José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO269

01 ABR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CONEXÕES



Formando uma das mais fascinantes e talentosas duplas artísticas, na banda desenhada de expressão europeia, Schuiten & Peeters são também, entre nós, uma parceria quase mítica. Saúda-se, pois, a iniciativa das Edições Asa, ao relançar As Cidades Obscuras - cuja referência é Brüsel, por um utópico Século VIII: quando e aonde vacila o estatuto do cidadão comum, pervertido pelas engrenagens da burocracia metropolitana, ou exposto à transgressão entre o maravilhoso e a normalidade. Eis A Teoria do Grão de Areia - sobre as bizarras ocorrências que perturbam uma pacata rotina comunitária, após a chegada de um estranho visitante, e atraindo uma investigadora motivada por um escrúpulo de virtuais inclinações… Assim culmina a sumptuosa concepção / inventariação que Benoît Peeters (argumento) & François Schuiten (ilustração) recriam, desde 1981, n’As Cidades Obscuras: fluxos históricos, ciclos civilizacionais, fantásticos desafios - em deslumbrante transfiguração, sobre um imaginário dramático e onírico, nas implicações românticas, surreais, através de estilizada arquitectura gráfica, com intemporais referências estéticas. IMAG.215

 CALENDÁRiO

1918-16SET2009 - Luciano Emmer: Argumentista e realizador do cinema italiano, símbolo do neo-realismo, dirigiu Domingo de Agosto / Domenica d’Agosto (1949), tendo-se dedicado à televisão e à publicidade.

1936-16SET2009 - Mary Allin Travers: Cantora folk norte-americana, membro do grupo Peter, Paul & Mary - «Uma das razões de termos sobrevivido juntos, é que entre nós existia um certo amor» (1966).

17SET2009 - Zon Lusomundo estreia A Esperança Está Onde Menos Se Espera de Joaquim Leitão; com Virgílio Castelo e Ana Padrão. IMAG.122

17SET2009 - ZON Lusomundo estreia Arena de João Salaviza; com Carloto Cotta e Rodrigo Madeira.

17SET2009 - Apresenta-se a nova editora Objectiva, do Grupo Santillana, sendo director-geral Alexandre Vasconcelos e Sá. Na chancela de não ficção, cobrirá uma vasta base de temas e registos: História, Política, Psicologia, Sociedade, Economia, memórias e biografias, sem esquecer o humor, o lazer, a saúde e o bem-estar. Lwww.objectiva.pt

17SET-30OUT2009 - Em Lisboa, Galeria Bernardo Marques expõe Vera Esquível.

18SET2009 - Em Cascais, o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, inaugura a Casa das Histórias Paula Rego - que apresenta obras de pintura, desenho e escultura da artista plástica, residente em Londres e que viveu anos no Estoril, a par de uma programação de exposições temporárias e actividades formativas e educativas.

MEMÓRiA

1903-25FEV1970 - Markus Rothkowitz, aliás Mark Rothko: «A experiência trágica fortificante é, para mim, a única fonte de arte».

02ABR1840-1902 - Émile Zola: «No decorrer dos séculos, a História dos povos não passa de uma lição de mútua tolerância, e assim, o sonho último será envolvê-los todos numa ternura comum para os salvar o mais possível da dor comum. No nosso tempo, detestar-se e ferir-se porque não se tem o crânio construído exactamente da mesma maneira, começa a tornar-se a mais monstruosa das loucuras» IMAG.27.

06ABR1740-1794 - Sébastien-Roch Nicolas, aliás Nicolas de Chamfort: «Neste mundo, existem três espécies de amigos: aqueles que nos amam, aqueles que não se preocupam connosco, e aqueles que nos odeiam».

06ABR1860-1945 - René Lalique: Desenhador prestigiado em joalharia e vidro decorativo, associado à estética da Arte Nova e da Art Déco, devotado ainda à relojoaria e ao design de mobiliário.

ANTIQUÁRiO

01ABR1930 - Companhia Cinematográfica de Portugal estreia Lisboa Crónica Anedótica de Leitão de Barros. IMAG.68-76-78-82-94-95-103-115-130-154-161-164-175-180-221-222-224-227-232-239-242-245

OBSERVATÓRiO






www.blackboxsyndicate.blogspot.com - Black Box Syndicate - Comic Books, Illustrations and Sketches - Como há muito trabalho que é feito na área da ilustração e dos quadradinhos que nunca chega a ter grande difusão, os artistas envolvidos nos projectos Black Box Stories - José Carlos Fernandes, Luís Henriques, Manuel García Iglésias, Roberto Gomes - criaram um blog para divulgação das suas actividades.IMAG.4-31-53-89-97-98-138-192-235

COROLÁRiO


FRANÇOIS SCHUITEN

No esplendoroso imaginário em quadradinhos europeus, François Schuiten é um artista arrojado e estimulante, pelas incursões entre a realidade e o fantástico, em primordial cumplicidade com o argumentista Benoît Peeters. A sensualidade gráfica e o estilo prodigioso patenteiam um rasgo visionário - assim testemunhado, em manifesta revelação: «O ilustrador, deverá, no envolvimento ou percurso das imagens, inserir micro-informações para o leitor que permitam relançá-lo através da sua imaginação. Este tema interessa-me muito. Talvez não responda à noção convencional de banda desenhada, mas está intimamente ligado a ela, à sua expressão e significados. Imaginário, fixação gráfica. É possível expor, relançar o imaginário - através de várias expressões de síntese ou dinâmicas, com modelos paralelos».

COMENTÁRiO

LISBOA, CRÓNICA ANEDÓTICA

Em 1930, no São Luiz e no Tivoli, estreia Lisboa, Crónica Anedótica de Leitão de Barros. Consagrando a tendência para converter a capital em inspiração privilegiada do cinema português, aqui aparecendo mesmo como figura única e típica, esta obra-prima do período silencioso é constituída por diversos episódios de variável duração, correspondendo às diferentes facetas da grande urbe, documentais ou de ficção ligeira - humorísticos, pitorescos, históricos, de testemunho. Mesmo como repositório de imagens sobre um perfil citadino e seus tiques, Lisboa, Crónica Anedótica é de valor incalculável. Outro fascínio é poder assistir ao desempenho de actores que, nalguns casos, eram os maiores do elenco teatral ou vieram a afirmar-se, com persuasão e naturalidade, encarnando gente característica ou popular à época.

NOTICIÁRiO

Não Desiste

ªÉmile Zola não desiste da sua pretensão de ser membro da Academia Francesa. Os xeques sucessivos não o desanimam. Mais uma vez, acaba de apresentar a sua candidatura à cadeira vaga por morte de Challemel-Lacour.
12JAN1897 - Diário de Notícias

Zola em Risco de Vida

Zola acaba de ser vítima de um incidente bastante desagradável. Ao subir a Calçada de Autin, o eminente romancista foi atropelado por um fiacre. Felizmente, o desastre não teve consequências fatais, e o ilustre escritor apenas sofreu bastantes contusões, e já pode assistir à representação da Ópera.
29ABR1897 - Diário de Notícias

 VISTORiA


Gato

Eu tinha então dois anos, e era ao mesmo tempo o mais gordo e maior gato em existência. Naquela idade, eu possuía tudo o que um animal é capaz de desejar. Como eu era afortunado! A providência confiara-me à sua tia! Aquela mulher de bem adorou-me. Eu dispunha de uma verdadeira cama, com almofadas de pena e coberturas triplas no fundo de uma guarda-roupa. A minha comida era igualmente excelente; nunca só pão, ou sopa, mas sempre carne, carne cuidadosamente escolhida. Bem, no meio de toda esta opulência, eu sentia um só desejo, um sonho; eu queria deslizar para fora da janela e escapar pelos telhados. O excesso de carícias e a suavidade da minha cama nauseavam-me, e eu era tão apenas gordura, que vivia com repugnância de mim mesmo. Em resumo, eu ficava aborrecido o dia inteiro, por coisas que me deveriam fazer feliz.
Émile Zola

Pediu o realizador Leitão de Barros ao operador Costa de Macedo que fizesse o título de apresentação com a palavra Lisboa vinda do infinito e, como num rápido traveling de aproximação, parecer que a objectiva passava a meio, entre o s e o b, surgindo logo do infinito outra pequenina palavra Lisboa que crescia, e assim sucessivamente. Costa de Macedo não possuía nenhuma truca. Era para dar a sensação de que caminhávamos ao encontro de Lisboa. Andávamos, eu e ele, então, a fazer pacientes experiências de desenhos animados, para o que ele mandara construir uma armação para filmar de cima para baixo, imagem a imagem. Pôs-me o operador o seu problema, confidencialmente, e acabámos por resolvê-lo pelo desenho, tendo ficado de resto, um pouco sacadés. Dei, assim, a Leitão de Barros sem ele saber, essa enorme colaboração, que aqui revelo orgulhosamente, para que a História se não esqueça.
Roberto Nobre - Singularidades do Cinema Português (1964 - excerto)

BREVIÁRiO

Temas e Debates edita José Afonso (1929-1987), fotobiografia por Irene Flunser Pimentel. IMAG.6-119-170-237

Harmos Records edita em CD, Franz Joseph Haydn [1732-1809]: Divertimenti por Luís Meireles, acompanhado de Pedro Meireles e Ken  Ichinose. IMAG.40-219-228-240

Dom Quixote edita Tempo Escandinavo - Contos de José Gomes Ferreira (1900-1985). IMAG.23-278

VGM edita em CD, sob chancela Alpha, Concerts Avec Plusieurs Instruments - IV: Johann Sebastian Bach (1685-1750) por Café Zimmermann. IMAG.32-58-163-198-203-212-216-220-248-267-268

Divisa edita em DVD, O Homem da Câmara de Filmar (1929) de Dziga Vertov (1896-1954). IMAG.250

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

ESTREMECE O CONVENTO
COM VENTO NAS ENTRANHAS - 5

 Agora, tudo em Grael se confundia e distinguia, se definia e deprimia. Com um gemido, ampliava o silêncio coral que ia assombrando este país em decomposição - petrificado quanto ao signo astral e ancestral, exacerbado pelo ritual necrofílico. Gerando monstros, despovoado, exultando com a mutilação, exaltando ao precipício a sua própria mística.

Um cálice sublimado, corrupto pela sede da ressurreição.

Atraído e dissecado, eis Grael perante a normalidade. Despedaçado. Implícito. O sopro da vida era o sopro que o transformara.

O homem, entre anjo e besta.

– Continua


  

IMAGINÁRiO268

· 24 MAR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FRAGMENTOS


Um dos mais fascinantes testemunhos estéticos / míticos sobre a capital portuguesa, A Cidade Branca (1982) foi realizado por Alain Tanner sobre argumento próprio, em produção de Metro Filme - executada por Paulo Branco e António Vaz da Silva, com orçamento de trinta mil contos - aliada à Filmograf (Suiça). A fotografia virtual por Acácio de Almeida segue um marinheiro errático, que desembarca no Tejo, perdendo-se em Lisboa. Paul ama duas mulheres ao mesmo tempo - uma que dá corpo à paixão, mas acaba por partir; outra distante, a quem envia imagens. Ora, sucede uma desgraça, na pessoa de um ladrão, que tem o rosto de outro. Afinal, Paul é um náufrago das vielas sujas, dos mercados de imprevisto, dos bares sórdidos, da noite selvagem... Entre nós, A Cidade Branca estreou em Abril de 1983, tendo em cartaz Bruno Ganz, Teresa Madruga, Julia Wonderlinn e José de Carvalho. Em 1984, foi distinguido com o Se7e de Ouro à Actriz (Teresa Madruga) e, em França, com o César ao Melhor Filme Francófono.

CALENDÁRiO

1924-01SET2009 - Maria da Conceição Ferreira, aliás Maria Clara: Cantora e artista do teatro e da rádio, intérprete de sucessos como Figueira da Foz, Marcha do Centenário ou Ó Zé Aperta o Laço.

09SET2009 - A Câmara Municipal de Lisboa aprova o modelo urbano para o Parque Mayer e para o Jardim Botânico do arquitecto Aires Mateus, ficando a discussão marcada pela questão da titularidade dos terrenos da zona de espectáculos, actualmente da autarquia, pois que uma acção em tribunal poderá ditar a reversão para o antigo proprietário, a empresa Bragaparques. IMAG.41-45-48-103-138

1928-11SET2009 - Larry Gelbart: Escritor norte-americano, dramaturgo, argumentista, co-autor e produtor da série televisiva M.A.S.H. - «O primeiro passo para a vida eterna é termos de morrer».

11SET2009 - Os restos mortais do escritor Jorge de Sena (1919-1978) - trasladados de Santa Bárbara, Califórnia, onde faleceu - são depositados no Cemitério dos Prazeres, Lisboa, em cerimónia oficial sob a égide do Ministério da Cultura. IMAG.60-67-87-112-181-202-249-264

1952-14SET2009 - Patrick Swayze: «Um bom homem, divertido, e alguém a quem devo tanto que nunca conseguirei pagar… Acredito na mensagem de Ghost / O Espírito do Amor (1990), ele vai estar sempre por perto» (Woopy Goldberg).

