José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO249

01 NOV 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

AVENTURAS



A sagração dos grandes géneros, celebrada pelos meios primordiais de criatividade e entretenimento, da literatura ao cinema, logrou na banda desenhada peculiares referências de culto, em que se conjugam a apetência e a cumplicidade dos leitores. Com um universo próprio de exploração e reincidência, em prol do western, a partir dos mitos e das lendas de uma realidade histórica, Lucky Luke - concebido por Maurice de Bevère, aliás Morris (1923-2001), a partir de 1948 - rendeu sucessivas gerações, sob o signo da escola franco-belga, e persiste pelo fiel labor dos artistas que assumiram a continuidade da saga. Sem notáveis variações, quanto ao cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra, há sempre outros estímulos de humor e de acção, como - sob chancela das Edições Asa - evoca O Fio Que Canta (1977), sobre a ligação da América pelo telégrafo, entre o Este e o Oeste, pela sarcástica imaginação de René Goscinny (1926-1977); e testemunha O Homem de Washington (2008) por Laurent Guerra (argumento) e Achdé (ilustração), em homenagem a Morris, a propósito da campanha eleitoral para as eleições presidenciais... IMAG.5-15-23-34-61-94-114-135-211

CALENDÁRiO

01FEV1939-29ABR2009 - Ekaterina Maximova: Primeira bailarina do Teatro Bolshoi, esposa e, durante cinquenta anos, única parceira em palco de Vladimir Vassiliev - consagrado «o par de ouro do bailado no Século XX, o duo mais perfeito que o Século XX viu nascer».

29ABR-31JUL2009 - No Ano Internacional da Astronomia, Biblioteca Nacional de Portugal expõe Estrelas de Papel: Livros de Astronomia dos Séculos XIV a XVIII, sendo comissário científico Henrique Leitão, físico e investigador do Centro de História das Ciências da Universidade de Lisboa, e integrando quatro núcleos documentais -
Antecedentes da Revolução Astronómica, A Revolução Astronómica, Atlas Celestes e A Astronomia em Portugal.

1931-02MAI2009 - Augusto Boal: Dramaturgo e encenador brasileiro: «Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida!».

1933-04MAI2009 - Dom DeLuise: «Como pessoa e como actor, fazia-nos sentir melhor. Nunca haverá outro como ele» (Burt Reynolds).

07MAI2009 - Midas Filmes distribui As Operações SAAL de João Dias; com Álvaro Siza e Eduardo Souto Moura.

07MAI2009 - O Som e a Fúria produziu, e distribui A Zona de Sandro Aguilar; com Tiago Barbosa e Isabel Abreu.

07MAI2009 - ZON Lusomundo estreia Star Trek de J.J. Abrahams; os primórdios da saga galáctica concebida por Gene Roddenberry (1921-1991), com Chris Pine e Zachary Quinto. IMAG.34-62-110

07MAI2009 - Na Biblioteca Municipal de Espinho, é inaugurada uma exposição bio-bibliográfica, itinerante, sobre o escritor José Marmelo e Silva (1911-1991).

11-12MAI2009 - A Escola Técnica de Imagem e Comunicação/ETIC organiza, com a Editora Qual Albatroz, O Desenho do Detalhe Na Banda Desenhada - workshop conduzido por J. Mascarenhas, autor de O Menino Triste. IMAG.65-127-162-222

11-20MAI2009 - No Cinema São Jorge, ABC Cine-Clube apresenta Tomás Gutiérrez Alea [1928-1996]- Retrospectiva.

MEMÓRiA

1811-NOV1890 - Ignacio de Vilhena Barbosa: Escritor e erudito, fundador de O Universo Pittoresco (1839), sócio bibliotecário da Academia Real das Ciências, autor de Monumentos de Portugal (1886).

1907-NOV1969 - Carlos Ramos: 1907-NOV1969 - Carlos Ramos:«Era um homem afável, de espírito aberto e gentil, teve e tem grandes admiradores, criou um estilo muito próprio que fez escola, tem muitos seguidores do seu vasto repertório e do seu estilo, tinha uma voz doce, atraente  e sedutora, exprimindo ao cantar tal sentimento,  que tudo aquilo que dizia era  Fado» (Vítor Marceneiro). IMAG.150

02NOV1919-1978 - Jorge de Sena: «Tem tanta pressa o corpo! E já passou, / quando um de nós ou quando o amor chegou». IMAG.60-67-87-112-181-202

05NOV1849-1923 - Ruy Barbosa: «Só o bem neste mundo é durável, e o bem, politicamente, é todo justiça e liberdade, formas soberanas da autoridade e do direito, da inteligência e do progresso».

06NOV1919-2004 - Sophia de Mello Breyner Andresen: «A hora da partida soa quando / Escurece o jardim e o vento passa, / Estala o chão e as portas batem, quando / A noite cada nó em si deslaça». IMAG.2-18-112-168-213

VISTORiA


Beijo

¨Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mais beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios se deseja.

