José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO229

01 JUN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

HALLOWEEN

Criador insólito, artista mágico, Tim Burton Apresenta o Estranho Mundo de Jack - com Edição Especial em DVD, sob chancela ZON Lusomundo - sublimando um fabuloso imaginário: com referências infantis, de implicações nostálgicas, estilizado em vibrante ou irónica transfiguração. Tais virtualidades levaram-no a uma intensa e desdobrada criatividade. Bonecos de madeira, metal e plasticina, por trucagem fotograma a fotograma, ganharam vida em três dimensões, através de uma realista transparência cénica. Assim surge um universo esquisito, extravagante, com personagens patéticas, maravilhosas: é o mundo de Halloween, cujo monarca - Jack Singleton, um esqueleto com cabeça de abóbora - entediado com os seus bruxedos, mais a donzela de trapos Sally e o espectral cão Zero,  se atrai pelo reino de Christmas, sequestrando o Pai Natal. Mas os humanos não apreciam as prendas que Jack deixa nos sapatinhos da chaminé: cobras, morcegos, caveiras... Um espectáculo admirável, medonho mas irónico, cujo simbolismo visionário, bem nostálgico e americano, afinal evoca/subverte uma universalista celebração profana. IMAG.3-8-10-44-146-227

CALENDÁRiO

1923-11DEZ2008 - Bettie Page: Ícone fotográfico e pin-up norte-americana dos anos ’50 - «Ela captou a imaginação de uma geração de homens e mulheres com o seu espírito independente e a sua sensualidade sem vergonha. Era a encarnação da beleza» (Mark Roesler). IMAG.6-193

1916-12DEZ2008 - Van Johnson: Actor de Hollywood, estrela da MGM - «O estúdio tratava de nós, dava-nos tudo o que nós precisávamos, só tínhamos que respirar e ser encantadores. Costumava ter pavor de deixar o estúdio e sair para o mundo real, porque, para mim, o mundo real era o estúdio».

1925-16DEZ2008 - Valentin Berlinsky: Violoncelista russo, fundador do Quarteto Borodin - «...A missão da sua vida, e foi com ardor que quis transmitir esse legado, por forma a assegurar-lhe um futuro» (Igor Naidin).

1925-20DEZ2008 - Robert Mulligan: «O homem é o único animal inteligente o suficiente para construir o Empire State Building, e o único estúpido o suficiente para de lá se precipitar».

1937-23DEZ2008 - José Paulo Abrantes Simões, aliás Zé Paulo: Autor de banda desenhada, ilustrador, caricaturista, artista plástico - «Eu ganhei a vida sempre a desenhar, só não desenhei quando estive na tropa, quando era soldado. Fui sempre desenhador. Quando deixei a Publicidade, já no ano 2000, passei a pintar quadros, mas que são à mesma desenhos e as minhas histórias, sempre» (2006 - a Geraldes Lino).

MEMÓRiA

01JUN1909-1994 - Juan Carlos Onetti: Prémio Cervantes em 1960 - «Em todas minhas novelas está subjacente o suicídio... Uma vez, perguntaram-me por que havia abandonado, eu próprio, a ideia de suicídio. Respondi que experimentassem primeiro, e me dissessem então como era. Quero saber antes se depois é melhor do que tudo isto em que vivemos».

02JUN1899-1981 - Lotte (Charlotte) Reiniger: Pioneira do cinema de animação, inventou e desenvolveu a técnica do recorte e manipulação de silhuetas sobre fundos coloridos, estilizados com o requinte da filigrana - em filmes como As Aventuras do Príncipe Achmed (1926). IMAG.140

06JUN1799-1837 - Alexander Pushkine: «Aspiro a um romance em que o herói não esgane o pai ou a mãe, e onde não haja afogados... Tenho um medo horrível dos afogados!»

VISTORiA


Quando, lá fora, a neblina
Cobria as vidraças,
Reuniam-se todos.
Valia a pena vê-los.
Deus tenha as suas almas!
Encarniçando-se no jogo,
Dobrando as paradas,
Ganhando,
E marcando as jogadas
Com giz.

Assim, nesses tempos sombrios,
Os víamos absortos,
Em tão séria ocupação.

Alexander Pushkine
xA Dama de Espadas (excerto)


COMENTÁRiO



Tão só pela impressionante concepção de Intriga Internacional (1959), que o realizador Alfred Hitchcock considerou impecável, o argumentista Ernest Lehman justificaria o Óscar honorário com que foi galardoado em 2001. A trepidante caça ao homem em que se transfigura, entre equívocos e perigos, um subtil jogo de espionagem, tem plena equivalência na conflitualidade volúvel e suspreendente que precipita a expansão da acção, entre os cenários urbano (Nova Iorque) e monumental (Monte Rushmore). Em plena guerra fria, um atarefado homem de negócios é confundido com um agente secreto americano, incumbido de vigiar um espião ao serviço de uma potência estrangeira. Raptado, consegue sobreviver ao simulacro de acidente forjado pelos sequestradores, o que não evita ser acusado de assassinar um importante político das Nações Unidas - quando, por conta própria, investigava qual a identidade do suposto sósia. Afinal, trata-se de um formidável logro, forjado pela CIA... Acrobático, vitalista, Cary Grant é insuperável, tendo ainda tempo para envolver Eva Marie Saint na sua carisma romântica. IMAG.4-19-29-44-51-85-112-142-146-163-168-179-188-191-204

PARLATÓRiO



Em mim mesmo, creio que o pessimismo é algo natural e radical. No fundo, sou talvez uma das poucas pessoas que acreditam de facto na mortalidade. E isto significa muito. Sei que tudo vai acabar em fracasso. Eu próprio. Vocês também. De todos os escritores com maior impacto, diz-se que são pessimistas, que com eles todas as personagens acabam sempre por frustrar-se. Talvez... Em García Márquez ou em Vargas Llosa, eu não pressinto uma grande alegria de viver. Mas, sinceramente, não me parece que vejam a morte como um problema. Em minha opinião, não se trata de pensar - já tenho mais de sessenta anos, e posso morrer esta noite. Não. É algo que tenho sentido desde a adolescência. Assim como nos descobrimos pessoalmente, assim se revela a morte, e estabelecem os nossos limites. Um das coisas mais terríveis, a mais terrível, de que me apercebi ainda adolescente, foi que todas as pessoas que eu amava iam morrer um dia. Isso parecia-me absurdo, e de tal sensação ainda não me refiz.
Juan Carlos Onetti

BREVIÁRiO

Relógio d’Água edita A Vida Breve de Juan Carlos Onetti.

ZON Lusomundo edita em CD, com RTP Vídeos, Grandes Clássicos - O Pai Tirano [1941 - António Lopes Ribeiro] - O Pátio das Cantigas  [1941 – Francisco Ribeiro/Ribeirinho]; versões restauradas em alta definição; inclui o livro exclusivo Ribeiro & Ribeirinho, com textos e coordenação editorial por José de Matos-Cruz. IMAG.1-27-31-48-63-74-76-94-95-115-130-131-164-166-175-189-210-221-224-227

Tinta-da-China edita Uma Ideia da Índia de Alberto Moravia (1907-1990); tradução de Margarida Piriquito.

Palimpsesto edita Diário de Um Homem de 50 Anos de Henry James (1843-1916); tradução de Sílvia Campos.

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Ludwig Van Beethoven [1770-1827] - The Sinphonies por Claudio Abbado com a Berliner Philharmoniker. IMAG.134-163-186-202-204-210

Editorial Presença edita A Casa dos Desejos de Rudyard Kipling (1865-1936); tradução de Alice Rocha. IMAG.67

Bertrand Editora lança Jezabel - A História Desconhecida da Rainha Meretriz da Bíblia de Lesley Hazleton.

Megamusica edita em CD, sob chancela Aliavox, Tarquinio Merula [1595-1665]: Su la Cetra Amorosa - Arie e Capricci por Jordi Savali, Montserrat Figueras, Ton Koopman, Rolf Lisveland, Andrew Lawrence-King.

Evoramons Editores lança Quincas Borba de Machado de Assis. IMAG.196

Dom Quixote edita A Última Colina (contos) de Urbano Tavares Rodrigues. IMAG.71-96-157

O Mundo em Gavetas edita 007 Fleming - Ensaio Sobre a Imortalidade de José António Barreiros. IMAG.153-180

Cavalo de Ferro edita O Céu É dos Violentos de Flannery O’Connor (1925-1964); tradução de Luís Coimbra. IMAG.55-179

Numérica edita em CD, Carlos Seixas [1704-1742] - Sonatas por Cremilde Rosado Fernandes (pianoforte). IMAG.58-102-227

ANUÁRiO





1949 - Escritora de histórias infantis, Enid Blyton concebe Noddy - um menino de madeira, que vive em Toyland, a Terra dos Brinquedos - cujas aventuras recriou até 1963, e que, a partir de 1955, se popularizaram em pequeno ecrã. Noddy conduz os amigos e entrega encomendas num táxi vermelho e amarelo. Quando fica agitado, a sua cabeça não pára de acenar, fazendo barulho com um guizo que tem na ponta do chapéu. É simpático, afectuoso e honesto, mas costuma meter-se em sarilhos, por algum equívoco, ou quando lhe pregam partidas. IMAG.147-204

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

AONDE É QUE FICA
O CENTRO DE PORTUGAL - 2

 Há mistérios que, bradando aos céus, calam mais fundo nos infernos. Vivendo do diz-se, diz-se sempre pronto a tentar os palermas, pois os moucos mesmo incautos não lhes dão ouvidos. Nem os forretas são vítimas do que lhes custa a acreditar, quando a esmola é de morrer.

Pelas raias da paranóia, ali em Mortágua, a parvónia de Elísio, há muito se falava daquele sítio fatídico, em algures. Não era poço seco, ou um buraco árido e ruim como o deserto onde ele nascera e menosprezava como um cu do mundo, nas fraldas da Serra do Buçaco. Não, senhor, era uma cova ávida e gulosa, que se mostrava e engolia aos que se atrevessem com ela.

E, pois com certeza, um ingrato que repudia o seu leito natal, só podia desvanecer-se num lençol letal. Bem feito - cavando o destino, o degenerado Elísio nem precisaria de mortalha para a sepultura!

 – Continua


    

IMAGINÁRiO228

24 MAI 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

EMOÇÕES

Conceituado crítico, assistente técnico, actor e já documentarista, Augusto Fraga tornou-se realizador de vulto em 1958, com Sangue Toureiro - que ficaria na história do cinema português como a primeira longa metragem de ficção a cores, a cargo de Manuel Queiroz para Produtores Associados. Com fotografia de Francesco Izzarelli, os trabalhos laboratoriais decorreram na Tobis Portuguesa - tal como a rodagem em estúdio, assinando a decoração Paulo-Guilherme. Considerando «um melhoramento técnico capaz de actualizar a nossa indústria», houve que explorar soluções de continuidade - sob montagem de Fernanda Santos - pois não existia, ainda, aparelhagem para fazer encadeados e fusões. Os exteriores foram registados, sobretudo, em Lisboa, Parque de Monsanto e no Rio de Janeiro. O argumento de Patrício Álvares - com guião de Alfredo Hurtado, e diálogos por Armando Vieira Pinto - explora a paixão entre uma popular fadista (Amália Rodrigues) e um ídolo das arenas (Diamantino Vizeu), afinal rendido ao amor de sempre (Carmem Mendes)... Artistas famosos, espectáculos de culto - como garantia de um sucesso comercial que Zon Lusomundo edita em DVD, sobre cópia restaurada.

ANUÁRiO

1949 - Sob chancela UPA, são lançados os primeiros cartoons de Mr. Magoo, aliás o Pitosga.

MEMÓRiA

25MAI1919-1995 - Fernando Curado Ribeiro: «Actores, há muitos - mas senhores actores, como ele, infelizmente existem poucos. Era um homem de bom humor, que amava a vida e morreu rapaz» (Varela Silva). IMAG.44

1732-31MAI1809 - Franz Joseph Haydn: «Tanto quanto é possível existir génio, num homem simplesmente virtuoso, ele conseguiu revelar-se. Foi para além dos limites da moralidade, e atingiu a expressão intelectual» (Friedrich Nietzsche - 1878). IMAG.40-219

31MAI1819-1892 - Walt Whitman: «Eu sou o poeta do corpo / e sou o poeta da alma, / as delícias do céu / estão em mim / e os horrores do inferno / estão em mim / – o primeiro eu enxerto / e amplio ao meu redor, / o segundo eu traduzo / em nova língua.»

CALENDÁRiO

1916-04DEZ2008 - Forrest J. Ackerman: Escritor, agente literário, coleccionador/especialista em terror-fantástico e sobrenatural, fundador/editor da revista Famous Monsters of Filmland (1958) - «Deu-nos uma janela aberta para o mundo que queríamos muito ver... Ele foi o nosso telescópio Hubble» (Stephen King). IMAG.221

10DEZ2008 - Em Espanha, o artista brasileiro de banda desenhada Ziraldo Alves Pinto - autor de Turma do Pererê (1960) - é distinguido com o VI Prémio Ibero-Americano de Humor Gráfico Quevedos, «pela qualidade e importância da sua obra, em compromisso social, repercussão e difusão internacional».

