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PRONTUÁRiO
VARIAÇÕES
Quem é capaz de imaginar uma saga de culto e que, em permanente popularidade, renasce mês a mês, através de uma acção empolgante, ao longo de decénios? Enfim, os editores e os leitores vinculados ao Marvel Universe estão habituados ao fenómeno. E, embora rejubilem com os vigilantes poderosos, complexos, expostos a uma aventura ininterrupta, as gerações mais jovens têm dificuldade em entendê-los e admirá-los - pelo que os Marvel Comics desenvolveram, no âmbito da House of Ideas, uma nova vaga de publicações, em que os heróis primordiais se envolvem em proezas iniciáticas. Assim, Ultimate Marvel regressa ao princípio de várias linhagens épicas, preservando porém o carácter dos seus protagonistas. Um dos argumentistas responsáveis por esta re-criação, Orson Scott Card assumiu Ultimate Iron Man - entre nós, sob chancela BdMania - transgredindo as origens do empresário/industrial Tony Stark, aparecido em 1963 por Stan Lee & Don Heck, num perturbador desafio emulativo, estilizado pelo grafismo prodigioso e virtual de Andy Kubert. Arquétipo em mutação sobre fragilidade humana, sob uma trágica alegoria, renasce o Homem de Ferro, pujante e tormentoso...
MEMÓRiA
1707-10JAN1778 - Carolus Linnaeus: «Além de Shakespeare e Spinoza, não conheço ninguém entre os que já não se encontram entre nós que me tenha influenciado mais» (Johann Wolfgang von Goethe).
16OUT1888-1953 - Eugene O’Neill: Escritor norte-americano, Prémio Nobel da Literatura em 1936: «Não existe presente ou futuro, apenas passado, acontecendo uma e outra vez, agora mesmo».
1875-16OUT1958 - Maurice Mariaud: «Antigo actor, interpretou e realizou um filme estranho e branco, em que se abordava a vida corajosa de um explorador do Árctico, perdido nos gelos polares. Não era um documentário, nem um filme sobre a caça às focas ou aos ursos, mas, se bem me lembro, um filme sobre um homem solitário, envolto na névoa exterior e interior, tão mergulhado nas recordações como na presença do perigo iminente, da angústia sempre presente, das esperanças vãs» (Henri Fescourt).
19OUT1918-1990 - Louis Althusser: «A ideologia tem pouco a ver com a consciência - pelo contrário, trata-se de algo profundamente inconsciente».
CALENDÁRiO
01MAI2008 - Lusomundo estreia Homem de Ferro/Iron Man de Jon Favreau; com Robert Downey Jr e Gwyneth Paltrow. IMAG.80-114-141-183
15MAI2008 - Lusomundo estreia Goodnight Irene de Paolo Marinou-Blanco; com Nuno Lopes, Robert Pugh e Rita Loureiro.
1931-21MAI2008 - Bartolomeu dos Santos: «Era uma pessoa única e um fantástico gravador... O seu trabalho ficará para sempre» (Paula Rego).
1951-21MAI2008 - Torcato Sepúlveda: Jornalista, escritor - «...Amigo de muitas horas, de muitas conversas, meu companheiro de tanta literatura gasta e por gastar, a voz, a fúria, a zanga, os livros, a memória de muitas páginas, o leitor amável, o leitor furioso, o céptico entusiasta...» (Francisco José Viegas).
22MAI2008 - Lusomundo estreia Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal de Steven Spielberg; com Harrison Ford e Cate Blanchet. IMAG.93
23OUT-09NOV2008 - Na Amadora, decorre o 19º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd.
ANTIQUÁRiO
OUT1897 - Eça de Queiroz passa a superintender, literariamente, a Revista Moderna - editada em Paris para Portugal e Brasil - onde irá aparecer o seu novo romance A Ilustre Casa de Ramires; sendo editor António Maria Pereira, colaboram ainda Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida ou Trindade Coelho. IMAG.14-19-27-52-60-90-91-94-101-125-129-148-165-191
OUT1998 - O Festival CinemAnimação decorre pela primeira vez, sendo director José de Matos-Cruz, em paralelo ao Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd.
23OUT1958 - Em Estocolmo, a Academia Sueca atribui o Prémio Nobel da Literatura a Boris Pasternak (1890-1960), «pelos seus sucessos na poesia lírica contemporânea e na tradição épica da Rússia».
OBSERVATÓRiO
www.nationalarchives.gov.uk/ufos - O Ministério da Defesa britânico divulga os primeiros oito dos cento e sessenta ficheiros secretos - abrangendo o período entre 1978 e 1987 - com relatos de avistamentos de ovnis e virtuais encontros com extraterrestres, considerando que cerca de 10% desafiam qualquer lógica e continuam a ser um mistério, embora não representem uma ameaça para o país.
ANUÁRiO
1798 - Expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto. O séquito de Napoleão incluía muitos sábios que, subsequentemente, divulgaram as suas descobertas. Assim, Voyage dans la Basse et la Haute Egypte de Dominique-Vivant Denon, publicado em 1802, foi traduzido para inglês no mesmo ano. O autor era arqueólogo e, mais tarde, tornou-se Director-Geral dos Museus de França. O interesse público por temas egípcios foi bastante estimulado pela derrota da frota gaulesa, por Nelson, na Batalha do Nilo. IMAG.52-53-81-83-90-108-131-154-168
NOTICIÁRiO
Os Ingleses no Egipto - Londres, 28 - O Daily News diz que não se pode pensar agora em evacuar o Egipto, nem mesmo em fixar a data da evacuação; espera, porém, que a continuação da política financeira de Sir Evelyn Baring apressará o momento desejável em que a Inglaterra se ufana da sua obra consumada: poderá deixar o Egipto aos egípcios (Havas).
29JAN1890 - Diário de Notícias
A Múmia de Cleópatra - Tendo-se agitado, n’estes últimos anos, os espectros das rainhas da antiguidade, diz a Liberté que era de esperar alguma prodigiosa surpresa. Ei-la, essa surpresa! Anuncia-se que a múmia de Cleópatra foi descoberta! A Múmia de Cleópatra! quer dizer, a filha de Ptolomeu, a última das Lágides, a amante da Júlio César, a rainha da beleza, como se chamava!
21FEV1890 - Diário de Notícias
Uma nova teoria sobre as pragas do Egipto apresentada por um biólogo britânico, Robert Wotton, sustenta que os desastres naturais resultaram de desequilíbrios naturais na população resultantes de factores ambientais. O resultado destas pragas, descritas no Livro do Êxodo, foi a libertação dos israelitas e o seu regresso à Palestina, dirigidos por Moisés. Escrevendo na revista Opticon 1826, Wotton não descarta na totalidade uma explicação excepcional, isto é, a intervenção divina, que defende que as pragas resultaram de uma conjugação de factores naturais susceptíveis de sucederem em quaisquer lugar e época. E que estes foram descritos de forma superlativa, de que veio a resultar a valorização das crenças monoteístas.
16DEZ2007 - Diário de Notícias
A notícia vem do Cairo. O governo egípcio quer cobrar direitos sobre o uso de imagem das pirâmides. O objectivo é proteger o património através da criação de uma lei de direitos de autor que lhe dê a possibilidade de «exigir indemnizações» a quem fizer reproduções dos monumentos do antigo Egipto.
A justificação para esta nova medida legislativa foi dada por Zahi Hawass, secretário do Conselho Supremo das Antiguidades, e tem como finalidade obter uma fonte de receitas para a manutenção dos sítios arqueológicos.
A lei, que será entretanto submetida ao parlamento e terá aplicação internacional, «proibirá a duplicação dos monumentos históricos egípcios», afirmou Hawass, que precisou: «O Egipto é legitimamente detentor dos direitos de reprodução destes monumentos e pode beneficiar disso financeiramente a fim de restaurar, preservar ou proteger os monumentos egípcios».
A lei, no entanto, só se aplica a «reproduções exactas» e não a trabalhos artísticos, feitos por autores egípcios ou estrangeiros, inspirados nesses monumentos.
27DEZ2007 - Diário de Notícias
BREVIÁRiO
Relógio d’Água edita O Mal-Estar na Civilização de Sigmund Freud (1856-1939); tradução de Isabel Castro Silva. IMAG.31-81-117
Dargil lança em CD, sob chancela Orfeo, [Antonín] Dvorak [1841-1904] / [Johannes] Brahms [1833-1897] pelo violinista Henryk Szeryng [1918-1988] com a Orquestra Sinfónica da Rádio Baviera, sob direcção musical de Rafael Kubelik [1914-1996]; registo de 1967, em Viena. IMAG.82-171
Editorial Presença lança A Chave Secreta Para o Mundo de Lucy & Stephen Hawking; tradução de Alberto Gomes.
TRAJECTÓRiA
MAURICE MARIAUD
Nascido em Marselha, a 1 de Julho de 1875, trabalhava em França para a Gaumont, quando, contratado por Raul de Caldevilla, chegou a Portugal em 1922, tendo dirigido Os Faroleiros, de que também foi argumentista e intérprete. Seguiu-se As Pupilas do Senhor Reitor (1923) e, após a liquidação da Caldevilla Film, transitou para a Pátria Film de Raul Lopes Freire e Henrique Alegria, onde realizou O Fado (1923). Ausente durante longos anos, regressou a Portugal em 1931, a convite de A. Castro Neves, assinando Nua, uma produção da Tágide Film. Faleceu em Villeneuve Saint-Georges, a 16 de Agosto de 1958.
EXTRAORDINÁRiO
OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico
TANTO SE ME DÁ,
COMO SE ME FEZ - 2
Por outro lado, vinha lá o Ruy Magriço, mais conhecido pelo Trincas, a quem Maria amava assolapadamente. E não queria que ele a visse de jorros, descomposta. Ergueu-se portanto, dobrando só um bocadinho os joelhos, para que a saia lhe tapasse os pés. Não queria que ele soubesse que ela andava tão miserável, até já descalça.
Aliás, o Trincas era um guapo, um rufia favorito de muitas mulheres perdidas, ou à beira de vadiarem pelos arrabaldes de Lisboa. Gingão, madraço, tinha, pois, muito por onde escolher…
Enquanto o vulto do Trincas crescia, ao passar por ela, o pobre coração de Maria estava a mingar, com a ansiedade. Até que ousou:
- Então, vais entrar, ó Ruy?
Ele só agora deu sinais de vê-la. E, cínico, ao ir para dentro:
- Então, e tu vais ficar cá fora, não é?!
Maria Lampreia desolou. Mas não havia de desesperar. Pôs o lenço em rodilha, no cimo da cabeça, e saiu dali sem nenhum fardo, mais leve consigo própria. Não sem antes rematar, para ninguém que a ouvisse:
- E eu que ainda ligo a trastes…
Continua
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08 OUT 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
ARREBATOS
Não são pacíficas, tradicionalmente, as relações entre o cinema e a literatura - dois géneros de criatividade artística, motivados pela narração ficcional. Afinal, nesta conflitualidade está latente uma recíproca convergência sobre o romanesco, e a paralela recorrência em que derivam a imaginação e o imaginário. A realidade demonstrou, historicamente, que a insatisfação domina os espectadores de uma transposição, previamente atraídos pelo sortilégio enquanto leitores; tal como a participação de escritores no processo de adaptação fílmica sobre os seus originais é, em geral, prejudicial... Daí que as excepções, ao lograr-se uma conjugação virtual entre os dois modos de expressão e linguagem, suscitem ou reincidam, mesmo, por momentos mágicos de fruição. Eis o fenómeno aliciante, inerente a Duas Mulheres, Um Rei de Justin Chadwick, em que Natalie Portman e Scarlett Johansson transfiguram, com Eric Bana, a trama intensa e volúvel concebida por Philippa Gregory - em lançamento de Civilização Editora - explorando a volúpia e a perversão que envolveram Henrique VIII, entre as irmãs Maria e Ana Bolena, numa intriga predadora e caprichosa, da Primavera de 1521 a Maio de 1536. Fome de sedução, estratégias de poder, máscaras de lascívia, evoluem com um subjacente fascínio - pelo arrebato dos comparsas, pela vivacidade dos diálogos, pelo contraste das implicações.
MEMÓRiA
04OUT1878-1923 - José Doroteo Arango, aliás Pancho Villa: «Quando ele roubava um pouco, dava aos pobres. Jamais cometia atrocidades. Matava com seu próprio revolver, mas nunca foi um desalmado» (Luz Corral de Villa).
1921-06OUT1988 - Ernesto de Sousa: «O cinema não me preenche, pelo menos não me define… A vida é tão complexa, tão mais importante que querer ter uma carreira ou um rótulo! O meu métier é comunicar, e isso é o que me interessa. Se as coisas acontecerem através do cinema, tanto melhor» (1974).
1929-09OUT1978 - Jacques Brel: «Tenho menos medo da morte do que de me tornar um velho cretino». IMAG.179
15OUT1888-1939 - Willard Huntington Wright, aliás S.S. Van Dine: Crítico literário e escritor de romances policiais, criador do detective Philo Vance a partir do romance The Benson Murder Case (1926).
