento dos outros como se fosse o meu próprio sofrimento» IMAG.10-69.

1896-26OUT1957 - Gerty Cori: «Para um investigador, os momentos inesquecíveis da vida são aqueles, raros, que surgem após anos de trabalho, quando o véu sobre um segredo da natureza, de repente, se levanta.»

1882-29OUT1957 - Louis B. Mayer: «Vale a pena ser esperto, sem nunca o dar a entender.»

ANUÁRiO

1967 - O segundo atómico é adoptado internacionalmente como unidade fundamental de tempo. As estrelas, que foram a referência temporal absoluta para os cientistas até à chegada do relógio de quartzo, na realidade estão a desviar-se em relação directa com a Terra. A hora standard, usada em todo o Mundo, ainda se baseia no Meridiano de Greenwich, mas designa-se agora Hora Universal Coordenada (Coordinated Universal Time). A exactidão desta referência é vigiada e mantida a partir de Paris pela Oficina Internacional da Hora, que coordena os dados obtidos de oitenta relógios atómicos nos vinte e quatro países que participam.

PARLATÓRiO

 


Sinto, por detrás do destino trágico do homem moderno, a natureza bela e eterna que não se interessa de maneira nenhuma pelas nossas tragédias efémeras. Somos sufocados pela angústia, não respiramos, sentimos, mais do que nunca, a necessidade de abrir uma pequena janela para ver, em um breve clarão, o céu, as estrelas, o mar, a primavera: mas, sobre tudo, a pequena janela fecha-se, e ficamos novamente perante os demónios das trevas que nos combatem. Lançar um olhar breve e violento sobre a natureza, entre dois gritos de luta e de angústia, torna-se cada vez mais, eu creio, uma fuga indispensável em direcção a um paraíso perdido. Mas esse olhar deve ser muito rápido, pois não temos mais tempo para nos determos com descrições detalhadas.
Nikos Kazantzákis (1957)

TRAJECTÓRiA

 TORRICELLI



Físico e matemático, Evangelista Torricelli nasceu em Faenza, Itália, a 15 de Outubro de 1608, numa modesta família de artesãos têxteis. Ainda menino, foi confiado ao tio Jacopo Torricelli, monge de Camaldolese, e educado em Humanidades. Em 1625, estudava Filosofia na Escola Jesuíta de Faenza. Em 1627, aprendia Matemática em Roma com Benedetto Castelli. Em 1630-1641, terá sido secretário de Monsenhor Giovani Ciampoli, em Marches e Umbria. Em 1641-1642, foi discípulo de Galileo Galilei em Ancetri. Com a morte do mestre, e a convite do Grã Duque Ferdinando II da Toscânia, tornou-se professor na Academia de Florença, aí se fixando. Em 1643, definiu o Princípio do Barómetro e demonstrou a existência de pressão atmosférica, publicando Opera Geométrica em 1644. Interessou-se por Astronomia, Hidráulica, Balística e Óptica. Vítima de febre tifóide, faleceu em Florença, a 25 de Outubro de 1647.

ELUCIDÁRiO

Equação de Torricelli [a velocidade final ao quadrado é igual à velocidade inicial ao quadrado mais duas vezes a aceleração adquirida pelo móvel vezes o deslocamento do móvel]:

 BREVIÁRiO

Publicações Dom Quixote edita O Povo-Luz e os Homens-Sombra - O Planeta Adormecido de Ana Zanatti, com ilustrações de Carla Nazareth.

Caderno edita Vertigem Americana - Uma Viagem Pela América Profunda Seguindo os Passos de Tocqueville de Bernard-Henri Lévy; prefácio de Diogo Freitas do Amaral.

ANTIQUÁRiO

21OUT1147 - No cerco de Lisboa, e durante as tentativas de assalto ao Castelo dos Mouros, Martim Moniz luta com heroísmo - atravessando o seu próprio corpo no vão de uma porta, ao aperceber que se entreabria para que os sitiados saíssem a dar combate aos Cristãos. Firme entre os dois batentes, e segundo reza a lenda, impediu assim que a mesma se fechasse, permitindo às forças comandadas por D. Afonso Henriques entrarem na cidade. Gravemente ferido, Martim Moniz acompanhou os atacantes e fez ainda algumas vítimas entre os adversários, antes de cair morto.