VISTORiA


Poetas de Amanhã

Poetas de amanhã: arautos, músicos,
cantores de amanhã!
Não é dia de eu me justificar
E dizer ao que vim;
Mas vós, de uma nova geração,
Atlética, telúrica, nativa,
Maior que qualquer outra conhecida antes
– levantem-se, pois têm de me justificar!

Eu limito-me a escrever
Uma ou duas palavras
Indicando o futuro;
Faço tocar a roda para a frente
Apenas durante um momento
E volto para a sombra
Correndo.

Eu sou um homem que, vagueando
A esmo, sem nunca se deter,
Casualmente passa o olhar por vocês
E logo desvia o rosto,
Deixando pois ao vosso cuidado
Apreciá-lo e aprová-lo,
Esperando de vós
As mensagens mais importantes.
Walt Whitman

EPISTOLÁRiO


Alteza Sereníssima, Gracioso Príncipe e Venerável Senhor!

Na vossa qualidade de grande mecenas e conhecedor de música, permito-me apresentar a Vossa Alteza Sereníssima os meus recentíssimos quartetos para 2 violinos, viola e violoncelo concertante, correctamente copiados, ao preço de assinatura de 6 ducados.
Estão escritos num estilo novo e particular, porque há já dez anos que eu não compunha quartetos. Os nobres assinantes residentes no estrangeiro receberão os seus exemplares antes de serem editados aqui. Solicito o vosso acolhimento favorável para esta oferta. Sou, como sempre, o mais humilde e devotado servidor de Vossa Alteza Sereníssima,

Josephus Haydn
- Mestre de Capela do Príncipe
Nicolau Esterházy (Viena, 03DEZ1781)
- ao Príncipe Krafft-Ernst von-Oettingen

BREVIÁRiO

Asa edita Os Elefantes Têm Memória de Agatha Christie (1890-1976); tradução de Maria João Delgado. IMAG. 66-125-173-180

Portugaler/Fundação Calouste Gulbenkian editam em CD, Vilancicos Negros do Século XVII pelo Coro Gulbenkian, sob direcção de Jorge Matta.

90º Editora lança O Cheiro da Índia de Pier Paolo Pasolini (1922-1975); tradução de Miguel Serras Pereira. IMAG.57-89-135-147

Dom Quixote edita Os Nus e os Mortos de Norman Mailer (1923-2007); tradução de Maria João Freire de Andrade. IMAG.105-171

Sílabo edita História da Guerra do Peleponeso de Tucídides (460 aC-400 aC); tradução de David Martelo, a partir da versão (1874) de Richard Crawley.

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Olivier Messiaen [1908-1992]: Jardin du Sommeil d’Amour ; por Myung-Whun Chung, Orchestre de l’Opéra Bastille, Accademia Nazionale de Santa Cecilia, Chœur et Orchestre Philarmonique de Radio France. IMAG.213

Universidade de Lisboa e Museu Nacional de História Natural editam Pegadas de Dinossáurios de Portugal de Vanda Faria dos Santos.

 Editorial Presença lança As Avós e Outras Histórias de Doris Lessing; tradução de Fernanda Pinto Rodrigues. IMAG.166-168

EMI edita em CD, Ludwig Van Beethoven [1770-1827]: Integral dos Concertos Para Piano por Evgeny Kissin, com a Orquestra Sinfónica de Londres sob direcção de Colin Davis. IMAG.134-163-186-202-204-210

COMENTÁRiO

MR. MAGOO


Pelo parapeito de arranha-céus, escapando às mandíbulas dos crocodilos, prestes a cair de cataratas, ou passeando incólume por uma chuva de balas, tudo como se não fosse nada com ele - ou nem sequer reparasse - Mr. Magoo fez as nossas delícias, nos complementos animados que, há umas décadas atrás, precediam os filmes principais. Perdido entretanto esse hábito ritual, a bizarra personagem - por cá mais conhecida pelo Pitosga - voltou em 1997, numa fita de que é protagonista, e encarnada em imagem real.

Não é possível ficar indiferente às suas míopes proezas - como vítima potencial de ameaças e perigos, que ultrapassa com um gesto de desdém e um risinho maroto. A realização de Mr. Magoo coube a Stanley Tong - um cineasta de Hong-Kong cuja carreira se projectou na América, com Jackie Chan Nas Ruas de Nova Iorque (1996). Tong confessou adorar desde miúdo os cartoons com Mr. Magoo, considerando-o «um tipo fixe, que gostaria de uma vida simples, mas sempre metido em sarilhos».

Formado pelo Actor’s Studio, o veterano comediante Leslie Nielsen tem muito com que se entreter, como Quincy Magoo: um milionário cheio de sorte, na iminência dos azares. Quando o famoso rubi roubado Estrela do Kuristão vai parar às suas mãos, cai-lhe tudo em cima: os piores ladrões internacionais, uma terrível larápia e outros malvados com o FBI e a CIA atrás. Ora, com a ajuda do sobrinho Waldo e do buldogue Angus, Magoo mostra que ser curto de vista traz, afinal, um sucesso de longevidade…

Os primeiros cartoons do Pitosga apareceram em 1949, sob chancela UPA, tendo merecido seis nomeações aos Oscars na respectiva categoria, e sendo galardoado designadamente por Mr. Magoo Flew (1955) de Peter Burness, que o considerava «uma vedeta irritante mas cooperativa». Pelos anos ’60, readquiriu outro rumo e alento com série para o pequeno ecrã, mais popular graças à NBC. Em 1977-79, coube à CBS relançar Mr. Magoo, alvo de réprises e consagrado por gerações.

Se Mr. Mago permitiu, durante decénios, que os estúdios UPA atingissem uma significativa prosperidade económica e criativa, contribuiu ainda para imortalizar a voz de Jim Backus, que moldou a sua inconfundível personalidade. Ironicamente, Backus - falecido em 1989, com 76 anos - embora assíduo na tela, apenas foi visto com notoriedade em Fúria de Viver (1955 - Nicholas Ray), ficando para sempre preso aos irresistíveis monólogos e à-partes do Pitosga, que constantemente lhe pediam para repetir.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

AONDE É QUE FICA
O CENTRO DE PORTUGAL - 1

 29 de Fevereiro de 1928

Enquanto era sugado pela terra adentro, Elísio Salgado sentia uma impressão horrível entre os pés, e logo nas pernas todas, que iam sendo esmagadas. Porém, não tinha dores, nem a certeza do que estava a acontecer. Como se parte do seu corpo não fosse carne, ossos e sangue, mas como uma mistura de areia e pedras em erosão, que já não lhe pertencesse.

O que seria quando chegasse ao coração, quando o pescoço esganasse e, estilhaçado, até o olhar se perdesse entre as luzes e as trevas? Tal era o transe, a aflição física, que Elísio nem conseguia imaginar, posto como estava, no auge esbracejante da própria consciência...

«Para que é que eu me meti nisto?», logrou então pensar. Não fosse a sua malfadada curiosidade, a atracção pelo esquisito, a altivez de tentar o que nem bulia se ninguém lhe mexesse, e não estaria agora naquele descampado - à beira de desaparecer para sempre, e sem deixar rasto.

 

– Continua


  

IMAGINÁRiO227

16 MAI 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

DESAFIOS


Pelos finais do Século XX, nos Estados Unidos, o fascínio dos fanáticos e dos leitores em geral pela mangà nipónica revolucionou o estilo e o engenho dos autores americanos, e enriqueceu as principais editoras de banda desenhada. Na velha Europa, tudo se processou mais entre o envolvimento e a homenagem, como o Festival de Angoulême que, em 2001, desvendou O Japão e a Mangà, com uma gigantesca mostra sobre esta popular manifestação oriental, cujos criadores foram uma presença imprescindível. Entre tais parâmetros, de perdição e redenção, Richard Knaak (argumento) & Jae-Hwan Kim (ilustração) propõem Warcraft - Trilogia do Poço do Sol - sobre «as aventuras de Kalec, um dragão azul que assumiu a forma humana para investigar um poder misterioso, e de Anveena, uma bela rapariga que guarda um segredo de encantamento». Sob chancela Asa, Caça ao Dragão põe em marcha uma saga prodigiosa, emocionante, em especial para os mais jovens - que se identificarão com extraordinárias proezas num universo mágico, através de enigmas e vicissitudes, de perfídias e valentias...

CALENDÁRiO

1950-01DEZ2008 - Joan Baptista Humet: Artista principal da nova canção catalã - «Hay que vivir, amigo mío, / antes que nada hay que vivir / y ya va haciendo frío...»

1930-02DEZ2008 - Odetta Holmes: Cantora de blues, activista pela igualdade e liberdade humanas, interpretou O Freedom durante a Marcha Sobre Washington de Martin Luther King em 1963. IMAG.190-210

04DEZ2008-15FEV2009 - Em Lisboa, Museu Colecção Berardo expõe A Intuição e a Estrutura: de Torres-García a Vieira da Silva, em co-produção com o Instituto Valenciano de Arte Moderna/IVAM. IMAG.14-39-42-75-134-168-182-224

05DEZ2008-15FEV2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta 3 Homens Numa Barca, instalação / exposição colectiva de Rui Aço, Fernando Vidal e Freitas Cruz.

1927-07DEZ2008 - António Alçada Baptista: «A nossa sociedade vive na cultura do masculino por causa do poder. Toda a nossa educação foi feita à base dos grandes heróis, dos homens que detinham muito poder - Napoleão Bonaparte, Alexandre, o Grande, ou Afonso de Albuquerque. Certas constantes fisiológicas, como a menor força física e o embaraço periódico da maternidade, decretaram que o homem monopolizasse o poder. Como este tem sido o instrumento determinante da escrita e da edificação da história, foi construído um universo de valores ditos masculinos».  

MEMÓRiA

20MAI1799-1850 - Honoré de Balzac: «Todo aquele que contribui com uma pedra para a edificação das ideias, todo aquele que denuncia um abuso, todo aquele que marca os maus, para que não abusem, esse passa sempre por ser imoral». IMAG.216

1836-21MAI1929 - Elise Hensler, a Condessa d’Edla: cantora lírica (1854-1861) natural de La-Chaux-de-Fonds (Suíça), chegada a Lisboa em 1860, casada com El-Rei D. Fernando (1816-1885) em 1869 - «vale mais que todos, porque, ofuscando-os com a auréola da arte, estrelada das seduções da beleza, nos revelou que os reis deslumbrados eram apenas homens» (Camilo Castelo Branco). IMAG.175

22MAI1859-1930 - Arthur Conan Doyle: Criador de Sherlock Holmes, autor de História do Espiritismo - «Ao eliminarmos o impossível, o que resta - por mais incrível que pareça - só pode ser a verdade». IMAG.17-66-71-116-128-140-184

ANTIQUÁRiO

MAI1939 - Na revista Detective Comics, Bob Kane lança Batman em quadradinhos - uma criatura virtual, entre a mística dos super-heróis e a transcendência do homem comum. Terror de criminosos e psicopatas em Gotham City, tendo por alter-ego o excêntrico milionário Bruce Wayne, o Cavaleiro das Trevas celebrou, para além da chancela DC Comics, um extraordinário fenómeno artístico e sociológico, alcançando exaltação pela novela popular, o folhetim radiofónico, a representação teatral, a expansão televisiva. No cinema, exibiu-se logo por 1943: em plena guerra, Lambert Hillyer dirigiu O Homem-Morcego - um serial com quinze episódios, de incidência antigermânica, protagonizado por Lewis Wilson. IMAG.2-8-10-32-39-45-51-62-71-72-201-208-217

ANUÁRiO

1989 - Tim Burton realiza Batman, cedo convertido em épico de culto com expansão cinegráfica. Michael Keaton protagoniza Bruce Wayne/Homem-Morcego, com Kim Basinger no papel da fotojornalista Vicki Vale.

VISTORiA



As paixões humanas pareciam dever morrer aos pés daquelas grandes árvores que protegiam semelhante asilo dos ruídos do mundo e o retemperavam dos ardores do Sol.

– Mas que desordem! – disse o senhor d’Albon de si para consigo, depois de apreciar a sombria expressão que as ruínas imprimiam àquela paisagem como que fulminada por uma maldição. Dir-se-ia um local funesto abandonado pelos homens. Por toda a parte a hera estendia os seus nervos tortuosos e as suas ricas roupagens. Musgos castanhos, esverdeados, amarelos ou vermelhos espalhavam o seu colorido romântico pelas árvores, pelos bancos, pelos telhados, pelas pedras. As janelas carcomidas estavam meio consumidas pelas chuvas, devoradas pelo tempo; as varandas quebradas, os terraços demolidos.
Honoré de Balzac - O Último Adeus (excerto)

INVENTÁRiO

CINEMA DE AMADORES
PRIMÓRDIOS EM PORTUGAL

4 - Em 1941 - segundo a revista Animatógrafo, de António Lopes Ribeiro, que tinha uma rubrica especializada - cerca de 4.000 portugueses praticavam no nosso país o «amadorismo cinematográfico». Neste ano, o Jornal de Actualidades do Condor Cine Clube, em 9,5 mm, reportava a filmagem da Procissão do Desterro, para Ala-Arriba! (1942) de Leitão de Barros, sendo operadores Fernando Alves e Américo Correa, com câmaras Ditmar e Pathé. Também cinegravado por Romariz e Lopes Fernandes, da ADA Filmes. No total, impressionaram-se cerca de 100 metros de película - aparecendo Leitão de Barros, Teresa Cazal e Arthur Duarte.