ANTIQUÁRiO
OUT1888 - Em Cascais, decorre o primeiro jogo de futebol, com público, disputado em Portugal. A prova tem lugar em campo improvisado, no Lugar onde hoje existe o Jardim da Parada.
08OUT1998 - Em Estocolmo, a Academia Sueca atribui o Prémio Nobel da Literatura a José Saramago - que, «com parábolas sustentadas pela imaginação, pela ironia e pela compaixão, continuamente nos permite captar uma realidade ilusória». IMAG.155-158
CALENDÁRiO
MAI2008 - O sacerdote jesuíta José Gabriel Funes, director do Observatório em Castel Gandolfo, residência de Verão do Papa, e assessor científico de Bento XVI, declara acreditar na existência de outro planeta, habitado por seres inteligentes, que não cometeram o pecado original. «Os extraterrestres são meus irmãos», acrescentou o astrónomo argentino a L’Osservatore Romano, salientando que «não podemos colocar limites à liberdade criativa de Deus».
08MAI2008 - Faux estreia Cartas a Uma Ditadura de Inês de Medeiros; com Belmira Monteiro e Maria Magdalena de Lencastre. Costa do Castelo estreia A Ilha dos Escravos de Francisco Manso; com Diogo Infante e Vanessa Giácomo. Lusomundo estreia Terra Sonâmbula de Teresa Prata; com Tânia Adelino e Cândido Andrade.
10MAI-19OUT2008 - Em Vila Franca de Xira, Museu do Neorealismo apresenta a exposição bio-bibliográfica Baptista Bastos - Prosador do Mundo, sendo curadores David Santos e Luísa Duarte Santos. IMAG.24-60-99-151-168-171
1925-12MAI2008 - Robert Rauschenberg: Criador plástico - «Esforcei-me por reunir influências, para fazer surgir uma relação mais realista entre o artista, a ciência e os negócios, num mundo que ameaça aniquilar-se por uma ninharia. O progresso não é possível sem consciência».
1937-13MAI2008 - John Philip Law: Actor com uma forte presença física e uma intensa auréola sobrenatural, em personagens estilizadas como Pygar, um anjo cego em Barbarella (1968) de Roger Vadim, e Diabolik (1968) de Mário Bava. IMAG.184-190
OBSERVATÓRiO
www.ernestodesousa.com - Manancial múltiplo sobre a vivência cultural portuguesa entre as décadas de ’60 e ’80, com organização de Isabel Alves, a partir do espólio de Ernesto de Sousa. Inclui Centro de Estudos Mixed-Media (cemes) e Bolsa Ernesto de Sousa.
TRAJECTÓRiA
ERNESTO DE SOUSA
Criador e cineasta português, José Ernesto Marques Frade de Sousa nasceu a 18 de Abril de 1921 em Lisboa, onde faleceu a 6 de Outubro de 1988. Fez estudos universitários, na Faculdade de Ciências. Em Paris, cursou Artes Plásticas (1942-1946) e trabalhou em cinema, sendo assistente de Jean Dellanoy em La Minute de Vérité (1952).
Autor de argumentos, fez também filmes publicitários. Foi cine-clubista (fundador do Círculo de Cinema - 1946; dirigente do Imagem), e crítico de cinema (Seara Nova, Vértice, Jornal de Letras e Artes; director da revista Imagem).
Em 1959, fundou a Cooperativa do Espectador. Conferencista. Fundador da Editorial Sequência e autor de obras sobre estética (O Argumento Cinematográfico - 1956, A Realização Cinematográfica - 1957, O Que É o Cinema? - 1960, Para o Estudo da Escultura Portuguesa -1965, Re Começar - Almada em Madrid - 1983, entre muitos outros). A partir de 1969, dedicou-se sobretudo ao mixed-media, em manifestações experimentais e vanguardistas, algumas com Jorge Peixinho.
Em 1998, foi postumamente homenageado pela Fundação Calouste Gulbenkian, com Revolution My Body no Centro de Arte Moderna. Filmes como realizador: O Natal Na Arte Portuguesa (1954), Rodando Pelos Caminhos (1959 - Sp), Dom Roberto (1962), Crianças Autistas (1969), O Teu Corpo É o Meu Corpo (1976), Cantigamente Nº 5 (1976 - Sr tv), Almada, Um Nome de Guerra (1971-77 - multimédia).
BREVIÁRiO
Texto Editora lança O Dia Em Que Mataram o Rei de José Jorge Letria, com ilustrações de Afonso Cruz.
Hyperion lança em CD, Johann Sebastian Bach [1685-1750] - O Cravo Bem-Temperado; ao piano, Angela Hewitt. IMAG.32-58-163
Oficina do Livro edita Romeu e Julieta de William Shakespeare (1564-1616); tradução de Fernando Villas-Boas, ilustrações de João Fazenda. IMAG.26-79-131-141-146-164-179
Quetzal edita Escritos de Frida Kahlo [1907-1954] - Selecção de Raquel Tibol; tradução de Margarida Amado Acosta e Ana Patrícia Xavier. IMAG.78-110-137
Editorial Caminho lança Ritos de Passagem de Paula Tavares, com figurações de José Luandino Vieira. IMAG.19-41-61-95-138
Edições 70 lança Conquista. A Destruição dos Índios Americanos de Massimo Livi Bacci; tradução de Sandra Escobar.
¨Editorial Presença lança A Viagem de Fernão de Magalhães e os Portugueses de José Manuel Garcia. IMAG.63-78
¨Gradiva edita Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista de Eduardo Lourenço. IMAG.6-83-161-171
Relógio D’Água edita A Expressão das Emoções No Homem e Nos Animais (1872) de Charles Darwin (1809-1882); tradução de José Miguel Silva. IMAG.16-63-64-74-77-87-90-101-109-119
Tinta da China edita O Crocodilo Que Voa - Entrevistas a Luiz Pacheco (1925-2008); organização e introdução de João Pedro George. IMAG.68-180
ARTing Editores e Franco Maria Ricci editam José Malhoa (1855-1933); coordenação de Lourenço Pereira Coutinho. IMAG.54
Livros d’Hoje edita 1808 - Como Uma Rainha Louca, Um Príncipe Merdoso e Uma Corte Corrupta Enganaram Napoleão e Mudaram a História de Portugal e do Brasil de Laurentino Gomes. IMAG.156
¨Dom Quixote edita Património de Philip Roth; tradução de Fernanda Pinto Rodrigues. IMAG.182
VISTORiA
Quando regressámos à Mansão, os raios de sol escoavam-se pela espaçosa varanda envidraçada que se estendia por toda a ala leste da casa. No fundo de um pequeno patamar que partia da varanda, situava-se um grande recinto de patinagem, ladeado em três lados por árvores esguias e zonas ajardinadas. Imediatamente por baixo, para sul, erguia-se um agradável pavilhão.
Joan Rexon reclinava-se na varanda, numa cadeira de rodas estofada construída como uma chaise longue; e a seu lado, numa pequena cadeira de verga de espaldar, sentava-se Ella Gunthar. Philo Vance aproximou-se delas com um sorriso de saudação. Joan Rexon era de aspecto frágil e tristonho, mas dava pouco a impressão de inválida. Só as veias azuis nas mãos magras indicavam a longa enfermidade que lhe sugava a força desde a infância.
Que coisa terrível, Mr. Vance! disse Ella Gunthar com voz trémula. Ele fitou-a interrogador durante um momento. Meu pai acabou de me contar o que aconteceu ao coitado do Lief Wallen. Já sabe, não sabe?
Vance assentiu.
Sim, mas não podemos permitir que isso nos perturbe e sorriu para Joan.
S.S. Van Dine - O Caso do Colar Desaparecido (excerto)
EXTRAORDINÁRiO
OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico
TANTO SE ME DÁ,
COMO SE ME FEZ - 1
5 de Fevereiro de 1896
Maria ergueu-se na enxerga, até ficar sentada. Esfregou os calcanhares um no outro e fizeram faísca, o que era normal naquele tugúrio quase às escuras, onde havia acabado de acordar.
Seriam umas oito horas. Com as mãos ásperas, tirou as remelas dos olhos. Deu um arroto e, posto o cu a jeito, seguiram-se dois peidos. Maria Lampreia tinha cessado de fazer a sua higiene diária.
Às vezes nessa altura nem pensava, mas era uma manhã em que estava propícia a interrogações: o que ia fazer durante o dia?
- Ora, o que interessa, é comer e viver! - resmungou ela, alto.
Maria saiu, pois, e ateve-se, atrevida, logo à frente junto à Tasca do Atarracado, a tentar os fregueses:
- Tu pagas um decilitro?
Que raio de desdita, nenhum dos homens lhe correspondia. Nem sequer lhe davam troco. E Maria achava-se cada vez mais banida, a roçar o inferno enquanto a língua seca lhe serrava o céu da boca.
Botou-se, pois, de cócoras.
À beira da desanimação.
Com as primeiras tremuras.
Tirou o lenço de chita, que mais parecia um trapo nauseabundo, e pôs-se a enfiar as unhas no que fora, outrora, um casaco de castorina. Parou, quando picava já os seus mirrados seios.
Continua
IMAGINÁRiO197
01 OUT 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
LIBERTÁRIOS
Um dos fenómenos determinantes do cinema actual, as sucessivas partes ou continuações têm um historial recente mas resultam de uma significativa tradição. À primeira vista, a explicação é simples: se um filme logrou sucesso comercial, há que insistir na fórmula e multiplicar as receitas. Por outro lado, e desde os lendários serials, o cinema mostrou tendência a repetir ou reiterar a acção. À cadência essencial das imagens animadas, correspondia assim um efeito ritual de culto. Foi desta dinâmica que o pequeno ecrã se apropriou, a qual justificaria o impacto das sagas televisivas. Mas, para a própria indústria, existem também outros imperativos - os quais se reflectem sobre Piratas das Caraíbas de Gore Verbinski, entre A Maldição do Pérola Negra (2003) e O Cofre do Homem Morto (2006). Logo, as potencialidades de uma virtualização complexa e sofisticada, cuja rendibilidade persiste sobre os critérios de produção, além das motivações artísticas e épicas que Nos Confins do Mundo (2007) - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - cumpliciam o Capitão Jack Sparrow, a bela Elizabeth Swann e o bravo Will Turner para uma primordial e eufórica jornada aventurosa de ganância, assombração e resgate... Estrelas para além da própria aura mítica, Johnny Depp, Keira Knightley e Orlando Bloom consumam, afinal, o derradeiro desafio fantástico entre a superação e a liberdade. IMAG.3-138
CALENDÁRiO
28ABR2008 - Augusto Cid é distinguido por A Chama Olímpica com o primeiro prémio, atribuído pelo Museu Nacional de Imprensa, do 10º Porto Cartoon World Festival, subordinado ao tema Direitos Humanos. IMAG.45
1906-29ABR2008 - Albert Hofmann: Primeiro cientista a sintetizar, experimentar (1943) e a estudar os efeitos psicadélicos do LSD - «Foi usado sem cautelas nem conhecimento das suas consequências profundas. E depois aconteceu tudo: pânico, alarme. Tornou-se infame, injustamente maldito».
08MAI2008-27MAR2009 - Na Amadora, Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI expõe Como Se Desenham os Sonhos - Homenagem a José Ruy. IMAG.4-16-19-36-61-78-96-117-129-141-149
09MAI2008 - Na Doca de Alcântara, em Lisboa, é inaugurado o Museu do Oriente, incluindo as exposições Portugueses Na Ásia, Deuses da Ásia e Máscaras da Ásia. Informações em www.museudooriente.pt
MEMÓRiA
03OUT1858-1924 - Eleonora Duse: Primordial actriz dramática italiana, nascida na Lombardia e primeira vedeta dos tempos modernos, companheira de Gabriele D'Annunzio - «Não uso maquilhagem, eu própria me caracterizo moralmente».
03OUT1898-1969 - Leo McCarey: «Um homem em casa é pior do que dois na rua» (com Mae West).
05OUT1838-1921 - Joaquim de Almeida: «Foi de teatro em teatro, de cabeça levantada sempre, glorioso e altivo sem a dobrar a não ser diante dos aplausos estridentes do público, seu único soberano, seu omnipotente senhor, única realeza para ele, mas uma realeza que abdica em face da grande arte desse insigne artista» (Rocha Martins - 1907). IMAG.165-167
INVENTÁRiO
Expressivo, meticuloso, Joaquim de Almeida foi um dos mais notáveis actores portugueses, a pisar os palcos entre meados do Século XIX até finais da primeira década do Século XX. Ao enorme talento, ao génio essencial, aliava pois uma vasta experiência testada, com sucesso, por todos os géneros teatrais, das salas mais prestigiadas aos recintos mais humildes. Insatisfeito, emotivo, sabia como poucos sublimar a representação clássica, ou sensibilizar a emoção popular. Num vórtice inextrincável, as alegrias ou as agruras da sua profissão marcaram também, ou reflectiram, um temperamento espontâneo, exuberante logo enquanto ser humano.