Jorge de Sena


Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

 Sophia de Mello Breyner Andresen
No Tempo Dividido e Mar Novo (1985)

Oração aos Moços

Senhores:

Não quis Deus que os meus cinquenta anos de consagração ao direito viessem receber no templo do seu ensino em São Paulo o selo de uma grande bênção, associando-se hoje com a vossa admissão ao nosso sacerdócio, na solenidade imponente dos votos em que o ides esposar.
Em verdade vos digo, jovens amigos meus, que o coincidir desta existência declinante com essas carreiras nascentes agora, o seu coincidir num ponto de interseção tão magnificamente celebrado, era mais do que eu merecia; e, negando-me a divina bondade um momento de tamanha ventura, não me negou senão o a que eu não devia ter tido a inconsciência de aspirar.
Mas, recusando-me o privilégio de um dia tão grande, ainda me consentiu o encanto de vos falar, de conversar convosco, presente entre vós em espírito; o que é, também, estar presente em verdade.
Assim que não me ides ouvir de longe, como a quem se sente arredado por centenas de quilômetros, mas ao pé, de em meio a vós, como a quem está debaixo do mesmo teto, e à beira do mesmo lar, em colóquio de irmãos, ou junto dos mesmos altares, sob os mesmos campanários, elevando ao Criador as mesmas orações, e professando o mesmo credo.
Direis que isto de me achar assistindo, assim, entre os de quem me vejo separado por distância tão vasta, seria dar-se, ou supor que se está dando, no meio de nós, um verdadeiro milagre?
Será. Milagre do maior dos taumaturgos. Milagre de quem respira entre milagres. Milagre de um santo, que cada qual tem no sacrário do seu peito. Milagre do coração, que os sabe chover sobre a criatura humana, como o firmamento chove nos campos mais áridos e tristes a orvalhada das noites, que se esvai, com os sonhos de antemanhã, ao cair das primeiras frechas de oiro do disco solar.
Embora o realismo dos adágios teime no contrário, tolerem-me o arrojo de afrontar uma vez a sabedoria dos provérbios. Eu me abalanço a lhes dizer e redizer de não. Não é certo, como corre mundo, ou, pelo menos, muitas e muitíssimas vezes, não é verdade, como se espalha fama, que longe da vista, longe do coração.
O gênio dos anexins, aí, vai longe de andar certo. Esse prolóquio tem mais malícia que ciência, mais epigrama que justiça, mais engenho que filosofia. Vezes sem conto, quando se está mais fora da vista dos olhos, então (e por isso mesmo) é que mais à vista do coração estamos; não só bem à sua vista, senão bem dentro nele.
Não, filhos meus (deixai-me experimentar, uma vez que seja, convosco, este suavíssimo nome); não: o coração não é tão frívolo, tão exterior, tão carnal, quanto se cuida. Há, nele, mais que um assombro fisiológico: um prodígio moral. E o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d'alma, o que não vêem os do corpo. Vê ao longe, vê em ausência, vê no invisível, e até no infinito vê. Onde pára o cérebro de ver, outorgou-lhe o Senhor que ainda veja; e não se sabe até onde. Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se perdem os surtos da poesia, até onde se somem os vôos da crença: até Deus mesmo, inviso como os panoramas íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a todos nós presentes, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da vida e da nobreza e da bondade humana.

Ruy Barbosa (excerto)

BREVIÁRiO

Em Textos Breves, Quetzal edita A Infância É Um Território Desconhecido de Helena Vasconcelos.

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Vincenzo Bellini [1801-1835]: I Capuleti e i Montecchi! por Anna Netrebko, Elina Garanca, com a Wiener Symphoniker sob a direcção de Fabio Luisi.

NOTICIÁRiO

O Astro de Bethlem

Ocupam-se muito no Observatório Imperial de Viena, da próxima aparição d’uma estrela na qual os astrónomos procuram reconhecer o astro de Bethlem. Crê-se que esta estrela é aquela de que fala o evangelho e que aparece regularmente todos os trezentos e quinze anos, desde o primeiro da nossa era. Viram-na em 315, 630, 945, 1260 e 1574.19FEV1890 - Diário de Notícias



IMAGINÁRiO248

24 OUT 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

TRANSFERÊNCIA



Da imagem síntese à banda desenhada. Desencantando, em quanto se esfumava. Deixando o estrito, no infinito. Do movimento em tensão fixa, com sugestões intencionais, à ilustração narrativa, delineada em segmento e expansão. Proposta integral, apelo mediático. A imediata pulsão estética. Explícito processo gráfico. Criação, leitura. O autor, o outro. O testemunho genuíno, a expressão mutante. As ferramentas da linguagem, as alternativas da representação. O que a idade enriquece. O que a mentalidade altera.

Atravesso estas portas como se entrasse em minha casa. Saboreando um regresso. Em busca das feições familiares - as velhas pranchas de álbuns e revistas. À espera que me ressoem tantas falas e esgares - que os balões suspendem. Sei exactamente onde, numa das obras favoritas, há o tal vinco na folha de papel, e aquela falha a um canto, ferindo uma das imagens que eu prefiro. Inquieto, tento repará-la com o cuidado leve de quem se recompõe. Comovido, passo a mão pela capa poeirenta, em carícia vaga.

CALENDÁRiO

03ABR-22MAI2009 - Em Sintra, Museu Ferreira de Castro apresenta as Sessões Escolhas Sintrenses - Um Livro, Um Disco, Um Quadro, com Maria Almira Medina, Paula Sousa, João Barrento, Liberto Cruz e Maria Carretero Cruz.