Em Maio de 1941, era fundado em Lisboa o Clube Português de Cinema de Amadores - remodelação da Secção de Cinema do Grémio Português de Fotografia. Presidente: António de Meneses; Vice-Presidente: F. Carneiro Mendes. A primeira sessão, no Porto (Clube dos Fenianos), reuniu cerca de 600 pessoas, entre diplomatas, médicos, engenheiros, jornalistas, profissionais de cinema e representantes das sociedades de amadores. Segundo João Mendes no Animatógrafo, o CPCA realizou «uma velha aspiração dos cineastas amadores». Para Dezembro, previa-se o I Congresso Português de Cinema de Amadores.

Com o termo da II Guerra Mundial, o cinema de amadores readquiria o seu  elã de outrora, logrando outros entusiastas, agremiações e distintos horizontes. Em 1946, um futuro profissional, Teixeira da Fonseca realizou Medo - sendo intérpretes Isabel de Castro e Servais Tiago, que se distinguiriam à frente e atrás das câmaras. Uma produção em 9,5 mm do Belcine Clube da Parede - que era destacado por Jorge Pelayo, na secção Cinema de Amadores do semanário Visor; onde, em crónica portuense, Guilherme Ramos Pereira abordava actividade do Clube Português de Cinematografia e do Círculo de Amigos do Cinema.

Num concurso promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, com a revista Cinema de Amadores e a Pathé Baby Portugal em 1948, durante as comemorações do 8º Centenário da Tomada de Lisboa aos Mouros, o Grande Prémio foi atribuído a Mau Caminho de Carlos Tudela, entre dezenas de filmes participantes. Como impressão geral, Teixeira da Fonseca considerava no semanário Filmagem que «a quase totalidade dos amadores portugueses desconhece em absoluto os princípios basilares do cinema».

Apenas citado, cumpre destacar Carneiro Mendes. Sendo um pioneiro, virtualizou o cinema de amadores - sempre em 16 mm, por 40 filmes (1932-1963) em que tudo executou, com prestígio internacional. A reportagem, o documentário, os apontamentos científicos, etnográficos ou antropológicos, revestem implicações culturais, estéticas e técnicas. As suas Actualidades 1-8 (1932-38), Grande Exposição Industrial Portuguesa (1932), Festas de Lisboa (1935), Vá d’Su (1936), A Vida dos Insectos (1937), O Cortejo do Mundo Português (1940) ou ÉvoraMuseu de Portugal (1944) são títulos marcantes, num acervo preservado.

BREVIÁRiO

Abraço edita VIH, o Bicho da Sida de Rui Zink (história) e António Jorge Gonçalves (desenhos). IMAG.4-19-23-41-169-183

¨Portugália Editora lança Vida de Santo Agostinho (354-430) por São Possídio. IMAG. 19-34-116

Portugaler/Fundação Calouste Gulbenkian editam em CD, Pêro de Gambôa: Motets, Lourenço Ribeiro: Missa Pró Defunctis pelo Coro Gulbenkian, sob direcção de Jorge Matta.

¨Relógio d’Água edita O Herói do Nosso Tempo de Mikhail Lermontov (1814-1841); tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

Numérica edita em CD, Carlos Seixas [1704-1742] - Sonatas por Cremilde Rosado Fernandes (pianoforte). IMAG. 58-102

Asa edita Perdidos No Bosque de Ruth Rendell; tradução de Carla Morais Pires e Ana Maria Chaves. IMAG.224

Naïve edita em CD, [Wolfgang Amadeus] Mozart [1756-1791] - Concertos de Juventude por David Greilsammer ao piano, e dirigindo o Suedama Ensemble. IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205-216-217-220

Tinta-da-China edita A Invenção do Cinema Português de Tiago Baptista.

Universal edita em CD, sob chancela Decca, Giacomo Puccini [1858-1924]: La Bohème por Mirella Freni e Luciano Pavarotti; Berliner Philharmoniker, sob direcção de Herbert Von Karajan. IMAG. 147-188-207

Prisvídeo edita em DVD, Não Estou Aí/I’m Not There de Todd Haynes; com Cate Blanchett e Christian Bale, em transfigurações de Bob Dylan. IMAG. 13-24-61-85-115-136-151-187-211

¨Edições Nelson de Matos lança Histórias de Amor de José Cardoso Pires [1925-1998]. IMAG.53-200

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

RESPONDA LÁ, ENTÃO,
À SEGUINTE QUESTÃO - 5

 Ercília Castro morrera em cada fim do mundo, voltando enfim para ressuscitar ali onde se gerara o nascimento original. Sem vítimas nem violadores, recuperando a paz de um espírito em guerra – a carne da própria carne.

Sem medir os meios, tentou Ercília seduzir, convencer Raul. Mas ele sempre se recusou a aceitá-la na sua intimidade.

Até que, já cansada, Ercília acabou por desabafar-lhe:

- Sempre me saíste um bom casmurro. Sabes que és um filho da mãe?!

– Continua   


  

IMAGINÁRiO226

08 MAI 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

PROEZAS

A vivência de um flagrante que se ilustra para a eternidade. Além dos seus volúveis pesares e das suas paixões perenes. Inserindo um estigma pessoal na arquitectura cósmica. Reinventando singular o firmamento. Vertendo a utopia, reflectindo a viagem profunda, iluminando as sombras em que habitam mitos e monstros. A história pelo curso da sua intervenção, a reinvenção do mundo perdido ou redescoberto em imagens preservadas. Um percurso solitário, até à comunidade do comércio e do consenso.

Eu guardo cada momento da infância como uma aventura em quadradinhos, primícias compaginadas nas velhas revistas de que sinto falta ou, de entre as que conservei e readquiri, que às vezes folheio, num ritual apetecido de nostalgia ou de transfiguração. Manancial ilusivo, herança resistente, em afectiva projecção interactiva. Todos aqueles heróis que me ajudaram a ser homem. Todas aquelas peripécias que moldaram a percepção de agir. Todos aqueles artistas que me deslumbraram e formaram o próprio olhar.

CALENDÁRiO

11MAI1919-19NOV2008 - John Michael Hayes: Escritor e argumentista norte-americano, notabilizado pela colaboração com Alfred Hitchcock («ele até fazia falar os móveis»), com uma nomeação ao Óscar por Janela Indiscreta/Rear Window (1954). IMAG.4-19-29-44-51-85-112-142-146-163-168-179-188-191-204

1925-23NOV2008 - Rogério Mendes de Moura: «Um editor-artífice, talvez o único entre nós. Trabalha o livro como o ourives o ouro e o lapidador o diamante. Por outro lado, o tilintar ou não da caixa registadora não o comove» (Mário Moura - 2003).

1914-25NOV2008 - William Gibson: Dramaturgo, autor de O Milagre de Ann Sullivan - «Para mim, o acto de escrever torna tudo possível» (2003).

09ABR1918-29NOV2008 - Jorn Utzon: Arquitecto dinamarquês, distinguido com Prémio Pritzker em 2003, pela concepção da Sydney Opera House (Austrália) - «Um génio e um símbolo, reconhecido em todo o mundo» (Kim Williams).

29NOV2008-09JAN2009 - Em Odemira, Biblioteca Municipal José Saramago expõe O Amor Infinito Que Te Tenho, em quadradinhos por Paulo Monteiro.

04DEZ2008 - VC Multimédia estreia Amália, o Filme de Carlos Coelho da Silva; sobre a vida e a carreira de Amália Rodrigues (1920-1999), com Sandra Barata Belo e António Pedro Cerdeira. IMAG.20-33

MEMÓRiA

06MAI1819-1890 - João de Lemos: «Jornalista distintíssimo, os seus trabalhos em prosa ou em verso não ocultavam o homem de alto espírito e de profundo saber» (Diário de Notícias - 18JAN1890).

ANTIQUÁRiO

MAI1959 - Em Action Comics, nasce Supergirl com argumento de Otto Binder e ilustração de Al Plastino. Prima de Superman, tal como este, Kal-El, nascida no planeta Krypton e, sob o risco de destruição, enviada para a Terra, Kara Zor-El também tem uma identidade secreta, Linda Lee Danvers, sob a qual é vulnerável à arbitrariedade humana e mortal.

VISTORiA

Palmeiras

Vieram do deserto
e estão cansadas.
À beira-Nilo
esperam que pare
um barco.

Francisco José Craveiro de Carvalho

ANUÁRiO



1519 - Lopo Homem, Pedro Reinel e seu filho Jorge Reinel concebem o Atlas Miller, ilustrado com iluminuras do pintor flamengo Antonio de Holanda. Além do valor geográfico e da sumptuosidade artística, o Atlas Miller - jóia da cartografia portuguesa composta por seis pergaminhos e dez mapas, conhecida pelo nome do seu último proprietário, e cujo original se encontra na Biblioteca Nacional de França - constitui um complexo documento «de contra-informação geográfica e geopolítica, pois contraria a ideia de circum-navegabilidade da Terra, para tentar convencer os espanhóis a acabar com o projecto da viagem de Fernão de Magalhães» - segundo o parecer de Alfredo Pinheiro Marques, Director do Centro de Estudos do Mar Luís Albuquerque.

1949 - Lyon de Castro, o fundador da Europa-América, lança a colecção Os Livros das Três Abelhas, dirigida por José Cardoso Pires e Victor Palla, a qual se manteve em edição até 1985.

VISTORiA


Não Te Entendo, Coração

 Mas se não amo, nem posso,
Que pode então isto ser?
Coração, se já morreste,
Porque te sinto bater?
Ai, desconfio que vives
Sem tu nem eu o saber.

Porque a olho quando a vejo?
Porque a vejo sem a olhar?
Porque longe dos meus olhos
Me andam os seus a lembrar?
Porque levo tantas horas
Nela somente a pensar?

Porque tímido lhe falo,
E dantes não era assim?
Porque mal a voz lhe escuto
Não sei o que sinto em mim?
Porque nunca um não me acode
Em tudo que ela diz sim?

Porque estremeço contente
Quando ela me estende a mão,
E se aos outros faz o mesmo
Porque é que não gosto e não?
Deveras que não me entendo,
Nem te entendo, coração.

Ou me enganas, ou te engano;
Se isto amor não pode ser,
Não atino, não conheço
Que outro nome possa ter;
Ai, coração, que vivemos
Sem tu nem eu o saber.

João de Lemos

COROLÁRiO

SUPERGIRL



Aos leitores que, há vinte ou trinta anos, se electrizaram com os super-heróis; ou mesmo aos fanáticos que, através dos tempos, mantiveram uma fidelidade obsessiva... A todos nós estão reservadas as maiores surpresas, com a mutação dos formidáveis paladinos, colocados entre os perigos mais primitivos e os desafios de um novo milénio. Assim, o argumentista Peter David, com os ilustradores Leonard Kirk & Robin Riggs, exploraram Wally's Angels, sob chancela DC Comics, em Supergirl número 50 (SET2000).

Uma viragem trágica, nas aventuras da Mulher-de-Aço, que corresponde às conquistas sucessivas de Carnivore, a partir de Between City. Este guerreiro inexorável logrou submeter os principais protectores alados da Terra. Mas, graças a uma inspiração sobrenatural, Supergirl renasce das cinzas e, com o fogo sagrado dos vencedores, acaba mesmo por surpreender os próprios aliados, no combate derradeiro contra o amo de Between City e seus demónios grotescos. Porém, a vitória sair-lhe-á cara, pois Linda Danvers, a personalidade mortal de Supergirl, nunca mais será a mesma!

BREVIÁRiO

Edições + (&) ´ lança Beira Nilo de Francisco José Craveiro de Carvalho. IMAG.16-117-130-177-190-209

2006 - Moleiro Editor (Barcelona) lança o Atlas Miller (1519) de Lopo Homem, Pedro e Jorge Reinel, com iluminuras de Antonio de Holanda.