24OUT1147 - El-Rei D. Afonso Henriques, auxiliado por um exército de Cruzados que por aqui chegavam a caminho da Terra Santa, reconquista a cidade de Luxbuna aos Árabes, a qual passa a ser Lisboa. Antes, fora Al-Uxbuna e, até ser tomada em 714, Olisipona fundada pelos Romanos, que ocuparam e fortificaram o lugar em 138 aC, em guerra contra os Lusitanos. Varrão chamou-lhe Olisipo, Ptolemeu referiu-a Oliosipo.

INVENTÁRiO



A afeição do público cinéfilo pelos heróis dos quadradinhos, através da transposição para grande ecrã, adquiriu significativas repercussões com uma virtual e sugestiva correspondência em termos estéticos e temáticos. A Família Addams (1991) de Barry Sonnenfeld sagrou as potencialidades de tal fenómeno, rendendo comercialmente - só nos Estados Unidos - cerca de quatro vezes mais que os 30 milhões de dólares investidos. Em causa, os cartoons de Charles Addams, publicados em The New Yorker - mais de 1.300 desde 1932, caracterizados pelo humor absurdo, a extravagância fantástica. Um universo macabro, irónico, que ganharia nova vida graças ao pequeno ecrã - em meados dos anos ‘60, por Filmways/ABC, com Jane Austin e Carolyn Jones como casal Gomez e Morticia Addams. Em 1973-75, tais figurações foram substituídas, respectivamente, pelas vozes de Josh Albee e Janet Waldo, em série de animação com chancela Hanna-Barbera. Contrastando com esta visão sintética, uniformizada para todos os públicos, a adaptação em imagem real reivindicaria a genuína inspiração gráfica, estilizada para adultos.
Em 1993, Sonnenfeld reincidiu - para Orion - com A Família Addams 2, consolidando uma atmosfera sofisticada e elegante, embora distorcida, quanto ao culto mítico ou à transparência grotesca da sociedade americana. Voltaram protagonistas Anjelica Huston (Morticia) e Raul Julia (Gomez) - respectivamente substituídos por Daryl Hannah e Tim Curry em A Reunião da Família Addams (1998) de Dave Payne, para Saban. Manteve-se o núcleo perverso, subvertor - aos ideais aristocráticos e conservadores - que habita numa tenebrosa mansão gótica, comprazendo-se piamente em praticar maldades. Além da serena Morticia e do vibrátil Gomez, destacam-se os inevitáveis filhos: a endiabrada Wednesday e Pugsley, sua vítima, compondo a galeria uma etérea avó Granny, o desconcertante tio Fester ou o zombi mordomo Lurch... Em 1993, o seráfico bebé Pubert juntara-se à prole, arrepiando o futuro. Entretanto, uma tragédia ainda maior abateu-se sobre a Família Addams: os ancestrais parecem, estranhamente, tornar-se normais - o que poderá afectar toda a progenitura! IMAG.55.

EXTRAORDINÁRiO

 O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

Capítulo Seis
SOB O SUOR DA ENGRENAGEM - 51

 Escudeiro Europa temia, sobretudo, uma avaria crónica que lhe perigasse o calculismo - quanto ao seu género compatível de parecer, para ser. Insigne, nunca percebera muito bem a fulanização replicante dos paladinos e dos valdevinos, que se consumiam em contrastadas existências obíquas, alternativas. Em si, não - chamando-se, persistia integral numa remodelação sintética, pela qual a sua matriz mista catalisava, invariável, para o signo varão ou fêmea.

Esgroviada ao atasque, lá do alto, a Besta Seca emitiu, nesse instante, alguns silvos estridentes que claudicassem Escudeiro Europa. Nada feito - pois, entretanto, tal eminência parda alavancara-se da prostração - derivando já, graças ao seu condensador capilar e a desviantes cosméticos sensoriais, numa calmeirona vernácula. Daquelas que, solícitas, costumam passarinhar no pulmão alfacinha - e de onde, em emanações subliminares, tentava cindir o Duo Dilúvio, incitando a desfaçatez orgástica do indecente Mocho Macho.