MEMÓRiA

24MAR1930-07NOV1980 - Steve McQueen: «Falando sinceramente, não estou muito convencido de que a arte de representar seja uma profissão para pessoas crescidas». IMAG.217

28MAR1810-1877 - Alexandre Herculano: «Convosco eu sou maior; mais longe a mente / dos céus se imerge livre, / E se desprende de mortais memórias / Na solidão solene, onde, incessante, / Em cada pedra, em cada flor se escuta / Do Sempiterno a voz, e vê-se impressa / A dextra sua em multiforme quadro.» (A Harpa do Crente) IMAG.38-95-146-220

1916-29MAR1990 - Óscar Acúrcio: Actor de teatro e cinema (O Leão da Estrela - 1947 de Arthur Duarte), técnico e realizador (Feira Popular de Lisboa - 1943). IMAG.93

31MAR1930-2008 - Rogério Ribeiro: «O seu pintar e o seu desenhar negam-se a pactuar com as persuasões mais ou menos retóricas de quem domina soberanamente as técnicas, antes são projecções ontológicas do seu espaço mental e sensível» (José Saramago). IMAG.189

EPISTOLÁRiO

20DEZ1962

Cada vez penso mais que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele.
Jorge de Sena
- Carta a Sophia de Mello Breyner Andresen

NOTICIÁRiO

Alexandre Herculano

É um homem de sensível coração o escritor-lavrador senhor Alexandre Herculano. Na presente crise tem distribuído muito pão e esmolas aos pobres trabalhadores famintos, que bem-dizem o seu nome. É atingir a suprema glória reunir a tríplice qualidade de escritor notável, cidadão laborioso e útil, e filantropo desvelado.
13FEV1872 - Diário de Notícias

TRAJECTÓRiA

STEVE McQUEEN



Com uma capacidade intuitiva para compor personagens introvertidas ou perdedoras, solitárias ou estimulantes, Steve McQueen converteu-se num dos ídolos de Hollywood mais amados e carismáticos. Nasceu Terrence Steven McQueen em Slater, no ano de 1930. Abandonado pelo pai, um aviador da Marinha, teve uma infância difícil, crescendo no Boy’s Republic, um reformatório em Chino (Califórnia). Durante a adolescência, percorreu várias profissões árduas, de expediente - marinheiro, pesquisador de petróleo ou salva-vidas nas praias. Em 1947, ingressou nos Marines, tendo estado preso por insubordinação. Retomou a vida civil em 1950, voltando às tarefas de sobrevivência - estivador, reparador de electrodomésticos, caixeiro-viajante. Em 1952, concluiu o curso de Arte Dramática na New York Neighborhood Playhouse, transitando daí para uma especialização no Actor’s Studio. Entretanto, tentava uma experiência no palco - para todo o serviço no Second Avenue Yiddish Theater, ou substituindo Ben Gazzara em Hatful of Rain na Broadway; e em pequeno ecrã - intervindo na série televisiva Wanted: Dead or Alive (1958), em que se tornou notória a sua capacidade empolgadora.

Então, McQueen foi atraído por Hollywood, logo se lançando em filmes medianos de acção, fantásticos ou românticos. Casado com a actriz Neile Adams/Toffel (1956-1971, tendo dois filhos), a sua grande oportunidade resultou em 1960, ao integrar Os Sete Magníficos (The Magnificent Seven), sob o signo do western, com direcção de John Sturges. Após uma ascensão fulgurante, tornou-se uma das vedetas mais bem pagas e um dos rostos emblemáticos do cinema americano dos anos ’60 e ’70, recortando o homem comum pelas margens do bem e do mal - confrontado por desafios que poderiam transcendê-lo, com uma coragem ou uma privação sem limites. Para a galeria de Hollywood, tornaram-se incontornáveis os seus desempenhos em A Grande Evasão (The Great Escape, 1963, John Sturges), Bullitt (1968, Peter Yates), O Grande Mestre do Crime (The Thomas Crown Affair, 1968, Norman Jewison), Os Ratoneiros (The Reivers, 1969, Mark Rydell) ou Papillon (1973, Franklin J. Schaffner). Além da sua aparência tranquila e cordata, fervilhava uma existência pessoal e profissional de crises e tensões.

Sem recear o perigo, McQueen recusava ser substituído por duplos, mesmo durante a rodagem das cenas mais arriscadas ou acrobáticas. Em 1966, foi nomeado ao Oscar, pelo desempenho principal em Yang-Té Em Chamas (The Sand Pebbles, Robert Wise). Era um fanático da alta-velocidade, dedicando-se com paixão - mesmo na tela - aos carros de corrida e às motos de competição; a estas dedicou o documentário On Any Sunday (1971, Bruce Brown), que produziu e no qual participou. Contraiu segundas núpcias (1973-1978) com a popular artista Ali MacGraw. Em meados da década de ’70, afectado com um cancro no peito, reduziu drasticamente a sua actividade. Reapareceu em 1978, concretizando uma transposição há longo tempo ambicionada - O Inimigo do Povo (Enemy of the People, George Schafer), sobre a obra-prima teatral de Ibsen. No ano seguinte, como Tom Horn (William Wiard), era uma fantasmagoria pelas paisagens do Oeste, simbolizando um destino trágico. Após nove meses de matrimónio com a modelo Barbara Minty, faleceu em 1980, vítima de um ataque cardíaco - em Juarez (México), onde se deslocara para uma intervenção cirúrgica.

 VISTORiA


Prólogo

Para as almas, não sei se digo demasiadamente positivas, se demasiadamente grosseiras, o celibato do sacerdócio não passa de uma condição, de uma fórmula social aplicada a certa classe de indivíduos cuja existência ela modifica vantajosamente por um lado e desfavoravelmente por outro. A filosofia do celibato para os espíritos vulgares acaba aqui. Aos olhos dos que avaliam as coisas e os homens só pela sua utilidade social, essa espécie de insulação doméstica do sacerdote, essa indirecta abjuração dos afectos mais puros e santos, os da família, é condenada por uns como contrária ao interesse das nações, como danosa em moral e em política, e defendida por outros como útil e moral. Deus me livre de debater matéria tantas vezes disputada, tantas vezes exaurida pelos que sabem a ciência do mundo e pelos que sabem a ciência do Céu! Eu, por minha parte, fraco argumentador, só tenho pensado no celibato à luz do sentimento e sob a influência da impressão singular que desde verdes anos fez em mim a ideia da irremediável solidão de alma a que a Igreja condenou os seus ministros, espécie de amputação espiritual, em que para o sacerdote morre a esperança de completar a sua existência na Terra. Suponde todos os contentamentos, todas as consolações que as imagens celestiais e a crença viva podem gerar, e achareis que estas não suprem o triste vácuo da soledade do coração. Dai às paixões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertei o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio. Muitas vezes, na verdade, ela desce, arrastada por nós, ao charco imundo da extrema depravação moral; muitíssimas mais, porém, nos salva de nós mesmos e, pelo afecto e entusiasmo, nos impele a quanto há bom e generoso. Quem, ao menos uma vez, não creu na existência dos anjos revelada nos profundos vestígios dessa existência impressos num coração de mulher? E porque não seria ela na escala da criação um anel da cadeia dos entes, presa, de um lado, à humanidade pela fraqueza e pela morte e, do outro, aos espíritos puros pelo amor e pelo mistério? Porque não seria a mulher o intermédio entre o céu e a terra?
Alexandre Herculano
Eurico, o Presbítero (1844, excerto)

BREVIÁRiO

Atalanta Filmes edita em DVD, A Cidade Branca / Dans la Ville Blanche (1982) de Alain Tanner; com Bruno Ganz e Teresa Madruga.

Dargil edita em CD, sob chancela Orfeo, [Johann Sebastian] Bach [1685-1750], [Ludwig Van] Beethoven [1770-1820], [Robert] Schumann [1810-1856] pelo pianista Rudolf Buchbinder. IMAG.32-58-105-134-163-198-202-203-204-210--212-216-220-228-229-236-237-239-240-248-255-267

Texto Editora lança História Universal da Destruição dos Livros de Fernando Báez; tradução de Maria da Luz Veloso.

Atelier de Composição edita em CD, Fugit Irreparabile Tempus por Oficina Musical, sob a direcção de Álvaro Salazar.


IMAGINÁRiO267

16 MAR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

EXPRESSÕES




Em rigorosa e aliciante experiência que vem fazendo história e cultura, a língua mirandesa tem conhecido, nos últimos anos, uma significativa correspondência editorial, que se estende à banda desenhada, graças ao empenho artístico de José Ruy, com a coordenação científica de Francisco Niebro, aliás Amadeu José Ferreira. Sob chancela Âncora, e pelos auspícios destes conceituados autores, tal entusiasmo é reinvestido na sua expressão matricial em Mirandês - História de Uma Língua e de Um Povo / Mirandés - Stória Dua Lhéngua E Dum Pobo - que, conjugando as expectativas de divulgação e de entretenimento, faz corresponder às raízes de uma herança oral - vertida desde povos muito antigos, até ao reconhecimento oficial - a fantástica aventura duma arqueóloga que, da actualidade, empreende uma viagem através do tempo e da memória, até vivências ancestrais na região de Miranda do Douro… Consumando, enfim, um regresso sublimador e vitalista, cujas referências humanas se virtualizam, a partir de uma específica identidade portuguesa, na própria dimensão universalista e civilizacional. IMAG.4-16-19-36-61-78-96-117-129-141-149-197-223-252-263

CALENDÁRiO

30AGO2009 - Em Buenos Aires, Argentina, é inaugurada uma estátua de Mafalda, sentada num banco de jardim do Bairro de San Telmo, em frente à casa onde, por 1964, vivia o criador e artista de banda desenhada Joaquin Salvador Lavado, aliás Quino, que este presente à cerimónia, tal como o escultor Pablo Irrgang, que concebeu a obra em bronze com uma altura de oitenta centímetros. IMAG.11-58

1934-05SET2009 - João Vieira: Escritor, professor, artista plástico, cenógrafo teatral - «Abandonemos por um momento a preocupação de identificar, de reconhecer, para que a forma que também está em nós se descubra» (1979) IMAG.210

16JUN-27SET2009 - Musée du Quai Branly, em Paris, expõe Tarzan! Ou Rousseau Chez lez Waziri, sendo comissário o etnólogo Roger Boulay; sobre o universo heróico e romanesco concebido por Edgar Rice Burroughs (1875-1950), e a iconografia do Homem-Macaco transfigurada por outros imaginários, como o cinema ou os quadradinhos. IMAG.37-149-204-224

12SET2009 - Na Praia do Tamariz, é aberta a 1ª edição da Exposição/Concurso Internacional de Escultura - Artemar Estoril, uma organização da Câmara Municipal de Cascais com a Fundação D. Luís I e a Agência Cascais Atlântico.

23OUT-08NOV2009 - Na Amadora, decorre o 20º Festival Internacional de Banda Desenhada - Amadora Bd 2009, cujo tema central é O Grande Vigésimo - Pensar a Bd.

COROLÁRiO

03SET1499-1566 - Diane Poitiers: «Os anos que uma mulher subtrai à sua idade não são perdidos - acrescenta-os à idade de outras mulheres».

ANUÁRiO

484 aC-420 dC - Heródoto: «Eis a mais pungente de todas as doenças humanas: dispor de todo o conhecimento, e ainda não ter nenhum poder de acção». IMAG.51

1465-1530 - Quentin Matsys: Pintor flamengo, fundador da Escola de Antuérpia e autor de Uma Mulher Velha/A Duquesa Feia (1525/30), a quem foi referenciada (2008) a doença óssea deformativa de Paget - «Uma mulher tremendamente infeliz, que possivelmente foi bela na sua juventude. E uma obra extraordinária, de meticulosa execução. Porque razão o artista teria tanto trabalho só para criar uma imagem tão grotesca? Sempre suspeitei que havia algo mais» (Michael Baum).

VISTORiA

Soneto

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios...
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho.

António Nobre (Belos Ares, 1889)

MEMÓRiA

1858-16MAR1940 - Selma Lagerlöf: «A cultura é o que subsiste, quando já esquecemos tudo o que tínhamos aprendido». IMAG.203-204

1613-17MAR1680 - François, Duque de La Rochefoucauld: «Não se deve avaliar o mérito de um homem apenas pelas suas grandes qualidades, mas também pelo uso que delas faz». IMAG.42

1867-18MAR1900 - António Nobre: «Nasci eu... O velhinho ainda cá ficou, / Mas ela disse: – «Vou, ali adiante, à Cova, / António, e volto já...» E ainda não voltou! / António é vosso. Tomai lá a vossa obra!» (- excerto).IMAG.143

19MAR1850-1922 - Virgínia Dias da Silva, a actriz Virgínia: «A sua carreira artística foi deslumbrante, passando, desde muito cedo, a encarregar-se de papéis de importância, conquistando sempre a simpatia do público» (Luciano Reis).

1875-19MAR1950 - Edgar Rice Burroughs: Escritor norte-americano, autor de Tarzan (1912) - «Surgiu-me a ideia de alguém que não tinha actividade, e decidi romanceá-la».