30ABR2009 - ZON Lusomundo estreia Singularidades de Uma Rapariga Loira de Manoel de Oliveira; sobre a obra de Eça de Queiroz, com Ricardo Trepa e Catarina Wallenstein. IMAG. 2-11-23-41-42-60-68-72-74-83-134-158-164-165-170-175
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30ABR2009 - VC Multimédia estreia Salazar - A Vida Privada de Jorge Queiroga; com Diogo Morgado e Soraia Chaves. IMAG.5-151

30ABR2009 - Castello Lopes estreia X-Men Origens: Wolverine de Gavin Hood; sobre a saga em quadradinhos concebida por Stan Lee, com Hugh Jackman e Ryan Reynolds. IMAG.1-3-4-18-20-21-23-27-28-40-45-46-49-67-74-82-96-98-110-114-133-
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07MAI-27JUN2009 - Em Lisboa, Galeria Bernardo Marques expõe Crash de Sara Franco. IMAG.168

08MAI-28JUN2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Húmus, exposição de fotografia de Valter Vinagre.

MEMÓRiA

1866-26OUT1929 - Aby Warburg: Investigador de arte e historiador visionário, aliando o conceptual e o imaginário, iniciou em 1924 o projecto Mnemosine, em que deveria consumar-se o Bilderatlas (Atlas das Imagens), que deixou inacabado, mas virtualmente reconstituído pela «tentativa de assumir interiormente, na representação da vida em movimento, valores expressivos previamente cunhados (símbolos, ilustrações)».

28OUT1909-1992 - Francis Bacon: «Não acredito que ninguém nasça artista. Em minha opinião, tudo depende do que nos rodeia, das pessoas que conhecemos, e de alguma sorte».

COMENTÁRiO

BUCK ROGERS



A saga de Buck Rogers nasceu em 1929 na banda desenhada, com argumento de Philip F. Nowlan e desenhos de Richard W. Calkins. A acção - com implicações de epopeia fantástica - situa-se num exótico 2429, quando um abalo telúrico restituiu à vida o corpo de Rogers, prisioneiro numa mina de carvão há cinco séculos, onde se mantinha em suspensão vital. Entretanto, os chineses conquistaram o mundo, e os Estados Unidos mergulhavam numa obscuridade medieval. Rogers comandará a resistência, convertendo-se em guardião da humanidade... Em 1939, Ford L. Beebe dirigia A Guerra do Ano 2000, levando à tela as aventuras deste pioneiro das rotas espaciais.

Quarenta anos depois, o cinema actualizou Buck Rogers No Século 25 (1979), com realização de Daniel Haller. Gil Gerard assumiu Rogers - um piloto da NASA, vítima de grave acidente que o deixará errante por quinhentos anos, congelado e em letargia extrema. Assim, despertará nos braços da sensual princesa Ardala, filha do cínico Draco - imperador de outras galáxias, que cobiça a Terra... Nos primórdios em quadradinhos, Buck Rogers apareceu em quatrocentos jornais de cinquenta países, em dezoito línguas. A recriação de Haller dinamizou a sua aura carismática, atribuindo-lhe um inédito humor, ao privilegiar uma dimensão cénica mais exuberante e fantasista.

INVENTÁRiO



No sétimo ano do reinado de César Augusto, o príncipe Judah Ben-Hur nasce no seio duma próspera família judia, na mesma altura que Jesus Cristo. Muito tempo depois, reencontra Messala, seu amigo de infância, agora comandante da guarnição romana de Jerusalém. Quando Ben-Hur recusa denunciar outros compatriotas, Messala condena-o à morte certa nas galeras de escravos, e lança as suas mãe e irmã, Miriam e Tirzah, nos calabouços lúgubres.

Durante trinta e seis meses, Ben-Hur sofre a brutalidade da marinha imperial, até ser libertado, adoptado e reconduzido a Roma por Quintus Arrius, um almirante a quem salvou a vida em batalha. Embora louvado como atleta, e desejado por Flavia, uma libertina, Ben-Hur insiste em voltar a Jerusalém, para seguir a pista da família. No caminho encontra o xeique Ilderim, um árabe requintado, que planeia desafiar as quadrigas romanas, nos jogos de Jerusalém...

Eis Ben-Hur (1959) de William Wyler - o espectáculo mais caro até então, académico mas emocionante - baseado no romance A Tale of the Christ, escrito por Lew Wallace em 1880. Sob o signo de Hollywood, a obra-prima do major-general Wallace - advogado e político, que combateu no exército da União, durante a Guerra Civil americana - foi levada por três vezes ao ecrã, a primeira em versão curta de 1907, acentuando as peripécias essenciais da trama épica.

Entre os prodígios de um imaginário puro, esplendoroso, na plenitude do cinema mudo, Fred Niblo realizou Ben-Hur (1925) em Itália, estilizando um decorativismo operático, magnificente, sendo protagonista Ramon Novarro. As culminantes cenas do combate marítimo e da corrida de cavalos foram dirigidas por B. Reeves Eason, tal como a segunda coube a Andrew Marton, na transposição sonora em que Charlton Heston arrebata pelos desafios individuais.

À plenitude de uma exaltação histórica e lendária, Wyler privilegia uma ilustração minuciosa, realista, reflectindo a visão original, elegíaca e romântica, em paralelo com a exaltação humanista duma época excepcional. Protagonizar Ben-Hur foi uma «oportunidade única», destacaria Heston. O que diz tudo, quanto a um actor que, entre outros expoentes, foi Moisés em Os Dez Mandamentos (1956 - Cecil B. DeMille).