ANTIQUÁRiO
04OUT1897 - O caritaturista Celso Hermínio fecha contrato com o Jornal do Brazil, de cuja redacção vai fazer parte, seguindo para o Rio de Janeiro em companhia do director, Fernando Mendes de Almeida. Ao embarque no paquete Nile, participam - em homenagem de despedida - Raphael Bordallo Pinheiro, Roque Gameiro e Columbano Bordallo Pinheiro.
VISTORiA
Joaquim de Almeida
Nos princípios de 1858 anunciavam os cartazes do extinto Theatro das Variedades Dramáticas, a representação da mágica Loteria do Diabo, tradução do falecido escritor Francisco Palha, entre os personagens da qual se contava o Primeiro Efémero, rábula insignificante, distribuída a Joaquim de Almeida, que então fazia a sua estreia.
Do desempenho de essa rábula concluíram os críticos da época que na individualidade de Joaquim de Almeida se encarnava uma alma de artista de valor. E não se iludiram: o Primeiro Efémero de há 38 anos é hoje um dos primeiros artistas do teatro nacional. A sua grande aptidão, aliada a um estudo perseverante, fizeram dele um actor eminente, que o público não se cansa de louvar condignamente.
Enumerar a longa carreira teatral do nosso biografado é assunto que as colunas dum jornal não comportam. Prestando, pois, homenagem a Joaquim de Almeida, limitar-nos-emos a fazer um rápido esboço da sua vida cénica.
Joaquim de Almeida, cuja vocação logo se revelou, foi em pouco tempo encarregado de papéis de responsabilidade e nas suas passagens sucessivas pelos teatros da Rua dos Condes, Trindade, D. Maria, Gymnasio, etc., gloriosa é a fama que sempre o acompanhou, elevando-o à categoria de primeiro actor.
Em D. Maria estreou-se no Pedro, onde de tal maneira se evidenciou, que dentro em pouco a direcção técnica do teatro não hesitava em cometê-lo no desempenho de papéis em que Joaquim de Almeida era confrontado com Sargedas e Marcollino.
O seu génio aventureiro não era porém de molde a permitir-lhe um longo estacionamento num só teatro; e tendo Francisco Palha organizado companhia para a Trindade, que então se estava edificando, Joaquim de Almeida acompanhou-o com mais alguns colegas do D. Maria. A parte de Sylpho em O Suplício de Uma Mulher, papel que tinha sido destinado ao grande Tasso, foi uma coroa de glória para o nosso biografado.
No Gymnasio, o algarvio no Fidalguinho, e no Príncipe Real idêntico papel no Corsário Negro, valeram-lhe a reputação de grande artista que justamente conserva no teatro português.
Voltando a D. Maria, ali representou O Bobo, Cunhado, e outras que não nos ocorrem, surpreendendo sempre na interpretação dos papéis que lhe confiaram.
Salvador Marques, o inteligente empresário do Theatro dos Recreios, convidou-o para fazer parte da companhia que então funcionava naquele teatro e aí teve o notável artista noites cheias de glória. Citaremos entre outros trabalhos de Joaquim de Almeida o Luís XI, Miguel Strogoff, Nitouche e Rosalino.
O génio fogoso e inquebrantável de Joaquim de Almeida não o deixa porém acomodar-se facilmente a exigências que reputa exageradas, e por isso, pondo de parte vaidades e ambições, não poucas vezes, como agora sucede, o grande artista tem trabalhado em teatros de 3.ª ordem, em comunidade com principiantes que o admiram e que vêem nele não só um mestre cujos exemplos são dignos de seguir-se, como um amigo que a todos por igual obsequeia.
Assim é que O Joaquim, como vulgarmente o conhecem, elucidando com o seu exemplo os actores noviços, anima também os novos escritores, conseguindo tornar maleáveis produções teatrais que sem o seu concurso cairiam por inaceitáveis.
Inquestionavelmente, Joaquim de Almeida é uma organização opulenta de aptidões cénicas; é um astro de primeira grandeza no nosso meio dramático. No seu talento encontra recursos facilmente para se identificar com os variados personagens que tem de desempenhar. A sua observação perspicaz, o estudo minucioso da interpretação, são evidentes.
Contando 57 anos de idade, o seu talento conserva toda a sua pujança, que nos anima na esperança de que os fastos do teatro português registarão ainda muitos trabalhos importantes do tão distinto como querido artista.
Raul Bramão
(A Scena - 05MAR1896)
BREVIÁRiO
Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita Jacques Rivette - O Segredo Por Trás do Segredo; organização literária de Luís Miguel Oliveira.
Som Livre distribui em DVD, sob chancela Magic Music, Vitorino - Ao Vivo - A Preto e Branco; gravação no Teatro da Trindade, em MAI2007.
Na Colecção Vidas, Bizâncio edita Olga Prats - Um Piano Singular de Sérgio Azevedo.
Apenas Livros edita Como Se Fazia Cinema Em Portugal - Inconfidências de Um Ex-Praticante de António de Macedo.
Casa das Letras edita Fala-me de África de Carlos Vale Ferraz.
Câmara Municipal de Montijo lança Montijo: Um Património a Preservar. Arquitectura Doméstica de Expressão Protomoderna de Nuno Teotónio Pereira, Hélder Paiva Coelho, Isabel Costa Lopes e Irene Buarque.
O Quinto Selo edita O Homem Sombra com tradução por Susana Silva, e A Chave de Cristal por Gonçalo Neves; ambos de Dashiell Hammett (1894-1961). LIMAG.70-141-190
NOTICIÁRiO
A Duse Em Milão
ªToda a imprensa milanesa se mostra entusiasmada pela interpretação dada pela Duse ao personagem de Paula n’A Segunda Mulher de Tauqueray. O público aclamou a ilustre actriz com delírio, tendo a Duse mais de 20 chamadas no final da representação.
17NOV1897 - Diário de Notícias
EXTRAORDINÁRiO
OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico
A ARTE DO DRAGÃO
EM SEPARAR AS ÁGUAS - 5
Nessa altura, o Ibéria Expresso atravessava o Túnel da Guardunha, lançando um silvo arrepiante - como a dilacerar as entranhas vacilantes entre humano e animal. Pintassilgo, é estranho, pairava do seu transe.
- Às vezes, não contenho a minh’alma de pássaro, e solto-me...
Talvez o mundo se reconciliasse, no êxtase velado de Silvano:
- Eu só choro labaredas. E do meu fogo ninguém sai chamuscado, porque se ateou em lume brando.
Continua
IMAGINÁRiO196
24 SET 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
ESTIGMAS
A cinematografia nacional tem a mais importante tradição quanto ao documentarismo, e assim é prestigiada a nível internacional, como síntese e paradigma do que se desvenda ou constitui como olhar português. Mas o que é um documentário? Questão complexa e apenas reveladora, logo entre nós, em virtualidades fílmicas, seus atributos e referências, e que adquire perturbante formulação nos Diários da Bósnia (2005) de Joaquim Sapinho - um testemunho sobre a guerra e as sequelas do conflito que dilacerou aquela parte da Europa, de história intensa e actualidade em transe. Além da estratégia incomparável que, sob um processo audiovisual, nosso, assinala a abordagem em causa, sobressai a universalidade de uma tragédia humana, entre «minas e ruínas», e a volúvel realidade de um país ante os auspícios da paz. Com lançamento em DVD sob chancela Lusomundo, em Edição de Coleccionador, Diários da Bósnia é também, e sobretudo, o extraordinário desafio - como projecto obsessivo e minuciosa concretização - de um realizador que, por duas vezes, para ali viajou, observando as diversas circunstâncias, reflectindo as expectativas de um registo assombroso, forjado entre o horror e a esperança. IMAG.104
CALENDÁRiO
ABR2008 - Daniel Maia é o terceiro artista português escolhido pela editora Marvel Comics, a partir de 2007, para ilustrar uma saga em quadradinhos, cabendo-lhe desenhar Ms. Marvel Special sobre argumento de Brian Reed. Sucede a Ricardo Tércio e João Lemos em Avengers Fairy Tales, na sequência da estadia entre nós do editor C.B. Cebulski em NOV2007, a propósito do concurso ChesterQuest. Em 2003, Miguel Montenegro fora o primeiro autor nacional a colaborar com a Marvel, concebendo uma capa de Amazing X-Men. IMAG.18-20-101-135-170-174-183
12ABR-12JUN2008 - Sociedade de Advogados ABBC & Associados expõe 21 Retratos em Aguarela de Fernando Pessoa (1888-1935) pelo cartoonista e artista plástico uruguaio Hermenegildo Sábat. IMAG. 26-28-64-82-157-182-187
1911-13ABR2008 - John Wheeler: Cientista, discípulo de Niels Bohr e membro do Projecto Manhattan, autor da definição buraco negro/black hole - «Saber que tenho uma só vida, num universo que também tem apenas uma existência, suscita-me um paralelismo poético... Só temos cada dia, cada pessoa que encontramos, cada experiência - nada mais».
1913-17ABR2008 - Aimé Cesaire: Poeta nascido na Martinica, co-fundador do Movimento Negritude - «O tempo das ideologias sumárias esgotou-se. Precisamos de uma outra África, mas também de um outro Mundo».
1917-17ABR2008 - Edward Lorenz: Meteorologista, autor da Teoria do Caos, sobre a qual formulou o efeito borboleta, definida por Philip Merilees - «Previsibilidade: pode o bater das asas de uma borboleta no Brasil provocar um tornado no Texas?» (1972).
22ABR2008 - Mosteiro dos Jerónimos apresenta Que a Terra Te Seja Leve, exposição preparada pelo Museu Nacional de Arqueologia, no âmbito das cerimónias relativas ao 150º aniversário do nascimento de José Leite de Vasconcellos. IMAG.185
24ABR-27JUL2008 - Na Galeria de Pintura do Rei D. Luís, Palácio da Ajuda, está patente José Saramago. A Consistência dos Sonhos, exposição sobre a vida e a obra do escritor - produzida pela Fundação César Manrique de Lanzarote, sendo comissário Fernando Gómez Aguillera - a qual reúne mais de 1200 documentos, fotografias, vídeos, recortes de jornais, cartazes, livros, textos inéditos, correspondência, manuscritos e objectos pessoais. IMAG.38-75-155-158
29ABR-15JUN2008 - Casa de Santa Maria, em Cascais, expõe À la Manière do Século XVIII de Tono Sanmartín, em organização conjunta da Fundação D. Luís I com o Instituto Valenciano de Arte Moderna/IVAM.
JUL2008 - No Passeio Marítimo de Algés, o festival Optimus Alive! 08 apresenta Não Ria! O Humor É Um Assunto Muito Sério! - exposição dedicada ao cartoonista Sam, aliás Samuel Azavey Torres de Carvalho (1924-1993), autor de O Guarda Ricardo (1971), incluindo Filmezinhos (1988) com Mário Viegas e a totalidade do seu espólio como artista plástico.
MEMÓRiA
25SET1888-1965 - T.S. Eliot: «A evolução de um artista produz-se a partir de um sacrifício contínuo, de uma constante extinção da personalidade.»
29SET1518-1594 - Jacopo Robusti, aliás Tintoretto: «Durante o pouco tempo em que foi discípulo, aprendeu mais do que cem que se reclamam mestres» (Andrea Calmo, Século XVI)
1839-29SET1908 - Joaquim Maria Machado de Assis: «Eu sou a vida, eu sou a flor / Das graças, o padrão da eterna meninice, / E mais a glória, e mais o amor» (A Mosca Azul).
1973-30SET1978 - Edgar Bergen: «A ambição é um pretexto frívolo para quem não tem o bom senso de ser ocioso.»
TRAJECTÓRiA
TINTORETTO
Jocopo Comin Robusti nasceu em Veneza, a 29 de Setembro de 1518. Filho de Giovanni Battista, tintore (tingidor) de profissão, foi chamado Tintoretto. A intensa criatividade tornou-o conhecido por Il Furioso, consagrando-se no Maneirismo, pelo uso da cor e da luz, sobre temas religiosos, espirituais e bíblicos, entre o declínio do Renascimento e o prenúncio do Barroco. Pouco tempo aluno de Tiziano, de quem o fascinava a tonalidade, admirava o desenho de Michelangelo, tendo estudado em Roma, por 1539, os seus modelos anatómicos. Auxiliar de Schiavone, lançou-se em murais nas igrejas de Veneza, com destaque para Santa Maria dell’Orto em 1546. Casou com a nobre Faustina de Vesccovi em 1550, após uma encomenda em 1548 para a Scuola de San Marco, cujos tectos e paredes pintou a partir de 1560. Seguiram-se a Scuola di San Rocco, em 1564, e vários afrescos - perdidos num incêndio em 1577 - do Palazzo Ducale, logo reconstruído. Aí, executou em Paraíso a maior obra a óleo, feita em tela, encomenda formalizada em 1588, abrandando depois o ritmo de trabalho - ainda como retratista, cenógrafo, figurinista, inventor e executante de instrumentos musicais. Outros quadros notáveis - O Lava-Pés de 1549 e A Última Ceia de 1556-1558. Em 1592, foi nomeado confrade da Scuola di Mercanti. Referência para El Greco, quando em Veneza (1572-1576) - onde faleceu em 31 de Maio de 1594.