1915-23MAR1980 - Roland Barthes: «É a linguagem, em todos os níveis (da frase ao discurso) e através das diversas formas (artes, literaturas, sistemas), que sempre me tem interessado, que eu sempre tenho desejado». IMAG.125

21MAR1960-1994 - Ayrton Senna: Piloto de Fórmula 1 - «...A última sessão de qualificação. Eu já estava com a pole, por meio segundo à frente do segundo colocado, e depois um segundo. De repente, eu estava próximo de abrir dois segundos à frente dos outros, incluindo meu companheiro de equipe com o mesmo carro. Então eu percebi que eu não estava mais pilotando com consciência. Eu pilotava por instinto, me sentia numa outra dimensão. Era como se eu fosse entrar num túnel. Não apenas o túnel sob o hotel, mas todo o circuito parecia um túnel. Eu estava apenas indo e indo, mais e mais e mais...» (GP do Mónaco, 1988).

23MAR1910-1998 - Akira Kurosawa: «No Japão não se percebe claramente que uma das nossas mais notáveis realizações culturais é, mesmo, a cinematografia nacional». L IMAG.193

21MAR1930-2008 - Dinis Machado: «Os ritos, que incluem o riso e a dor, podem não aparecer numa situação social, mas são a nossa condição humana. Quando as pessoas não riem, ficam muito tristes; quando riem, é acompanhado da tristeza que está a ser coberta pelo riso. Como não há total transparência, há uma questão de comportamento de ordem social. Vivemos a solidão e vivemos com os outros, que são o tal inferno de que falava Sartre». IMAG.218-232

BREVIÁRiO

QuidNovi edita Dona Brites - Uma Mulher da Casa de Avis de Maria Odete Sequeira Martins.

Universal edita em CD, sob chancela Archiv, Johann Sebastian Bach (1685-1750) por Anne Sofie von Otter com o Concerto Copenhagen, sob a direcção de Lars Ulrik Mortensen. IMAG.32-58-163-198-203-212-216-220-240

Ésquilo edita A Escola da Vida - autobiografia de Baden-Powell (1857-1941), fundador do Escutismo. IMAG.131

Farol edita em CD, sob chancela Tradisom, As Primeiras Gravações (1929-1939) da fadista Ercília Costa (1902-1985). IMAG.77

Quetzal edita Ética a Nicómano de Aristóteles (384aC-322aC); tradução, introdução e notas de António de Castro Caeiro. IMAG.36-37-47-56-140-152-164

Universal edita em CD, sob chancela Decca, Secret, Profane & Sugarcane de Elvis Costello.

VISTORiA

Casamento por Leilão

Falarei, a seguir, de seus costumes; este é o mais sábio, em minha opinião, e fui informado que os ênetos da Ilíria também o seguem. Em cada aldeia, uma vez cada ano, procediam deste modo: assim que as donzelas chegavam à época de casar eram todas reunidas e levadas a um lugar e uma multidão de homens ficava de pé em volta delas; um arauto fazia, então, cada uma delas levantar-se e punha à venda; primeiro, a mais bonita de todas e, assim que ela era vendida por muito dinheiro, ele anunciava outra, a que era mais bonita depois daquela; e elas eram vendidas para casamento. Efectivamente, os que eram prósperos entre os babilónios e queriam casar-se, superavam-se uns aos outros e compravam a esposa mais bela; aqueles do povo que queriam casar-se e não tinham qualquer vantagem na aparência, podiam optar pelas donzelas feias e por dinheiro também.
Efectivamente, quando o arauto acabava de vender as donzelas mais belas, fazia também levantarem-se a mais desgraciosa ou uma estropiada, se havia alguma, e oferecia-a a quem quer que, para a aceitar e viver com ela, requeria a menor quantidade de dinheiro, até ela ser entregue como esposa ao que se comprometia pelo menor montante. O dinheiro vinha da venda das donzelas bonitas e, desse modo, as de belas formas garantiam o casamento das feias e das estropiadas. E não era permitido dar a própria filha em casamento a quem quer que se desejasse, nem levar para casa a donzela adquirida sem dar uma garantia: era necessário oferecer um fiador para assegurar que iria viver com ela, e então podia levá-la.
E se eles não se dessem bem, o costume mandava devolver o dinheiro. Era também permitido, querendo, vir de outra aldeia para comprar.
Eis, portanto, o mais belo costume que havia - e que actualmente, porém, já não existe. Foi inventado um outro, ultimamente, para que as donzelas não sejam maltratadas e nem levadas para outra cidade.
Heródoto - História 1.196

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

ESTREMECE O CONVENTO
COM VENTO NAS ENTRANHAS - 4

 Quem Grael foi, irradiava candura, ciente embora da perversão nas trevas. Ora, não há limites infinitos. Aquela mesma construção em que se acolhia, agora e em escombros, bradara outrora aos céus, até soçobrar à instalação dos desígnios marciais. Conventos por quartéis. Aqui, em Portugal, na opção inversa aos guerreiros que se converteram em sagrados.

A espada de fogo em contraste ao espectáculo da morte. Forjando o afã de liberdade, num mundo consumido pelas labaredas do aniquilamento. Exércitos que um dia, ainda ontem, fenderam o vão entre as alturas e as profundezas. Preenchendo tal vazio com o urro da animalidade, o pavor avulso, os combatentes estropiados, os cadáveres em putrefacção, os esqueletos ávidos da sua argamassa palpitante.

– Continua


  

IMAGINÁRiO266

08 MAR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

DESÍGNIOS





Sintetizando uma virtualidade idealizada entre a realidade e a imaginação, o cinema transfigura no imaginário um reflexo dinâmico das próprias vivências humanas - em dilemas, emoções, conflitos, vicissitudes. Convencionalmente, ou através do contexto literário, tudo se processa entre as experiências singulares e uma existência mediática - aquelas que referenciam o apelo universalista do espectáculo. Eis o privilégio clássico sobre História Imortal (1968) de Orson Welles, também protagonista com Jeanne Moreau. Em Macau, por final do século passado. Um velho comerciante americano logrou enorme fortuna e levou à ruína o seu sócio. Este suicidou-se, e a filha desapareceu. Perturbado por história fantástica, sobre a hospitalidade dum ancião, que ofereceu objecto de ouro a um marinheiro, e lhe lançou nos braços a jovem mulher, na esperança de assim ter um herdeiro, Clay decide torná-la realidade... Uma intriga complexa mas fascinadora, adaptação dum romance de Isak Dinesen (Karen Blixen), em soberba caracterização de sentimentos e atmosferas.

 CALENDÁRiO

15JUL-11OUT2009 - Museu Nacional de Arte Antiga expõe Encompassing the Globe - Portugal e o Mundo Nos Séculos XVI e XVII. IMAG.70

1937-18AGO2009 - Hildegard Behrens: Soprano alemã, prestigiada pela interpretação de heroínas wagnerianas, dirigida por Leonard Bernstein ou Herbert von Karajan, e distinguida como cantora do ano pela revista Die Opernwelt em 1997.

20AGO2009 - ZON Lusomundo estreia 4 Copas de Manuel Mozos; com Rita Martins e Filipe Duarte.

1939-22AGO2009 - Morais e Castro: Advogado, actor, encenador, co-fundador do Grupo 4 (1969) - «Um grupo, digo-o com orgulho, fundamental na História do Teatro Português» (SPA Autores - 2006).

1927-29AGO2009 - Chris Connor: Cantora de jazz, popularizada por temas como All About Ronnie, Trust In Me e About the Blues - «Nunca tive lições, gosto mais de actuar ao natural» (1996).

31AGO2009 - A Walt Disney Company anuncia a aquisição da Marvel Entertainment, por quatro mil milhões de dólares.

MEMÓRiA

17JAN1600-1681 - Pedro Calderón de la Barca: «Se sigo a neutralidade, condeno-me a viver sozinho, pois o neutro não é bom para amigo nem para inimigo».

1495-08MAR1550 - São João de Deus: «Façam bem a vós próprios! Por amor de Deus, Irmãos, façam o bem!».

08MAR1830-1896 - João de Deus: «Foi-se-me pouco a pouco amortecendo, / a luz que nesta vida me guiava, / olhos fitos na qual até contava / ir os degraus do túmulo descendo». IMAG.66

ANUÁRiO

1500-1573 - André de Rezende: Intelectual, teólogo, compositor, arqueólogo, investigador, humanista, professor, especialista da Grécia e da Roma Antiga, Mestre de El-Rei D. Duarte I, autor de Historia da Antiguidade da Cidade de Euora.

1530-1596 - Jean Bodin: «Todas as leis da natureza nos guiam para a monarquia; seja observando esse pequeno mundo que é nosso corpo, seja observando esse grande mundo, que tem um soberano Deus; seja observando o céu, que tem um só Sol» (A República).

ANTIQUÁRiO

08MAR1610 - Em Veneza, Tommaso Baglioni edita Sidereus Nuncius - ou Mensageiro das Estrelas - em que Galileu Galilei apresenta as suas primeiras observações astronómicas, colhendo imediata celebridade na Europa. IMAG.23-39-46-51-56-146-152

COMENTÁRiO





Um mancebo intimamente obcecado pelo ódio e pela violência latente, Johnny Rio anseia, até à obsessão, vingar-se de Dad Longworth, seu cúmplice por quem foi traído, durante o assalto a um banco. Detido pelos Rurales em 1880, Rio passou longos e tremendos anos numa prisão mexicana. Até que, em 1885, Rio escapa com um fiel colega de cela, juntando-se a dois outros aventureiros... Em Cinco Anos Depois (1960), Marlon Brando transpôs um romance de Charles Neider, em realização ritual, sendo ainda protagonista e contracenando com Karl Malden e Katy Jurado. IMAG.2-35-48-93-122

INVENTÁRiO

UM HERÓI DOS ANOS ‘70





Dos guetos violentos de Harlem, à escravatura moderna na Etiópia, John Shaft combate a criminalidade e a corrupção, pelas suas regras próprias. Um herói afro-americano de modelo renascido e aventuras originais...
«Quem é o detective privado que é uma máquina sexual para as mulheres, nunca vira as costas ao perigo, é complicado e está sempre metido em sarilhos?...» É Shaft, claro! No início da década ’70, ninguém tinha dúvidas - desde logo pela canção-tema de Isaac Hayes para o filme Mafia Em Nova York (1971), galardoada pela Academia de Hollywood. Inspirava-se num romance popular de Ernest Tidyman - também argumentista e, nessa categoria, então distinguido com um Oscar por Os Incorruptíveis Contra a Droga (1970 - William Friedkin).
Trinta anos depois, Shaft (2000) regressou - sob a pele de Samuel L. Jackson, e dirigido por John Singleton. Mas não era o mesmo, era um sobrinho. O autêntico, o original - que Richard Roundtree encarnou, com bravura e cinismo - persiste nas três aventuras que sagraram o herói primordial sob o signo da blaxploitation (subprodutos segundo o modelo branco, protagonizados por negros e logo destinados sobretudo à comunidade afro-americana).
De qualquer modo, o tio Shaft / Roundtree reaparece - em boa forma e para as curvas das belas que o abraçam - a dar conselhos e protecção ao herdeiro Shaft / Jackson - sobretudo, uma caricatura estilizada que permite apreciar a génese do mito no seio da blaxploitation. Segundo a publicidade da época, John Shaft tinha «mais classe que Bond, mais calma que Bullit». Durante Shaft em África, ele ironiza quanto a quem gostaria de ser: «O Agente 007, não... Apenas Sam Spade!». Mas vamos à acção, introduzida pelas frases promocionais aos filmes entre nós:

SHAFT - MAFIA EM NOVA YORK (1971 - Gordon Parks)

Você não sonha o que são as noites vermelhas de Harlem... Estas noites vermelhas insinuam as potencialidades do herói: «Um justiceiro de gelo, um amante de fogo!». Tudo começa com Shaft a sair do metropolitano na Big Apple, desafiando o caos do trânsito. O líder da criminalidade negra, Bumpy (Moses Gunn) suplica a Shaft que liberte a filha, sequestrada por rivais da Mafia italiana... Shaft é inteligente, bondoso, tolerante, espirituoso, valente, sem preconceitos étnico-rácicos - ditando as suas regras, para combater o tráfico de droga e a perversão de menores.

A MARCA DE SHAFT/SHAFT’S BIG SCORE!  (1972 - Gordon Parks)

Você nem sonha o que Shaft é capaz de fazer... Quem tinha confiança nas qualidades de Shaft era Ashby (Robert Kya-Hill), a ponto de transferir cinco mil dólares para a sua conta bancária. Mas, quando o potencial cliente - que planeava construir um Centro de Apoio Infantil - morre em explosão suspeita, e Bumpy comparece no funeral, a violência alastra... Tiroteios de helicóptero, carros destruídos, perseguição de barco, exibem meios mais espectaculares, confirmando Gordon Parks como um realizador eficaz. Shaft impõe a vaidade emblemática do casaco de couro escuro.