 Continua  



IMAGINÁRiO151
16 OUT 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MATURAÇÃO



Homem de coragem e convicções, autor de afeições e desafios, Baptista-Bastos celebra um envolvimento exemplar sobre a solidariedade, o compromisso, a militância, o testemunho quanto à realidade e à intervenção em Portugal, entre tanto do Século XX e tudo em pleno 3º Milénio. Ensaísta e jornalista prestigiado, a aliciante vocação do ficcionista - revelado por O Secreto Adeus (1963), e após um festejado regresso No Interior da Tua Ausência (2002) - expande-se em renovo e emoção, em sensibilidade e acuidade, em magia e fascínio com As Bicicletas em Setembro (Edições Asa). Eis a plenitude do humanista e a maturidade do escritor numa fluência propícia à inquietação, à descoberta, ao mistério, à partilha, ao desassombro, à solenidade, por quem a candura austera, a rude sobriedade inspiram e motivam, encerram e desvendam sobre a revelação e o pudor, o amor e a paixão, a identidade e a transferência, nessa inextrincável sagração de origens e inícios, de ciclos e pactos, de referências e inquietações que se assumem com pujante fruição ou sob o signo da mulher. História e memória, prenúncio e presença, retorno e futuro, constância e transfiguração, sublimam afinal Baptista-Bastos, passando As Bicicletas em Setembro, ao forjar a criatividade sob um nexo lírico e trágico, onírico e afável, que tem a cultura como matriz, a vivência como alternativa IMAG.24.

CALENDÁRiO

21-28ABR2007 - Em Coimbra, decorrem os Caminhos do Cinema Português.

28MAI-07JUN2007 - No Centro Comercial Dolce Vita, ao Saldanha, está patente a exposição de caricaturas, fotografias, cartazes e programas Laura Alves [1927-1986] - Uma Actriz, Um Teatro e Um Empresário, referenciando Vasco Morgado e o Teatro Monumental; organização de Manuel Villa IMAG.36-81.

30MAI2007 - No Centro de Estudos Judiciários/CEJ, decorre a geminação das associações Centro de Estudos Bocageanos/CEB e Estudos Nobricenses/EFAN, sendo presidentes Daniel Pires e José Martins Júnior, com evocação dos poetas seus patronos - o setubalense Manuel Maria Du Bocage (1765-1805) e o madeirense Francisco Álvares da Nóbrega (1772-1806) - ambos que foram prisioneiros no Limoeiro IMAG.42-50-69.

1933-30MAI2007 - Jean-Claude Brialy: «Um grande actor, que conjugou os cinemas de autor e popular» (Nicolas Sarkozy).

31MAI2007 - Lusomundo estreia Atrás das Nuvens de Jorge Queiroga; com Nicolau Breyner e Ruben Leonardo.

JUL2007 - A Turma da Mónica passa a integrar António Alfacinha, personagem portuguesa cujo sobrenome é uma alusão aos lisboetas, tendo participação original na revista do Cebolinha e «sotaque lusitano» - segundo as Maurício de Sousa Produções, para mostrar às crianças as diferenças entre o português dos dois lados do Atlântico.

MEMÓRiA

1892-07AGO1957 - Oliver Hardy, aliás o Bucha da dupla cómica com Stan Laurel, o Estica: «Não há nada pior do que um tipo estúpido a fazer de esperto».

1931-06OUT1977 - José de Castro: Actor de teatro, cinema, rádio e televisão, distinguido com o Prémio Eduardo Brazão em 1962 e 1972.

ANUÁRiO

1735-1807 - Thomas Harland, relojoeiro de Norwich, Connecticut. Como todos os seus pares americanos dos primórdios, transferiu o negócio do Velho Continente, ele próprio da Grã Bretanha. Começou a trabalhar no Novo Mundo antes da Revolução de 1776, sendo considerado o precursor da era da mecanização. Enquanto outros confrades laboravam pelo tradicional método manual, Harland foi o primeiro a conceber, fabricar e usar peças normalizadas para os seus relógios de pé.

1948-1967 - No Brasil, com o inevitável alerta «Meliantes, tremei!», a Rádio Nacional (Rio de Janeiro) emite as aventuras de O Anjo - sendo argumentista, produtor e protagonista Álvaro de Aguiar - um milionário em luta contra o crime, apoiado pelo fiel assistente Metralha, cujas proezas se expandiram em quadradinhos e no cinema.