VISTORiA
Stella
¨Já raro e mais escasso
A noite arrasta o manto,
E verte o último pranto
Por todo o vasto espaço.
Tíbio clarão já cora
A tela do horizonte,
E já de sobre o monte
Vem debruçar-se a aurora.
À muda e torva irmã,
Dormida de cansaço,
Lá vem tomar o espaço
A virgem da manhã.
Uma por uma, vão
As pálidas estrelas,
E vão, e vão com elas
Teus sonhos, coração.
Mas tu, que o devaneio
Inspiras do poeta,
Não vês que a vaga inquieta
Abre-te o úmido seio?
Vai. Radioso e ardente,
Em breve o astro do dia,
Rompendo a névoa fria,
Virá do roxo oriente.
Dos íntimos sonhares
Que a noite protegera,
De tanto que eu vertera.
Em lágrimas a pares.
Do amor silencioso.
Místico, doce, puro,
Dos sonhos do futuro,
Da paz, do etéreo gozo,
De tudo nos desperta
Luz de importuno dia;
Do amor que tanto a enchia
Minha alma está deserta.
A virgem da manhã
Já todo o céu domina…
Espero-te, divina,
Espero-te, amanhã.
Machado de Assis
PARLATÓRiO
Senhores,
Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança.
Não é preciso definir esta instituição. Iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova e naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância. A Academia Francesa, pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda a casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloqüência nacionais é indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles os transmitam também aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão.
Machado de Assis
(1887 - Discurso de fundação da
Academia Brasileira de Letras,
da qual foi o primeiro Presidente)
BREVIÁRiO
Assírio & Alvim edita Anónimo Transparente - Uma Interpretação Gráfica de Fernando Pessoa de Hermenegildo Sábat; apresentação por José Saramago, excertos de Livro do Desassossego do heterónimo Bernardo Soares.
Diverdi edita em CD, sob chancela Glossa, [George Friedrich] Händel [1685-1759] - Le Cantate Per il Marchese Ruspoli por Emanuela Galli, Roberta Invernizzi, La Risonanza/Bonizzoni.
EXTRAORDINÁRiO
OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico
A ARTE DO DRAGÃO
EM SEPARAR AS ÁGUAS 4
Pintassilgo dissimulou um cacarejar, entre ofendido e magoado:
- Não entendo a tua insinuação. Que coisa… Meu caro, eu sou um hipocondríaco, não um antropófago!
«Pois, pois…», cogitou Silvano, enquanto uma fumarada lhe saía pelos dois orifícios logo acima da boca informe. Às tantas, era difícil controlar-se, engolindo as palavras que teria para dizer, não fossem precisamente as goelas a sua zona crítica - entre tudo o que lhe apetecia deitar cá para fora, e a comichão incandescente que o oprimia, quando o ar se tornava irrespirável.
Pintassilgo reparou no incómodo em que arfava o companheiro, e sentiu alguma lástima. Nem compadecido, nem apaziguador. Porém, lembrava a impressionante compleição atlética de Silvano em jovem, a sua natureza aguerrida em prodígios que, a ele próprio, acabaram por arrefecê-lo.
Então, num ímpeto emocional, exclamou Pintassilgo:
- Há dias em que é difícil viver assim!
Ao inflamar-se, iam murchando as orelhas pontiagudas de Silvano:
- Eu, sem vaidade, cá me vou aguentando...
Continua
IMAGINÁRiO195
PRONTUÁRiO
FÁBULAS
Sintetizando uma virtualidade idealizada entre a realidade e a imaginação, o cinema transfigura no imaginário um reflexo dinâmico das próprias vivências humanas - em dilemas, emoções, conflitos, vicissitudes. Convencionalmente, tudo se processa por experiências singulares e uma existência mediática - aquelas que referenciam o apelo universalista do espectáculo. Ao superar tais parâmetros normais, sob a vertente artística, atingimos uma dimensão fantástica: estilizando expectativas e inquietações, através dum (des)envolvimento visionário; numa exacerbação de sentimentos, valores, destinos, além da própria morte. Tudo isto reflecte ou assombra O Labirinto do Fauno - com edição em DVD, sob chancela Lusomundo - escrito, produzido e realizado por Guillermo del Toro. Marginando através de Ofélia - menina entre a violência e a inocência - uma radicalização de horror e mal em Navarra por 1946 (quando o franquismo vitorioso combate ainda resistentes republicanos da Guerra Civil espanhola), e a fluidez rural para um mundo de fantasia e encantamento (em que um fauno lhe revelará ser a filha desaparecida do rei das fadas)... Ivana Baquero - ao lado de Ariadna Gil, Sergi López - contrasta e transfigura uma complexa revelação da miséria, da opressão, da magia, da esperança.
CALENDÁRiO
1917-19MAR2008 - Arthur C. Clarke: «Quando um prestigiado mas idoso cientista diz que algo é possível, está provavelmente certo. Quando afirma que algo é impossível, está provavelmente errado» (Perfis do Futuro - 1962).
1915-23MAR2008 - George Switzer: Cientista do Smithsonian's Natural History Museum - fundador da Colecção Nacional de Gemas e Jóias em 1958, responsável pelo Departamento de Ciências Minerais em 1964-1969 - e perito em meteoritos lunares no âmbito da NASA.
1924-05ABR2008 - Charlton Heston: «Como actor, interpretei três presidentes, três santos e dois génios… Se isto não cria um problema de ego, nada mais o fará».
10ABR-28ABR2008 - Na Amadora, Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI expõe Um Sabor de Desenho - Homenagem a João Abel Manta. IMAG.172
11ABR-22JUN2008 - Centro Cultural de Cascais apresenta Ocidente/Oriente, exposição de pintura de José Sarmento.
12ABR2008 - Na quarta edição de World Press Cartoon - Sintra 2008, que decorreu no Sintra Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo, António Jorge Gonçalves é distinguido com o 2º Prémio/Editorial por Dalai Lama, e André Carrilho com uma Menção Honrosa/Caricatura por Bush. IMAG.17-19-35-101-169-171-183
ANTIQUÁRiO
SET1998 - Em Sintra, na Casa de Biester, tem início a rodagem de A Nona Porta/The Ninth Gate de Roman Polanski, com um orçamento de trinta milhões de dólares, e sendo protagonista Johnny Depp.
16SET1948 - Alix aparece no número 38 da revista Tintin, sendo autor Jacques Martin; o primeiro álbum foi lançado em 1956, sob chancela Casterman. IMAG.30-86
20SET1878-25 NOV1968 - Upton Sinclair: «É difícil ensinar um homem a compreender algo, quando seu salário depende, acima de tudo, de que o não compreenda».
24SET1968 - Sob chancela ABC, é lançada a série televisiva Mod Squad, sendo produtores Aaron Spelling & Danny Thomas; até AGO1973.
ANUÁRiO
1488 - Em Chaves, é editado o Sacramental de Clemente Sánchez de Vercial - obra pastoral redigida entre 1420 e 1423, em língua castelhana - considerado o primeiro livro impresso em língua portuguesa.
VISTORiA
E por quanto por nossos pecados no tempo de agora muitos sacerdotes que hão curas de almas não somente são ignorantes para instruir e ensinar a fé e crença e as outras cousas que pertencem à nossa salvação, mas ainda não sabem o que todo bom cristão deve saber nem são instruídos nem ensinados em a fé cristã segundo deviam, e o que é mais perigoso e danoso, alguns não sabem nem entendem as Escrituras que cada dia hão-de ler e trautar. E porende, eu Clemente Sánchez de Vercial, bacharel em leis, arcediago de Valdeiras em a igreja de León, ainda que pecador e indigno, propus de trabalhar de fazer uma breve compilação das cousas que necessárias são aos sacerdotes que hão curas de almas, confiando da misericórdia de Deus.
Clemente Sánchez de Vercial
Sacramental (Prólogo, excerto)
INVENTÁRiO
Graças à sua universalidade, tocando os públicos mais diversos, o estímulo heróico do cinema de Hollywood assegura, em todo o mundo, o prestígio e a prosperidade da indústria artística, motivada pelo apelo ou pela eficácia do espectáculo. E é significativo que assim suceda, sobretudo, quando está em causa a recriação de um fenómeno pleno de aliciantes - em relação ao qual faltam no entanto, hoje em dia, as mais significativas referências e coordenadas de origem. Tal ocorre, concretamente, com Mod Squad, o Filme (1999) de Scott Silver. Trata-se da transposição de uma popular série televisiva (1968-1973) de Aaron Spelling - um dos produtores mais versáteis e prolíficos, que assim regressa em funções.
Inevitavelmente, as implicações e atmosferas foram reactivadas para a actualidade de Los Angeles, através de jovens comparsas e nóveis protagonistas. Uma espécie de heróis à força ou, pelo menos, recalcitrantes - envolvendo um elenco ao estilo e à maneira, liderado pela insuspeitável Claire Danes. Através de uma textura realista - em que a degradação urbana e a perversão social persistem, e tradicionalmente foram encenadas nos seus artifícios - as implicações de confronto, empolgamento, têm uma recorrência alternativa pelas sugestões de humor, o contraste de personalidades, a que o veterano Dennis Farina confere uma eloquente autoridade, enquanto antigo polícia de Chicago e vedeta fluente entre a lei e o crime.
Três adolescentes com distintas motivações ou experiências, e um comum destino a caminho da prisão, Julie Barnes, Lincoln Hayes e Pete Cochrane são interceptados pelo capitão Adam Greer com uma proposta irrecusável: continuarem em liberdade pela vivência das ruas e as emoções da noite, mas desta vez como infiltrados agentes especiais, sem despertarem suspeitas e investigando os tráficos de droga. Uma missão equívoca, desafiadora, em que não podem recorrer a armas nem exibir crachás, contando embora com uma precária cumplicidade. O pior é quando uma quantidade de estupefacientes desaparece do depósito de provas da esquadra, e todos são suspeitos... Uma aventura de perigos e redenção, à beira de Hollywood!
COMENTÁRiO
Eu sempre acreditei que não estamos sós no universo. Os humanos aguardam que os extraterrestres nos chamem ou nos dêem um sinal. Não temos como adivinhar quando tal vai acontecer. Espero que suceda antes que seja tarde demais.
Às vezes, perguntam-me como gostaria de ser recordado. Tive uma carreira diversificada como autor literário, explorador submarino e promotor do espacial. De todas essas actividades, gostaria de ser lembrado como escritor.
Arthur C. Clarke (2007)
VISTORiA
Os Nove Biliões
de Nomes de Deus
O doutor Wagner conseguiu reprimir-se. Era meritório. Depois, disse:
- O seu pedido é um pouco desconcertante. Que eu saiba, é a primeira vez que um mosteiro tibetano encomenda uma calculadora electrónica. Não quero ser curioso, mas estava longe de pensar que semelhante instituição pudesse necessitar desta máquina. Posso perguntar-lhe em que pretende utilizá-la?
O Lama ajeitou as dobras de sua túnica de seda e pousou sobre a secretária a régua de calcular com a qual acabava de fazer conversões libra-dólar.
- Naturalmente. A sua calculadora electrónica tipo 5 pode fazer, segundo diz o catálogo, todas as operações matemáticas até 10 decimais. No entanto, o que me interessa são letras, não números. Pedir-lhe-ei portanto que modifique o circuito de saída, de forma que imprima letras em vez de colunas de números.
- Não compreendo muito bem...
- Desde que a nossa instituição foi fundada, há mais de três séculos, que nos consagramos a um determinado labor. É um trabalho que pode parecer-lhe estranho, e peço-lhe que me escute com a maior largueza de espírito.
- De acordo.
- É simples. Tentamos organizar a lista de todos os nomes possíveis de Deus.
- Perdão?
Imperturbavelmente, o Lama continuou:
- Temos excelentes motivos para crer que todos esses nomes incluem, quando muito, nove letras do nosso alfabeto.
- E ocuparam-se disso durante três séculos?
- Sim. Tínhamos calculado que iríamos precisar de quinze mil anos para terminar o trabalho.
O doutor deu um assobio de vencido e disse, um pouco atordoado:
- Bem, agora compreendo por que deseja alugar uma das nossas máquinas. Mas qual é o objectivo da operação?
Durante uma fracção de segundo, o Lama hesitou e Wagner receou ter ofendido aquele estranho cliente que acabara de fazer a viagem Lassa-Nova Iorque, com uma régua de calcular e o catálogo da companhia de calculadoras electrónicas no bolso de sua túnica cor de açafrão.
- Chame a isto um ritual, se quiser - disse o Lama - mas é uma das bases fundamentais da nossa religião. Os nomes de Ser Supremo, Deus, Júpiter, Jeová, Alá, não passam de etiquetas feitas pelos homens. Certas considerações filosóficas, demasiado complexas para que as possa expor agora, deram-nos certeza de que, entre todas as perguntas e possíveis combinações das letras, se encontram os verdadeiros nomes de Deus. Ora, o nosso objectivo é descobri-los e escrevê-los a todos.