SHAFT EM ÁFRICA/SHAFT IN AFRICA (1973 - John Guillermin)

A força demolidora de Shaft abate-se sobre a corrupção do Continente Negro... Uma generosa recompensa e a companhia de sensuais modelos convencem Shaft a trocar Manhattan por Addis-Abeba, de onde parte sob disfarce para uma arriscada missão de combate à escravatura actual. A Etiópia como cenário exótico, deslumbrante e tenebroso... O argumento de Stirling Silliphant e a execução confiada a John Guillermin transferem a carisma justiceira de Shaft, para uma dimensão mais intensa e universal. A carreira prosseguiria na América, sob os auspícios da televisão...

BREVIÁRiO

Costa do Castelo edita em DVD, História Imortal/The Immortal Story (1968) de Orson Welles; sobre um romanesco de Isak Dinesen/Karen Blixen, com Jeanne Moreau. IMAG.33-44-120-186-188-231-239-243

Harmonia Mundi edita em CD, Virgilio Mazzochi [1597-1646]: Vespro della Beata Virgine por Cantos Cöln com Concerto Palatino, sob a direcção de Konrad Junghänel.

Relógio D’Água edita Um Eléctrico Chamado Desejo e Outras Peças de Tennessee Williams (1911-1983), com tradução de Helena Briga Nogueira; inclui Gata Em Telhado de Zinco Quente, Subitamente, No Verão Passado e Verão e Fumo. IMAG.20-253

Dargil edita em CD, sob chancela Orfeo, Dmitri Dmitrievich Shostakovich [1906-1975]: Concertos nº 1 (Op. 107) e nº 2 (Op. 126) pelo violoncelista Daniel Müller-Schott, com a Orquestra Sinfónica da Rádio Baviera sob a direcção de Yakov Kreizberg. IMAG.100

Relógio D’Água edita O Despertar de Kate Chopin (1851-1904); tradução de Margarida Periquito.

VISTORiA


A Enjeitadinha

- De que choras tu, anjinho?
«Tenho fome e tenho frio!»
- E só por este caminho
Como a ave que caiu
Ainda implume do ninho!...
A tua mãe já não vive?

«Nunca a vi em minha vida;
Andei sempre assim perdida,
E mãe por certo não tive!»
- És mais feliz do que eu,
Que tive mãe e... morreu!

João de Deus

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

ESTREMECE O CONVENTO
COM VENTO NAS ENTRANHAS - 3

 Por tal fenómeno extraordinário, também Grael só ia agora adquirindo consciência de haver chegado a um edifício imponente, recôndito. Pedras em ruínas, de um tempo e de um templo ao abandono. Algo de um culto que se lhe assemelhava - destruído e espoliado. Refúgio? Sepulcro? No seu interior, como tudo o que era obscuro, Grael lograra o último albergue para o íntimo recolhimento. E um leito de agonia...

Então, Grael optou por uma atitude de recuperação. Como aquelas viagens que nós fazemos imóveis, entre o sono e o sonho, com o corpo, mutante, a restabelecer-se - febril, sob o seu próprio rumo e ritmo. Desprovido já da utopia intrínseca, restava a Grael uma autopurificação. Células, órgãos, nervos, ossos, tecidos, cartilagens - tudo a regenerar-se, num consolo primário, até que pudesse porventura atingir o limiar da ascese. Quantos o almejam?

É precário, porém, o apogeu.

As muralhas tolhem aos que não se elevam.

 – Continua  


 

IMAGINÁRiO265

· 01 MAR 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CELEBRAÇÃO



A evolução dos lugares, a memória das gentes, os sinais da actualidade entre os sucessos do passado e as expectativas do futuro, logram uma dimensão cultural e lúdica, pela divulgação em quadradinhos. Enquadrando tão peculiar expressão artística a nível nacional, e apelando aos leitores para além do circuito bedéfilo, tal fenómeno editorial constitui, ainda, um aliciante desafio ao talento e à contínua actividade de argumentistas e ilustradores… Um dos primordiais artistas portugueses, José Garcês assume a integral criatividade na História de Olhão Em Bd, cujo lançamento em álbum, sob chancela do Município, se consuma no âmbito das comemorações dos duzentos anos da elevação de Olhão a Vila e da revolta contra as tropas napoleónicas. Uma narrativa criteriosa, estruturada em núcleos capitulares alusivos, e estilizada pelo grafismo elegante e atraente de José Garcês, sagra - afinal - os signos da identidade e da realidade, dos feitos e das lendas, dos vultos e dos locais, das potencialidades sociais, económicas, intelectuais e recreativas de uma comunidade partilhada entre a terra e a água. IMAG.24-70-78-117-129-149-226-251-258

 ANTIQUÁRiO

14JAN1890 - Estreada em 17DEZ1989, com um especial de Natal, principiam - aos domingos, no horário nobre da televisão americana - as emissões regulares de Os Simpsons, saga satírica de animação concebida por Matt Groening, sobre uma família da pequena burguesia, e em 1999 considerada pela revista Time a melhor série de televisão do Século XX. IMAG.158

01MAR1290 - El-Rei D. Dinis institui a fundação, em Lisboa, pelo documento Scientiae Thesaurus Mirabilis, de um Estudo Geral - em honra de Deus, da Virgem Maria e de São Vicente - com «cópia de doutores em todas as artes e robustecida com muitos privilégios», sendo garantida a protecção dos estudantes, desde o momento da sua graduação. Em 09AGO1290, o Papa Nicolau IV confirma a fundação da Universidade, o Studium Generale, pela bula De Statu Regni Portugaliae, contando quatro áreas do saber distintas: Artes, Medicina, Direito Canónico (Cânones) e Direito Civil (Leis).

CALENDÁRiO

1914-05AGO2009 - Budd Schulberg: Escritor e argumentista de Hollywood, Oscar por Há Lodo no Cais (1954) - «Viver de um modo consciente é como conduzir um automóvel com falhas dos travões». IMAG.205

1933-07AGO2009 - Mike Seeger: «Enquanto músico folk, era o supremo modelo ideal. Podia empurrar uma estaca através do coração negro de Drácula. Era romântico, igualitário e revolucionário» (Bob Dylan).

13-26SET2009 - Em Viseu, decorre o Salão Internacional de Banda Desenhada, com três espaços autónomos: Pedro Massano (autor distinguido com o Troféu Anim’Arte), D. Afonso Henriques na Bd (a propósito dos novecentos anos de nascimento) e Bd Romena (presentes Dodo Nitá, Marian Radu e Alexandru Ciubotariu); organização do GICAV/Grupo de Intervenção e Criatividade Artística de Viseu.

MEMÓRiA

02MAR1920-2009 - François Villiers: Realizador francês de cinema e televisão - Dirigiu para o pequeno ecrã Les Chevaliers du Ciel (1967) ou Les Chevaux du Soleil (1980). IMAG.235

01MAR1810-1849 - Fryderyk Franciszec, aliás Frédéric Chopin: «Era um génio de enlevo universal. A sua música conquista as mais distintas audiências. Quando as primeiras notas de Chopin soam por entre o salão de concerto, há um feliz suspiro de reconhecimento. Todos os homens e mulheres do mundo conhecem a sua música… No entanto, não é uma música romântica, no sentido byroniano. Não conta histórias ou quadros pintados. É expressiva e pessoal, mas ainda assim uma arte pura. Mesmo nesta era atómica abstracta, onde a emoção não está na moda, Chopin perdura. A sua música é a linguagem universal da comunicação humana» (Arthur Rubinstein). IMAG.92-191-203-236-247

ANUÁRiO

194aC-120ac - Hiparco de Niceia, em grego Hipparkhos: Astrónomo, catógrafo, construtor e matemático, autor - no âmbito da geometria plana - do Teorema (referenciado a Ptolomeu) «em qualquer quadrilátero convexo inscritível, a razão entre as diagonais é igual à razão da soma dos produtos dos lados que concorrem com as respectivas diagonais».

ITINERÁRiO





Foram já considerados a caricatura mais parecida com um retrato da típica família americana. Há talvez algum exagero - mas um tal registo, em animação, é mesmo assim.  Como quem todas as manhãs, quando se vê reflectido ao espelho, não se reconhece, embora sabendo que está ali. Em corpo e alma. Os Simpsons fazem parte do imaginário actual, vivem e satirizam as aventuras estilizadas do nosso dia a dia, eles próprios já absorveram os tiques e os cultos com que nos distraímos ou disfarçamos.

Tudo, graças ao talento versátil mas implicativo do artista Matt Groening - que, aliás, não escapa a uma autocrítica: «Pessoalmente, sou pouco inspirado. Por isso, baseei-me na minha família - que não é assim tão medonha mas, às vezes, cai nos mesmos excessos e loucuras que os Simpsons. Estes surgiram em 1987, quando eu fiz uma série de cartoons com um minuto, para o Tracey Ullman Show. Teve sucesso e, em desespero, a Fox pediu-me para eu apresentar um projecto televisivo autónomo».

Eis o ponto de partida para um fenómeno extraordinário - que passou da animação aos quadradinhos, às t-shirts, aos cartazes, aos bonecos, aos vídeos musicais, estampando os Simpsons em todo o género de produtos que os graúdos e os miúdos usam. «É mesmo, literalmente, um conceito gráfico familiar», ironiza o principal felizardo - James L. Brooks, responsável pela execução. Também um cineasta de prestígio, Brooks dirigiu Melhor É Impossível (1997), título que aos Simpsons se ajusta à perfeição.

O mais irreverente e carismático da família é o jovem Bart Simpson - que, há tempos, deu que falar, recriando as proezas de Batman, ao assumir-se Bartman! Mas o Homem-Morcego foi apenas uma das suas vítimas, seguindo-se Itchy & Scratchy ou Radioactive Man. Ora, com a épica ressurreição de Star Wars - A Ameaça Fantasma (1999) por George Lucas, Groening não se fez esperar. E assim tivemos Bart Wars, em que Os Simpsons Contra-Atacam (1999) com quatro episódios irresistíveis...

Antes de mais, há um Guarda-Costas... Mas Não Muito. Tudo porque o pai Homer cai na asneira de salvar o Presidente da Câmara Quimby, durante uma Convenção de Ficção Científica, convertendo-se em seu segurança oficial contra perigosos gangsters. Pior ainda, é quando a mascote da família passa a sofrer de uma doença fatal, pondo à prova a lealdade e a carteira dos Simpsons. O que vale, é que se trata do melhor amigo do homem - mas o que vale, realmente, o Cão da Morte? Afinal, só visto!

Como não podia faltar, temos ainda A Guerra Secreta de Lisa Simpson. Antes, Bart - depois de quase destruir Springfield - é enviado para a Academia Militar de Rommelwood, e a terrível mana quer à força tornar-se a primeira recruta feminina... Até que os grandes sarilhos chegam por fim - nas vésperas do Natal. Bart não resiste ao anúncio de um videojogo, esmerando-se para o obter. E deixa Marge Sem Orgulho, enfrentando o ponto de vista materno e o detective da loja Try-N-Save!

Zangas, birras, crises, patifarias, eis a matéria-prima de Bart Wars - Os Simpsons Contra-Atacam, um autêntico e irresistível manual de guerra entre pais e filhos, vizinhos e o resto do mundo. Aliás, um fabuloso manancial para os sociólogos, ao radiografarem esta família da baixa classe-média - cujos membros, segundo a conclusão geral, não ocultam os seus muitos defeitos, e gostam de exibir as suas poucas virtudes. Ora, para Matt Groening, nada está perdido. Rir com Os Simpsons, ainda é o teste mais sério...

INVENTÁRiO

Astrolábio

Foi Hipparco o primeiro que inventou os antigos astrolábios para fazer combinar a posição das estrelas com a elíptica, aparelho que o célebre astrónomo empregou em Rhodes. Ptolomeu descreve o astrolábio como sendo uma esfera oca, composta de muitos círculos, um dos quais representava o equador e outro, chamado oblíquo, a elíptica. Outros dois círculos, denominados cóluros, davam ao aparelho maior solidez, passando um pelos solstícios e outro pelos equinócios, e apoiando-se ambos nos pólos.

O astrolábio marítimo foi inventado por Mestre Rodrigo e Mestre José, médicos de D. João II, e Martim de Bohemia, em 1482, e era feito de madeira, sendo tal invento de grande utilidade para os navegadores portugueses do Século XV.
23MAR1897 - Diário de Notícias

BREVIÁRiO

Sextante Editora lança História do Jazz de José Duarte.

Universal edita em CD, sob chancela L’Oiseau-Lyre, Il Pianto di Maria - [Giovanni Battista] Ferrandini [c1700-1791], [Antonio] Vivaldi [1678-1741], [Claudio] Monteverdi [1567-1643], [Francesco Bartolomeo] Conti [1681-1732] com Bernarda Fink e Giardino Armonico, sob a direcção de Giovanni Antonini.

Sá da Costa edita Obras Portuguesas de André de Rezende (1500-1573); notas e prefácio por José Pereira Tavares.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

ESTREMECE O CONVENTO
COM VENTO NAS ENTRANHAS - 2

 Grael tentava não se mexer, fazer esforço, com receio de abrir de novo as feridas. Há pouco ainda na condição humana, porém sabia muito bem como esta era débil e vulnerável. Como poderia, mesmo, sucumbir.