PRIORITÁRiO

 


Sendo fundador e director Christian Aranha, a empresa brasileira Cortex Intelligence desenvolve uma tecnologia que permite a um programa de computador, não apenas compreender os textos que lê mas também, sozinho, melhorar a capacidade de leitura, à medida que tem contacto com mais textos, podendo a base do sistema ser usada em qualquer língua. Consultar: www.cortex-intelligence.com/engine

DOCUMENTÁRiO

As nefandas proezas d’O Escorpião Escarlate (1991) reactivaram uma das mais características manifestações do cinema brasileiro de Série B - ou melhor, uma paródia em Série Z, pelas vertentes do terror para rir. O realizador Ivan Cardoso - argumentista com o lendário Rubens Francisco Luchetti - chamou-lhe, a propósito, «terrir», tendo explorado este subgénero em homenagem ao seu mestre José Mojica Marins, noutras fitas como O Segredo da Múmia (1982) ou As Se7e Vampiras (1986). Mas O Espião Escarlate possui outros aliciantes, enquanto arqui-inimigo d’O Anjo - um herói de radionovelas e histórias em quadradinhos, pelos anos ’40, ’50 e ’60, como versão tropical de Dick Tracy ou The Spirit. Concebidas e interpretadas por Álvaro Aguiar, as Aventuras do Anjo decorriam no Rio de Janeiro e, como a fita reinventaria, eram primordiais num programa da Rádio Nacional. Em banda desenhada, lançou-as a Rio Gráfica e Editora em 1959, tendo sido principais ilustradores Flavio Colin, Juarez Odilon e Walmir, que adaptou também guiões de Ernesto G. Novo. Eis fascinação, violência, perversidade, erotismo, atraindo ou agredindo Aguiar - também personagem em acção, entre o crime e o sobrenatural - sublimado n’O Anjo, o seu alter-ego virtual e diletante IMAG.88.

BREVIÁRiO

Editora Caleidoscópio lança Retratos de Portugal - Sociedade e Costumes de Arthur William Costigan.

Cavalo de Ferro edita Mary Reilly de Valérie Martin; tradução de Hugo Fontainha Gomes.

 CTT - Correios de Portugal edita Relógios de Sol de Nuno Crato e Suzana Mettello de Nápoles; levantamento iconográfico de Jorge Correia Santos.

Columbia/Sony BMG lança em DVD, Dont Look Back/Eu Sou Bob Dylan (1967) de D.A. Pennebaker.

Europa-América edita Os Filhos de Húrin de J.R.R. Tolkien (1892-1973 - concluído pelo filho Christopher Tolkien); ilustrações de Alan Lee IMAG.19-125.

Quasi edita A Charneca ao Entardecer de Florbela Espanca (1894-1930); selecção de José Luís Peixoto.

ANTIQUÁRiO

1967 - Os cristais de quartzo chegam aos relógios de pulso, graças aos trabalhos simultâneos e independentes de Hattori Seiko no Japão e do Centro Suíço de Relojoaria Electrónica. A Seiko atingiu primeiro o mercado, em 1969, com o Astron Modelo 35, mas os suíços seguiram-na em 1970. Tais relógios utilizavam um circuito para converter as 32.768 vibrações por segundo do cristal de quartzo em impulsos enviados em cada segundo a um motor. Foram chamados relógios analógicos de quartzo porque o motor impelia um trem de engrenagens que movia uns ponteiros convencionais sobre um mostrador para indicar a hora.

INVENTÁRiO




O Médico e o Monstro (1885) de Robert Louis Stevenson é uma referência clássica para Mary Reilly (1996) - filme realizado pelo realizador britânico Stephen Frears, sob o signo de Hollywood. Em causa, segundo um romanesco original de Valérie Martin, está a ambiguidade das vicissitudes para um homem mutante, ao olhar de uma mulher sensível, vitimada na sociedade inglesa do Século XIX. Estamos em Londres, onde Mary Reilly - após uma infância miserável e torturada - encontra enfim protecção, servindo em casa do prestigiado mas enfermo Dr. Henry Jekyll. Este dedica-se a experiências humanas, no seu laboratório impenetrável - o que atrai Mary, embora discreta e reservada... Frears logra uma atmosfera mórbida, soturna, mas subjugadora, pela fotografia de Philippe Rousselot. Julia Roberts é admirável, nos cambiantes entre o terror e o deslumbramento - a que compele o vínculo de Jekyll para o monstruoso Hyde, na composição latente, sobreposta, do portentoso John Malkovich. Uma aberração que nasce carnal, de dentro para fora IMAG.7.