Gradiva edita Grandes Pensamentos do Padre António Vieira (1608-1697). IMAG.118-139-165-191

¨Letra Livre edita Portugal - Povo de Suicidas de Miguel de Unamuno (1864-1936). IMAG.112

Universal edita em CD, sob chancela Decca, Giacomo Puccini [1858-1924]: The Great Opera Collection - La Bohème, Tosca, Madame Butterfly, Manon Lescaut, La Fanciulla del West, Turandot, Il Trittico (1954-1962) por Renata Tebaldi e outros cantores; orquestra e coro da Accademia Nazionale di Santa Cecília de Roma. IMAG. 147-188-207 

PARLATÓRiO


A banda desenhada portuguesa, anterior a 1974, dimensionava-se de acordo com o nosso mercado e aos nossos níveis de leitura popular (virados em mais de setenta e cinco por cento para os jornais desportivos), vivendo ou sobrevivendo em semanários ou quinzenários dedicados aos jovens de todas as idades, onde se incluíam as revistas editadas com o apoio das organizações da Mocidade Portuguesa subsidiadas pelo Estado (Ministério da Educação). Independentemente dos grandes semanários O Mosquito e Cavaleiro Andante, onde trabalharam quase todos os autores da época, é justo não esquecer os apoios dos Titã, Mundo de Aventuras, e Tim-Tim que, junto com muita produção europeia e americana, inseriu bd de autores portugueses. Mas foi ainda nos ditos jornais e revistas, apoiados nas organizações oficiais, que os desenhadores e argumentistas da nossa terra encontraram o mais vasto espaço, para publicarem os seus trabalhos. Mesmo sujeitos à censura do regime (que actuava até em edições para a juventude, caso se justificasse), e à contenção de projectos que não obedecessem aos ideais em voga, a verdade é que nunca faltou trabalho para todos aqueles que, embora não comungando das ideias do regime, viram sempre os seus desenhos e textos publicados nos jornais para rapazes e raparigas. O Camarada, o Pisca-Pisca e a Fagulha são exemplos claros desta análise, e neles se podem encontrar não só os mais velhos e já consagrados, mas também uma valiosa equipa de jovens que vieram, mais tarde, a tornar-se notados quer na bd, quer na arte de animação para cinema e tv.
José Garcês

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

RESPONDA LÁ, ENTÃO,
À SEGUINTE QUESTÃO - 4

 Não é normal uma atitude assim. Que raio apoquentaria a candura do rapaz, até ao ódio mais instintivo: ciúme? raiva? feitiço? Até à atitude mais irracional: capricho? sortilégio? maldição?

- Ora, adeus! - lamentava-se, impaciente com ele, Sebastião. E mandou colocar uma lápide de mármore no túmulo de Jacinta, sobre a pesada pedra em granito que antes lá tinha posto.

Também, não era um investimento como outro qualquer.

Para depois cerzir o todo, Ercília – insinuante, fêmea à espreita – decidiu ir por partes, pois já naquela época o futuro se comprava a prestações.

Aliás, algumas pontas soltas tinham ficado para trás, cortadas definitivamente – como os progenitores e os parentes que viviam numa aldeia próxima, Donim, ou a mágoa por quem a desprezara em mácula.

– Continua



     

IMAGINÁRiO225

01 MAI 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRIO

PRIMÓRDIOS



Algures, em qualquer recôndito instante do tempo e dos lugares, um homem primitivo, o primeiro artista, faz o desenho original, firmando as raízes dos pés ao contemplar as estrelas. Ousa assim no primordial imaginário, e legar-nos-ia o seu flagrante privilegiado entre emoções e memórias. A preto e branco, confina a estética de um pensamento único, germinal. Dando-lhe cor, define a realidade de outras paisagens que, logo, passaria a explorar. Trazendo em si, diferente, a imensa dádiva de uma inspiração universal.

Recordo como tudo aconteceu. De levar para dentro da gruta os morrões ainda em brasa, roubados ao fogo essencial, e com os quais fazia os contornos de todas aquelas figuras surgidas em extraordinárias visões ou que me brotavam da cabeça. De colher depois os barros, e as seivas, de rasgar o sangue e vísceras dos animais sacrificados, com os quais do nada recriava tonalidades, sugeria relevos, tudo para sempre na perpetuidade ungida pelos óleos modelares. Alcançando uma razão de ser e estar.

MEMÓRiA

1452-02MAI1519 - Leonardo Da Vinci, que retratou Lisa Gherardini, esposa de Francesco del Giocondo, La Gioconda (1503-1506): «Este quadro foi pintado para comemorar o nascimento do segundo filho de Mona Lisa. É uma mulher que acaba de ser mãe, que se volta para nós, nos fixa, e que sorri ligeiramente» (Bruno Mottin). IMAG.16-26

1938-02MAI1999 - Oliver Reed: «Tenho duas ambições na vida: a primeira é esvaziar todos os pubs que frequento, a segunda é levar para a cama cada mulher que vou conhecendo». IMAG.166

03MAI1469-1527 - Niccolò Machiavelli, aliás Maquiavel: «E como Dante diz que não se faz ciência sem registar o que se aprende, eu tenho anotado tudo o que nas conversas me parece essencial, e compus um pequeno livro intitulado De Principatibus, onde analiso tão profundamente quanto posso depreender o que é um principado, que tipos de principado existem, como são conquistados, mantidos, e como se perdem» (Carta a Francesco Vettori - 10DEZ1513). IMAG.192

04MAI1929-1993 - Audrey Hepburn: «Lembra-te que, se alguma vez precisares de uma mão amiga, a encontrarás no final do teu braço. Ao ficarmos mais velhos, descobrimos por que temos duas mãos - uma para ajudar a nós próprios, a outra para auxiliar o próximo».

CALENDÁRiO

1922-15NOV2008 - Grace Hartigan: Discípula de Jackson Pollock - «Eu não escolhi a pintura. A pintura escolheu-me. Não tenho qualquer talento. Apenas tenho génio».

1934-17NOV2008 - Guy Peellaert: Pintor, ilustrador, fotógrafo e autor de banda desenhada, criador de Les Aventures de Jodelle (1966) e Pravda, la Survireuse (1968) - «Um olhar crítico que jamais perde a sua frescura mesmo quando é feroz, mesmo se agita o espantalho da violência e se preconiza que, um dia, a dinamite fará tudo ir pelos ares» (Henry Chapier).

21NOV2008-01FEV2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Justino Alves - 36 Obras de Pintura.

1916-26NOV2008 - Joaquim Figueiredo Magalhães: «Um dos melhores editores do Século XX português» (Vítor Silva Tavares), fundador da Ulisseia (1948).

28NOV2008 - ZON Lusomundo edita em DVD, Manoel de Oliveira - 100 Anos; inclui vinte e um filmes realizados entre 1986 e 2007, um DVD de extras alusivos ao cineasta e um livro por João Lopes (texto histórico-biográfico) e Jorge Leitão Ramos (filmografia comentada).

COMENTÁRiO

HÁ FESTA NA ALDEIA (1949)


Durante a feira anual numa aldeola, a exibição de um filme americano - sobre os métodos, rápidos e ultramodernos, de distribuição pelos correios - coloca o carteiro François numa posição ridícula, perante os conterrâneos. Decidido a provar a sua eficiência, François - um modelo de consciência profissional, embora disponha apenas de uma bicicleta - inventa então os mais irresistíveis truques, para levar, sem demora, a correspondência aos destinatários...

Rodagem em Saint-Sévère-Sur-Inde, por 1947. Primeira longa metragem de Jacques Tati - histriónico protagonista, antes de ser o Sr. Hulot - ainda numa expressão embrionária, quanto aos requisitos hilariantes, ao estilo narrativo, à definição de personagens e à eficácia dos gagues. Mas já sóbrio e virtual na poesia do grotesco, patenteando um clássico do humor - galardoado pelo melhor argumento no Festival de Veneza (1949) e com o Grande Prémio do Cinema Francês (1950).

TRAJECTÓRiA

Leonardo Da Vinci



Como se classifica alguém que foi pintor, desenhador, botânico, anatomista, engenheiro civil e militar, arquitecto, projectista de cidades, hidrólogo, cartógrafo e inventor? Génio? Nasceu a 15 de Abril de 1452, em Vinci, Itália, filho ilegítimo de um notário, Ser Piero, e de uma camponesa, Caterina. Criado em casa do pai, teve acesso a textos eruditos e à longa tradição da pintura de Vinci. Aos 15 anos começou a sua aprendizagem com Andrea del Verrochio, em Florença, onde permaneceu até 1477. Em 1482 entrou ao serviço do duque de Milão e ficou nessa cidade 17 anos, saindo de lá após a queda do duque Ludovico Sforza. Este mecenas soube utilizar bem os múltiplos talentos e interesses de Leonardo, tanto na pintura como na concepção das festas da corte ducal, e também no desenho de armas, edifícios e máquinas. Entre 1485 e 1490, Leonardo dedicou-se ao estudo dos mais variados temas: natureza, máquinas voadoras, geometria, mecânica, construções municipais, canais, arquitectura (desde igrejas a fortalezas), armas (incluindo um tanque e outros veículos militares), até mesmo submarinos. Foi igualmente neste período que fez os seus primeiros estudos de anatomia. Dispersando-se por tantos interesses e encomendas, Leonardo nem sempre conseguiu completar o que tinha começado e nesses 17 anos terminou apenas seis obras de pintura, deixando inacabadas dezenas de pinturas e projectos. Nos 16 anos seguintes viajou e trabalhou para outros mecenas, como Cesare Borgia, Giuliano de Medici, o Papa e o rei Francisco I de França. Foi aliás em França (Cloux) que veio a morrer, a 2 de Maio de 1519.
03OUT2004 - Diário de Notícias

VISTORiA

Facécia a Um Padre

Uma mulher lavava roupa, e pelo frio tinha os pés muito vermelhos; e passando por ela um padre, perguntou com admiração o que causava tal vermelhidão; ao que a mulher respondeu logo que tal efeito acontecia porque ela tinha debaixo dela um fogo. Então o padre segurou o membro que o fez ser padre e não freira e, encostando-se a ela, com doce e persuasiva voz, pediu-lhe que fizesse o favor de lhe acender aquela vela.
Leonardo Da Vinci
Bestiário, Fábulas e Outros Escritos (1482-1499)


Os homens hesitam menos em ofender quem se faz amar do que em ofender quem se faz temer; porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação que, por serem os homens pérfidos, é rompido por qualquer circunstância em benefício próprio; mas o temor é mantido por um medo de punição que não abandona jamais…
Todos concordam que é muito louvável um príncipe respeitar a sua palavra e viver com integridade, sem astúcias nem embustes. Contudo, a experiência do nosso tempo mostra-nos que se tornaram grandes príncipes quem não ligou muita importância à fé dada e soube cativar, pela manha, o espírito dos homens e, no fim, ultrapassar aqueles que se basearam na lealdade…
O desejo de conquista é coisa realmente muito natural e comum; e, sempre que os homens conseguem satisfazê-lo, são louvados, nunca recriminados; mas, quando não conseguem e querem satisfazê-lo de qualquer modo, aí estão o erro e a recriminação.
Maquiavel
O Príncipe (1513-1516, excertos)

INVENTÁRiO

AUDREY HEPBURN


Uma beleza ingénua, gaiata e maliciosa, ou simbolizando a mulher moderna, estilizada e elegante, Audrey Hepburn impôs o encanto do seu talento artístico em Hollywood, entre meados dos anos ‘50 e ’60 do Século XX. Uma carreira iniciada com Uma Bela Piada (1950 - Mario Zampi), e que culminaria como aparição soturna mas angelical de Sempre (1989 - Steven Spielberg). Filha de um banqueiro inglês e de uma baronesa holandesa, nascera na Bélgica em 1929. Através de êxitos como Férias em Roma (1953 - William Wyler), Sabrina (1954 - Billy Wilder), Cinderella em Paris (1957 - Stanley Donen), Ariane (1957 - Billy Wilder), Boneca de Luxo (1961 - Blake Edwards) ou Minha Linda Lady (1964 - George Cukor), Hepburn confirmaria o vaticínio do Motion Picture Herald - que, em 1954, a considerou uma «estrela do amanhã». Estudara dança e representação em Amesterdão e Londres, confirmando talentos dramáticos em 1955, quando subiu aos palcos da Broadway (Gigi de Colette, Ondine de Giraudoux). Em 1954-68, Hepburn foi casada com o actor Mel Ferrer, tornando-se embaixadora da Unicef. Entre os filmes da maturidade, sobressai A Flecha e a Rosa (1976 - Richard Lester).

BREVIÁRiO

Editorial Presença lança O Príncipe de Maquiavel; tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo.

¨Bica de Pena edita Madame Butterfly (1898) de John Luther Long; tradução de Joana Neves.

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

RESPONDA LÁ, ENTÃO,
À SEGUINTE QUESTÃO - 3

 E Ercília, então, o que teria em mente?
Com a convivência, Sebastião passou a recorrer aos seus serviços de agulha e dedal, acabando por apaixonar-se. A princípio com timidez, como num sonho: é sempre bom ter uma patroa pela cozinha, e com quem partilhar o calor da cama. Depois, estava farto de falar para as paredes, saudoso da resmunguice que dá sal ao matrimónio. E, sobretudo, custava-lhe açaimar a fera que, às vezes, se avantajava entre as suas pernas. Embora equívoca nos preliminares, Ercília não se fez rogada ao namoro. Até os frígidos preconceitos da comunidade pareciam correr-lhes de feição. Mesmo o abade Lourenço Fontes ansiava pela hora de abençoá-los. Inexplicavelmente, só um obstáculo complicava tudo: a rejeição alucinada de Raul, sempre irritado e macambúzio.