ANTIQUÁRiO

OUT1959 - Astérix o Gaulês nasce na revista Pilote, inspirado no mítico chefe Vercingétourix. Em 1961, saiu o primeiro álbum - do qual, na edição franco-suiça, se venderam oitenta milhões de exemplares.





O que mantém a actualidade e redobra o culto da saga concebida por René Goscinny (argumento) e Albert Uderzo (ilustração)?

A resposta paira no sortilégio original - a essência e o simbolismo com que Astérix e Obélix travam o humor em guerra. Estilizando um olhar sarcástico, caricatural, quanto aos costumes e à cultura de França, Goscinny & Uderzo exaltaram o direito à diferença, no último reduto da independência nacional. IMAG.2-4-21-29-37-58-69-76-94-101-136-179-201-206

BREVIÁRiO

Na Colecção Estudos Locais, Câmara Municipal de Montijo edita Património Industrial e Pré-Industrial de Montijo de Elia de Sousa e Alfredo Tinoco.

Câmara Municipal de Moura edita Seara Resgatada de Miguel Serrano.

EMI edita em CD, sob chancela Listen To the Lion, Astral Weeks - Live At the Hollywood Bowl por Van Morrison.

Relógio D’Água edita A Viagem do Beagle - Viagem de Um Naturalista à Volta do Mundo de Charles Darwin; tradução de Diniz Lopes e Miguel Serras Pereira. IMAG.16-63-74-77-87-90-101-109-119-214-236-238

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Johann Sebastian Bach (1685-1750) pela pianista Hélène Grimaldi, com a Deutschen Kammerphilharmonie Bremen. IMAG.32-58-163-198-203-212-216-220

Sextante Editora lança Contos Completos de John Cheever; tradução de José Lima.

Audite edita em CD, George Gershwin [1898-1937]: Porgy & Bess por Leontyne Price, William Warfield e Cab Calloway, com a RIAS-Unterhaltungsorchester sob a direcção de Alexander Smallens.

Quási re-edita Poemas, Sonetos e Baladas de Vinicius de Moraes (1913-1980).

Bertrand edita Cartas da Terra de Mark Twain (1835-1910); tradução de Miguel Batista. IMAG.60-193

Em Vintage, Asa re-edita Sexus de Henry Miller (1891-1980).

Multidisc edita em CD, sob chancela Cypres, Johann Sebastian Bach (1685-1750): Concerto in Dialogo, Cantatas BWV 32, 49, 57 por Les Folies Françaises, sob a direcção de Patrick Cohën-Akenine; solistas Stephan MacLeod e Salomé Haller, organista François Saint-Yves. IMAG.32-58-163-198-203-212-216-220

Editorial Presença lança O Estranho Caso de Benjamin Button de F. Scott Fitzgerald (1896-1940).

Quasi re-edita À Sombra da Memória (1993) de Eugénio de Andrade (1923-2005); prefácio de Gonçalo M. Tavares. IMAG.33-45-150

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

CORNOS DE PALITAR
CARDO E CARQUEJA - 1

 19 de Março de 1899

Era já noite cerrada e Hypolito Gago continuava, desde o lusco-fusco, especado no Cunhal do Mocho, junto à Estrada Real, próximo de Fernão Ferro, esperando que chegasse a carroça com o compadre Tiberio Gonzaga, a caminho do Seixal para Sezimbra. O Tiberio, almocreve, traria consigo a quantia de duzentos e tantos mil réis, para o seu negócio de peixe. Hypolito sabia de tudo, e começava a ficar deveras preocupado.

Estava um daqueles luares de se lhe tirar o chapéu. O céu parecia um rendilhado de estrelas que, aqui e além, tivessem caído naquela terra árida, com a excitação lucitremente dos pirilampos. Cabisbaixo e de vulto cada vez mais curvado, Hypolito aproveitava para ir fazendo contas à vida. A parca mercadoria jazia-lhe aos pés, e perto ouviam-se alguns grilos. A Primavera anunciava-se assim, num coral a desoras, farto e cintilante.

Subitamente, Hypolito escutou um tropel de cascos, e cogitou: «Caramba, ali vem ele!». Todavia, em vez dos asnos de seu amigo, começou a divisar um par de pilecas esbaforidas, pois picadas com fúria pelos estranhos que as montavam. Então, o pobre rústico pôs-se em pânico, só imaginando como e aonde havia de ocultar-se, ainda a tempo.