Arthur C. Clarke (excerto)
BREVIÁRiO
Editorial Presença lança Ricardo Coração de Leão de José-Augusto França.
EXTRAORDINÁRiO
OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico
A ARTE DO DRAGÃO
EM SEPARAR AS ÁGUAS 3
Apesar de tudo, Pintassilgo a custo conseguiria piar um suspiro. Todavia, acalmou, tentando espairecer:
- Quem diria que, ao fim de tanto tempo, realmente te encontraria...
- O mesmo direi eu! - reafirmou Silvano, com falso entusiasmo. Bem lá no fundo do seu íntimo em ardente combustão, tinha ganas de gozar a frigidez de Pintassilgo - um carácter frustrado, como se em toda a ambiguidade se achasse traído pelo aspecto ridículo d’ave de rapina.
A propósito, pois, Silvano inquiriu:
- E tu, como é que consegues esse fastio de manter as aparências?
Continua
IMAGINÁRiO194
08 SET 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
EXTRA
TERRESTRE
Um alienígena é enviado à Terra para determinar um meio de vencer a crise de energia que afecta o seu planeta, pondo em risco a sobrevivência dos habitantes. Isolado, anónimo, procura garantir influências, graças ao superior conhecimento tecnológico, através de patentes que revolucionarão o sistema de produção americano e as estratégias económicas internacionais. A fama e o poder tornam-no, porém, cativo duma existência fantomática e incorruptível, enfrentando ainda a reacção de corporações rivais e da política dominante… Adaptação de um romance por Walter Trevis, O Homem Que Veio do Espaço de Nicolas Roeg é um clássico do cinema de ficção científica, com perturbadoras implicações alegóricas e visionárias sobre a realidade mundial nos anos ’70 do Século XX, e uma projecção futurista quanto aos desígnios da aventura humana. A narração sincopada, o espectáculo crepuscular, convergem numa dimensão estética e simbólica assumida pelo protagonista David Bowie - ícone sofisticado e virtual, entre o mito da eterna juventude e a nostalgia da essência original.
CALENDÁRiO
04ABR-01JUN2008 - Centro Cultural de Cascais apresenta Litorais, Exposição de Fotografia de Danilo Pavone.
MEMÓRiA
05ABR1908-1989 - Bette Davis: Actriz, dois Oscars de Hollywood (1935 e 1938) - «Na minha profissão, só nos tornamos estrelas quando ficamos com a reputação de monstros». IMAG.35-117-139
09SET1828-1910 - Leon Nikolaievitch Tolstoi: «Os homens distinguem-se entre si, também neste aspecto: alguns primeiro pensam, depois falam e, em seguida, agem; outros, pelo contrário, primeiro falam, depois agem e, por fim, pensam». IMAG.56
09SET1888-28NOV1958 - Felisberto Manuel Robles Monteiro: Actor, casado em 1920 com a actriz Amélia Rey Colaço (1898-1990), tendo formado a Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1921-1974): «O talento e a cultura de ambos, o amor, uniram-se para uma entrega total a uma arte que dignificaram, nomeadamente ao longo dos anos em que tiveram a seu cargo a direcção do Teatro Nacional [D. Maria II]» (Maria Augusta Silva). IMAG.169
1842-09SET1898 - Stéphane Mallarmé: «E já morro, e já amo / - Seja a arte o vitral, ou seja uma cruz mística - / Renascendo, a erguer o sonho em diadema / A um céu anterior e que a beleza nimba!»
1391-13SET1438 - El-Rei D. Duarte I, o Eloquente: «Isto se deve fazer como faz Nosso Senhor, que posto que a direita carreira da perfeição seja tão estreita, que por mui poucos é seguida, porém vendo bom propósito e tenção todos traz a porto com saúde, dizendo que por muitos caminhos o podemos servir».
ANTIQUÁRiO
03SET1758 - Ao regressar sob o incógnito ao Paço, de madrugada, após uma noite passada com a Marquesa de Távora, El-Rei D. José I é alvo dum atentado, com vários tiros disparados sobre a carruagem num caminho estreito. Após investigação ordenada por Sebastião José de Carvalho e Melo, Primeiro-Ministro e Marquês de Pombal, foi preso e condenado o Marques de Távora, aliando ciúmes e motivos políticos, ao que se seguiu uma rápida execução.
VISTORiA
Angústia
Esta noite, não vim domar o teu corpo, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:
Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:
Pois o Vício, a roer a minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto o teu seio de pedra é cidade.
De um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
Stéphane Mallarmé
VISTORiA
Os amores no coração fazem mais rijo e continuado sentimento que outra benquerença, por estas razões:
Primeira, por a contrariedade do entender que os contradiz, mostrando de uma parte quanto mal por eles se faz, defendendo que se não faça, e doutra o desejo que muito com eles reina, requerendo com grande afincamento que persevere no que há começado, fazem uma porfia que continuadamente dá grã pena de espírito, afã e cuidado, do que mui amiúde os namorados se queixam, a qual se não pode passar sem rijos sentimentos.
Segunda, porque rijo, desordenado e continuado desejo, ciúmes e vanglória fazem no coração grande sentimento. E porquanto estes reinam mais com amores que com outra benquerença, porém fazem maior sentido.
Terceira, porque assim como dizem as cousas costumadas não fazerem tanto sentir, por esse fundamento aquelas que se abalam convém que o acrescentem. E pois que os amores nunca dão repouso por fazerem contentar de mui pequeno bem, assim como de uma boa maneira de olhar, gracioso rir, ledo falar, amoroso e favorável jeito, e de tal contrário se assanham, tomam suspeita, caem em tristeza, filhando tão rijo cuidado por uma cousa de nada, como se tocasse a todo seu bom estado, que o não deixa enquanto dura pensar em al livremente, mas como aquele que tem véu posto ante os olhos vê as cousas, dessa guisa ele pensa em todas outras fora do seu fundamento por cima daquele cuidado que lhe faz parecer todas as folganças nada, não havendo aquela que mais deseja. E se a cobrasse, que tristeza nunca sentiria, o que é tão errado pensamento como bem demonstram muitos exemplos, os quais não quer consentir que se creiam, posto que claramente de demonstrem, pensando que nunca semelhante como ele sentiu que o contrário pudesse sentir, o que adiante as mais das vezes se demonstra mui desvairado do que parece. E por aqui se pode bem conhecer, posto que não caia em outro erro, quanto perigo é trazer um tal cuidado assim reinante em ele, que o não deixe pensar em cousa livremente sem haver dele lembramento, e como constrangido cuidar em qualquer outro feito por pesado que seja, para o coração no que tais amores lhe mandam quer embargar seu sentido, desamparando todos os outros por necessários que sejam. E por estas razões convém que traga e faça maiores sentimentos que outra maneira de amar.
Leal Conselheiro o Qual Fez
Dom Eduarte Rey de Portugal
e do Algarve e Senhor de Cepta (excerto)
Uma mulher foi visitar a sua irmã mais nova que vivia no campo; a primeira estava casada com um mercador da cidade, a outra com um camponês da aldeia; quando estavam a tomar o chá, a mais velha começou a gabar a vida da cidade, dizendo que se vivia por lá com todo o conforto, que toda a gente andava bem arranjada, que as filhas tinham vestidos lindíssimos, que se bebiam e comiam coisas magníficas e que se ia ao teatro, a passeios e a festas. A irmã mais nova, um pouco despeitada, mostrou todos os inconvenientes da vida do comércio e exaltou as vantagens da existência dos camponeses.
- Não trocaria a minha vida pela vossa; é certo que vivemos com alguma rudeza, mas, pelo menos, não estamos sempre ansiosos; vocês vivem com mais conforto e mais elegância, mas ganham muitas vezes mais do que precisam e estão sempre em riscos de perder tudo; lá diz o ditado: «Estão juntos na merca o ganho e a perca»; quem está rico num dia pode, no dia seguinte, andar a pedir pão pelas portas; a nossa vida é mais segura; se não é farta é, pelo menos, comprida; nunca seremos ricos, mas sempre teremos bastante que comer.
A irmã mais velha replicou com zombaria:
- Bastante? Sim, bastante, se vocês se contentarem com a vida dos porcos e das vitelas. Que sabem vocês de elegância e de boas maneiras? Por mais que o teu marido trabalhe como um escravo, vocês hão-de morrer como têm vivido - num monte de estrume; e os vossos filhos na mesma.
- Bem, e depois? - retorquiu-lhe a outra. - Não nego que o nosso trabalho seja rude e grosseiro; mas em compensação é seguro e não precisamos de nos curvar diante de ninguém; vocês, na cidade, vivem rodeados de tentações; hoje tudo corre bem, mas amanhã o Diabo pode tentar o teu marido com a bebida, o jogo ou as mulheres - e lá se vai tudo. Bem sabes, é o que sucede muitas vezes.
Pahóm, o dono da casa, estava deitado à lareira e escutava a conversa das mulheres.
«É realmente assim» - pensava ele. «Os lavradores ocupados desde meninos no amanho da terra não têm tempo para pensar em tolices; o que nos consome é, só, não termos terra bastante; se eu tivesse toda a terra que quero, nem o Diabo seria capaz de me meter medo.»
Leon Tolstoi - A Terra
de Que Precisa Um Homem (excerto)
BREVIÁRiO
Universal edita em DVD, O Homem Que Veio do Espaço/The Man Who Fell On Earth (1977) de Nicolas Roeg; com David Bowie e Candy Clark.
Assírio & Alvim edita Poesias de Stéphane Mallarmé; tradução de José Augusto Seabra.
Editorial Presença lança A Última Estação de Jay Parini; o derradeiro ano da vida de Lev/Leon Tolstoi.
Relógio d’Água edita A Sonata de Kreutzer de Lev/Leon Tolstoi; tradução de Nina Guerra e Filipa Guerra.
Em Clássicos de Bolso, Dom Quixote edita A Morte de Ivan Ilitch de Lev/Leon Tolstoi.
Decca edita em CD, sob chancela Universal, [Robert] Schumann [1810-1856] - Sinfonias pela Gewandhausorchester, sob direcção de Riccardo Chailly. IMAG.105
EXTRAORDINÁRiO
OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico
A ARTE DO DRAGÃO
EM SEPARAR AS ÁGUAS - 2
Após alguma cavaqueira, chegou a altura de dormitarem. Com o seu pudor habitual, Pintassilgo apenas vestiu, apressado, o casaco do pijama. Despido de preconceitos, Silvano decidira pôr-se à vontade. Uma atitude no mínimo chocante, sendo ele um dragão.
- E se entra alguém, e te vê assim? - perguntou, inquieto, Bonifácio Pintassilgo. Situações como aquela deixavam-no sempre atrapalhado.
Silvano S. Jorge roncou e pareceu sorrir.
- Não te preocupes, eu já estou habituado. Aliás, o revisor só volta depois da fronteira, para devolver os passaportes, e as pessoas nem olham para mim! - sossegou-o Silvano, abanando ligeiramente a cauda.
Continua
IMAGINÁRiO193
01 SET 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
IMPLICAÇÕES
Akira Kurosawa granjeou prestígio europeu em 1951, ao arrebatar o Leão de Ouro no Festival de Veneza para Rashomon - Às Portas do Inferno (1950), logrando novo expoente de sucesso com Os Sete Samurais (1954). Sobre o impacto destes dois filmes clássicos, mesmo nos Estados Unidos da América, basta lembrar que o primeiro motivou como adaptação livre O Ultraje (1964) de Martin Ritt, e o segundo precedeu Os Sete Magníficos (1960) de John Sturges. Ao citarem-lhe tais versões, Kurosawa comentaria, irónico, que também ele partiu de Macbeth no Trono de Sangue (1957), aliás voltando ao William Shakespeare de Rei Lear em Ran - Os Senhores da Guerra (1985). Partindo da violação de uma mulher, cujo marido é assassinado, Rashomon - ainda distinguido com o Óscar para o Melhor Filme Estrangeiro, pela Academia de Hollywood - expõe, num elã envolvente, fatídico, estrutural e significante, as perspectivas da vítima e do morto, além do relato do agressor e de uma testemunha… Reivindicando que lhe interessa «contar histórias que se inspirem, livremente, na tragédia literária e universal», Kurosawa sublima, afinal, a aventura humana - sob uma emergência dramática, estética e plástica em que se transfigura o realismo fantástico.
MEMÓRiA
1929-13MAI1988 - Chet Baker: «Foi como um anjo que desceu ao inferno. No início da carreira, encantava as mulheres pela beleza e o canto suave. Vinte anos depois, era um junkie de rosto sulcado, perseguido pela polícia» (Helton Ribeiro).
1869-01SET1948 - Georges Pallu: «Portugal é um país magnífico que, pela beleza da sua luz natural e pela riqueza dos seus panoramas, merece que o cinema faça dele uma das suas Pátrias de adopção» (1923). IMAG.171
03SET1898-1955 - Artur Virgílio Alves dos Reis: «Não há nenhum vigarista grande que não seja também um grande sedutor, um encantador, um ilusionista da vida. É uma questão de manter o olhar das pessoas num sítio enquanto se está a fazer outra coisa ao lado» (Francisco Teixeira da Mota).