– Continua


     

IMAGINÁRiO224

24 ABR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

MISTÉRIOS

Um dos nossos mais fecundos e controversos cineastas, António de Macedo - distinguido com o Prémio Consagração de Carreira 2007 pela Sociedade Portuguesa de Autores, e homenageado pelo Fórum Fantástico em 2008 - reincidiria, neste Terceiro Milénio, por uma intensa produção como ensaísta e ficcionista, que culmina com A Conspiração dos Abandonados - Contos Neogóticos, editado sob chancela Zéfiro em Ventos do Imaginário. Seis narrativas de mistério e fantasia pela inspiração necro-mágica, cuja expressão irónica ou exaltante nos desafia através de lances insólitos, transes enigmáticos, dimensões ancestrais, bizarros feitiços, peripécias inquietantes, ocorrências sobrenaturais, numa peculiar fusão entre o suporte literário e a amplitude visionária. Além da tradição ou da modernidade, eis a marca virtual e caprichosa por António de Macedo - escritor do olhar, nauta da palavra - sulcando em viagens prodigiosas, transfigurando uma sublimação estética, projectando um desígnio ético, sob o signo da assombração e da iluminação. IMAG.12-24-63-96-109-120-135-158-167-180-197-224

CALENDÁRiO

1932-10NOV2008 - Miriam Makeba, Mama Afrika: «Ao longo de sua vida, Mama Makeba comunicou uma mensagem positiva ao mundo sobre a luta das pessoas na África do Sul, e a certeza das vitórias sobre as forças malignas do apartheid e do colonialismo através da arte de cantar» (Nkosazana Dlamini Zuma).

1939-13NOV2008 - Pedro Pinheiro: Actor, dramaturgo e encenador - «Era um autor incansável, com grande capacidade criativa em todas as áreas» (Luciano Reis).

13NOV2008 - Castello Lopes estreia Ensaio Sobre a Cegueira/Blindness de Fernando Meirelles, com Mark Ruffalo e Julianne Moore; sobre o romance de José Saramago. IMAG.38-75-155-158-196-198

3NOV2008-29MAR2009 - Fundação Arpad Szenes / Vieira da Silva, em Lisboa, expõe Au Fils do Temps… Percurso Fotobiográfico de Maria Helena Vieira da Silva, sob concepção de Marina Bairrão Ruivo. IMAG.14-39-42-75-134-168-182

14NOV2008-11JAN2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe, em protocolo com Bancaja, [Pablo] Picasso [1881-1973] y la Danca. IMAG.14-119-187

1937-16NOV2008 - Carlos da Silva: «Comecei jovem nesta profissão como actor, fui vendedor de filmes e depois fui produtor executivo, fiz uma grande viagem dentro deste meio. Trabalhei com muitos cineastas e nunca tive tempo para mim. E chegou a altura em que decidi realizar um filme [Mortinho Por Chegar a Casa - 1996, com George Sluizer] para completar o ciclo».

18NOV-18JAN2009 - Em Lisboa, Museu Bordalo Pinheiro, apresenta Caprichos e Desastres, exposição de homenagem a João Abel Manta; inclui obras executadas pelo artista em 1960-1980, sendo comissário João Paulo Cotrim.

X19NOV2008-30ABR2009 - Em Lisboa, Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves expõe Os Anos de Exílio da Rainha D. Amélia - Colecção Rémi Fénérol. IMAG.14-40-41-42-120-204

21NOV2008-30JAN2009 - Arquivo Municipal de Lisboa / Arquivo Fotográfico apresenta Manel Armengol - Transições - 70s em Espanha, China e Estados Unidos; exposição organizada com Fundació Foto Colectania.

MEMÓRiA

26ABR1889-1951 - Ludwig Wittgenstein: «O corpo humano é o melhor retrato da alma humana».

ELUCIDÁRiO

museudomar.info - Museu do Mar - Museu Imaginário - O Museu do Mar de Peniche. O que existe na Fortaleza. Aquele que, com o imaginário Museu da Resistência, lá está, desde 1984. Museu Municipal de Peniche: o mar, a terra e os homens, as marcas do sofrimento entre estas três verdades. Uma trindade fecundante. Museu do Mar e Museu da Resistência: foi esta a ideia fundadora daquilo que hoje existe na Fortaleza de Peniche.

COROLÁRiO







1969 - No documentário Almada Negreiros Vivo, Hoje, o cineasta António de Macedo interroga o autor de Manifesto Futurista,: «Um recente inquérito internacional revelou Tarzan como a figura mais conhecida em todo o mundo, depois de Cristo. O que pensa disso?» Resposta rápida e fulminante: «Acho estúpido!». IMAG.12-24-63-64-84-96-109-120-135-154-158-167-173-180-197

COMENTÁRiO

Entre os múltiplos filmes, sob a chancela de Hollywood, que testemunham a intervenção militar americana no Sudoeste Asiático, em glória ou expiação, Apocalypse Now (1979) de Francis Ford Coppola converter-se-ia, através das suas ressonâncias épicas e clássicas, num testemunho político de horror e massacre. Em causa, a missão secreta confiada ao Capitão Willard: subindo rio acima, através da selva vietnamita, confrontar o Coronel Kurtz, no seu último reduto já em paragens cambojanas. Trata-se de um oficial de elite, psicopata, cujas atitudes individualistas - em façanhas rituais, de extermínio - perturbam os desígnios centralizadores do Pentágono... A partir do enredo e das personagens de Coração das Trevas, o clássico literário por Joseph Conrad, sobressai ainda - pelo simbolismo crepuscular e trágico - uma visão do irracional e absurdo da guerra, como inferno emergente à paranóia humana, sob interesses imperialistas ou valores pervertidos. 

INVENTÁRiO

CINEMA DE AMADORES
P
RIMÓRDIOS EM PORTUGAL

3. Em 1938, no Porto, era fundada a ADA Filmes, a tomar como exemplo. Criada por Ângelo Pinto, Augusto Romariz e António Lopes Fernandes, cada associado pagava mensalmente 3 escudos. Produzia em 9,5 mm, e tinha equipamento completo Paillard Bolex e Pathé Baby. Filmes e realizadores: Awak (1938), Casamento de Encomenda (1939) e O Rapaz de Miramar (1939) de Romariz, Quimera (1940) de Veludo Gouveia, Suicida (1941) de Lopes Fernandes. Publicações: revista Cineada (1938) e O Jornal da Ada (1941).
Em 1939, também na capital do Norte, a Sociedade de Filmes de Amadores participou no Corso Carnavalesco, com um carro alusivo, o qual incluía uma descomunal câmara de filmar. Meneses apresentava nessa altura Portugal - filmado (16 mm - 800 mt) em 1938, durante o concurso d’A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal (em paralelo a Aldeias de Portugal, em 35 mm), e destinado a ilustrar uma conferência sobre o folclore nacional, no estrangeiro, por António Ferro.
O mesmo amador distinguir-se-ia com Cruzeiro em Itália (1939) - a bordo do «Wilhelm Gustloff», navio dos operários germânicos da Kraft durch Freude. Mostrava danças populares de várias províncias alemãs por quinze grupos folclóricos, em trajos regionais, nas escalas de Lisboa, Funchal, Nápoles, Pompeia, Palermo, Génova e Hamburgo, e manobras simuladas dum ataque nocturno do submarino «U.28», junto às costas do Algarve, para diversão dos passageiros. Era em 16 mm (1320 mt).
Voltando ao Porto, em 1940 - após desinteligência entre membros da Sociedade de Filmes de Amadores - surgia o Condor Cine Clube, por Américo Correa; tinha 10 associados e 6 associadas, trabalhando no formato 9,5 mm. Na mesma cidade, Manoel de Oliveira rodava - igualmente em 9,5 mm - Gente Miúda, um ensaio prévio para Aniki-Bobó (1941) -  com o título de sinopse Corações Pequeninos, e produzido por Lopes Ribeiro.



O irmão deste, Francisco Ribeiro / Ribeirinho devotara-se, também, ao 9,5 mm - em Cruz à Porta (com artistas da cena portuguesa, durante uma tournée do Teatro do Povo), A Costureirinha da Sé ou O Pardal de São Bento. Em 1940, ainda no Porto, dirigiu O Miúdo do Terço - no qual colaborou o Condor Cine Clube, pelos operadores Fernando Alves e Fernando Aroso. Seria o primeiro filme sonoro em formato reduzido, feito por amadores em Portugal, publicitando aquela opereta; projectado todas as noites na fachada do Teatro Sá da Bandeira (Porto), ouviam-se canções de Alberto Reis e Maria Albertina, pós-sincronizadas pelo sistema Vitafone.

BREVIÁRiO

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita John Carpenter - Memórias de Um Homem Bem Visível; organização literária de Luís Miguel Oliveira.

Gradiva edita A Cultura Integral do Indivíduo - Conferências e Outros Escritos de Bento de Jesus Caraça (1901-1948).

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, [Gustav] Mahler [1860-1911]: 10ª Sinfonia pela Filarmónica de Viena, sob direcção de Daniel Harding.

Water/Mbary re-edita em CD, What We Did On Our Holidays e Unhalfbricking (1969) de Fairport Convention.

Cavalo de Ferro edita A Derrocada da Baliverna de Dino Buzzati [1906-1972]; tradução de Margarida Piriquito. IMAG.50-88-92

Europa-América edita Um Novo Sopro da Morte de Ruth Rendell; tradução de Pedro Vidal.

Oficina do Livro edita Mouzinho de Albuquerque (1855-1902) de António Mascarenhas Gaivão.

Cotovia edita Menina Else de Arthur Schnitzler (1862-1931); tradução de José Maria Vieira Mendes.

Imprensa da Universidade de Coimbra edita Leonardo Coimbra [1883-1936] e a I República - Percurso Político e Social de um Filósofo de Fernando Mendonça Fava.

EMI edita em CD, Inclassificáveis por Ney Matogrosso.

Dom Quixote edita A Hora Má: O Veneno da Madrugada de Gabriel García Márquez; tradução de Egipto Gonçalves.

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

RESPONDA LÁ, ENTÃO,

À SEGUINTE QUESTÃO - 2

 Sebastião fora toda a vida sacristão, todavia existiam mistérios elementares, que transcendiam a sua crença de homem bom, que só sabia acompanhar à missa. E enfim, além do ritual, com paciência, lá ia revelando a Raul o nome dos santinhos que ele tão ciosamente coleccionava.

A madrinha de Raul, Jacinta falecera pelos seus cinco, seis anos. E Sebastião, um viúvo irresignado, jamais arranjara coragem para lhe desvendar a realidade sobre o seu achamento. Agora, era demasiado tarde. Raul já tinha idade para ajudar Sebastião no cultivo das pequenas leiras.

A vida é mesmo assim, cria-se e gasta-se...

Até que, um dia, apareceu lá por Caminha uma mulher, alguém há uma eternidade ausente. Madura, ensimesmada, solteira, disponível, de nome Ercília Castro. Sebastião mal a reconhecia, quanto a uma espigadota loira, que se desvanecera ainda na flor da juventude.

Sebastião não suspeitou de nada, daquilo, nem quando ela, estabelecida como costureira, começou a frequentar mais a Igreja.

– Continua


    

IMAGINÁRiO223

16 ABR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CONFRONTOS



Por meados dos Anos ’70, no Século XX, e tal como sucedeu com outras grandes cinematografias, cujos prestígio internacional e pujança interna derivaram de uma indústria artística - com autores ciclicamente fundamentais, e temas tradicionalmente insuperáveis - também a japonesa entrou em declínio. Vários dos principais cineastas faleceram, renunciaram ou divergiram para outros territórios - como o pequeno ecrã. Após os fenomenais Ai no Korida/O Império dos Sentidos (1976) e Ai no Bori/O Império da Paixão (1978), todos em co-produção europeia, Nagisa Oshima - cujo último filme importante foi Merry Christmas, Mr. Lawrence (1983) - referia, em 1996, que «o ritual cinematográfico foi destruído pelo sistema televisivo». Com edição em DVD sob chancela Zon-Lusomundo, na Colecção Vintage, Feliz Natal, Mr Lawrence decorre num campo de prisioneiros britânicos e holandeses em 1942, na ilha de Java, mantido pelo exército nipónico com férrea disciplina - onde se mesclam a crueldade e a tortura física e psicológica. Ambígua e volúvel, sobressai a oposição entre o capitão Yonoi, comandante do presídio, e o major Celiers, um britânico capturado durante acções de guerrilha... Baseado em romance de Laurens Van Der Post, mais do que um confronto acidental, expande-se um enfrentamento de culturas, de civilizações com códigos de honra e motivações inconciliáveis. Duas vedetas do rock, oriental e ocidental, David Bowie e Ryuichi Sakamoto (de)batem-se num protagonismo sem tréguas, inexorável.

CALENDÁRiO

1942-04NOV2008 - Michael Crichton: Escritor e produtor de cinema e televisão, autor de Parque Jurássico - «Um grande contador de histórias que desafiou as noções pré-concebidas sobre o mundo envolvente, e inspirou cada um de nós a ver as maravilhas que nos rodeiam através de um novo olhar, com um senso de humor que os privilegiados por o terem conhecido pessoalmente nunca irão esquecer» (CNN). IMAG.26

1926-05NOV2008 - Milú: «Os tempos do cinema... Tenho saudades desses colegas e da maneira como se trabalhava. Eu acho que me retirei muito a tempo. Prefiro que não insistam comigo para eu voltar».