– Continua



    

IMAGINÁRiO247

16 OUT 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

TRANSIÇÕES



Entre os painéis socioculturais, sobre as grandes ou subtis transformações do Século XX, Bernardo Bertolucci desvenda Um Chá no Deserto (1990), com a magia e os mistérios da civilização africana. À partida, esteve o romance Sob o Céu que Nos Protege (1949) de Paul Bowles, que outros - desde logo Robert Aldrich - pretenderam transpor, enfrentando dificuldades na adaptação. Bertolucci logrou-o com argumento de Mark People, transfigurando Vittorio Storaro uma paisagem prodigiosa, num risco de produção assumido por Jeremy Thomas. A reverência ao original mantém-se, com a presença viva - como narrador, em princípio e epílogo - de Bowles, intelectual ianque há décadas refugiado em Tanger, onde chamou os líderes da beat generation, Jack Kerouac ou Allen Ginsberg. A narração conteria elementos autobiográficos, embora Bowles apenas reconheça que se inspirou em Jane, a mulher já falecida... Preservando uma recorrência lírica, Bertolucci acentua a natureza física e sensual, desse elã entre comparsas forjados na alienação, vítimas dos seus excessos e tensões (rivalidade, turbação homossexual). Sob tal vertigem, possuídos na ameaça transgressiva, que assombram por uma marginalidade sem limites. IMAG.9-13-64-69-85-89-204-205

CALENDÁRiO

1908-07MAR2009 - Tullio Pinelli: Argumentista do cinema italiano, colaborador de Federico Fellini ou Pietro Germi, autor de La Casa di Robespierre (1998).

17ABR2009 - André Carrilho é distinguido com o 1º Prémio Caricatura com Ahmadinejad, na quinta edição do World Press Cartoon, que decorreu em Sintra. IMAG.18-101-171-195

1930-19ABR2009 - J.G. Ballard: Escritor de ficção científica, autor de Crash (1973) e Império do Sol (1984) - «Os meus livros são um retrato da psicologia do futuro». IMAG.46

1914-22ABR2009 - Jack Cardiff: Realizador - «Uma lenda do cinema, era também um director de fotografia de craveira mundial, pioneiro nas técnicas de rodagem em Technicolor» (Amanda Nevill).

1927-24ABR2009 - Virgílio Marques Mendes: Virgílio, o Leão de Génova, jogador do Futebol Clube do Porto e da Selecção Nacional - «Trocar de camisola apenas por causa do dinheiro, se não era violentar o coração e o clube, era pelo menos aceitar viver como um mercenário».

24ABR-30MAI2009 - Museu Arqueológico Martins Sarmento, em Guimarães, apresenta Da Ordem do Místico e do Perverso, exposição retrospectiva da obra em banda desenhada e ilustração de Carlos Corujo Zíngaro; organização da Escola Superior Artística do Porto - Guimarães, sendo comissário Marco Mendes.

MEMÓRiA

1810-17OUT1849 - Fryderyk Franciszec, aliás Frédéric Chopin: «A sua aparência fazia lembrar algumas plantas de finos caules, que o menor contacto pode quebrar» (Franz Liszt). IMAG.92-191-203

1705-18OUT1739 - António José da Silva, o Judeu: «Que delito fiz eu para que sinta / o peso desta aspérrima cadeia / nos horrores de um cárcere penoso / em cuja triste, lôbrega morada / habita a confusão e o susto mora? / Mas se acaso, tirana, estrela ímpia, / é culpa o não ter culpa, eu culpa tenho. / Mas se a culpa que tenho não é culpa, / para que me usurpais com impiedade / o crédito, a esposa e a liberdade?». IMAG.34-66-183

18OUT1919-2006 - Anita O’Day, a Jezebel do jazz: «De Londres a Nova Iorque, as pessoas adoravam-na. Teve uma vida excitante» (Robbie Cavolina). IMAG.123

1838-19OUT1889 - Luís Filipe Maria Fernando Pedro de Alcântara António Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis João Augusto Júlio Valfando de Bragança, El-Rei D. Luís I, o Popular: «Beijo a mão a El-Rei. Estou a seis dias do mar Índico, em vésperas de concluir a minha travessia de África, feita na costa oeste. Lutei com a fome e a sede...» (Serpa Pinto - 1879). IMAG.200

1835-19OUT1909 - Cesare Lombroso: «O génio é uma das muitas formas de insanidade... O aparecimento de um simples grande génio corresponde ao nascimento de uma centena de medíocres».

1922-20OUT1969 - Jack Kerouac: «Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas para viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas». IMAG.126-141-212-217

COROLÁRiO

A caricatura é a forma de tornar visíveis e exagerados os traços de uma pessoa que estão na memória de uma multidão.
André Carrilho

VISTORiA



Era o lado do desfiladeiro que levava misteriosamente ao Oceano Pacífico. De forma que fiquei mais um dia. Era domingo. Uma grande vaga de calor tombara; era um lindo dia e o Sol estava vermelho às três horas. Comecei a escalada e cheguei lá acima às quatro. Aqueles belos eucaliptos e cottonwoods da Califórnia estendiam-se por todos os lados. Junto ao cume não havia árvores, mas só rochas e erva. Havia gado a pastar para os lados da costa, e o Pacífico, a poucas colinas de distância, azul e vasto, como um grande muro branco a avançar desde o legendário «talhão das batatas», onde nascem os nevoeiros de San Francisco. Mais uma hora e o muro chegaria a Golden Gate e amortalharia de branco a romântica cidade e um rapaz tomaria a mão da sua rapariga e subiria um longo passeio branco com uma garrafa de Tokay no bolso. Frisco era isso; e lindas mulheres em portais brancos, à espera dos seus homens; e Coit Tower; e o Embarcadero; e Market Street e as onze colinas.
Dei voltas até ficar tonto; pensei que ia cair, como num sonho, no precipício. Oh, onde está a rapariga que amo? Pensei isto e olhei para todos os lados, e olhara por todos os lados no pequeno mundo lá em baixo. E diante de mim estava a grande protuberância e a massa do meu continente americano; algures, ao longe, a triste e louca Nova Iorque atirava para o ar a sua nuvem de pó e vapor castanho. Há qualquer coisa de castanho e sagrado no Leste; e a Califórnia é branca como roupa a secar, e tem a cabeça vazia. Pelo menos era o que eu pensava então.
Jack Kerouac
- Pela Estrada Fora/On the Road
(1957 - excerto)