NOTICIÁRiO

Ossadas Humanas - Está estabelecida uma oficina numa casa da Rua dos Caetanos, esquina da Travessa das Mercês, onde era antigamente o Cemitério da freguesia das Mercês. Actualmente, essa casa pertence à Junta da Paróquia, que a tem alugada como oficina a Mestre Sebastião.Tem havido o maior desprezo por aquele pedaço de terra sagrada, sem o menor respeito pela memória do notável poeta Manuel Maria Barbosa Du Bocage, cujo cadáver ali foi sepultado. A quem competir, cabe pôr cobro a esta profanação.
21ABR1897 - Diário de Notícias

VISTORiA

Costumes
Era costume em Portugal, quando qualquer mulher casada era condenada a levar açoites ou varadas, por brigar com outra, vinha o alvazil com o marido a casa, punha um travesseiro no meio do chão, e começava a dar arrochadas em cima d’ele; o marido estava de fronte com a mulher, e com outra vara ia repetindo nas costas d’ela a mesma solfa, estando à vista a justiça e a queixosa. Se o marido não dava as varadas com a mesma ânsia com que o alvazil batia no travesseiro, dava-lhas a justiça a ele.
09ABR1897 - Diário de Notícias

Ladrões
Pelos antigos foros de Portugal, o ladrão que fazia o primeiro furto tinha por pena pagar anoveado, isto é, nove vezes o valor do furto, não excedendo este o valor de vinte libras, mas, passando desta quantia, era enforcado. Para não ser somente este o castigo, o ladrão era além d’isso levado ao pé da forca, com baraço ao pescoço e mãos atadas atrás, e ali pagava logo o valor do furto anoveado, o dobro ao dono do roubo, e sete tantos ao senhor da terra; e no caso que não pudesse ou não quisesse pagar, era enforcado. Os honrados, isto é, as pessoas que não fossem vulgo, eram levados sem baraço ou mãos atadas, não ao pé da forca, mas perante o alcaide, onde pagavam do mesmo modo que os outros ou, se não o fizessem, eram igualmente enforcados.
30ABR1897 - Diário de Notícias  




IMAGINÁRiO150
08 OUT 2007 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano IV · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

REBELDIA




A rotina dos adultos à pequena escala, por uma interacção na vivência familiar sob o privilégio das crianças, tem inspirado a banda desenhada europeia, partilhando o interesse dos leitores de todas as idades. Nascida nas páginas da revista Tintin, em 1989, Catarina - ou Nathalie, no original - cedo alcançou o estatuto de heroína em estado de graça, pela iniciativa e pela rebeldia, com a precária cumplicidade dos Papás laboriosos, do Titio sedutor ou do Maninho vítima. A partir de 1992, Catarina emancipou-se numa série de álbuns - em revelação entre nós, sob chancela das Edições Asa, com O Centro do Mundo. Argumentista e ilustrador, Sergio Salma - nascido em Charleroi, Bélgica, em 1960 - recria, com humor singelo ou subtil ironia, em episódios de uma prancha, as proezas de uma miúda que, sonhando conhecer outras terras e outras gentes, não deixa ninguém indiferente no seu restrito círculo de vivências. A tal corresponde um registo eficaz, característico, estilizando as peripécias cinzentas do quotidiano na impressão colorida do imaginário.

CALENDÁRiO

05MAI-31JUL2007 - No Barreiro, Auditório Municipal Augusto Cabrita apresenta A Arte de Maria Keil - exposição retrospectiva sobre ilustração, azulejaria e pintura, sendo comissários Ju Godinho e Eduardo Filipe.

09MAI-23JUN2007 - Museu da Música apresenta, com o Instituto de Etnomusicologia/INET, No Tempo do Gira Discos; viagem pela memória musical portuguesa, expondo uma recolha de gravações em vinil (duzentos singles, eps e lps) realizadas durante as décadas de ’60 e ’70 do Século XX.

10MAI-24JUN2007 - Cordoaria Nacional expõe Cartazes de Cinema; sendo comissária científica Adelaide Ginga, uma colecção alusiva aos primeiros filmes estrangeiros exibidos em Portugal (1904-1915), recolhida por Joaquim António Viegas (1874-1976) e doada à Câmara Municipal de Faro.

11MAI-OUT2007 - Em Melgaço, Museu de Cinema Jean-Loup Passek apresenta A Idade de Ouro do Cinema Burlesco - exposição de cartazes e fotografias de filmes e actores sobre a comédia das primeiras décadas do Século XX.

18MAI-31JUN2007 - Teatro José Lúcio da Silva apresenta Druck Art - Exposição Internacional de Artes Gráficas - Leiria 2007, organizada com o m|i|mo - museu da imagem em movimento e dedicada ao tema Museus - Património Universal.