O olhar vítreo de Grael permitia-lhe enxergar, vagamente, as pontas dos pés sujos, macerados, e as unhas desfeitas de tanto se arrastar até àquele lugar. Quando os braços haviam já desfalecido, em flacidez, num inútil e defraudado anseio alado.

Fora a última, desesperada tentativa de Grael - ao menos, para se manter erguido. Ele que estava habituado a pairar, gracioso. Num ritmo harmónico das suas asas, que lhe tinham sido extraídas. E Grael sentira, em cada instante, o ímpeto dos músculos, dos tendões, das veias a desenraizar-se, de dentro dele cá para fora, até ter diante de si um despojo caótico de penas murchas e filamentos rasgados.

Grael era, até então, um ser por essência - sem projecto ou impacto, e que portanto não oferecia resistência. Infortunado em destino. Assim. Inconformado à existência? Não nascido, virtual, imaturo àquele turbilhão de inclemência e desagregação, sobre o qual não possuía matriz, tudo para ele pareceria virgem e final, horrendo e terreno. Ninguém e a alternidade. O seu invólucro frágil, espírito apenas, ali jazia - devastado, entretanto, pelas crescentes emoções primordiais.

 – Continua


   

IMAGINÁRiO264

24 FEV 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FATALIDADE



Dez anos após o assassinato do marido, durante as núpcias, uma rainha entrega-se a bizarro culto, aparecendo velada perante os seus raros servidores e, além de evitar a corte, viajando constantemente entre palácios. Numa noite de tempestade, acolhe um jovem extraordinariamente parecido com o defunto. Trata-se de jovem poeta oposicionista, com a missão de a matar. Protegendo-o da sua guarda, a rainha intima-o a cumprir as ordens recebidas, por alguns dias, passados os quais ela própria o eliminará… Baseado em A Águia de Duas Cabeças de Jean Cocteau, O Mistério de Oberwald (1980) culmina o génio de Michelangelo Antonioni, privilegiando o tratamento de um tema complexo e romântico através de precursor registo em vídeo, seguindo-se a conversão em película sob elaborado processo electrónico. Os efeitos plásticos são, simultaneamente, insólitos e fascinantes, enquanto recriação estética de vanguarda. Em contraponto às características convencionais do entrecho, a partir de uma ambiência soturna e melodramática. IMAG.99-158-206

 CALENDÁRiO

24AGO1920-28JUL2009 - Dalila Rocha: «Uma actriz muito clássica… A dignidade no teatro era o que mais a importava. Tinha uma técnica imensa, e consciência dessa técnica. Gostava da concepção total do espectáculo» (Jorge Silva Melo).

30JUL2009 - Em Conselho de Ministros, o Governo decide que o espólio documental de Fernando Pessoa - conhecido ou a descobrir, incluindo cartas, fotografias, livros e apontamentos - seja classificado como «tesouro nacional», tendo em conta o «relevante interesse cultural, designadamente, histórico, linguístico, documental e social, ficando impossibilitado de sair de Portugal. IMAG. 26-28-64-82-130-131-157-182-187-196-207-211-236

1936-01AGO2009 - M.S. Lourenço: Escritor, poeta, filósofo, professor e tradutor - «Pois bem, nada mudou, nem um grão. / Ainda vamos, pela manhã, olhar o caminho / Da janela alta da casa. Nada, nem um traço.».

18FEV1950-06AGO2009 - John Hughes: Realizador de cinema - «A maior parte das personagens que idealizei, são mais românticas do que sexuais. Penso que esta é a característica essencial nos meus filmes, nos quais os adolescentes procuram mais uma compreensão face ao elemento do sexo oposto, do que propriamente uma relação sexual física». IMAG.29-64

19OUT1929-08AGO2009 - Raul Solnado: «A morte não me assusta. Tenho é pena de morrer. Viver é uma coisa muito boa. A família, os amigos, as cores…». IMAG.49-107

MEMÓRiA

FEV1630-1684 - Josefa de Ayala Cabrera Figueira, aliás Josefa de Óbidos: Pintora barroca, consagrada pelos trabalhos de inspiração religiosa e pelas naturezas-mortas. Raro exemplo de mulher que, à sua época, exercia o ofício, assinava e datava seus quadros.

27FEV1500-1548 - D. João de Castro: «Quero e ordeno que os bigodes de meu trisavô, D. João de Castro, vice-rei da Índia, os tenham sempre os religiosos teatinos da Divina Providência, em lugar decente de sua sacristia, com o mesmo ornato de prata e caixa, em que lhos deixo, sem o poderem mudar, ou desfazer-se dele» (D. Mariana de Noronha e Castro). IMAG.190

VISTORiA


Natureza Morta de Josefa de Óbidos

Talvez sustentes o que do tempo os frutos
nos vinham entregar, se os vemos próximos
do calor encontrado nestas salas
tão longas que se fecham e consomem

uma minúcia clara, agora extinta
na polpa que se adoça, e em tua fronte
pousou e se adelgaça a transparência
de recortes simétricos, nas rugas

de panos – as verónicas – que exalam
a humidade pura, que das folhas
chegasse, quando as vemos desprendidas

noutras colchas mais fundas que sustentem
as molduras que cercam o sentido
de estar ausente a face que nos olha
Fernando Guimarães

TRAJECTÓRiA

RAUL SOLNADO



Actor do cinema, da televisão e do teatro português, Raul Augusto de Almeida Solnado nasceu em Lisboa, a 19 de Outubro de 1929. Foi aprendiz na Vassoraria Esperança, e empregado de escritório. Lançou-se como actor amador em 1947, no Grupo Dramático da Sociedade de Instrução Guilherme Cossul. Profissional desde 1952, prestigiou-se como artista de variedades (após O Sol da Meia-Noite, no Maxime) e teatral (opereta - Maria da Fonte no Monumental, em 1953; comédia - A Irmã S. Sulpício no Apolo, em 1954; e revista - com destaque para Bate o Pé no Maria Vitória, com A Guerra de 1908, em 1961). O sucesso como humorista consolidou-se na rádio e com os discos (A Guerra, História da Minha Vida, Poema do Egocentrista, Poema do Que Ela Me Disse, Médico, Frica e os Leopoldos, É do Inimigo?, Concerto de Violino, Bombeiral da Moda, A Maternidade). A partir de 1963, interveio em teleteatro, no Brasil e na RTP. Em 1964-70, construiu e foi empresário do Teatro Villaret. Foi casado com a actriz Joselita Alvarenga. A sua popularidade culminou com a apresentação de programas na RTP (1969 - Zip-Zip, 1977 - A Visita da Cornélia). A sua actividade está biografada em A Vida Não Se Perdeu (1991). Prémio Carreira Luiz Vaz de Camões em 2001, no ano seguinte, a propósito dos 50 Anos de Carreira, foi homenageado com a Medalha de Ouro da Cidade de Lisboa; em 2003, com a Pena de Camilo pelo FamaFest; em 2004, distinguido Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, e com o Golfinho de Honra pelo Festróia/Setúbal; em 2006, com o Globo de Ouro Mérito e Excelência. Faleceu em Lisboa, a 8 de Agosto de 2009. Filmes como actor: A Garça e a Serpente (1952), Bom Dia, Senhora Professora (1954), Ar, Água e Luz (1956), O Noivo das Caldas (1956), Perdeu-se Um Marido (1956), Sangue Toureiro (1958), O Tarzan do 5º Esquerdo (1958), As Pupilas do Senhor Reitor (1960 - Prémio SNI), Dom Roberto (1962), O Milionário (1962 - como Luar Odanlos), Sexta-Feira, 13/Martes y Trece (1962), Um Copo Dentro de Casa/Na Minha Aldeia, Cerveja a Copo (1966-1969), Os Caminhos da Verdade/Les Chemins de la Verité (1972 - in), O Rapto do Ascensor/Armadas e Violentadas - Aventuras de Um Detective Português (1974), Balada da Praia dos Cães (1986 - Se7e de Ouro), O Bobo (1987), Aqui d’El Rei! (1991), Requiem (1998), Senhor Jerónimo (1998), Call Girl (2007). Filme como autor dos diálogos: Kung-Fu à Portuguesa (1979).

ANUÁRiO










1580-1634 - António de Andrade: «Pertence... aos milhares de portugueses que se entregaram à demanda de novas terras, novos mares e novas estrelas. Atravessou as gargantas e precipícios dos Himalaias, aonde já havia chegado Bento de Góis. Mas decidiu ir muito mais longe. Foi o primeiro europeu que fez a escalada até então inacessível do Tibete, a mais de cinco mil metros de altitude, em torno das montanhas descomunais» (António Valdemar, 2007). IMAG.126

VISTORiA


Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.
Fernando Pessoa

ANTIQUÁRiO

13JUL2003 - Radiotelevisão Portuguesa / RTP produziu, e emite Em Demanda do Grão-Cataio de Alfredo Caldeira e Diana Andringa: A chegada do primeiro europeu ao Tibete, um padre jesuíta português, natural de Oleiros. Em viagem no tempo, um regresso ao passado - na peugada de António de Andrade, cuja proeza histórica ainda hoje é citada em livros de montanhismo. Partindo de Agra (Corte do Grão-Mogol, onde ouviu falar de uma civilização em que julgou reconhecer Prestes João do Oriente), subindo um afluente do Ganges (acompanhando alguns hindus em romagem ao templo de Bradinath, nas montanhas do Himalaia), chega-se à Missão que ele fundou em Tsaparang (deixando ainda o relato de viagem Em Demanda de Grão-Cataio ou Reynos do Tibete).

COMENTÁRiO

SHINING (1980)






No Inverno, um escritor vai com a família tomar conta de um sumptuoso hotel nas montanhas, o qual está possuído pelo Mal, que se revelará através de um filho do casal.

Sobre novela de Stephen King, o paroxismo do terror-fantástico pelo signo de Stanley Kubrick, sendo protagonistas Jack Nicholson, Shelley Duvall e Danny Lloyd.

BREVIÁRiO

Costa do Castelo edita em DVD, O Mistério de Oberwald/Il Mistero di Oberwald (1980) de Michelangelo Antonioni; com Monica Vitti e Franco Branciarolli. IMAG.99-158-206

Terceiro tomo do Anuário Teatral – Portugal – Século XIX

Caixotim edita Sobre Teoria e Crítica Literária de Jorge de Sena (1919-1978). IMAG.60-67-87-112-181-202-249


IMAGINÁRiO263

16 FEV 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

EPOPEIA



A obra primordial da literatura portuguesa, um marco sagrador da cultura universal; um clássico de banda desenhada nacional, pioneiro na adaptação de um poema épico… Assinalando os vinte e cinco anos da publicação original, pela Editorial Notícias, e em celebração virtual sobre Luís de Camões (1524-1580), Âncora Editora relança Os Lusíadas em quadradinhos por José Ruy, uma preciosa e exemplar colectânea em álbum. Considerada pelo autor «a menina dos meus olhos», tendo em vista «uma homenagem a todos aqueles que participaram nos Descobrimentos», a actual iniciativa reveste-se de um aliciante especial, pela versão Ls Lusíadas em mirandês, com tradução por Francisco Niebro, aliás Amadeu José Ferreira. «Para os portugueses o depósito dos germens da sua liberdade, e para Portugal o eterno pregão da história, o monumento imperecível do seu passado», segundo Teófilo Braga (1880), Os Lusíadas transfigura-se no imaginário de José Ruy, ao referenciar a complexidade de linguagem com o engenho artístico e a proposta didáctica. IMAG.4-16-19-36-61-78-96-117-129-141-149-197-223-252

CALENDÁRiO

30JUL2009 - Bosque Secreto estreia De Profundis - animação pelo autor de banda desenhada Miguelanxo Prado; e A Maior Flor do Mundo/A Flor Máis Grande do Mundo - animação de Juan Pablo Etcheverry, sobre história e com voz de José Saramago. IMAG. 38-75-117-155-158-196-198-224-232-241-245-252

MEMÓRiA

1922-12FEV2000 - Charles Monroe Schulz: «Se eu fosse um melhor artista, tornar-me-ia pintor. Se eu fosse um melhor escritor, publicaria livros... Mas tal não aconteceu e, por isso, faço banda desenhada». IMAG.11-29-106-118-218

1824-16FEV1890 - João de Andrade Corvo: «Olhemos afoitamente para as coisas e não procuremos enganar-nos com falsas aparências, porque o engano nos pode ser fatal.»