MERCÚRIO
Eu te digo; dá-me atenção. Bem sabes, Senhor, que Anfitrião, marido de Alcmena, se acha ocupado na guerra dos Telebanos contra El-Rei Terela; e parecia-me que, tomando tu a forma de Anfitrião, fingindo teres já chegado da guerra, podias fielmente, sem experimentares os rigores e desdéns de Alcmena, conseguir dela o que desejas; porque, vendo ela em ti copiada a imagem e figura de seu esposo Anfitrião, como a tal te facilitaria o mesmo que agora como a Júpiter te nega.
JÚPITER
Só tu, Mercúrio, com as tuas subtilezas, podias dar em tão subtil ideia, pois com ela já posso chamar-me venturoso; e, para principiar a sê-lo, já me vou disfarçar na forma de Anfitrião e depor a majestade de meus raios. Oh, quem dissera que para eu alcançar a formosura de Alcmena deixe os resplandores do Olimpo!
MERCÚRIO
Para que se logre melhor a empresa, eu também irei contigo disfarçado na figura do criado de Anfitrião, chamado Saramago, ajudar-te a lograr o teu intento.
JÚPITER
Não deixo de agradecer-te, Mercúrio, que por amor do meu amor tomes a figura de um lacaio esquálido e sórdido.
MERCÚRIO
Senhor, o ofício de corrector nunca esteve mal a Mercúrio; quanto mais que, para servir-te, desejo transformar-me ainda na mais vil criatura.
JÚPITER
Pois não dilatemos a empresa; vamos, Mercúrio, e seja esta noite o dia de minha ventura.
MERCÚRIO
Vamos, Júpiter, a levar um passatempo na Terra.
António José da Silva, o Judeu
- Anfitrião ou Júpiter e Alcmena
(1736, excerto)

BREVIÁRiO

Pantatone Classics edita em CD, Frédéric Chopin - The 2 Piano Concerts pela pianista Sa Chen com a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção de Lawrence Foster.

PARLATÓRiO



O termo vanguarda mete-me um bocado confusão. Prefiro o de contemporâneo, experimentação. Eu estava fascinado pelo Norman MacLaren e pelos meus tempos do rock, mais psicadélico, e desenhava em película, de 35 mm, e pintava e não sei que mais (era um desastre completo, uma salganhada enorme!). Portanto, era uma necessidade que sempre tive, talvez por causa das doses de Academia desde os quatro anos, - e como imaginarão, em plena ditadura, eram locais um bocado doentios - , de me libertar de tudo aquilo, de encontrar coisas e formas, tanto musical como graficamente, que fossem outras. Mas por outro lado tinha uma enorme dificuldade em me inserir em percursos académicos normais ou tradicionais... Passei pela Escola de Belas-Artes, mas como turista, porque ainda que me interessasse por pintura, os meus pais achavam que eu deveria tirar um curso superior, e isso significava a arquitectura, o que é uma chatice, com as matemáticas, e as geometrias descritivas, e eu não tinha nada a ver com aquilo... Por isso fui para lá fazer turismo aí por um ano e tal. E a música, idem; quando corto com a música clássica, corto mesmo radicalmente e passo para o rock, a electrónica, as experimentações, as improvisações, o free jazz... É sempre uma necessidade de experimentar coisas.
Carlos Zíngaro

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

HÁ UM REINO SUSPENSO
NA FLORESTA EM TRANSE - 4

 Um futuro comum que ele sacrificara nela, incapaz de retê-lo com todas as suas energias e capacidades. Fugindo, Júlio anulou-a. As consequências de tão funesto devaneio estavam-lhe, pois, patentes, como uma catástrofe leviana, lancinante, que assim se consumava - num sensual desajustamento, entre a sua frustrada maturidade e uma aparição sempiterna.

Cenário mais desolador não poderia imaginar a patética aflição de Júlio. E repetia Ester num lamento, sem alento para se soerguer sequer:

- Ai, Júlio... Ai, Júlio, Júlio...

O que havia o marido de lhe corresponder? Como poderia, mesmo, aproximar-se dela? O que fazer frente àqueles braços estendidos, àqueles olhos suplicantes? Haveria algum ensejo de se resgatar?

Só lhe apetecia desaparecer. De novo, renegando-se outra vez e a quem nunca deixou de estar presente? Espírito, vontade, esperança, intimidade – tudo desabara, incólume como o alicerce partilhado de um palácio em ruínas.

Nessa virtualidade, ela era mais forte e fixa. E foi um frágil Júlio quem então sucumbiu ao sortilégio carnal de Ester. Calcinado no desejo com que beijou, enfim, os seus despojos mártires.