19MAI2007 - Em Noite dos Museus, Museu Nacional do Teatro apresenta espectáculos e intervenções de palco, de rua e musicais, sobre várias épocas e de diversas origens.

26MAI-03JUN2007 - Em Moura, decorre o 16º Salão Internacional de Banda Desenhada - Moura Bd 2007, com homenagens a Catherine Labey, José Abrantes e Fabio Civitelli, sagrando a revelação da nova vaga dos desenhadores de Tex.

26MAI-09SET2007 - Em Alcoitão, Ellipse Foundation expõe Costa da Caparica 1989 de Hedi Slimane - fotografias a pb realizadas em Portugal, e outras das séries Stage e London - Birth of a Cult (2003-2006).

MAI-DEZ 2007 - No Museu Nacional de História Natural, está patente Borboletas Através do Tempo - Primeira Exposição Portuguesa Sobre a Diversidade dos Lepidópteros, organizada por Tagis/Centro de Conservação das Borboletas de Portugal e Zygaena Produções; inclui a projecção do documentário A Flor, a Formiga e a Borboleta Ameaçada de Ivânia West & Bruno Cabral.

MEMÓRiA

10MAI1957-1979 - John Beverly ou Simon Ritchie, alias Sid Vicious: «O público americano é igual a qualquer outro, em todo o mundo - simplesmente, pode tornar-se mais aborrecido».

10OUT1907-1969 - Carlos Ramos: «Foi um dos primeiros, na década dos ‘60, a popularizar o fado canção com belíssimas interpretações de Não Venhas Tarde, Saudade e Vielas da Alfama» (Joseph de Sousa).

14OUT1847-1889 - Soares dos Reis: «Sou Cristão, porém nestas condições a vida para mim é insuportável. Peço perdão a quem ofendi injustamente, mas não perdoo a quem me fez mal».

PRIORITÁRiO

 

11MAI2007 - Autodenominado Presidente do Governo Galáctico, à excepção da Terra e do Sol, desde 1980, o californiano Dennis Hope inaugura, em Lisboa, a Embaixada Lunar - tendo em vista vender porções selenitas a 25 euros por hectare, com direito a certificado e localização do lote de terreno. Actualmente, existem trezentos mil proprietários, preenchendo 4,5 por cento da proporção disponível, entre os quais Tom Cruise, Nicole Kidman e George W. Bush. Consultar: www.lunarembassy.com

NOTICIÁRiO

 

 

Soares dos Reis - Da Industrial Portuguesa recebemos uma bela fotografia do busto de D. Francisco de Almada, modelo de Soares dos Reis e esplendidamente fundido nas oficinas daquela empresa, a Santo Amaro.
Este maravilhoso trabalho de escultura e fundição esteve exposto na Casa Havaneza.
30AGO1885 - Diário de Notícias

Monumento a D. Afonso Henriques - Foi assinado quarta-feira, dia 2, em Guimarães o contrato celebrado entre a comissão promotora do monumento e o escultor portuense Sr. Soares dos Reis, e o professor da Academia de Belas-Artes de Lisboa Sr. José António Gaspar para a execução do mesmo monumento.
Este deve estar concluído no prazo de dois anos, desde a data do contrato, e a sua primeira-pedra será lançada no dia 6 do próximo Dezembro, sétimo centenário do imortal fundador da monarquia portuguesa.
05SET1885 - Diário de Notícias

Necrologia - Porto, 16 - Suicidou-se hoje às 08h00 da manhã, na sua casa da Rua de Luís de Camões, em Vila Nova de Gaia, disparando dois tiros de revólver na cabeça, o eminente estatuário Soares dos Reis, lente de escultura na Academia de Belas-Artes e autor de verdadeiras obras primas. São desconhecidas as causas que determinaram o suicídio.
17FEV1889 - Diário de Notícias

ANUÁRiO

1907-1993 - Hermínia Silva: «A melhor actriz portuguesa… A melhor, sem nenhuma restrição de género ou qualidade» (António Pedro).

1862-1917 - Álvaro Feijó: «Sou suficientemente homem do meu tempo para me não considerar incompatível com a República».

1927 - Lisboa Filme produz, com Paramount, Amaragem Forçada No Mar dos Açores da Aviadora Solitária Ruth Elder. Manuel Luís Vieira realiza Chegada de Ruth Elder para Empresa Cinegráfica Atlântida e Pathé News.