06NOV2008 - Lusomundo estreia Arte de Roubar de Leonel Vieira; com Ivo Canelas e Enrique Arces. IMAG.19-30-168-180

06NOV2008 - Columbia & Warner estreia 007 Quantum of Solace de Marc Foster; com Daniel Craig e Judi Dench. IMAG.21-46-63-120-146-167-180-200-219

17NOV-14DEZ2008 - CCB/Centro Cultural de Belém apresenta Ciclo Mishima - Um Esboço do Nada; inclui Exposição (Mishima, Manifesto das Lâminas), Teatro (A Senhora de Sade), Mishima e o Cinema, e Dança Butô.

MEMÓRiA

21DEZ1639-21ABR1699 - Jean Racine: «De acordo com o que um homem é, assim será o seu humor.»

23ABR1899-1977 - Vladimir Nabokov: «Uma obra de arte não tem qualquer relevância para a sociedade. É apenas importante para uma pessoa em si» IMAG.55-63-97.

TRAJECTÓRiA

MILÚ


Maria de Lurdes de Almeida Lemos nasceu em Lisboa, em 24 de Abril de 1926. Aos sete anos, lançou-se em emissões infantis da Rádio Graça e da Rádio Sonora; aos treze, (en)cantava na Emissora Nacional. Iniciou uma popular carreira teatral no Apollo, em companhia de Alves da Cunha. Apareceu pela primeira vez no ecrã em Aldeia da Roupa Branca (1938 - Chianca de Garcia), logo celebrada - pela espontaneidade e cinegenia - com «O Costa do Castelo» (1943 - Arthur Duarte). Pisou os palcos e cintilou nas telas espanholas, a partir dos anos ‘40, mais em co-produçôes ibéricas. Desenvolveu uma intensa actividade durante a década de ‘50, voltando em 1968 após oito anos de estadia no Brasil. Outros filmes: O Leão da Estrela (1947), O Grande Elias (1950) e Dois Dias no Paraíso (1957 - Arthur Duarte), A Volta de José do Telhado (1949 - Armando de Miranda), Os Três da Vida Airada (1952 - Perdigão Queiroga), Vidas Sem Rumo (1956 - Manuel Guimarães). Em 1980, assumiu um efémero mas surpreendente regresso, em Kilas, o Mau da Fita (José Fonseca e Costa). Em 2006, António-Pedro Vasconcelos testemunhou documentalmente Milú, a Menina da Rádio. Faleceu em Cascais, em 5 de Novembro de 2008.

VISTORiA






Não admira que São Petersburgo revelasse a sua bizarria quando o mais bizarro dos russos da Rússia calcorreava as suas ruas. Pois São Petersburgo era isso mesmo: um reflexo num espelho embaciado, uma sinistra confusão de objectos utilizados de uma maneira imprópria, coisas que recuavam mais depressa quando mais velozmente avançavam, vagas noites cinzentas em vez das ordinárias noites negras, e dias negros - o «dia negro» dum manga-de-alpaca miserável.
Vladimir Nabokov
Nikolai Gogol (1944 - excerto)

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita O Marinheiro Que Perdeu as Graças do Mar de Yukio Mishima [1925-1970]; tradução de Carlos Leite.

Universal edita em CD, sob chancela Decca, [Giuseppe] Verdi [1813-1901] - Aida por Renata Tebaldi, Carlo Bergonzi, Giulietta Simioneto, Cornell MacNeil, Arnold Van Mill e Fernando Corena, com a Wiener Philharmoniker sob direcção de Herbert Von Karajan. IMAG.72-89-156-188-203

Âncora Editora relança Mataram o Rei... Viva a República! de José Ruy. IMAG.4-16-19-36-61-78-96-117-129-141-149-197

Harmonia Mundi edita em CD, sob chancela Mirare, [Franz Peter] Schubert [1797-1828] - Trio Nº 2 Para Piano Op. 100, e Quinteto «A Truta», Op. 114 pelo Trio Chausson. IMAG.116-125-203

¨Guimarães Editores lança Dicionário Imperfeito de Agustina Bessa-Luís; organização de Paulo Teixeira Pinto e Miguel Freitas da Costa. IMAG.11-33-83-92-209-216

INVENTÁRiO

CINEMA DE AMADORES
PRIMÓRDIOS EM PORTUGAL

2. Em Setembro de 1935, entre Curia e Mealhada, no âmbito da Família Alexandre de Almeida, procedia-se a um excepcional registo em 16 mm, designável Making of O Trevo de Quatro Folhas. De facto, ignora-se o paradeiro desta longa metragem (1936) de Chianca de Garcia, que aparece no formato reduzido - com Nascimento Fernandes, Procópio Ferreira, Sebastião Fernandes, Beatriz Costa, Perdigão Queiroga, Jorge Brum do Canto, Fernando de Barros e J. Salazar Diniz; além de António Ferro, Fernanda de Castro ou Luigi Pirandello.

Logo em 1936, celebrou-se o 2º Prémio, no Concurso Internacional de Filmes de Amadores de Berlim, para Sonho Infantil de F. Ponte e Sousa - que, no ano seguinte, ilustrou Algarve Em Flor em 16 mm /cor, pelo processo Kodachrome (casa Kodak); trata-se de uma das primeiras experiências do género em Portugal, destinada a sincronização. Por outro lado, soube-se também que, nos últimos dez anos, foram revelados, nos laboratórios da Pathé, 1.368.000 metros de filme.

Mas 1936 teve outros motivos de grande interesse. Portugal ficou em 7º lugar no Congresso Internacional do Cinema de Amadores de Berlim - como testemunhou Meneses, que fixou Viagens Na Alemanha Por Ocasião dos Jogos Olímpicos. Filmado em 16 mm (pb e cor, com revelação na fábrica Kodak em Rochester), e numa duração aproximada de 150 mn, destacam-se: uma visita à UFA, com Lilian Harvey; a participação das equipas portuguesas em Döberitz, no Percurso de Caça (os nossos três cavaleiros obtiveram medalhas de bronze), e nas Regatas de Kiel (o ambiente de desporto náutico naquele porto da Marinha de Guerra germânica).
Em Dezembro de 1936, o Cine-Jornal começou a publicar uma secção exclusivamente dedicada aos filmes de amadores. Já em 1937, o mesmo Meneses exaltou O Campo Que Nos Chama - uma pastoral com uso de tele-objectiva, travellings, efeitos com filtros de cor e difusores; e defendia que «a Subsecção de Cinema do Grémio Português de Fotografia é o único núcleo de amadores existente em Portugal, que se entregam à prática do cinema de formatos reduzidos, como passatempo e como diversão colectiva. Realiza mensalmente as suas sessões», no Salão da Sociedade de Propaganda de Portugal.

Aliás, propaganda era fenómeno que não faltava. O insuspeitável Meneses lia «legendas patrióticas e exaltadas» em Desfile Naval (1937) de Luiz Serra Henriques, enquanto Italo Rizetti - autor da fita cómica 4 Dias Na Mata (1936) - dedicava Portugal Novo (1937) à obra político-social do Estado Novo. A ficção também fluía por Contraband de Severo Cunha para Cunha Film Company (Porto); ou Moliço de Mário Cruz de Almeida Júnior, ambientado em Ovar. Ambos de 1937 - e, este último, com a particularidade de ser em 8 mm.

Descriminavam-se, então, os três formatos universalmente adoptados pelos amadores: 8 mm (recentemente introduzido pela fábrica Kodak), 9,5 mm (ou Pathé-Baby) e 16 mm (para o filme educativo, adoptado no Congresso Internacional de Cinema Escolar - em Roma, 1935). Em 1938, tal estaria em contraste num Concurso Nacional de Filmes de Amadores, cuja organização coube - segundo João Mendes - a «um grupo de entusiastas pela cinematografia de formato reduzido».

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

RESPONDA LÁ, ENTÃO,
À SEGUINTE QUESTÃO - 1

 18 de Abril de 1937

Com alívio, Ercília Castro encheu o peito de ar fresco e murmurou, entre dentes, enquanto se afastava, ligeira e discreta, da Igreja Paroquial de Caminha, onde acabara de abandonar o filhinho recém-nascido:

- A partir de agora, se Deus quiser, tu vais ter muito juízo...

Sem convicção, a patética moça esmagava assim, entre soluços, o seu íntimo horror sobre o pecado e a sexualidade, o pânico do escândalo e o desespero da maternidade. Só lhe apetecia ir-se embora, desaparecer, viver de novo e nunca mesmo sentir remorsos.

Era um amanhecer enevoado e invernoso, como se logo a natureza eivasse de castigo, de ressentimento, aquele vulto fugidio, já perdido à vista desarmada. Enquanto a indefesa Ercília se apertava em seu tormento no xaile húmido, pingado desde a cabeça, com o corpo em agonia, e mal sentia os pés descalços, transidos pelo frio…

 Houve tempos neste mundo, em terras onde a gente não questionava tudo o que os olhos descobrem, com espanto ou lástima. Houve algures em que o afecto e a família virtual eram mais fortes e mais doces que o próprio sangue revertido pelos pais. Assim cresceu Raul, com uma aura de encanto em casa de Sebastião Cruz, entre silêncios e maravilhas.

Continua  


  

IMAGINÁRiO222

08 ABR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

ESCRE(VI)VER



Culminando uma carreira de expectativas e ambições, de vivências e desafios, a sagração de um escritor persiste no amplo testemunho literário, reflecte-se na análise e no apreço de confrades e de comentadores, encontra destino e reconhecimento entre o público leitor. Assim corresponde De ‘Tempos’ a Tempos por Júlio Conrado - sob chancela Roma Editora, com a Câmara Municipal de Cascais - celebrando um percurso vário, mas aliciante e coerente, ao longo de quarenta e cinco anos, em Antologia Crítica e Antologia Pessoal. Com organização de Annabela Rita, cabe a António Augusto Menano, Eugénio Lisboa, Fernando J.B. Martinho, João Rui de Sousa, Liberto Cruz, Manuel Villaverde Cabral ou Serafim Ferreira traçar um retrato do criador pelas ideias e pelas palavras. Prestigiado ensaísta, poeta e ficcionista, Júlio Conrado - de quem Eduardo Lourenço (1978) espera «contra a superfície morna do nosso pátrio conformismo, círculos e ondas que lhe ampliem a recusa da vida amordaçada» - exerce as opções em causa própria e reexpõe textualmente o homem e o autor.
IMAG. 24-44-184

CALENDÁRiO

1923-18OUT2008 - Xie Jin: Cineasta chinês, realizador de O Destacamento Vermelho Feminino (1957) - «As minhas memórias de infância estão povoadas de mulheres oprimidas, vitimizadas. Sob o jugo feudal, o sofrimento dos homens não podia comparar-se ao das mulheres. Para não dizer mais, ao homem era permitido ter várias esposas, enquanto a viúva não podia voltar a casar-se. Tal representaria uma vergonha para a sua família».

1923-19OUT2008 - Gianni Raimondi: Tenor lírico italiano, Prémio Caruso em 1990 - «foi uma das maiores vozes da sua época» (La Scala, Milão). Entre as suas interpretações mais notáveis, figuram La Traviata de Giuseppe Verdi, com direcção de Luchino Visconti em 1956, e La Bohème de Giacomo Puccini em 1963.

25OUT2008 - Arquivo Municipal de Montijo, em Pau Queimado, expõe Paulino Gomes - Um Montijense Republicano e Democrata.

1930-29OUT2008 - José Carlos da Silva Castro, aliás Carlos Porto: Poeta, ficcionista, dramaturgo, tradutor, crítico de teatro (Diário de Lisboa, Jornal de Letras) - «Era um crítico muito respeitado e por vezes muito temido, que provocou algumas polémicas, mas que respondeu sempre com coragem e frontalidade, como combatente absolutamente decidido e corajoso sobre a liberdade do teatro, sobre a inovação e sobre o profissionalismo» (Maria Helena Serôdio).

31OUT-15DEZ2008 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Marqueterie - Colecção Duarte Pinto Coelho, sendo curadora Maria Castelo Branco.

ANUÁRiO

1909-1977 - Fernando Fragoso: «O cinema é uma indústria. Caríssima. Os filmes têm, portanto, que ser comerciais, se como tal entendermos susceptíveis de dar lucro compensador ao capital investido». IMAG.154.

MEMÓRiA

08ABR1929-1978 - Jacques Brel: «A sanduíche que comi na carruagem de 3ª classe que me levou a Paris tinha um sabor único: estava perfumada pela aventura, a esperança, a felicidade». IMAG.179-198

08AGO1879-10ABR1919 - Emiliano Zapata: «Mais vale morrer de pé, do que viver de joelhos».

1685-14ABR1759 - Georg Friedrich Händel: Compositor alemão nascido em Halle, autor de Música Aquática (1717) - «Se estou em mim ou fora de mim, ao compor, é algo que ignoro. Só Deus o sabe».

14ABR1849-1925 - Alberto Pimentel: Lisboa é uma «naçãozinha metida dentro de Portugal».