1548-17FEV1600 - Giordano Bruno: «Assim, morto, ele apresenta-se pedindo que a sua filosofia viva. E, desse modo, o seu pedido foi atendido: reabriram o seu julgamento, a consciência italiana recorreu do processo e, antes de mais nada, acabou por incriminar aqueles que o tinham matado» (A. Guzzo). IMAG.162

17FEV1940-1993 - Nelson Dias: Artista plástico, ilustrador de Wanya - Escala Em Orongo (1973) - uma heroína que «não recorre a armas nem faz uso da força - a não ser, uma vez em que está em causa a sua dignidade. Mesmo então, reage numa luta corpo a corpo - em defesa natural, quase instintiva».IMAG.166-173-178

1856-20FEV1920 - Robert Peary: «Sem dúvida, o mais impetuoso, possivelmente o de maior sucesso e, provavelmente, o mais antipático dos homens nos anais da exploração polar» (Fergus Fleming - Ninety Degrees North). IMAG.221

22FEV1900-1983 - Luís Buñuel: «A imaginação é o nosso primeiro privilégio, tão inexplicável como o acaso que a provoca». IMAG.172

VISTORiA



É grave a situação de Portugal. São grandes as dificuldades que embaraçam a vida política da nação. Confusão e incoerência nos princípios, grande desordem nas finanças; enfraquecimento deplorável da autoridade, dentro dos limites da constituição e das leis; falta de confiança na vitalidade do país e nas suas faculdades políticas e económicas; um desalento injustificável através do qual se esconde um perigoso indiferentismo; a violência mais exagerada nas lutas dos partidos, sem que lhes corresponda nem o vigor das convicções nem a ousadia dos cometimentos; tendência funesta a rebaixar tudo e todos; paixões em vez de crenças; preconceitos em vez de ideias; negações em vez de afirmações, tanto no domínio dos princípios como no dos factos; desconfianças em vez de esperanças e falta de fé na liberdade; são cousas de desorganização e ruína para uma nação, por maior que seja o seu poder, por mais gloriosas que sejam as suas tradições. Em Portugal dão-se muitas dessas circunstâncias que abatem a energia das nações. É uma dolorosa verdade. Mas é verdade também que o mal, ainda que grave, não é sem remédio. É mais aparente do que real.
Em Portugal há todas as condições de uma verdadeira nacionalidade.
João de Andrade Corvo (1824-1890)
Perigos (excerto - 1870)

COMENTÁRiO

BUÑUEL


Em 1977, acasos da itinerância cinematográfica levaram-me à Andaluzia, para participar numa homenagem a Luís Buñuel - que acabara de realizar Cet Obscur Objet du Désir (1977) e, em primeiro acto formal,  animadamente partilhava com especialistas - na cumplicidade  de Román Gubern, J.F. Aranda ou Jean-Claude Carrière - e com um público privilegiado, o desfrute do seu regresso ao país natal, após uma sentida ausência por razões políticas e de consciência artística.
Lembraria Gubern: «Buñuel sofreu um triplo exílio: primeiro em França, onde fez Un Chien Andalou (1928) e L’Âge d’Or (1930), durante a ditadura de Primo de Rivera; na década de ’50, com a ditadura de Franco, esteve na América Latina… No México, subverteu um cinema místico e melodramático, exerceu uma ética de provocação com o surrealismo. Em Viridiana (1961), voltou ao espírito espanhol, mas foi de novo para França, já como figura mítica…»
Com um sorriso algo trocista e de olhar intenso, quase juvenil, apesar dos manifestos problemas de audição, Don Luís expôs-se à curiosidade e dedicou-nos algumas confidências: «Agora, gostaria de retomar um projecto de 1955, que na altura larguei, pois pretendia fazê-lo com Vittorio de Sica - mas ele não estava disponível. Este novo interesse deve-se, talvez, ao facto de eu ser algo obsessivo e, também, por não ter assim tantas ideias originais!»
«Considero-me muito espanhol… Automaticamente, a morte e o absurdo acham-se, na minha obra, como dogmas constantes - que o são, também, de Espanha. Já no México, quando eu estava a rodar Nazarín (1958), Ernesto Che Guevara - que, em Cuba, era o responsável pela Cinematografia - convidou-me para ir lá filmar. Não aceitei porque sou muy retirado, quase um monge. Mas tenho grande simpatia por Cuba, o meu pai viveu lá uns vinte e cinco anos».
«Eis um tema recorrente, colocaram-me expectativas sobre a concretização de um filme autobiográfico. Hoje em dia, é algo que se perdeu… Aliás, e vendo bem, quem me iria representar? Em qualquer circunstância, um bom actor é uma base maravilhosa para um filme, mas há que saber manejá-lo. Quanto aos maus actores, se não os podemos evitar, é preciso recriá-los! Em todos os países existem bons e maus actores… No México, normalmente são maus».
José de Matos-Cruz

BREVIÁRiO

FNAC apresenta em DVD, sob chancela Monroe Stahr, Caixa Luís Buñuel; inclui Los Olvidados (1950), Susana (1951), Abismos de Pasión (1954) e Viridiana (1961).

Tinta da China edita Causas da Decadência dos Povos Peninsulares de Antero de Quental [1842-1891]; introdução de Eduardo Lourenço. IMAG.59-147-161-187-214

Harmonia Mundi edita em CD, sob chancela Acqua, Atahualpa Yupanqui [1908-1992]: Obra Completa Para Guitarra (Composiciones Proprias).

Dom Quixote edita A Obra ao Negro de Marguerite Yourcenar (1903-1987). IMAG.159

Megamúsica edita em CD, sob chancela Alia Vox, The Celtic Viol por Jordi Savall à viola soprano, com Andrew Lawrence-King em harpa irlandesa.

Relógio D’Agua edita Os Adeuses de Juan Carlos Onetti (1909-1994); tradução de Hélia Correia, prefácio de Antonio Muñoz Molina. IMAG.229

Difel edita Jane Eyre de Charlotte Brontё (1816-1855). IMAG.13-213

INVENTÁRiO

PEANUTS



Parece incrível, mas é uma verdade sensacional: Charlie Brown e os seus compinchas, mais conhecidos por Peanuts, celebram seis decénios em pleno ano de 2010. Tudo começou a 2 de Outubro de 1950, em tira diária publicada no Saturday Evening Post. Tinha assinatura de Charles Monroe Schulz, um artista simpático mas reservado, nascido em Minneapolis, a 26 de Novembro de 1922.
Aquela que se converteria na mais popular e estilizada expressão pós-moderna dos quadradinhos, pelo humor sofisticado ao nível infantil, familiar e social, Peanuts simboliza, afinal, uma saga histórica e cultural da própria América. Tudo culminaria a 13 de Fevereiro de 2000, quando se consumou a morte há meses anunciada dos Peanuts. Horas antes, Schulz falecera, de cancro no cólon.
Assim, do nascimento à despedida, expande-se a glória dos Peanuts. Com publicação em mais de dois mil e seiscentos jornais em todo o mundo, sendo na terra natal a favorita para noventa milhões de leitores. Mas Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy ou Woodstock foram reproduzidos em milhares de artigos - bonecos, vestuário, cartazes - que rendem anualmente uns cinquenta milhões de dólares.
E há, também, as múltiplas manifestações alternativas. No Verão de 1984, Snoopy foi modelo e inspirou o design da moda internacional. Em 1992, John Hughes esteve prestes a concretizar um sonho antigo, filmar os Peanuts com actores de carne e osso. Em 1999, Charlie Brown estreava-se num alusivo musical da Broadway. Em 2000, os CTT lançavam em Portugal uma colecção de selos com Snoopy.
Schulz começou por tirar um curso de desenho por correspondência. No final da década de ’40, lançou Li’l Folks - um antepassado dos Peanuts - no jornal Pionier Press de Saint Paul. A sua expectativa foi, sempre, tocar os adultos através das crianças. Entretanto, a memória de Charles M. Schulz e o universo de Charlie Brown desvendam-se na Internet.
A variante principal às proezas dos Peanuts em banda desenhada é a animação, em filmes e séries cuja produção, a partir sobretudo de 1967 (You Are a Good Man, Charlie Brown), esteve a cargo de dois velhos parceiros de Schulz, Lee Mendelson e Bill Melendez, sendo este também o realizador efectivo. Para nosso prazer, essas fitas clássicas estão disponíveis em vídeo.
A Aventura de Uma Vida (1977) leva Charlie Brown e os companheiros de autocarro até uma colónia de férias, enquanto Snoopy e Woodstock os seguem de moto. Uma vez chegados ao destino, os Peanuts não se adaptam muito bem, até porque outro grupo de rapazes e raparigas, os Bullies disputam anualmente corridas de jangadas, tornando-se seus rivais. Dispostos a tudo, mesmo a fazer batota...
Bon Voyage, Charlie Brown é a despedida a preceito, quando o nosso herói e seus amigos - Linus, Marcie, Peppermint Patty, com os inevitáveis Snoopy e Woodstock - vão até França durante duas semanas alucinantes, participando num programa internacional de permuta entre estudantes. Intriga, mistério, emoção tornam esta experiência inesquecível, entre as mil que celebraram os Peanuts!  


IMAGINÁRiO262

08 FEV 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SENTINELAS



O documentarismo constitui, no cinema português, o seu domínio mais fecundo e genuíno, desde sempre explorado em múltiplas virtualidades ou tendências. Além disso, em termos históricos, desempenhou com frequência uma experiência de vanguarda, quanto às fases de transição e de viragem na produção ou na criatividade artística. Num país com uma pequena e precária indústria das imagens animadas, tal expressão assumiria uma alternativa importante, na própria função técnica e continuidade profissional, investida mesmo como elemento estético, temático e poético, testemunhador ou pedagógico. Com a expansão do fenómeno videográfico, e tendo cativado novos apreciadores e praticantes, sobressai uma dupla referência memorial/virtual - como privilegia Faróis de Portugal - 5 Séculos de História de Carlos Boiça, produzido por ArtInvento para o Farol Museu de Santa Marta em Cascais. Um olhar amplo, fascinante e minucioso, «das antigas luzes que tenuemente irradiavam das candeias de azeite ou de óleo de baleia às actuais luzes que rasgam a escuridão da noite»…

CALENDÁRiO

1919-16ABR2009 - Merce Cunningham: Bailarino e coreógrafo norte-americano, mestre da dança contemporânea («Tenho tido sempre na minha cabeça o movimento físico do ser humano») - «Agora que a justaposição de movimentos não relacionados se tornou familiar a todos os estudantes e companhias de dança, talvez já nenhum bailarino considere o ritmo e a linguagem de Cunningham muito diferentes dos seus» (New York Times - 1999).

MEMÓRiA

04FEV1900-1977 - Jacques Prévert: «É terrível o som / da casca de ovo cozido partida sobre o balcão / É terrível esse som / quando ressoa na memória do homem sem pão» (Manhã Farta).

1911- 08FEV1960 - John Langshaw Austin: Professor da Universidade de Oxford (1952-1960), especialista em Filosofia analítica, autor de How To Do Things With Words - «Acredito que a única maneira clara de definir o objecto da filosofia é dizer que ela se ocupa de todos os resíduos, de todos os problemas que ficam ainda insolúveis, após experimentar todos os métodos aprovados anteriormente. Ela é o depositário de tudo o que foi abandonado por todas as ciências, em que se encontra tudo o que não se sabe como resolver» (1958).

10FEV1890-30MAI1960 - Boris Pasternak: «As revoluções duram semanas, anos; depois, durante decénios e séculos, adora-se, como algo de sagrado, esse espírito de mediocridade que as suscitou».

10FEV1910-1994 - Jorge Brum do Canto: Cineasta e escritor português, realizador e protagonista de Chaimite (1953) - «Domina todos os sectores do filme, indo até ao ponto de interpretar a personagem de Paiva Couceiro, de modo a ajustar-se ao seu perfil lendário» (Luís de Pina). IMAG.74-90-94-115-126-131-136-154-170-178-192-223

1596-11FEV1650 - René Descartes: «Apenas desejo a tranquilidade e o descanso, que são os bens que os mais poderosos reis da terra não podem conceder a quem não os logra tomar pelas suas próprias mãos». IMAG.80

ANUÁRiO

09FEV1960 - Encetando um projecto de remodelação de Los Angeles, nasce o Passeio da Fama/Walk of Fame, sendo a actriz Joanne Woodward a primeira personalidade com uma estrela. Obra de Oliver Weissmüller, a convite da Câmara de Comércio de Hollywood, o Walk of Fame estende-se por vários quarteirões, de Hollywood Boulevard a Vine Street, ao longo de cinco quilómetros, albergando actualmente mais de duas mil estrelas sobre actores, realizadores, músicos, técnicos ou personagens ficcionais.

VISTORiA


E Deus Expulsou Adão...

¨E Deus expulsou Adão com golpes de cana-de-açúcar
e assim fabricou o primeiro rum na terra.

E Adão e Eva cambalearam
pelos vinhedos do Senhor,
a Santíssima Trindade os encurralava
mesmo assim continuaram cantando
com voz infantil de tabuada
Deus e Deus quatro
Deus e Deus quatro.
E a Santíssima Trindade chorava…
Por cima do triângulo isóscele e sagrado
um biângulo isopicante brilhava
e eclipsava o outro.