1869-1947 - Júlio Brandão: Poeta, autor do Livro de Aglaïs (1892), «visando a meros efeitos de ritmo e de cor, de novidade e de imprevisto» (Guerra Junqueiro).

1949 - Tobis Portuguesa produz O Desterrado - Vida e Obra de Soares dos Reis, com realização de Manuel Guimarães, sendo protagonista José Amaro.

1923-1977 - Vitoria Guerrini, aliás Cristina Campo: «É preciso escolher a atenção, contra a imaginação».

1932-1977 - Rui Knopfli: «Entristeço então / a alma numa renda miúda / e apertada de ponto incerto / e complicado».

1992 - Francisco Manso realiza Saudade - Vida e Obra de Soares dos Reis, documentário produzido por Radiotelevisão Portuguesa/RTP.

ANTIQUÁRiO

12OUT1895 - Entre o Barreiro e Santiago do Cacém, onde residia o proprietário, realiza-se a primeira viagem de automóvel em Portugal, durante a qual se verifica o atropelamento de um burro. Desencaixotado e despachado na Alfândega de Lisboa, o modelo Panhard et Levassor provinha de França, pertencendo ao Conde Jorge de Avillez e estando equipado com rodas de madeira e aros de ferro. Tal viatura efectuou várias deslocações a Évora e a Beja, e ficou conhecida como o Gasolina, após uma tentativa para fazer o motor - que permitia atingir a velocidade de quinze/vinte quilómetros horários - funcionar com petróleo.






12OUT1927 - No Mar dos Açores, é salva Ruth Elder, após a queda do seu avião no Oceano Atlântico, prestando socorro e sendo resgatada por um navio holandês. George Halderman, que com ela pilotava o aparelho American Girl, foi obrigado a descer, por avaria, a cerca de quatrocentas milhas a Nordeste da Ilha Terceira. Ambos passearam por Ribeira Grande, Rabo de Peixe e Duas Fajãs, viajando depois, a bordo do Lima, até ao Funchal, ficando a actriz e aviadora americana hospedada no Reid’s Hotel.

BREVIÁRiO

2004 - Imprensa Nacional edita Cartas a Luís de Magalhães (1879-1917) de Álvaro Feijó; apresentação por Rui Feijó, posfácio por Luís de Magalhães.

Guerra & Paz edita História de Juliette ou As Prosperidades do Vício do Marquês de Sade; tradução de Rui Santana Brito.

Editorial Caminho lança O Ano de 1993 de José Saramago.

Quasi e Fundação Eugénio de Andrade editam As Mãos e os Frutos (1948) - Os Amantes Sem Dinheiro (1950) - Primeiros Poemas (1977) de Eugénio de Andrade (1923-2005)L IMAG.33-45.

EXTRAORDINÁRiO

 

O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada

 Capítulo Seis
SOB O SUOR DA ENGRENAGEM - 50

 

Padrão, diapasão. Seria efebo ou anfíbio? Nunca se ligara aos tais detalhes, quanto a Escudeiro Europa. Sem nome próprio, em autenticidade, não queria ser tratado como um sufixo alegórico... Generalizando, apenas galvanizava a sua pendência assexuada, além das discrepâncias entre músculo e silicone. Impessoal, quantas vezes dissipou-se e recompôs-se, robustecido em sonhos e sanhas de varinas e varões!

Assim, Escudeiro Europa agia ou fingia - num ansioso emaranhado entre tranças e transes, separando a lingueta hidráulica que conservava as partes instáveis da sua compleição: em gesta de mancebo - era então um dragão, rijo como raízes ao fixar o basilisco; em gesto de donzela - era então uma serpente, mole como areia ao fluir pela clepsidra...

Logo, urgia a Escudeiro Europa restabelecer o nexo humano e mecânico, escapando ao lusco-fusco do descampado monumental em que outrora, e desportivamente, se empertigara a glória do Estado Novo. Lograria, então, o seu desforço ingente para voltar à liça, triunfal, contra os contendores fatais, e sempre prestes a tramar.

O Duo Dilúvio, Auzenda Ausente & Abel Vertigem. Tarimbados na castraria, entre o tiro e o tirocínio. Abel era um abelhudo, mais conhecido pelo Mocho Macho. Torpe contorcionista, famigerou-se Auzenda como a Besta Seca.

Continua