VISTORiA


As ideias são como peixes.
Se quisermos capturar peixes pequenos, podemos ficar pelas águas pouco profundas. Mas, se quisermos capturar os peixes grandes, temos de ir mais fundo.
Nas águas profundas, os peixes são mais poderosos e mais puros. São enormes e abstractos. E são muito bonitos.
David Lynch - Em Busca do Grande Peixe (excerto)

COMENTÁRiO



E se o mundo onde vivemos fosse, apenas, uma ilusão horrenda, trágica, da própria realidade que nos vitima e explora? Sob o signo de Matrix (1999), as vertentes do fantástico fundem-se numa vertigem mediática, pela qual os domínios informáticos se convertem em paradigma dos exílios artificiais... Numa inversão pelos prodígios da ficção científica, Larry & Andy Wachowski privilegiam o potencial imaginário, e o resultado é deslumbrante, empolgador - para além das implicações épicas, crepusculares e monstruosas. Um mancebo solitário mas curioso, para Neo (Keanu Reeves) a terminal de computador, no seu apartamento deprimente, é um meio de evasão e angústia. Obcecado por uma verdade alternativa, aberrante, sobreposta aos mais íntimos pesadelos. Até que através de Trinity (Carrie-Ann Moss), uma mulher bela e misteriosa, entra em contacto com Morfeus - uma lenda furtiva e perigosa, líder dos rebeldes contra a Matrix. Um ente electrónico, todo-poderoso, que gerou a dimensão aparente, em que afinal existimos. Tudo, pelo desígnio sobrevivente da própria Matrix - que depende dos humanos, sua fonte energética. Um universo falso, latente, é pois gerado, para a subsistência onírica da raça vitimizada. Irreversivelmente, Neo assumirá, portanto, uma redenção profética e libertária... A rodagem primordial decorreu em Sidney, na Austrália, mas a carcaça apocalíptica que, por momentos, se avista é Chicago - por mórbida ironia, a cidade natal dos irmãos Wachowski. Ora, Matrix não é, apenas, uma experiência sumptuosa e feérica - em distorção coreografada pela parafernália digital. Em causa está uma derivação ilusória, fatídica, sobre o totalitarismo orwelliano, transferidas as conotações ideológicas para uma tragédia cósmica. IMAG.31

PARLATÓRiO

O cinema português deixou-se atrasar em relação ao melhor cinema mundial. Não digo em relação ao cinema mundial. Mas ao melhor. Há muitos países que têm um cinema tão mau como o nosso. Outros, incomparavelmente mais dotados, não conseguiram, sequer, ter um cinema, bom ou mau. Cito, ao acaso, a Bélgica, a Holanda, a Suiça… Claro que, de vez em quando, aparece um bom filme suíço, holandês ou belga. Mas esses povos não criaram uma cinematografia. Fazem excelentes documentários, têm cineastas experimentados, quase sempre a trabalhar fora das fronteiras - mas não impuseram uma indústria, com expressão ou projecção mundiais. Já os nórdicos possuem uma tradição cinematográfica, que vem do mudo até aos nossos dias. O nosso cinema já esteve ao nível do melhor da Europa. Nos últimos anos da arte do silêncio, com Nazaré, Praia de Pescadores (1929) e Maria do Mar (1930 - Leitão de Barros), e Douro, Faina Fluvial 1931 - Manoel de Oliveira). E até nos primeiros tempos do sonoro. Neste último aspecto, considero A Canção de Lisboa (1933 - Cottinelli Telmo) tão bom ou melhor do que, de melhor, se fez então na Europa.
Fernando Fragoso (1965)

VISTORiA

Eros Juvenil

No sangue giratório
estranhos ruídos antecipam
o advento crucial do lume.
Sonoros cantos mudos
erguem antes do fogo
um lar para o seu gesto;
fundem-se depois na escuma
que noticiará a propagação da chama
a todas as divisões da casa.
O tropel dos indícios expulsos
pelas queimaduras
na carne em festa e tormento
adolescendo
é só o fugitivo anúncio
dos ritos de devoração
do grande sopro incendiário;
tocado pelas sílabas do vento
não dará paz
a nenhum rumor do corpo.
Júlio Conrado

Sou pelos magros, nem posso ser por outros; leva-me para eles um sentimento de simpatia, gosto deles, embora digam que tenho a vaidade de gostar de mim mesmo. Grandes merçês me fez Deus em me não dar repolhudo e atoicinhado; sinto-me cómodo e portátil como um saco de viagem. Não incomodo ninguém. Este é o grande princípio moral: Não faças a outros o que não quererias que te fizessem.
Alberto Pimentel - O Anel Misterioso (excerto)

BREVIÁRiO

2006 - Frenesi reedita Fotografias de Lisboa (1874) de Alberto Pimentel.

Na colecção Extra, Estrela Polar edita Em Busca do Grande Peixe de David Lynch; dedicado «a Sua Santidade Maharishi Mahesh Yogi». IMAG.74-90

Harmonia Mundi edita em CD, Händel - Seis Concertos Para Órgão Op. 4 pela Academy of Ancient Music sob direcção de Richard Egarr, também ao órgão.

Editora Qual Albatroz lança O Menino Triste - A Essência de João Mascarenhas. IMAG. 65-127-162

Na colecção Estudos Locais, Câmara Municipal de Montijo edita O Património Azulejar do Concelho do Montijo de Isabel Pires e Rosário Salema de Carvalho, com coordenação científica de Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara.

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita Manoel de Oliveira - Cem Anos por Manoel de Oliveira e João Bénard da Costa. IMAG.2-11-23-41-42-68-72-74-83-134-158-164-170-175-178-190-201-206-208-221

Decca/Universal edita em DVD, 1984 (2005) de Lorin Maazel, com Simon Keenlyside, voz de Jeremy Irons, Orquestra e Coros da Royal Opera House; sobre o romance de George Orwell (1903-1950), realização de Brian Large. IMAG.170-205-212

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

E ISTO É TUDO
O QUE SE SABE - 5


  Ensimesmado, circunspecto, em direcção ao Largo da Anunciada, lá se vai preparando para uma estafa – escalar toda aquela encosta, agora que o Elevador da Lavra jaze em suspensão temporária. Tão absorto, tão embrulhado consigo mesmo, que nem repara se está a ser vigiado.

O grupo de mariolas, uns cinco ou seis atrás dele, espalha-se então como táctica de dissimulação e despistagem. Pouco depois, o envolvimento. Há que ser lesto e eficaz, antes que algum transeunte possa testemunhar ou reagir. Tudo bem, não está nenhum bófia por perto…

A partir daquele instante, Deodato Seromenho não teve consciência para mais nada.

– Continua  



   

IMAGINÁRiO221

· Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

GUERREIROS



Actualmente com oitenta anos, o chileno Alexandro Jodorowsky converteu-se numa das personalidades artísticas mais versáteis e prolíficas da cultura europeia - em áreas como a literatura, o teatro, o cinema, o esoterismo ou a banda desenhada. Nesta vertente privilegiada, enquanto argumentista, Jodorowsky gerou alguns perturbantes exemplares da fantasia épica, aliando-se aos mais talentosos ilustradores - logo Moebius/Jean Giraud para Incal; ou François Boucq em Face da Lua - O Domador de Ondas. Estas obras-primas têm sido justamente divulgadas em Portugal, e Jodorowsky - homenageado com uma Exposição alusiva, no festival de Angoulême ’99 - regressa agora, sob chancela de Vitamina Bd, com Castaka ilustrada por Das Pastoras, prequela que estimula e amplia o culto dos fanáticos para A Casta dos MetaBarões. Saga iniciada em 1993, com grafismo do argentino Juan Gimenez, e desvendando um universo prodigioso, cibernético, em que se reflectem fatalidades ancestrais e expectativas futuristas... Como destaca o celebrado autor, «por detrás de cada guerra há uma estratégia económica, por detrás de cada herói há um mercenário».

ANUÁRiO

1969 - Originária do planeta Drakulon, e concebida por Jim Warren, uma excitante Vampirella chega à Terra, para caçar os mais vorazes monstros demoníacos que, há trinta séculos, assassinaram o seu pai.

CALENDÁRiO

17OUT-18DEZ2008 - Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema apresenta Todo Manoel de Oliveira: Cem Anos em Dois Meses. IMAG.2-11-23-41-42-68-72-74-83-134-158-164-170-175-178-190-201-206-208

23OUT2008 -  Clap Filmes produziu, e estreia Entre os Dedos de Tiago Guedes e Frederico Serra; com Filipe Duarte e Isabel Abreu.

23-24OUT2008 - No Palácio Foz, em Lisboa, decorre a European Conference of Film Classifiers, sob o tema The Role of Age Rating in the Protection of Minors/O Papel da Classificação Etária na Protecção de Menores; organização da Inspecção-Geral das Actividades Culturais/IGAC com a Comissão de Classificação de Espectáculos/CCE.

24OUT-09NOV2008 - Na Amadora, decorre o 19º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd, sob o tema central Tecnologia e Ficção Científica, evocando a arquitectura imaginária em Flash Gordon (1934) pelo genial Alex Raymond.

ANTIQUÁRiO

04ABR1979-2008 - Heath Ledger: «É sempre bom trabalhar com actores que nos dão o sentimento de regeneração. Ele proporcionou-me essa impressão... Em O Segredo de Brokeback Mountain foi único, esteve perfeito» (Daniel Day-Lewis). IMAG.184-208

06ABR1909 - Partindo da Terra de Ellesmere, o explorador norte-americano Robert Peary (1856-1920) - acompanhado por Matthew Henson e pelos nativos Oatah, Egingwah, Seegloo e Ookeah - atinge o Árctico, conquistando o Pólo Norte geográfico. Peary estudara meios de subsistência dos inuit, aprendendo a conduzir trenós de cães, a construir igloos e a resguardar-se com peles segundo os costumes esquimós. Tal primazia foi contestada pelo compatriota Frederick A. Cook, que teria concluído a façanha em ABR1908, sem lograr a sua prova.

GALERiA

VAMPIRELLA



Sem ela, não existiriam Shi, ou Razor, ou Lady Death, ou Dawn. Aliás, a sua mordidela continua fatal, apesar da idade. Poderia ser mãe daquelas prodigiosas heroinas, já na reforma, mas ela é única e continua em acção, mantendo uma figura escultural, estonteante. O seu nome, Vampirella - a mais célebre vampira cujas proezas foram narradas em ficção popular, desde que Bram Stoker imprimiu com sangue as páginas de Drácula, há mais de um século. Como todos os vampiros, também ela não nasceu - antes apareceu, estarrecendo as histórias em quadradinhos de terror pelos trágico-românticos anos ‘60. Quando Spider-Man começava a trepar às paredes da pop-art, e Batman se tornara um inocente produto televisivo para os miúdos, Vampi desafiava o Comics Code Authorithy, pela luxuriante imaginação de Jim Warren, em Creepy & Eerie. A partir de então, uma extraordinária dinastia artística grafou a visão original: Neal Adams, Berni Wrightson, Barry Windsor-Smith, Richard Corben, Reed Crandall, Russ Heath, Mike Ploog, Wally Wood ou Alex Toth, até José Gonzalez lhe estilizar a imagem fascinante e carnal. Ao celebrar o 25º Aniversário de Vampirella, Harris Comics chancelou uma edição especial, na qual colaborou uma dúzia de talentosos artistas - como Forrest J. Ackerman, Kevin Nowlan, Jim Palmiotti, Mark Texeira e Frank Frazetta. Já na década de ’90, Vampi foi revista como filha de Lilith, consubstanciando-se um mito ancestral. Kevin Lau assumiu uma outra esplendorosa re-interpretação de Vampi, que Dorian Cleavenger & Mike Mayhew exploraram sob o signo sado-masoquista e pós-mangà, como um delírio terrorífico pelo frenesim cyberpunk. Entretanto, a Warner lançou em vídeo Vampirella (1996) - um filme realizado por Jim Wynorski, sendo protagonista a sensual Talisa Soto.

VISTORiA


Se Houvesse Degraus Na Terra...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Herberto Helder

BREVIÁRiO

Assírio & Alvim edita A Faca Não Corta o Fogo de Herberto Helder.

Calendário edita Bianca e o Dragão de Beatriz Pacheco Pereira; ilustrações de Agostinho Santos. IMAG.3-23-63-148

INVENTÁRiO

CINEMA DE AMADORES
PRIMÓRDIOS EM PORTUGAL

1. Sobre os primórdios do cinema de amadores em Portugal verifica-se, um pouco, o que sucede com a vertente profissional: temos um conhecimento esparso, insuficiente, relativamente ao que ocorreu; e, o que vamos sabendo, comprova um enorme interesse, despertando a maior curiosidade. Vale a pena, pois, estabelecer um breve roteiro sobre os primeiros e decisivos trinta anos, inevitavelmente fragmentário e incidindo sobre alguns dos aspectos mais significativos, através das pessoas que os assumiram.

Até onde nos levam as pistas, recuando no tempo, as primordiais referências chegam de 1919. Em princípios desse ano, Abílio Nunes dos Santos Júnior realizava já fitas no formato de 17,5 mm. As películas positiva e negativa eram importadas da América, origem de fabrico da própria câmara de que dispunha e manipulava, tendo-lhe modificado as objectivas.