1910-06SET1998 - Akira Kurosawa: «Por que razão se deixam os homens arrastar, sempre, para a fatalidade? Porque não podem viver em paz, com um pouco mais de bondade entre si, de uns para com os outros?»
ANTIQUÁRiO
FEV1948 - No café Chave d’Ouro do Rossio, decorre a primeira jam session do Hot Club, criado por Luís Villas-Boas segundo estatutos de Daniel Canhão, estando entre os associados primordiais os pintores Sena da Silva e João Abel Manta.
12JAN2001 - Radiotelevisão Portuguesa/RTP1 emite Alves dos Reis, Um Seu Criado de António Moura Mattos, Edson Braga e Norberto Nunes, com produção Antinomia sobre argumento de Francisco Moita Flores. Sento intérprete Rui Luís Brás, a história Artur Virgílio Alves dos Reis (1898-1955) - filho de um cangalheiro e de família modesta - que sonha tornar-se um homem poderoso. Casando com Luísa, de uma abastada família lisboeta, é constantemente humilhado pela condição social. O seu interesse por Angola cresce. Após a falsificação de alguns documentos, para lá parte com a esposa, tornando-se responsável pelas obras públicas e esgotos. Fazendo fortuna, regressa à Metrópole.
CALENDÁRiO
MAR2008 - O Tribunal Federal de Nova Iorque reconhece que os direitos de autor de Superman são, em 50%, pertença da família de Jerry Siegel (1914-1996), com efeitos retroactivos desde 1999. O co-criador, Joe Shuster (1914-1992), morreu sem herdeiros - mas, a partir de 2013, a sua única parente viva terá idade legal para reclamar a outra metade, cujo controlo continua no âmbito da Time Warner, proprietária dos DC Comics. IMAG.109-183
1914-24MAR2008 - Richard Widmark: «Muitos actores dizem que odiavam o studio system, mas eu adorava-o. Era como ir às aulas - tinha-se um regime para aprender… Os filmes de agora são feitos para adolescentes. De vez em quando, lá aparece algum com interesse…»
30MAR2008 - O francês Jean Nouvel é galardoado com o Prémio Pritzker, a mais prestigiada distinção da arquitectura mundial, atribuída nos EUA pela Fundação Hyatt.
1911-31MAR2008 - Jules Dassin: Cineasta norte-americano, realizador de Nos Bastidores de Nova Iorque/Naked City (1948) ou Foragidos da Noite/Night and the City (1950), incluído na lista negra anticomunista (1952) e exilado na Grécia.
TRAJECTÓRiA
GEORGES PALLU
Realizador do cinema português, Gabriel Georges Pallu nasceu em Paris, a 4 de Dezembro de 1869, onde também faleceu, a 1 de Setembro de 1948. Tendo o bacharelato em Direito pela Universidade de Paris, em 1909 o apelo artístico tornou-o realizador da Film d’Art. Em 1916, transitou para a Pathé Frères. Dois anos depois, no Porto, tornou-se um dos esteios da Invicta Film, aí impondo o seu estilo sóbrio e académico até 1924. De regresso a França, prosseguiu uma actividade regular, sobretudo de ênfase ética e mística, vindo a abandonar a profissão em 1939. Foi distinguido com a Ordem de Cristo e, em França, como Oficier de l’Instruction Publique. Em Portugal, realizou os seguintes filmes: Frei Bonifácio/As Aventuras de Frei Bonifaácio (1918), O Comissário de Polícia (1919), O Mais Forte (1919), A Rosa do Adro (1919), O Amor Fatal (1920), Barbanegra (1920), Os Fidalgos da Casa Mourisca (1920), Amor de Perdição (1921), Quando o Amor Fala... (1921), O Destino (1922), O Primo Basílio (1922), Cláudia (1923), Lucros... Ilícitos/Gold & Cª (1923), A Tormenta (1924). Procedeu ainda à montagem de Mulheres da Beira (1921 - Rino Lupo), adaptou o argumento e foi actor de Tinoco em Bolandas (1922 - António Pinheiro), e fez a supervisão de Tempestades da Vida (1923 - Augusto de Lacerda).
BREVIÁRiO
Oficina do Livro edita Alves Reis - Uma História Portuguesa de Francisco Teixeira da Mota.
Costa do Castelo edita em DVD, Rashomon - Às Portas do Inferno de Akira Kurosawa; com Toshiro Mifune e Machiko Kyô.
Bd Mania edita Elektra - O Regresso de Frank Miller & Lynn Varley. IMAG.27-40-98-149
Hyperion lança em CD, sob chancela Andante, Johannes Brahms [1833-1897]: Quinteto Op. 34, Quarteto Op. 51, Nº 2 (1853-1862) pelo Quarteto Takács, com o pianista Stephen Hough. IMAG.82-171
Alêtheia edita Grão Vasco (c1475-c1542) de Dalila Rodrigues.
Prisvídeo edita em DVD, A Famosa Bettie Page (2006) de Mary Harron; com Gretchen Mol. IMAG.6
Cavalo de Ferro edita Excertos dos Diários de Adão e Eva (1904-1906) de Mark Twain (1835-1910); ilustração de Pedro Lourenço.
INVENTÁRiO
TEX, O PISTOLEIRO
Divulgada regularmente entre nós, através dos álbuns brasileiros da Editorial Vecchi, a saga de Tex Willer celebra seis decénios, empolgando milhões de admiradores, sobretudo através de sucessivas gerações de italianos. De facto, o seu lançamento ocorreu em Setembro de 1948, por iniciativa da empresa Audace, sendo autor Gian Luigi Bonelli, e primeiro ilustrador Aurelio Gallepini. Vários artistas lhe deram fiel continuidade, como Fabio Civitelli, Vicenzo Monti e Claudio Villa, além de outros notáveis, entre os quais Guido Buzzelli, Alberto Giolitti, Jesus Blasco ou Fernando Fusco, sendo ainda Claudio Nizzi um destacado argumentista. Filho de um rancheiro assassinado por bandidos, e iniciado por Bill Gunny, um pistoleiro que se regenerou como cowboy, Tex começa perseguido pelas autoridades, pelo modo como dá caça aos fora-da-lei e, com romântico valor, se converte em Robin Hood das pradarias. Conhecido entre os índios por Águia-da-Noite, e aceite como um deles, Tex é um ranger responsável pela reserva dos Navajos, no Arizona, viúvo de uma nativa, Lilyth, tendo por mais constantes companheiros Kit Carson, o nativo Tigla e o próprio filho, Kit Willer.
Exposto em mil façanhas, envolvido pela paixão de outras mulheres, enfrentando inimigos crónicos mas ardilosos, Tex identificar-se-ia, carismática e primordialmente, com o criador Bonelli - segundo o especialista Decio Cauzio, que lhe aponta «alguns dos mais intensos sentimentos da alma humana»: dignidade da vida, conceito de justiça, defesa dos fracos e oprimidos, tenacidade, celebração da amizade e do companheirismo... Em 1985, e tendo por protagonista Giuliano Gemma, vedeta carismática de outro típico mas bastardo fenómeno transalpino, o western-spaghetti, Ducio Tessari realizou Tex, o Pistoleiro (Tex and the Lord of the Deep) - em que o próprio G.L. Bonelli, também guionista e aparecendo como um velho sábio índio, evoca as origens lendárias do seu paladino. Produzido pela RAI-Channel 3, com a Cinecittà, este filme trepidante mas nostálgico, com implicações mágicas ou místicas, tem ainda como intérpretes William Berger, Carlo Mucari, Isabella Russinova e Flavio Bucci. Reinvestindo pelas virtualidades tradicionais do imaginário, o sortilégio tradicional da aventura transfigura-se, pois, envolvendo um letal tráfico de armas pela fronteira do México, e arrostando, ainda, os desígnios de uma seita maligna, sobre tribos sublevadas. IMAG.174
EXTRAORDINÁRiO
OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico
A ARTE DO DRAGÃO
EM SEPARAR AS ÁGUAS - 1
28 de Julho de 1975
Quando a carruagem estremecia, nalgum troço mais tortuoso dos carris, todo aquele corpo obeso e flácido se agitava também. Até amainar aos poucos, como as pequeninas vagas que esmorecem na praia, tendo embora antes delas um mar colossal. Só que ali havia apenas uma massa corpórea, ondulante, agitada pelos micro-estertores.
No banco em frente, contemplando aquele fantástico Silvano S. Jorge, todo espojado sobre os quatro lugares marcados, o pasmado Bonifácio Pintassilgo dir-se-ia um pigmeu, ainda mais ridículo atrás do seu nariz bicudo, praticamente sem queixo e com uma poupa no cabelo ao estilo crista de galo.
Sulcando a noite cúmplice, o comboio ia galgando quilómetros, numa viagem cujo destino marcado, saindo de Santa Apolónia em Lisboa, à hora do jantar, era a estação de Atocha, quando em Madrid as trevas começavam lentamente a dissipar-se.
Velhos conhecidos do acaso existencial, Silvano e Pintassilgo tinham ficado espantados com tal reencontro - únicos passageiros num banal e mal iluminado compartimento de 2ª Classe. Deram um pelo outro já em marcha, e por mera coincidência.
Continua
IMAGINÁRiO192
24 AGO 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
MELINDRES
Um fenómeno impensável ainda há poucos anos, e consequência da mediatização dos alcances de produção, vem permitindo a criadores portugueses de banda desenhada uma oportunidade - pontual ou recorrente - de colaboração com mercados editoriais no estrangeiro. Um desses talentosos autores, Rui Lacas acedeu directamente ao panorama franco-belga em 2006, com Merci Patron, álbum galardoado com o Prémio do Melhor Argumento no Festival de Les Moulins. Partindo duma ideia original de Vasquito Lourenço, Lacas conjuga uma aliciante maturidade como escritor e ilustrador, à concepção de um imaginário rural cujos estigmas, nossos, pairam em incidência dramática e intemporal inerente a uma identificação universal, quanto aos problemas singulares e às implicações sociais. Assim, também, uma justa consagração - sob chancela Asa - em Obrigada, Patrão algures no litoral alentejano, pela ilusão e pela inocência de Anita, perdida entre a exploração e a tentação dos homens, e afinal vingada em seu epílogo surdo e absurdo por uma mulher e mãe.
CALENDÁRiO
1922-18FEV2008 - Alain Robbe-Grillet: «Não sou um teórico do romance. Apenas fui motivado, como sem dúvida todos os romancistas, tanto no passado como hoje, a perfazer algumas reflexões críticas sobre livros que li, sobre aqueles que pretendo escrever» (1965).
25MAR-13ABR2008 - Centro Cultural de Cascais expõe «Invenzioni Capricciose» Segundo Piranesi de Rui Macedo.
ANUÁRiO
1958 - Em Le Journal de Spirou, principiam as aventuras de Les Schtroumpfs por Peyo - aliás, Pierre Cuttillard - um dos maiores sucessos da banda desenhada europeia para jovens. Algures, durante a Idade Média, numa recôndita floresta, habita uma raça de pequenos gnomos azuis, divertidos e desinibidos, que vivem mais de cem anos...
1964 - Felipe de Solms produz Fado Corrido de Jorge Brum do Canto; adaptação cinematográfica de Agora: Fado Corrido de Gaivotas Em Terra de David Mourão-Ferreira.
1982 - Filmform e Tobis Portuguesa produzem Sem Sombra de Pecado de José Fonseca e Costa; adaptação cinematográfica de E Aos Costumes Disse Nada de Gaivotas Em Terra de David Mourão-Ferreira.
MEMÓRiA
1720-09NOV1778 - Giovanni Battista Piranesi: «A sua abordagem da Antiguidade, em termos estéticos e teóricos, teve uma imediata e duradoura influência no Neo-classicismo em toda a Europa, e o seu génio criativo perpassou o século XIX, foi retomado pelo Surrealismo e perdura até à actualidade» (Maria da Graça Garcia).
COMENTÁRiO
ROBBE-GRILLET NO TRANS-EUROPA EXPRESSO
O realizador Alain Robbe-Grillet, a sua assistente e um produtor fazem uma viagem de Paris a Genebra, por via férrea. Discutem o projecto de novo filme que, decidem, suporá um tráfico de drogas naquele mesmo trajecto e meio de transporte. A entrada ocasional de Jean-Louis Trintignant no compartimento, e breves detalhes recolhidos desde a estação de embarque, constituem elementos que utilizam na idealização do argumento. Este sofrerá sucessivas variações, de acordo com a lógica do que vão conversando. Eliminam factos, torneiam incoerências e, chegando ao destino, terão já planificado o filme... que, afinal, acabáramos de ver.
O relevo de Trans-Europa Expresso - dirigido por Robbe-Grillet em 1966 - está implícito nas próprias teses do cineasta: partindo de uma ocorrência ilegal, ou de um crime, ir-lhe desmontando o processus até descobrir, por vezes, a vaga consistência da averiguação. As pistas possíveis constituem um jogo, que o investigador ou o romancista policial seguem segundo um estilo pessoal, um raciocínio subjectivo que, às vezes, não tem correspondência no que, concretamente, foi a linha dos acontecimentos. A verdade objectiva pode não vir à superfície mas, quando emerge, muitas vezes é desconcertante.