– Continua


   

IMAGINÁRiO246

08 OUT 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FENÓMENOS



Em 1990, Marty McFly - a personagem interpretada por Michael J. Fox, em Regresso ao Futuro - Parte III de Robert Zemeckis, situado algures entre o fantástico e o western - prestava uma homenagem irreverente mas sugestiva, ao assumir o nome de Clint Eastwood. Dez anos depois, o notável realizador, intérprete e produtor referenciaria tais coordenadas, ao apresentar Space Cowboys em 2000. Mas esta viragem de milénio seria particularmente significativa para Eastwood - tanto pessoal, como profissionalmente: além de ter nascido Clint Jr há setenta anos, em São Francisco, filho de um assalariado da indústria do gás na Califórnia, celebrou em 2001 trinta anos de carreira atrás das câmaras - tal como fica referenciado, sempre através da sua companhia Malpaso - até A Troca/Changeling (2008)... Além da fantasia pelo imaginário, e dos artifícios no espectáculo, eis a essência e a emoção - ao recriar incidências verosímeis, polémicas, e, nesse envolvimento, virtualizando um olhar humanizado sobre os dramas concretos, para além da controvérsia em abstracto.

MEMÓRiA

1750-11OUT1839 - D. Leonor de Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Condessa de Oeynhausen-Gravenburg, Condessa de Assumar e Marquesa de Alorna, poetisa de nome literário Alcipe: «Eu cantarei um dia da tristeza / por uns termos tão ternos e saudosos, / que deixem aos alegres invejosos / de chorarem o mal que lhes não pesa.»

CALENDÁRiO

1947-07ABR2009 - Dave Arneson: Criador de jogos de tabuleiro, designer, concebeu Dungeons & Dragons (1974) com Gary Gygax, o primeiro role-playing game verdadeiramente interactivo e um clássico nos universos da heroic fantasy.

1925-12ABR2009 - Sir John Maddox: Professor, jornalista e escritor especializado em temas científicos, director da revista Nature - «É necessário introduzir a magia na explicação do fenómeno físico e biológico».

17ABR-14JUN2009 - Sintra Museu de Arte Moderna / Colecção Berardo expõe Rafael Bordalo Pinheiro - Da Caricatura à Cerâmica, com peças das colecções de Joe Berardo e de Emanoel Araújo. IMAG.22-32-43-59-77-98-115-197-208-242

18ABR-30AGO2009 - Em Lisboa, Museu Bordalo Pinheiro expõe Montra de Faianças, em homenagem à actual Fábrica de Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro de Caldas da Rainha. IMAG.22-32-43-59-77-98-115-197-208-242

EPISTOLÁRiO

Sobre os versos de Leonor acho-os galantíssimos e não importam as regras de nada e o que eu observo é certamente a naturalidade e já uma disposição no discurso que certamente é rara na sua idade porque nestes últimos versos se vê um princípio, um progresso e um fim encerram em substância o que ela verdadeiramente me devia dizer que é para louvar a Deus como por infusão vai suprindo a falta de educação que nós lhe poderíamos dar já fazia tenção de fazer um discurso sobre a poesia mais depressa, para ti e para saberes o como devias guiar Leonor na sua veia poética, e também depois disso mandarei um caderno de conceitos e de máximas para que não só lhe sirvam e lhe dem juízo mas para ver como o seu génio as sabe pôr em verso, e esta casta de coisas é pertencente ao que chamam Ética que é essencial para a poesia.
D. João de Almeida,
Marquês de Alorna

VISTORiA

Soneto

Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.

Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando
fui coa ausência da luz esmorecendo.

Neste espaço, em que dorme a Natureza
porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa ó peso da tristeza?

Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!

Alcipe
(D. Leonor de Almeida de Portugal Lorena e Lencastre)

INVENTÁRiO

JOGO E PAIXÃO




Passados vinte e cinco anos, sob a direcção de Martin Scorsese, um assombroso Paul Newman reassumiu a personagem que havia encarnado para Robert Rossen, como protagonista de A Vida É Um Jogo: reflexão densa e pungente sobre o drama de um jovem virtuosista do bilhar, a quem o desencanto pelo abandono prematuro não frustrou o fascínio de um supremo confronto com jogo da vida - sob o qual cintila, cínica, A Cor do Dinheiro
Primeiro aspecto notório e distinto, num memorial sob o signo de Hollywood: embora pareça pomposo sugerir, em A Cor do Dinheiro (1986) ressalta, desde logo, a marca de um cineasta como Martin Scorsese - e tal sensação percorre todo o corpo ficcional quanto aos estigmas duma criatividade singular e envolvente. O que é tanto mais significativo, quanto constitui um filme em relação ao qual se evocará uma precedente sagração de imaginários… Explicitando: A Cor do Dinheiro baseia-se em romance homónimo (The Color of Money) de Walter Tevis, que recoloca as vivências de uma figura sedutora mas ambígua, já explorada pelo escritor numa obra (The Hustler) igualmente levada ao cinema, por Robert Rossen: A Vida É Um Jogo (1961).

Paul Newman volta a encarnar a personalidade de Fast Eddie Felson, que lhe havia valido uma nomeação ao Óscar da Melhor Interpretação Masculina. Mas, ao contrário do que teriam pretendido os argumentistas Rossen e Sidney Carroll na versão anterior, Scorsese decidiu com Richard Price manter apenas a personagem (e o seu protagonista) face ao contexto dramático previamente explorado (entre Tevis e Rossen) - a partir do qual foi desenvolvida uma incidência sobretudo alegórica e nuançada pelos conflitos psicológicos, a crise dos valores e os contrastes de época, entre os que personificam distintas gerações.