Jacques Prévert - Histórias (1963)

TRAJECTÓRA

JORGE BRUM DO CANTO



Nasceu em Lisboa, de origens aristocráticas (Van der Bruyn, of Kent), em 1910. Em Lisboa, frequentou a Faculdade de Direito. Crítico de cinema aos nove anos e, desde 1927, também jornalista (Cinéfilo em 1928, redactor de Imagem, Kino). Manteve inédito o filme vanguardista A Dança dos Paroxismos (1929). Assistente em longas metragens, dirigiu - após vários documentários - A Canção da Terra (1938) em Porto Santo. Seguiram-se João Ratão (1940), Lobos da Serra (1942), Fátima, Terra de Fé! (1943), Um Homem às Direitas (1944), Ladrão, Precisa-se!... (1946) e Chaimite (1953), que interpretou. Cumprido um retiro nas propriedades de família em Porto Santo, voltou para Retalhos da Vida dum Médico (1962), Fado Corrido (1964) que protagonizou, tal como A Cruz de Ferro (1968), e enfim O Crime de Simão Bolandas (1984). Dedicou-se à música, à ilustração, à ecologia, à pesca, à gastronomia e à culinária (co-autor de O Livro de Pantagruel). Presidente do Sindicato dos Profissionais de Cinema (1969). Actor de televisão (1973-1975). Faleceu em Lisboa, a 7 de Fevereiro de 1994.

VISTORiA


Ser Famoso...

¨Ser famoso não é bonito.
Não nos torna mais criativos.
São dispensáveis os arquivos.
Um manuscrito é só um escrito.


O fim da arte é doar somente.
Não os louros nem as loas.
Constrange-nos, pobres pessoas,
Estar na boca de toda a gente.


Cumpre viver sem impostura.
Viver até os últimos passos.
Aprender a amar os espaços
E a ouvir o som da voz futura.


Convém deixar brancos à beira
Não do papel, mas do destino,
E nesses vãos deixar inscritos
Capítulos da vida inteira.


Apagar-se no anonimato,
Ocultando a nossa passagem
Pela vida, como a paisagem
Oculta a nuvem com recato.


Alguns seguirão, passo a passo,
As pegadas do teu passar,
Mas tu não deves separar
O teu sucesso do teu fracasso.


Não deves renunciar a um mínimo
Pedaço do teu ser,
Só estar vivo e permanecer
Vivo, e viver até o fim.

Boris Pasternak (1956)



Não existe no Mundo coisa mais bem distribuída que o bom senso, visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem. E é improvável que todos se enganem a esse respeito; mas isso é antes uma prova de que o poder de julgar de forma correcta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade das nossas opiniões não se origina do facto de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos os nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. Pois é insuficiente ter o espírito bom, o mais importante é aplicá-lo bem. As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes, e os que só andam muito devagar podem avançar bem mais, se continuarem sempre pelo caminho recto, do que aqueles que correm e dele se afastam. 

Quanto a mim, nunca supus que o meu espírito fosse em nada mais perfeito do que os dos outros; com frequência desejei o pensamento tão rápido, ou a imaginação tão clara e diferente, ou a memória tão abrangente ou tão pronta, quanto têm algumas pessoas. E desconheço quaisquer outras qualidades, afora as que servem para o aperfeiçoamento do espírito; pois, quanto à razão ou ao senso, posto que são as únicas coisas que nos tornam homens e nos diferenciam dos animais, acredito que existem totalmente em cada um, acompanhando nisso a opinião geral dos filósofos, que afirmam não existir mais nem menos senão entre os acidentes, e não entre as formas ou naturezas dos indivíduos de uma mesma espécie.  

Mas não recearei dizer que julgo ter tido muita felicidade por me haver encontrado, a partir da juventude, em determinados caminhos, que me levaram a considerações e máximas, das quais formei um método, pelo qual me parece que eu logre aumentar de forma gradativa o meu conhecimento, e de elevá-lo, pouco a pouco, ao mais alto nível, a que a mediocridade do meu espírito e a breve duração da minha vida lhe permitam alcançar. Pois já colhi dele tais frutos que, apesar de, no juízo que faço de mim próprio, eu procure inclinar-me mais para o lado da desconfiança do que para o da presunção, e que, observando com um olhar de filósofo as variadas acções e empreendimentos de todos os homens, não exista quase nenhum que não me pareça fútil e inútil, não deixo de obter extraordinária satisfação pelo progresso que creio já ter feito na procura da verdade e de conceber tais esperanças para o futuro que, se entre as ocupações dos homens puramente homens, existe alguma que seja solidamente boa e importante, atrevo-me a acreditar que é aquela que escolhi.
René Descartes - Discurso do Método (1637 - excerto)

BREVIÁRiO

Câmara Municipal de Tomar edita em quadradinhos, Fernando Lopes-Graça [1906-1994] - Andamentos de Uma Vida por (argumento e desenhos) Ricardo Cabrita. IMAG.15-48-106-111-140-146-175-261

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

ESTREMECE O CONVENTO
COM VENTO NAS ENTRANHAS - 1

 19 de Fevereiro de 1918

A um canto do compartimento austero, ténue, Grael estava com o corpo estendido sobre o catre. Dorido, a tiritar, desfeito. Sem o aperceber. Num plano latente ao sofrimento, a sua mente flutuava, porém transida ao tormento carnal. Afinal, o padecer etéreo transcendia-o.

O martírio físico de Grael, as partes que o supliciavam, eram as incompletas. As suas costas, com dois buracos, negros coágulos encobertos por um lençol de linho, ensanguentado e descomposto.

– Continua


   

IMAGINÁRiO261

01 FEV 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
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PRONTUÁRiO

CINTILAÇÕES



«Sempre que vejo alguém bem vestido e na moda, fico surpreendido e ruidinho de inveja. É um sonho que tento realizar há anos. Talvez seja altura de desistir…» Quem assim escreve, na expectativa de melhorar, é Scott Adams, autor de banda desenhada. Este livro é seu, sobre as vivências pessoais / profissionais de Dilbert, e - sob chancela das Edições Asa - transmite Ideias Luminosas, segundo um princípio insofismável: «Os trabalhadores mais ineficientes são, sistematicamente, colocados no local onde podem causar menos danos - a gestão». Originalmente, Dilbert ganhou fama e proveito nas tiras diárias em The New York Times, distribuindo-se depois por uns 1950 outros jornais, como o nosso Diário de Notícias. Dilbert é um engenheiro informático, com cerca de 30 anos, cínico e inútil, considerando o seu chefe «um idiota de cabelo espetado». Actualmente com 52 anos, Adams colheu inspiração como engenheiro de sistemas na Pacific Bell - permanecendo nesta companhia dos telefones durante anos. Para não perder o contacto com sua matéria-prima, embora estando sempre a olhar-se ao espelho...

 MEMÓRiA

1872-02FEV1970 - Bertrand Russell: «O truque da filosofia é começar por algo tão simples que ninguém ache digno de nota, e terminar por algo tão complexo que ninguém entenda».

03FEV1480-1521 - Fernão de Magalhães: Navegador português ao serviço dos reis de Espanha, em 1519 partiu de Sevilha para a primeira viagem de circum-navegação; faleceu nas Filipinas durante a proeza, que foi concluída em 1522 por Juan Sebastián el Cano. IMAG.63-78-176-198-226

07FEV1910-1999 - Joaquim Martins Correia: «Deixou uma obra altamente personalizada, rompendo com o academismo dominante da escultura naturalista e realista» (Lagoa Henriques). IMAG.236.

CALENDÁRiO

1928-18JUL2009 - Carlos Canelhas: Poeta e compositor, autor de Olhos Nos Olhos (1964) para Simone de Oliveira, ou de Ele e Ela (1966) para Madalena Iglesias - «Diz-me o amor qualquer coisa / quando em mim poisa / o teu olhar» (Olhos Nos Olhos - excerto).

1914-23JUL2009 - Joaquim Luís Gomes: «Um muito bom compositor, um excelente orquestrador, com uma sólida preparação teórica, e um homem de bondade e gentileza extremas» (Pedro Osório).

23JUL2009 - Midas Filmes estreia A Felicidade de Jorge Silva Melo; com Fernando Lopes e Miguel Borges. IMAG.87-92-118-128-184-236

¢03AGO-30SET2009 - Fundação D. Luís I realiza, em colaboração com o Institut Valenciá d’Art Modern, a exposição de Arte Pública Conexões Urbanas, com trabalhos dos escultores Miquel Navarro, Júlio Quaresma, Richard Serra e Tony Smith, colocados entre o Centro Cultural de Cascais e a muralha poente da Cidadela.

ANUÁRiO

1930-2008 - José Carlos da Silva Castro, aliás Carlos Porto: Poeta, ficcionista, dramaturgo, tradutor, crítico de teatro (Diário de Lisboa, Jornal de Letras) - «Alguém disse chora / O homem atravessou o rio iluminado / alguém chora / O homem pela água passa / tantas lágrimas / Uma voz padecia por todas as vozes / algures uma mulher / Alguém disse chora». IMAG.222

VISTORiA

Ele e Ela

Sei quem ele é, 
ele é bom rapaz, 
um pouco tímido até
Vivia no sonho de encontrar o amor
pois seu coração pedia mais, 
mais calor

Ela apareceu 
e a beleza dela 
desde logo o prendeu
Gostam um do outro e agora ele diz
que alcançou na vida o maior bem, 
é feliz
Carlos Canelhas (excerto)

ANTIQUÁRiO


07FEV1940 - Distribuído por RKO Radio Pictures, estreia Pinóquio/Pinocchio de Hamilton Luske e Ben Sharpsteen, segunda longa metragem com produção Walt Disney, inspirada no clássico literário As Aventuras de Pinóquio - História de Um Boneco de Carlo Collodi (1826-1890). IMAG.9-31-65-108

TRAJECTÓRiA


Um Filósofo Pela Paz

Bertrand Russell nasceu a 18 de Maio de 1872. Membro de uma família aristocrata inglesa, foi um dos mais influentes filósofos do Século XX, tendo recebido em 1950 o Prémio Nobel da Literatura. Iniciou os estudos de filosofia em 1890, na Universidade de Cambridge. Mais tarde, durante a I Guerra Mundial, esteve preso durante seis meses, uma vez que, sendo um filósofo pacifista, recusou-se a alistar-se no exército. Foi nessa altura que escreveu uma das suas obras emblemáticas, Introdução à Filosofia Matemática. Em 1920 chegou a dar aulas de Filosofia em Pequim. Mas foi nos EUA que as suas ideias filosóficas se tornaram mais controversas, graças a obras como Marriage and Morals ou Porque Não Sou Cristão. Em 1939 foi dar aulas para a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, mas cinco anos depois voltou ao Reino Unido. Em 1962, com 90 anos, mediou o conflito dos mísseis de Cuba, e lutou activamente contra a proliferação de armas nucleares. Foi em meados dos anos 60 que o filósofo conheceu Paul McCartney. Segundo recentes declarações do músico à Prospect, Russell alertou-o sobre a guerra no Vietname, sentindo o músico então a necessidade de «politizar os Beatles». - JM
20DEZ2008 - Diário de Notícias

ANTIQUÁRiO

10NOV1950 - Bertrand Russell é distinguido com o Prémio Nobel da Literatura, «em reconhecimento de numerosos trabalhos da sua autoria em que se defendem os ideais mais elevados».

BREVIÁRiO

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Pyotr Ilyich Tchaikovsky [1840-1893]: 5ª Sinfonia e Francesca de Rimini pela Orquestra de Juventude da Venezuela Simon Bolívar, sob a direcção de Gustavo Dudamel. IMAG.235

Quetzal edita Reduto Quase Final, Seguido de Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel Garcia Marquez de Dinis Machado (1930-2008). IMAG.218-232

PortugalSom edita em CD, sob chancela Numérica, Música Coral de Fernando Lopes Graça (1906-1994), pelo Coro Gulbenkian sob a direcção de Jorge Mata. IMAG.48-106

Edições Nelson de Matos lançam As Minas de Salomão (1885) de Rider Haggard (1856-1925); tradução de Eça de Queiroz. IMAG.35

Harmonia Mundi edita em CD, George Philipp Telemann [1681-1767]: Brockes-Passion pela Akademia für Alte Musik Berlin, sob a direcção de René Jacobs, com a RIAS Kammerchor. IMAG.136

Dom Quixote edita A Montanha Mágica de Thomas Mann [1875-1955]; tradução de Gilda Lopes Encarnação. IMAG.173-233

VISTORiA

Cristo disse «Ama o próximo como a ti mesmo» e, quando lhe perguntaram quem era o seu próximo, ensinou a Parábola do Bom Samaritano. Se desejarmos perceber essa parábola, tal como foi entendida pelos que o escutavam, temos que substituir «alemães e japoneses» por samaritano. Eu temo que os cristãos modernos ficariam irritados com tal alteração, porque isso os incentivaria a reflectir quão longe eles ficaram dos ensinamentos do fundador de sua religião.
Bertrand Russell
Unpopular Essays (1950 - excerto)


Claridade

Clareou.
Vieram pombas e sol,
e, de mistura com o Sonho,
pousou tudo num telhado...
(Eu, destas grades, a ver,
desconfiado.)
Depois,
uma rapariga loira,
(era loira)
num mirante,
estendeu roupa num cordel:
Roupa branca, remendada,
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...
Miguel Torga - Diário I
Lisboa, Cadeia do Aljube

01FEV1940)
IMAG.21-142-165-168-217

PARLATÓRiO





Muito jovem, fui aluno da Casa Pia. Fazia um curso técnico. Éramos seiscentos e tal rapazes e criámos actividades livres para nos entretermos. Entre essas actividades tínhamos os jornais de recreio: havia os repórteres, um professor director, os redactores, sendo eu um redactor - o principal. A minha actividade era a visual, eu fazia tudo o que dizia respeito à actividade do recreio através do desenho. O recreio agarrava as potencialidades que ali se revelavam, as minhas e as dos outros rapazes. Os rapazes de hoje têm outras diversões visuais, que são de tal maneira mais libertas que destroem muitos conceitos.
Martins Correia

EXTRAORDINÁRiO

OS ALTERNATIVOS
Folhetim Aperiódico

UM FAZEDOR DE IDEIAS
IMAGINA A PRÁTICA - 5

  Venâncio Couto, o de Viana do Castelo nos Festejos do Duplo Centenário, deu voltas à cachimónia. Não era de todo parvo. Ou não estava disposto a que o tomassem por lorpa. Inferiu então, com flagrante chacota:
- Mas, não me diga que está disposto a vender a sua parte…
- Nem pensar nisso, amigo! - galvanizou Jacinto Lusitano. - Eu estou, é preparado para comprar a que lhe cabe a si!
Alterando-se, Couto recuou, intrigado:
- E isso não é antipatriótico?!
Lusitano ponderou, entre créditos e haveres. Passou a mão pelo cinto, ajeitou os suspensórios, deu um toque na gravata e flectiu o chapéu. Olhou a biqueira dos sapatos, com uma orla de lama e a precisar de meias-solas. Não se via, felizmente, mas era uma tristeza. Um mestre em falcatruas havia de impor-se ou esgueirar-se. Como sempre, Lusitano ficou pelos meios-termos:
- Caramba, homem! Política à parte, convém sempre regatear...