Em Trans-Europa Expresso, Alain Robbe-Grillet desarticula factos, amplia pormenores, atribui a cada indício certa carga de significação e mostra-nos, não sem sarcasmo, como um detective pode interpretá-la ilusoriamente, ou não lhe conceder a necessária dimensão. Outro elemento de realce, que o autor traduziu igualmente através do ensaio e na ficção literária, centra-se no valor atribuído ao delito em causa, ou eventual. Mais que o seu potencial ilícito, interessa a Robbe-Grillet o carácter transgressor de uma certa ordem - ou seja, a verdade oficial, instituída.
VISTORiA
Ela própria tirou, num movimento brusco, o vestido e a combinação. Dobrou, depois, a colcha, e puxou para trás o lençol e o cobertor. E tudo isto, a sábia segurança com que fazia tudo isto, a desenvoltura com que se me entregou, os gritos roucos, a gesto de, no último momento, cravar os dentes na almofada - tudo isto me deu a repulsiva sensação de que se tratava de uma profissional…
Mas quando abri os olhos e vi a expressão dos olhos dela, o rosto que de repente se fizera muito mais jovem, aquela beatitude afogueada - senti-me injusto, senti quanto é injusto condenarmos seja quem for. Parecia ter dezasseis anos.
David Mourão-Ferreira
- E Aos Costumes Disse Nada (excerto)
- in Gaivotas em Terra
BREVIÁRiO
Editorial Presença lança Gaivotas Em Terra (1959) de David Mourão-Ferreira (1927-1996). IMAG.90
Cavalo de Ferro edita Orlando Furioso (1516) de Ludovico Ariosto (1474-1533), com ilustrações de Gustave Doré (1832-1883); tradução de Margarida Periquito.
Ministério dos Livros edita Kalevala (1849) de Elias Lönnrot (1802-1804); tradução do inglês de Orlando Moreira.
Editorial Almedina lança Académica - História do Futebol de João Santana & João Mesquita.
Warner Home Vídeo distribui em DVD, Led Zeppelin - Ao Vivo e Muito Além/The Song Remains the Same (1973) de Joe Massot e Peter Clifton.
Casa das Letras edita Navegação Ponto Por Ponto - Memórias 1964-2006 de Gore Vidal; tradução de José Luís Luna.
Alêtheia edita Maquiavel [1469-1527] e Portugal de Martim de Albuquerque.
Tinta da China edita O Que Está Escrito Nas Estrelas - Anos I e II de José Carlos Fernandes. IMAG.4-31-53-89-98-138
José de Matos-Cruz
Segundo tomo do Anuário Teatral Portugal Século XIX
Universal edita em CD, sob chancela Decca, Saint-Saëns [1835-1921]: Piano - Concertos Nos. 2 & 5 pela Orquestra de la Suisse Romand; direcção de Charles Dutoit, com Jean-Yves Thibaudet ao piano. IMAG.54
¨Esfera do Caos edita Busca Inacabada - Autobiografia Intelectual de Karl Popper [1902-1994]; tradução de João C.F. Duarte.
¨Bertrand editora lança Um Escritor Confessa-se de Aquilino Ribeiro; prefácio de Mário Soares. IMAG. 50-128-163-172
INVENTÁRiO
AS ASAS DO DESEJO
(1988) de Wim Wenders
Habitando o mundo desde a graça da criação divina, tendo enfim visto surgir os homens à sua semelhança, os anjos tudo presenciam, inefáveis ou apenas pressentidos, sobrevoando as nossas euforias, cúmplices imprevisíveis do mais íntimo desespero. Alguns desses seres alados pairam nos céus de Berlim - e um deles, Daniel, apaixona-se por Marion, uma mulher que vive, como artista de circo, o sortilégio do espectáculo...
Uma fábula solene, prodigiosa, que sublima - com humor, magia e onirismo - as virtualidades dum olhar múltiplo em transfiguração: ao nível do romanesco, dos signos referenciais. Além da carga imaginária e arquétipa, da essencial dualidade entre as personagens e a história, sagra-se toda uma memória planetária, pela contemplativa evocação angélica - entes celestes, espectadores privilegiados, em imponderáveis desafios.
NOTICIÁRiO
Saint-Saënz
Madrid, 18 - Chegou aqui há dois dias o maestro Camillo Saint-Saëns, que dirigirá no domingo próximo um concerto no Theatro Príncipe D. Affonso, constituído por composições suas. O grande maestro dirigirá os ensaios e fará ouvir a sua última ópera.
19NOV1897 - Diário de Notícias
PARLATÓRiO
Entre a literatura e o cinema existe a mesma antinomia que entre uma frase e um objecto. É por isso que eu não adapto os meus romances ao ecrã, nem escrevo livros a partir dos meus filmes: por vezes publico, sob o nome de cine-romance, o guião técnico de um filme ou a sua planificação. Uma descrição literária não funciona, de modo algum, como um imaginário. Até mesmo a fase escrita que se coloca na boca da personagem romanesca, não pode comparar-se à réplica dita por um actor. Escrever um romance é, para mim, um labor difícil e lento. Redigir um argumento, pelo contrário, não me causa qualquer problema de escrita; faço-o rapidamente, poupando uma grande parte à imaginação sobre os próprios locais de filmagens. Rodo um filme em quatro ou seis semanas. Em contrapartida, demoro seis meses a trabalhar na montagem. Finalmente, existe também uma enorme diferença entre o escritor a sós com uma página branca, e o realizador de um filme que dirige uma equipa artística e técnica, e que deverá lutar contra a rigidez das pessoas e dos cenários, fazendo-os participar o mais possível na criação colectiva.
Alain Robbe-Grillet
EXTRAORDINÁRiO
OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico
A partir do próximo número!
PRONTUÁRiO
MEMÓRIA(S)
A inquietação e a dissidência de Jean-Luc Godard em relação ao cinema, quanto às suas motivações e expectativas, míticas ou convencionais, foram - confirma-se entretanto - uma outra manifestação da sua permanente atitude, em termos absolutos: a investigação da escrita, a pesquisa da técnica, uma nova perspectiva sobre os condicionalismos, compromissos e valores conjunturais da respectiva história. Tudo isto ligado ao relevo da cultura, à eficácia da ideologia, ao sentido da arte, à subversão estética, ao alcance político ou aos limites sociais que se repercutem sobre uma obra aberta - como reflexão volúvel, ou testemunho em mutação… Desta obsessão tão pessoal, magnífica e radical - em vanguarda/modernidade, suas marcas de inquietação, insolência e controvérsia - são expressivas as História(s) do Cinema (1988-1998), em que Godard - sensível ao precário fenómeno da eternidade, entendido como ironia do real, dominada pelo autor - expõe/explora um século de memórias visionárias, desordenadas mas impressionantes, onde interroga: «O que é o cinema? Nada. O que pretende? Tudo!». IMAG.118-167
MEMÓRiA
1875-23JUL1948 - David Wark Griffith: «São necessários dois anos em cena para que um actor, homem ou mulher, aprenda a modelar correctamente a própria voz, e cerca de dez anos que domine a arte subtil de conquistar o seu público». IMAG.22
15AGO1938-2007 - Fiama Hasse Pais Brandão: «Seria o sinal do último cantor da casa, / o desconhecido urogalo, que apagaria / esta tristeza de nada desejar, aqui e agora, / entre estes cepos, esta terra revolta / e os mortos tão absolutos e esquecidos, / depois de tão eternamente vivos» (Cenas Vivas).
16AGO1888-1935 - Thomas Edward Lawrence, aliás Lawrence da Arábia: «Não parecia ser um homem… Assemelhava-se mais a um rapaz, mas um rapaz a quem não faltasse a liberdade» (Henry Williamson).
1861-18AGO1908 - José Francisco Trindade Coelho: «Transmontano. Pequenino mas tesinho. Alegre como uma romaria. A sua voz é um adufe ao som do qual os seus olhos bailam. Vigoroso e sadio física e literariamente. A sua prosa é máscula: prosa com músculos e sangue. Prefere os assuntos simples aos assuntos complicados. Ao longo dos seus contos não se alastram óxidos de almas difíceis, nem se emaranham filigranas de raras psicologias. No meio dos modernos livros, os seus livros são como ingénuos colegiais entre viciosas pessoas» (Eugénio de Castro).
1945-20AGO1998 - António Assunção: «É notória a extraordinária humanidade que imprimia às suas personagens, a graça que tinha, a sua enorme capacidade de contactar com o público» (Rui Mendes). IMAG.48
CALENDÁRiO
1922-19MAR2008 - Paul Scofield: «Um actor que, como nenhum outro, conjurava com tamanha autoridade os abismos misteriosos da experiência humana, por detrás do qual estava um homem espirituoso, com charme e com graça, e extraordinariamente modesto» (Nicholas Hytner).
VISTORiA
Paródia aOs Lusíadas
¨Os grandes paspalhões assinalados,
Que nas reuniões da Academia
Foram solenemente apepinados
Por sua telha ou sua fidalguia,
Que nas guerras das mocas esforçados
Mais do que a força humana permitia
No Teatro Académico asnearam
Tolices de que todos se espantaram;
E também as façanhas gloriosas
Dos Cabrais e Waldecks e quejandos,
Que à noite, com as vozes mais fanhosas,
andam o nível a pedir em bandos;
E as diabólicas fúrias deliciosas
De certos quintanistas memorandos,
Cantando espalharei por toda a parte.
Há-de-se rir o mundo até que farte.
Ó musa da ironia e da arruaça,
Que tens excepcionais o gesto e o peito,
Vira-te para mim e põe-te a jeito
De inspirar um poema de chalaça;
Quero um poema esplêndido, perfeito,
Que vos celebre e que subir vos faça,
Num pulo só, da glória à mor altura,
Cavaleiros da mais triste figura!
Trindade Coelho - In Illo Tempore (1909 - excerto)
VISTORiA
Em Galafura
Os povoadores da beira Douro
conhecem o pó e as pedras.
E sabem que o Universo
concebe cerejais e parras.
Vivem como vermes magníficos,
iluminados por dias soalheiros,
obscurecidos pelas invernias.
Fiama Hasse Pais Brandão - As Fábulas (2002)
OBSERVATÓRiO
François Truffaut: Embora A Mulher do Lavrador/The Farmer’s Wife (1928) fosse um filme adaptado de uma peça teatral, senti, ao vê-lo, uma férrea vontade sua, de fazer autenticamente cinema. Suponhamos que a rodagem tinha decorrido num cenário de palco; pois bem, nem uma só vez a câmara está situada na perspectiva em que se encontrariam, convencionalmente, os espectadores; mais parece que circula entre os bastidores. As personagens nunca se movimentam lateralmente, avançam em direcção à câmara, de forma mais sistemática que noutros filmes que o senhor dirigiu. É uma comédia realizada como se de um thriller se tratasse...
Alfred Hitchcock: Compreendo o que pretende dizer: a câmara está em acção. A tendência para filmar acções, histórias, começou com o desenvolvimento das próprias técnicas do cinema, e sabemos que o primeiro grande momento deste processo ocorreu quando D.W. Griffith tirou a câmara do local onde a colocavam os realizadores até então, algures no arco do proscénio, para aproximá-la o mais possível dos actores. O segundo grande momento sucedeu quando Griffith, colhendo e aperfeiçoando as experiências do inglês G.A. Smith e do americano Edwin S. Porter, tomou a iniciativa de conciliar os diversos troços de película, os planos, para formar as sequências. Era a descoberta do ritmo cinematográfico, através da utilização da montagem...
François Truffaut - O Cinema de Alfred Hitchcock
BREVIÁRiO
Editorial Teorema lança O Labirinto Camoniano e Outros Labirintos (1985) de Fiama Hasse Pais Brandão. IMAG. 15-20-31-32-38-61-64-66-72-76-98-103-125-131-164-175
Midas edita em DVD, História(s) do Cinema/Histoire(s) do Cinema (1988-1998) de Jean-Luc Godard. IMAG.118-167
Bonecos Rebeldes edita Diário da Peste de Londres de Daniel Defoe (1660-1731); tradução de João Gaspar Simões. IMAG.6
Tupam Editores lança Padre António Vieira [1608-1697] - Sermões, Cartas, Obras Várias. IMAG.118-139-165
Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, [Frédéric] Chopin [1810-1849]: Prelúdios por Rafal Blechacz.
Casa das Letras edita Leni - A Vida e a Obra de Leni Riefenstahl (1902-2003) de Steven Bach; prefácio de João Lopes.
Publicações Dom Quixote reedita Gente Feliz Com Lágrimas de João de Melo; celebração especial de um romance com vinte anos.