Cerca de um ano antes, Leitão de Barros concretizara em 35 mm, para a Lusitania Film, as primeiras embora frustrantes experiências sérias. Por volta de 1927 insistia na Nazaré, mas em 9,5 mm, com o amigo António Lopes Ribeiro. Esse produto documental serviria, aliás, de motivação à rodagem de Nazaré, Praia de Pescadores e Zona de Turismo (1929) - do qual Lopes Ribeiro foi assistente e planificador.
Então, já praticava aquele que seria um dos nossos amadores fundamentais: António de Meneses sobre o enredo de Superstição (1929) - destacando-se entre os intérpretes Marcelo Soares Ribeiro, de quem muito se falará. Tal como de Manoel de Oliveira, também revelado como actor - em  Fátima Milagrosa (1928 - Rino Lupo) - e que em 1930 realizava Hulha Branca, sobre a Hidro-Eléctrica de Portugal (Rio Ave, Ermal).
Em 1931, João Novarro destacava-se com Um Sinal Por Um Milhão - em 16 mm, usando uma câmara Ensign; os 780 mt (cerca de 150 mn) foram revelados na Casa Roiz (Lisboa), e a estreia decorreu no Eden-Casino de Santo Amaro de Oeiras. Pela altura, em Vila Nova de Gaia, também Alfredo A. Cunha rodava em 16 mm - mas com uma Filmo 70D. Os seus documentários projectaram-se na Assembleia da Praia da Granja, em sessão com fins beneficentes, que rendeu 1.600 escudos.
Em 1932, a Comissão Organizadora da Associação dos Amadores Cinematográficos de Portugal, com sede em Lisboa, abriu a inscrição de sócios. Uma vez encerrada esta fase, tinha em vista o início de cursos de técnica e arte cinematográficas... Convém recordar que, de 1925 a 1934 em Portugal, entraram 144.000 rolos de película virgem de 9,5 mm, equivalentes a 1.440.000 metros, no valor de 1.440 contos. Existiam cerca de 600 máquinas de filmar de 9,5 mm, usadas por mais de 3.000 pessoas.
Entretanto, voltando a Soares Ribeiro, realizou - em 1933 - O Amor Vence a Ciência, de que foi argumentista e intérprete. Coube a produção ao Grupo Unido dos Amigos do Cinema de Portugal/GUACP, e teve a particularidade de ser - com o patrocínio de Meneses - o primeiro filme português exibido no Concurso Internacional de Filmes de Amadores. Bernardo operou a fotografia - tarefa que exerceria em fitas de outros, a cargo da Pathé Baby - tendo ele próprio realizado, em 1933-35, Monumentos de Lisboa, Estoril, Festas da Cidade ou Tomar.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

E ISTO É TUDO
O QUE SE SABE – 5

Às vezes, o distinto lente embaciava-se no íntimo fragor dos seus piores instintos. E o cientista sucumbia ao que só poderia ser a depravada ancestralidade de um presumível bode sem estirpe. Às vezes, Deodato sentia um desejo gótico de chafurdar no vício - mas comedia-se o javardo, por condição e disciplina.

Ei-lo, portanto, junto à Estátua de D. Pedro IV, vacilando em passinhos ondulantes, à cata de alguém para cumprimentar. Baldando-se qualquer ensejo, e comprado o Diário de Notícias, a larica apressa Seromenho no regresso a casa, quase junto ao Jardim do Torel.

 Continua   


 

IMAGINÁRiO220

24 MAR 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

SULCOS



Vasta, interminável, a viagem parecia-lhes um sinal de sobrevivência sobre as origens, a certeza de um futuro enquanto palmilhassem.
Juntaram-se aos bandos, aliaram-se em tribos, e assim começaram. Além de cada distância havia um horizonte que os desafiava. Para trás corria um tempo que já os esquecera.
Alguns ficaram pelo caminho, presos à magia do lugar. Mas a maioria nem parava - apenas passou a ser fiel à pilhagem do instinto nómada.
Eram estranhos pelos pés calejados, o corpo sujo de cicatrizes, o olhar vago, cobertos de peles e folhas. Faziam toscas acrobacias, com uns tantos animais bravios.
Não tinham falas, cânticos, rituais. Entre a noite e o dia, iam apenas, com silvos estridentes. Deixando sulcos. Vencendo socalcos. Sem matrizes. Com sobranceria. Sem progenitura nem antepassados.
Marcaram uma memória inquieta, furtiva, ao vê-los passar. Pondo em nós um soluço, a angústia da ignorância e do fantástico. Comovidos. Despojados.
– Como se estivesse perdido, curvo-me sobre os meus silêncios. Cada pulsar de coração é um alvorecer profundo sobre a terra em transe.

CALENDÁRiO

OUT2008 - O Supremo Tribunal da Rússia reabilita formalmente o último Czar, declarando que o assassinato do monarca e da sua família, em Ekaterimburgo, nos Urais, por fuzilamento em Julho de 1918, representou uma actividade ilegal das autoridades soviéticas, tendo sido vítimas da «repressão bolchevique». Em 2000, os Romanov - Nicolau II, a Imperatriz Alexandra e os cinco filhos, cujos corpos foram encontrados em 1990 - seriam considerados mártires, e canonizados pela Igreja Ortodoxa.

09OUT2008 - Atalanta Filmes estreia Mal Nascida de João Canijo; com Anabela Moreira e Fernando Luís.

09OUT2007 - Em Estocolmo, a Academia Sueca atribui o Prémio Nobel da Literatura ao francês Jean-Marie Gustave Le Clézio - «um escritor da ruptura, aventura poética e êxtase sensual, explorador de uma humanidade mais além e na base da civilização reinante»..

MEMÓRiA

03MAR1829-1912 - Raimundo António de Bulhão Pato: «Vivemos retrospectivamente. Estas memórias, que não terão valor para os outros, são preciosas para mim! Respiro horas inteiras no horizonte da mocidade, e a consciência com que escrevo desafoga-me o espírito, e dá-me uma tranquilidade salutar. São como a confissão para o verdadeiro religioso! Confissão geral; e, di-lo-ei - embora seja censurado - posso fazê-la alto, sem que as faces se me acendam nem de leve. Pecadilhos, fraquezas, arrebatamentos próprios do temperamento, não me faltam decerto; mas criminoso não sou, nem fui. Todo o homem que disser com verdade: “Eu nunca roubei nem dinheiro, nem honra - há mais ladrões desta espécie de moeda, e são os piores! - eu nunca caluniei ninguém”, esse homem morre em paz!» (A Cruz Mutilada - excerto). IMAG.54-74

1888-26MAR1959 - Raymond Chandler: «Em tudo que chamamos arte, existe uma expectativa de redenção». IMAG.86-190

1804-31MAR1869 - Allan Kardec: «O estado das almas depois da morte não é mais um sistema, e sim o resultado da observação. Ergueu-se o véu; o mundo espiritual aparece-nos na plenitude de sua realidade prática; não foram os homens que o descobriram pelo esforço de uma concepção engenhosa, são os próprios habitantes desse mundo que nos vêm descrever a sua situação» (O Céu e o Inferno - excerto, 1865). IMAG.127-187

ANTIQUÁRiO




29MAR1809 - No Porto, durante a II Invasão Francesa, o General Soult entra na cidade, vencida a resistência local, sob cargas de baioneta. Em pânico, a população procura refúgio em Gaia. Porém, a Ponte das Barcas não resiste, tendo morrido mais de quatro mil pessoas. Projectada por Carlos Amarante, com um estrado que permitia a passagem de pessoas e mercadorias, e construída sobre vinte barcaças - ancoradas ao fundo do Rio Douro, a montante e a jusante, justapostas lado a lado, e ligadas por cabos de aço - a Ponte das Barcas foi inaugurada em 15AGO1806, podendo abrir-se em duas partes para dar passagem ao tráfego fluvial. Mais tarde recuperada, substituiu-a em 1843 a Ponte Pênsil, sendo a primeira estrutura permanente a ligar as duas margens, embora de duração efémera.

VISTORiA

Vale de Lobos




Em 1859 Alexandre Herculano comprou Vale de Lobos. Satisfizera, aos quarenta e nove anos, a grande ambição de toda a sua vida - ter um torrão a que chamasse seu, e aplicar nele a sua ciência e a sua enérgica vontade.
Nascido na França ou na Inglaterra, Alexandre Herculano houvera feito em poucos anos uma fortuna grande. No país, só ao declinar da sua vida pôde reunir a soma de pouco mais de três contos de réis, para realizar o seu ideal!
Herculano era generoso, mas económico. Comprado Vale de Lobos, aplicou todos os rendimentos ao custeio da propriedade rural e à edificação da casa.
Foi ele próprio o arquitecto.
Os jantares dos sábados tornaram-se raros; os cuidados do Vale tinham-no quase sempre afastado da Ajuda.
Em Calhariz da Arrábida, o autor da História de Portugal apanhara sezões de mau carácter, que se renovavam de tempos a tempos. Vale de Lobos era salubre; e pouco a pouco as febres foram desaparecendo.
O mestre parecia rejuvenescer no lavor do campo e no levantamento da habitação. Erguia-se com a madrugada e no Inverno muito antes dela.
Assim que pôde cobrir um quarto da casa, deixou de ser hóspede, na Azoia, do seu velho amigo, o general Gorjão, e veio para Vale de Lobos.
Bulhão Pato

COMENTÁRiO



Dois anos antes de falecer, Raymond Chandler escreveu ao seu agente de Londres: «Vivi a minha existência à beira do nada».
Sentia a vida com grande intensidade, e isso contribuiu para fazer dele um dos melhores romancistas do seu tempo, com um alcance emocional que poucos dos seus contemporâneos lograram atingir. Como principal expoente da escola do homem duro nas narrativas de mistério, Chandler era também um poeta sentimental. Ao longo do tempo granjeou de sucesso como autor, e o herói dos seus livros, Philip Marlowe, era conhecido por milhões de leitores. No entanto, a sensibilidade temperamental que tornou possível o êxito como escritor, também fez dele um ser humano infortunado.
O escritor galês Jon Manchip White, que conheceu Chandler no Hotel Conaught de Londres, onde costumava hospedar-se pelos últimos anos, descreveu-o como «um homem extraordinariamente complexo e extraordinariamente infeliz. Na sua personalidade não cabia a resignação, e era incapaz de aceitar o facto de que nenhum de nós, e muito menos um artista, nunca encontre o que procura e afinal tenha de conformar-se com o que tem e é». Raymond Chandler era intrinsecamente incapaz desse tipo de atitude. «Suponho que todos os escritores são loucos» - escreveu - «mas, se há alguns mais medíocres, creio que, mesmo assim, possuem uma terrível integridade».
Frank MacShane
A Vida de Raymond Chandler
1976, excerto)

NOTICIÁRiO

O Maior Proprietário do Globo

O Czar [Alexandre III] possui numerosíssimas propriedades no território russo, que o tornam o maior proprietário do globo. Entre elas existe uma que tem mais de 5 milhões de hectares, quase a superfície da França.
12FEV1890 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Editorial Presença lança Demónios de Feodor Dostoievski (1821-1881); tradução de Filipe Guerra e Nina Guerra.

Éditions Hortus edita em CD, Inventions et Sinfonies de Johann Sebastian Bach [1685-1750] pelo clavicordista Cristiano Holtz. IMAG.32-58-163-198-203-212-216

Relógio d’Água edita Rumo ao Farol de Virgínia Woolf (1882-1941); tradução de Mário Cláudio. IMAG.51

Relógio d’Água edita O Primeiro Amor de Ivan Turgueniev/Turguénev; tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.

Deutsche Grammophon edita em CD, Wolfgang Amadeus Mozart [1756-1791] - Concertos para Violino por Giuliano Carmignola, com a Orquestra Mozart sob direcção de Cláudio Abbado. IMAG.36-55-68-90-102-106-118-172-186-205-216-217

ELUCIDÁRiO





http://bibdigital.bot.uc.pt - Biblioteca Digital de Botânica - A partir de Projecto coordenado pela bióloga Helena Freitas, tem por objectivo a construção e disponibilização na web, de modo gratuito e universal, de recursos existentes na Biblioteca do Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, nomeadamente, livros antigos, livros manuscritos e espólios de botânicos constituídos por correspondência manuscrita, fotografias ou desenhos – incluindo Júlio A. Henriques (1838-1928), professor universitário e director do Jardim Botânico.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

E ISTO É TUDO
O QUE SE SABE - 4

 Após tão grotesco incidente, Seromenho receava ser, de novo, molestado. E previa, entretanto, as consequências do ridículo sarilho, um escândalo que percorrera Lisboa, como rastilho de pólvora. Seria, aliás, por se condoerem do embaraço ou detestarem desassossegos, que alguns dos interlocutores habituais do nosso homem pareciam, já, evitá-lo com cavalheiresca precaução? A imprudência de Cabral convertera-se, pois, num incómodo para a proverbial previdência do impecável examinador, que começava a sentir-lhe aversão.

Cultivando-se há anos nas ameias da maturidade - invioláveis pelo saber de cátedra, mas vulneráveis ao juízo público - toda a personalidade de Seromenho se encenava nesse prestígio entre a vida e a morte, o sujo e o nojo, a pompa universitária e o palco anatómico, sendo ainda director interino do Hospital de Rilhafoles.

 Continua