– Continua


  

IMAGINÁRiO260

24 JAN 2010 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VII · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FASCÍNIO



Segundo as virtualidades de Hollywood, cada matriz fílmica é eterna, a multiplicação das suas cópias permite uma ressurreição, através de sucessivas projecções. Expectativas transfiguradas sob o signo de Supercalifragilisticexpialidocious, em Mary Poppins (1964) com realização de Robert Stevenson, cuja Edição Especial do 45º Aniversário - em DVD sob chancela Zon Lusomundo - celebra a nostalgia e o encanto. Poucas vezes o sonho e a fantasia combinaram, com tal frescura e graciosidade, num espectáculo segundo os modelos de Walt Disney: aqui estaria, aliás, o seu testemunho último - apoteose musical, em que a magia do universo infantil e os mitos de um imaginário adulto se congregam, em termos de inspiração e criatividade… Cor, coreografia, fotograma real e figuração animada, um diálogo aliciante e o entretenimento lírico - eis uma obra-prima culminante do género romântico, que encontra em Julie Andrews - distinguida com o Óscar da Melhor Actriz, entre outras distinções técnicas e criativas (efeitos visuais, montagem, banda sonora, canção) - a intérprete ideal, porque admirável de talento e histrionia.

CALENDÁRiO

1927-01JUL2009 - Jean Yoyotte: Egiptólogo francês, professor de História da Antiguidade - «Não há mistérios a esclarecer, mas sim investigações a realizar e problemas a resolver. A egiptologia não é uma ciência oracular, que revela enigmas a golpes de picareta e de génio, mas sim um ramo das ciências sociais e humanas».

1922-06JUL2009 - Alfons Figueras: Argumentista e ilustrador espanhol de banda desenhada, criador de Topolino el Último Héroe - «O público está ávido de emoções e, se são fora do normal, melhor ainda».

MEMÓRiA

1884-24JAN1920 - Amadeo Clemente Modigliani: Pintor e escultor italiano, em Paris após 1906, ritualista da cor, celebrado pelos nus cuja estética sensual estiliza a inquietação latente ou o intenso despojamento da alma humana: «Retratar uma mulher é o mesmo que possuí-la». IMAG.154

28JAN1800-1875 - António Feliciano de Castilho: «Salve, princípio e fim dos meus passeios! / Salve, ó tu, cujo tecto, alva casinha, / cobre há perto de um lustro os meus autores, / meus castelos no ar, meus fáceis versos! / Salve, com o teu rosal; com as tuas limas, / festivo ornato das paredes brancas; / com o teu portão patente opresso de heras; / brasão futuro do obumbrado pátio! / Salve outra vez, meu presbitério! Salve!» (O Presbitério da Montanha - 1905). IMAG.32-39-52-59-99-118-161

30JAN1870-1944 - Ernesto Korrodi - Arquitecto, autor maior da Arte Nova, professor da Escola Industrial de Braga e da Escola Industrial Domingos Sequeira em Leiria, desenhou o Paço de Ourém e os castelos de Leiria, Porto de Mós e Pombal.

31JAN1860-1904 - Anton Tchékhov: «Não pode deixar de meditar quem foi arrancado do arado, da paisagem cinzenta e familiar, e atirado nessa voragem, repleta de luzes monstruosas, de um barulho incessante e de gente correndo...» (Angústia).

OBSERVATÓRiO

Revista Big Ode # Projecto ZeroFilme - www.big-ode.blogspot.com # www.zero-filme.blogspot.com - Intervenção paralela, no âmbito da poesia experimental e, em particular, na relação que esta poderá estabelecer com a linguagem do vídeo, canalizando-se finalmente numa edição conjunta.

VISTORiA



Meia-noite!

É a hora em que uma fantasia desta idade, inebriada com as exalações do sangue juvenil a ferver em torrentes, magnetizada pelos fantasmas dos heróis e heroínas das novelas, se acolhe ao leito como a um asilo para gozar presente o seu futuro, longe dos olhos e ouvidos que lho profanem, longe da luz que lho descore, longe de realidades terrestres que lho agoirem.
Hora das feiticeiras! Das feiticeiras de ambas as espécies: das terríveis e barbudas, que espipam pelas chaminés a  cavalo no pau da vassoura, para se irem por cima de toda a folha para as encruzilhadas com as suas asas de morcego; das alvas e melindrosas, que voam com as suas asas de anjo sem que nem as estrelas as percebam, para se irem reclinar, entre flores, em paraísos de que só elas têm a chave.
Deixemos pois a donzela no mistério da sua câmara. As trevas, em que de súbito se mergulhou, segredam-nos que nos apartemos reverentes.
António Feliciano de Castilho - Mil e Um Mistérios
- Romance dos Romances
(1900, excerto)

VISTORiA


A Morte do Funcionário

Numa noite encantadora, o não menos encantador oficial de justiça Ivan Dmitritch Tcherviakov estava sentado na segunda fila da plateia, contemplando, pelo binóculo, Os Sinos de Corneville. Sentia-se no cúmulo da bem-aventurança. Mas, de repente... É muito comum encontrar-se, nos contos, este «mas, de repente». Os autores têm razão: a vida é tão cheia de coisas inesperadas! Mas, de repente, o seu rosto enrugou-se, os olhos contraíram-se, parou a respiração... afastou o binóculo, inclinou-se e... atchim!!! Espirrou, conforme se pode ver. Não é proibido espirrar, seja a quem for e onde for. Espirram os mujiques, os chefes de polícia e, às vezes, os próprios conselheiros-privados. Todos espirram. Tcherviakov não ficou sequer encabulado, enxugou-se com um lencinho e, como pessoa educada, observou ao redor, para ver se havia incomodado alguém com seu espirro. Chegou-lhe então a vez de ficar perturbado. Viu que um velhinho, sentado na frente, na primeira fileira, enxugava meticulosamente a calva e o pescoço com a luva, murmurando algo. E Tcherviakov reconheceu, naquele velhinho, o general civil Brizjalov, do Departamento da Viação.
– Eu molhei-o! – pensou Tcherviakov. – Não é meu chefe, mas apesar de tudo, não está certo. Devo desculpar-me.
Tossiu, inclinou o busto para frente e murmurou ao ouvido do general:
– Desculpe, Vossa Excelência, eu borrifei-o... Foi sem querer...
– Não faz mal, não tem importância...
– Perdoe-me, pelo amor de Deus... Realmente, foi sem querer!
– Ah, sente-se, por favor! Deixe-me ouvir a música!
Tcherviakov ficou perturbado, sorriu estupidamente e pôs-se a olhar para o palco. Mas, por mais que olhasse, não sentia a primitiva bem-aventurança. Começou a atormentar-se de inquietação. No intervalo, aproximou-se de Brizjalov, caminhou um pouco para um lado e outro, perto dele, e, vencendo finalmente a timidez, balbuciou:
– Eu borrifei Vossa Excelência... Desculpe... Com efeito... Eu... Não é que...
– Ah, não se preocupe... Eu já esqueci, e o senhor continua a falar nisso! – disse o general e moveu com impaciência o lábio inferior.
«Diz que esqueceu, mas há maldade nos seus olhos», pensou Tcherviakov, olhando desconfiado para o general. «Nem sequer fala sobre o caso. Seria mecessário explicar-lhe que eu não quis, absolutamente... que se trata de uma lei da natureza. Senão, vai pensar que eu quis cuspir-lhe. Se não pensa assim agora, chegará a essa conclusão mais tarde!...»
Em casa, Tcherviakov relatou à mulher a falha cometida. Pareceu-lhe que ela encarou o ocorrido com demasiada leviandade. Teve um susto, mas acalmou-se, ao saber que Brizjalov pertencia a outra repartição.
– Mesmo assim – disse ela – deves ir pedir-lhe desculpas. Senão, vai pensar que tu não sabes comportar-te em público!
– Isso mesmo! Eu já me desculpei, mas ele portou-se de modo estranho... Não disse uma palavra razoável, sequer. Além disso, não tive oportunidade de conversar.
No dia seguinte, Tcherviakov envergou o seu novo uniforme de gala, cortou o cabelo e foi a casa de Brizjalov, para se explicar... Entrando na sala de recepção, viu lá muitos requerentes e, no meio destes, o próprio general, que já iniciara a recepção das solicitações. Depois de interrogar alguns dos presentes, o general dirigiu o olhar para Tcherviakov.
– Se o senhor se recorda, Vossa Excelência, ontem, no Arcádia – começou a relatar o oficial de justiça – eu espirrei e... Involuntariamente, molhei-o... Des...
– Que tolice... Vá com Deus! E o senhor, que deseja? – perguntou o general, dirigindo-se já a outro solicitante.
«Não quer falar!», pensou Tcherviakov, empalidecendo. «Significa que está zangado... Não, isto não pode ficar assim... Vou explicar-lhe...»
Quando o general acabou de atender o último requerente e se dirigia já para o interior da casa, Tcherviakóv deu um passo em sua direcção, murmurando:
– Excelência! Se me atrevo a incomodar Vossa Excelência, é justamente, posso dizer, sob o impulso do arrependimento!... Não foi de propósito, o senhor não pode ignorá-lo!
O general fez cara de choro e sacudiu a mão.
– O senhor está, simplesmente, a zombar de mim! – disse, desaparecendo atrás da porta.
«Que zombaria pode haver nisto?», pensou Tcherviakov. «Não se trata de zombaria! É general, mas não consegue compreender! Se assim é, não vou desculpar-me mais perante este fanfarrão! O Diabo que o carregue! Vou escrever-lhe uma carta, mas não o procurarei mais pessoalmente! Juro por Deus!»
Assim pensava Tcherviakov, a caminho de casa. No entanto, não escreveu aquela carta ao general. Ficou a pensar, a pensar, mas não conseguiu redigi-la. Teve que ir explicar-se pessoalmente, no dia seguinte.
– Ontem eu vim incomodar Vossa Excelência – balbuciou, quando o general dirigiu para ele o olhar interrogador – mas não foi para zombar do senhor, conforme se dignou a dizer. Eu estava a desculpar-me porque, ao espirrar, borrifei-o... Mas, nem pensei em zombaria. Como poderia ousá-lo? Se estivermos a zombar, quer dizer que não haverá, então, qualquer respeito... pelas pessoas...
– Fora daqui! – vociferou de repente o general, que se tornara azul e tremia com todo o corpo.
– O quê? – perguntou, num murmúrio Tcherviakov, empalidecendo de espanto.
– Fora daqui! – repetiu o general, batendo com os pés.
Algo se rompeu na barriga de Tcherviakov. Recuou para a porta, sem ver, sem ouvir coisa alguma, saiu para a rua e caminhou lentamente...
Chegando maquinalmente em casa, deitou-se no divã, sem tirar o uniforme de gala e... morreu.
Anton Tchékhov - A Dama do Cachorrinho e Outros Contos (1883)

BREVIÁRiO

Fenda edita Negreiros-Dantas - Coimbra Manifesto 1925 de Rita Marnoto; sobre Negreiros-Dantas - Uma Página Para a História da Literatura Nacional (1916) de Francisco Levita, e Coimbra Manifesto 1925 do Movimento Futurista de Coimbra - aliás, Óscar (Mário Coutinho), Pereira São-Pedro (Pintor) (João Carlos Celestino Gomes), Tristão de Teive (Abel Almada) e Príncipe de Judá (António de Navarro). IMAG.84-135-154-171-173-224

Dargil edita em CD, João Baptista André Avondano (fl. 1783-1800) pelo Avondano Ensemble.