Livros de Papel edita Lance (1955-1960) com argumento e ilustração de Warren Tufts. Um clássico em banda desenhada sobre o primitivo Oeste americano - deslumbrante e prodigioso, romântico e avassalador - sagrando as aventuras de Lance Saint Lorne, tenente do Primeiro Regimento de Dragões, com o amigo sargento Blaze, a Leste do Mississipi, entre rudes caçadores peles e índios em pé de guerra.
PARLATÓRiO
Acredito no cinema, não apenas como um meio de entretenimento, mas como uma força ética e educativa. Sabia que se registou menos ingestão de álcool nos últimos cinco anos, e que isso se ficou a dever ao cinema? É absolutamente verdade. Nenhum homem bebe apenas por beber. Fá-lo, porque não tem para onde ir. O homem é um animal em movimento. Quanto maior é o homem, de mais actividade necessita. Não se passa o mesmo com as mulheres. Ambos têm naturezas diferentes. O cinema proporciona ao homem outro lugar para onde ir, além dos bares: um homem aparece para ver um filme. Esteve em algum sítio. Assistiu a qualquer coisa. Sai, e regressa a casa num estado diferente daquele em que se sentiria, se tivesse vindo de um bar. E, assim, preservam-se as estruturas domésticas.
David Wark Griffith (1915)
EXTRAORDINÁRiO
O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada
Capítulo Dez
METAFÍSICA E METAMORFOSE - 77
Pois, a factura sobrevivente da urbe secular, se calhar escorria, discorria desta fractura funesta, lânguida. Em vão. Expediente sórdido, recipiente sóbrio, luto de abrigo, leito desabrido. Complacentes, ou contemplativos. Onda vulnerável de vítimas e vadios, horda venerável de egrégios e exilados. Além da blindagem filosofal, Huno ou Huna Europa exacerbava uma polivalência primordial que lhe permitia, diplomaticamente, nascer sol e pôr-se lua.
Em Cascais, de costas para a Cidadela e ajeitando a gravata, num auge solitário de virilidade, Rui Ruivo resistia, neurasténico, ao velório da monotonia e da cidadania.
Algures, devastado pela crepuscular incongruência duma reabilitação prosaica, em fama, Nero Faial - e vingada, por fim, a afronta crítica às suas Virtudes Plásticas - recolhia-se ao volúvel, ao infame inferno de uma essência retemperadora. No vestibular, pressentindo-o perto, entre as vestais que vestiam espuma ou candura, Vénus despiu-se com langor...
Horas mortas, heróis vivos.
O Fado e a Fada desfraldavam ou definhavam, qual precário pacto, no conflito egocêntrico da respectiva conspicuidade. Sem bandeiras nem fronteiras, a anatomia eufórica de Oktobraia fazia furor por Lisboa a salivar. A evidência holográfica empalidecia Escudeiro Europa, assoreando-lhe a assexualidade em resistência aerodinâmica.
Obcecado pela expiação fatalista e futurista, o Infante Portugal olhava-se ao espelho e, como um Vulcão, veria a sua alma.
Banalidade, venalidade. Não é normal que um génio gere seres excepcionais. Mas é extraordinário que um monstro degenere em homem comum.
Fim da Primeira Jornada
IMAGINÁRiO190
08 AGO 2008 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano V · Semanal · Fundado em 2004
PRONTUÁRiO
TURBAÇÕES
Não são pacíficas, tradicionalmente, as relações entre o cinema e a literatura - dois géneros de criatividade artística, motivados pela narração ficcional. Afinal, nesta conflitualidade estão latentes uma recíproca convergência sobre o romanesco, e a paralela recorrência em que derivam a imaginação e o imaginário. A realidade demonstrou, historicamente, que a insatisfação domina os espectadores de uma transposição, previamente atraídos pelo sortilégio enquanto leitores; tal como a participação de escritores no processo de adaptação sobre os seus originais é, em geral, prejudicial... Daí que as excepções, ao lograr-se uma conjugação virtual entre os dois modos de expressão e linguagem, suscitem ou reincidam, mesmo, por momentos mágicos de fruição. Assim consuma Expiação - realização de Joe Wright sobre a obra de Ian McEwan, convertida por Christopher Hampton. Em filme distinguido pelos Globos de Ouro, Keira Knightley e James McAvoy transfiguram, para sempre, o desígnio romântico e dramático cuja prodigiosa sublimação em livro - galardoado por The National Book Critics Circle, e editado entre nós sob cancela Gradiva - paira, afinal, como envolvimento primordial, revelador, em ilusão e pesar, tormento e maravilha, arrebato e remorso, encantamento e desassossego trágicos.
CALENDÁRiO
17MAR2008 - Assinalando o centésimo aniversário do nascimento de Manoel de Oliveira, o Ministério da Cultura cria uma comissão destinada a traçar um programa de actividades comemorativas, presidida por João Bénard da Costa, director da Cinemateca Portuguesa.
1954-18MAR2008 - Anthony Minghella: «Era um realizador notável, um cineasta talentoso, um homem doce, caloroso, inteligente e divertido. Escreveu diálogos deliciosos para um actor dizer, e fez representá-los com vivacidade» (Jude Law).
MEMÓRiA
16FEV1918-2002 - Achille Castiglioni: Arquitecto e designer - «Aquele que não for curioso, deve mudar de profissão».
1929-04ABR1968 - Martin Luther King: Prémio Nobel da Paz em 1964 - «Não haverá tranquilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido todos os seus direitos de cidadania» (1963).
23JUN1688-1744 - Giambattista Vico: Sabedoria é a faculdade que «comanda todas as disciplinas, pelas quais se aprendem todas as ciências e artes que cumprem a humanidade».
23JUL1888-1959 - Raymond Chandler: «Estou convencido de que não existe nenhum processo limpo para se conseguir cem milhões de dólares». IMAG.86
1933-06AGO1978 - Ruy Belo: «Só quando se consome a vida se mantém».
COROLÁRiO
1500-06JUN1548 - D. João de Castro: «Não terei, senhores, pejo de vos dizer, que ao vice-rei da Índia faltam nesta doença as comodidades que acha nos hospitais o mais pobre soldado. Vim a servir, não vim a comerciar ao Oriente; a vós mesmo quis empenhar os ossos de meu filho, e empenhei os cabelos da barba, porque para vos assegurar, não tinha outras tapeçarias nem baixelas. Hoje não houve nesta casa dinheiro, com que se me comprasse uma galinha; porque nas armadas que fiz, primeiro comiam os soldados os salários do governador, que os soldos de seu rei; e não é de espantar; que esteja pobre um pai de tantos filhos. Peço-vos, que enquanto durar esta doença me ordeneis da fazenda real uma honesta despesa, e pessoa por vós determinada, que com modesta taxa me alimente».
VISTORiA
Para a Dedicação de Um Homem
Terrível é o homem em quem o senhor
desmaiou o olhar furtivo das searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida
Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra para esse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia
Ruy Belo
INVENTÁRiO
DIABOLIK
Em Outubro de 1962, as irmãs Angela & Luciana Giussani criaram, em Milão, o mais popular herói italiano das quatro últimas décadas: Diabolik - consolidando os quadradinhos para adultos, inspirados na literatura negra (que famigerou Arsene Lupin ou Fantomas) sobre uma actualidade mais realista e violenta... Excepcional delinquente, atlético mas cerebral, frio ladrão e assassino, cruel ou vingador, nobre aos códigos da marginalidade, num fiel afecto pela companheira, a belíssima e loira Eva Kant.
Diabolik actua com traje e capuz negro, tendo notáveis dons para assumir outras personalidades, sob máscaras copiadas das suas fisionomias. Os golpes de audácia, o confronto inexorável com Ginko, inspector da polícia de Clerville, as fugas vertiginosas num Jaguar adaptado, os múltiplos refúgios, uma fortuna colossal, a alta tecnologia que utiliza, fascinaram sucessivas gerações de leitores, em consecutivas aventuras de uma saga sempre reiniciada.
Em 1968, Dino DeLaurentiis assumiu uma co-produção italo-francesa, realizada por Mario Bava - com peculiar incidência erótica, sobre as múltiplas proezas encadeadas. Assim, Diabolik (John Philip Law) apodera-se de um carregamento de ouro, avaliado em dez milhões de dólares. Ginko (Michel Piccoli) tenta atraí-lo a uma cilada, através de um valioso colar usado pela esposa de um ministro inglês, em viagem oficial. Mas Diabolik logra apoderar-se da jóia e escapar!
Com a nação ameaçada de bancarrota, Valmont - o chefe o crime organizado, cujos interesses estão em risco, pela pressão que as autoridades exercem, contra os sucessos radicais de Diabolik - decide intervir, sequestrando Eva. Enfurecido, Diabolik liberta a sua amada numa incursão avassaladora, fugindo ambos ilesos. Quando passam a oferecer mil milhões de libras, como prémio de captura, Diabolik executa mais umas tantas e sensacionais façanhas...
Em 1998, surgiu uma série de animação, realizada por Jean-Luc Ayach para Saban Entertainment. Através da fantasia estilizada, de uma atmosfera artificiosa - as quais correspondem aos estereótipos em sagração - Diabolik acentua, até ao paroxismo trepidante, as fronteiras que delimitam ou transfiguram um tão paradoxal paladino, aliás com um caricatural recorte psicológico ou ético. Sondando um universo ambíguo entre a paixão e a morte, o bem e o mal.
BREVIÁRiO
Edições + (&) ´ lança 9 Provas de Contacto de Francisco José Craveiro de Carvalho. IMAG.16-117-130-177
O Quinto Selo edita O Falcão de Malta de Dashiell Hammett; tradução de Gonçalo Neves.
Assírio & Alvim edita Walt ou o Frio e o Quente (1978) de Fernando Assis Pacheco (1937-1995). IMAG.117
Impulse lança em DVD, sob chancela Universal, My Favorite Things: Coltrane at Newport (1963 e 1965) de John Coltrane (1926-1967).
¨Estrela Polar edita A Filosofia Segundo Woody Allen de Aeon J. Skoble & Mark T. Conard; tradução de Pedro Soares. IMAG.171
VISTORiA
A primeira vez que vi o Terry Lennox estava ele perdido de bêbedo dentro de um Rolls Royce último modelo estacionado à entrada do terraço do Dancers Club.
O guarda do parque trouxera o carro até à entrada e segurava a porta porque o pé esquerdo de Terry Lennox ainda balouçava no exterior, como se ele se tivesse esquecido de que o tinha. Tinha uma cara jovem, mas o cabelo era branco como papel. Pelos olhos reconhecia-se que estava bêbedo até aos cabelos, mas de resto tinha um aspecto igual ao de qualquer outro tipo simpático vestindo um smoking e tendo gasto mais do que devia numa casa que existe precisamente para esse fim.
A seu lado estava uma rapariga. Tinha cabelos de um lindo tom de vermelho escuro e um sorriso distante; sobre os ombros o vison azul quase fazia com que o Rolls Royce parecesse um carro qualquer. Mas não o conseguia.
O guarda era do tipo comum: tinha um ar meio bruto e um casaco branco com o nome do restaurante bordado a vermelho, à frente. Começava a estar farto.
Oiça cá disse, irritado importa-se muito de puxar a perna para dentro do carro para eu conseguir fechar a porta? Ou quer que eu a abra completamente para o senhor cair no chão?
Raymond Chandler
O Imenso Adeus (1953
tradução de Mário Henrique Leiria, excerto)
#15
Passava o tempo
a tirar do espelho
e pôr no bolso
a actriz que ia ser.
Os anos tornaram-na
um álbum de empregos
de supermercados
a lavandarias.
Francisco José Craveiro de Carvalho
EXTRAORDINÁRiO
O INFANTE PORTUGAL
Primeira Jornada
Capítulo Dez
METAFÍSICA E METAMORFOSE 76
Por fim, ganhou sonâmbulo impulso - além do desvairado charivari de reticências arcaicas, sinistras, soturnas que, em circunstâncias como aquela, instável, costumava entranhar, pairando em redor. Quais lobos esfaimados que profanam cemitérios, devorando e uivando as suas trevas primitivas.
Jacinto Magno não mentira a Rosa dos Ventos - todavia, por temer-lhe a insolência, escamoteara nos desígnios. Aliás, ele próprio remordia um incómodo descrédito, quanto à vera intenção - uma escapadela furtiva até à Lapa, para tactear o potencial, isto é chorudo patrocínio editorial pela Fundação de Artes Narcisistas, ao seu almejo sobre Os Atlântidas. Nada de desleixar.
É certo que, entre os pergaminhos de Nero Faial, fulgurava a pintura. Porém, no poço de sabedoria auferido por Magno também jorrava, em lodaçal, toda a literatura que envolvia o susceptível benemerente à clandestina aura lúbrica de Plevna Kostoglotov, qual mística eslava. E, afinal, com uma serpentina de cumplicidades electivas, sempre poderia lucrar-se...
Contas feitas a desejar e a desdenhar, neutro era o saldo que prendia Ofélia Luna à vacuidade melancólica da lei, largando o coração ao abraçar as causas justas, extroversão que rendia Deodato Roble entre dois actos existenciais, da farsa que concebia em palco à força que concedia em público. Amplos, ambos, desavindos, resistindo-se.
Continua
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