Em A Vida É Um Jogo, o jovem Eddie - um talento intuitivo e vigoroso para a arte do bilhar - vê a sua carreira lucrativa e uma intensa ligação sentimental subitamente fracassadas, quando a companheira se suicida, atormentada pelos remorsos de o haver traído com o próprio promotor e empresário. A transparência insinuante, vibrátil, sobre o cerimonial exibicionista do bilhar e a mística de implicações subsidiárias, esbate uma saturada incidência através das ilusões, desvarios, roturas em que se expiam sem resgate os precários heróis.

Tudo isto parece ignorado por A Cor do Dinheiro - mas, como mesmo Newman reconheceria, Felson em A Vida É Um Jogo tinha «ficado incompleto». Desperta, assim, ao fim de vinte e cinco anos de letargia invocando, vaga e sombriamente, ter-se visto forçado a abandonar a actividade… Ei-lo, agora, banqueiro de outros praticantes, nos quais investe em apostas de circunstância, paralelamente à vantajosa profissão como traficante de álcool. Porém, como confessará, «o dinheiro do jogo dá mais gozo do que o ganho a trabalhar…»

É dessa única emoção, entre a vertigem e o êxtase, que se constitui o filme de Scorsese, com sugestivas conotações sexuais e incidências quase sagradas. Assim assume Felson a sinuosa digressão desde o instante em que se revê, na máscula tacada do jovem mas rebelde Vincent, até ao clímax que o redime no templo do bilhar em Atlantic City. A tournée que começam juntos e concluem em rotura será, para ambos, um ambíguo ritual de iniciação e exorcismo, de confronto ou identidade, malogrando-se a ténue disciplina que os determinaria de mestre / discípulo a cúmplice / adversário.

Daí, a relevância e subalternidade que assume A Cor do Dinheiro em sentido literal. Definindo as regras duma engrenagem complexa mas tácita, que passa pelas tácticas de superação na disputa, embora dependa especialmente de cada uma das partes envolvidas. Para Scorsese, já não é sobretudo a questão do bilhar que está em jogo, mas tão só a matéria do dinheiro que está em causa. Como resulta dos seus filmes, existe uma mundivivência simultaneamente fascinante e sórdida, solidária e cruel, vitimadora e resgatada, através da qual sobressaem sujeitos modelados por estranhas motivações, com secretos fantasmas, vinculados a desígnios de candura e perversão.

A transição de Eddie, desde que é humilhado por um pretenso profissional (hustler), até ao reassumir-se na competição, é simultaneamente notória e alegórica: o seu mergulho na piscina (pool) representa tanto a purificação nas águas, ou o reingresso nas energias da mesa de bilhar (pool), como a parada de uma decisiva aposta (pool) em que se arrisca o futuro… Como sempre em Scorsese, outra perturbante dimensão concerne ao compromisso com as mulheres. Com uma enigmática sensualidade, os olhares e os silêncios, elas controlam ou dominam, mesmo, um universo que aos homens parece oferecido e revelado, pelos rituais atléticos, pela virilidade, a prepotência, a ingenuidade, a violência ou a destruição.

Importa sublinhar que, embora a dinâmica de implicações transcenda o estrito universo e abrangência do bilhar, foi conferida especial verosimilhança à respectiva ambientação - na recriação duma atmosfera típica (com a presença constante, durante a rodagem, dos antigos campeões Steve Mizerak, Louis Louis e James Mataya), ou quanto ao rigor dos executantes. Aliás, tanto Paul Newman como Tom Cruise realizam efectivamente, com perícia e desenvoltura, as suas intervenções. Newman foi aluno de Willy Mosconi (ao tempo de A Vida É Um Jogo), enquanto Cruise recebeu lições do veterano Michael Sigel.

BREVIÁRiO

Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema edita Clint Eastwood - Um Homem Com Passado; organização literária de Maria João Madeira. IMAG.37-56-233-234

¸ZON Lusomundo edita em DVD, A Cor do Dinheiro (1946) de Martin Scorsese; com Paul Newman e Tom Cruise. IMAG.13-61-81-85-90-96-109-134-217

EXTRAORDINÁRIO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

HÁ UM REINO SUSPENSO
NA FLORESTA EM TRANSE - 3

 Dádivas, dívidas. Trinta anos antes, Júlio Oliveira não aguentara mais o quotidiano de miséria encapotada, sem expectativas como professor em Campo de Bonfim, próximo Setúbal. Apesar da paixão por Ester Rocha, uma moça humilde e decente que ali desposou, tinha partido enfim com raiva e rancor, contra si mesmo na injustiça dos desígnios humanos. Sobretudo, ao despedaçar-se porfiando em vão pelas cinco partidas do Mundo, sob remorsos e desesperança, debatia-se cobarde com o fantasma expectante da sua amada que, saudoso, sempre o obsidiava como um sexto sentido.

Continua


    

IMAGINÁRiO245

01 OUT 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SAGRAÇÃO



Heróis que irradiaram ao longo de décadas, consumando o talento dos seus autores, para fascínio de sucessivas gerações, tendem a transcender o precário ciclo vital daqueles que os conceberam, tornando-se criaturas virtuais e imortais. Mesmo no universo em quadradinhos forjado pela escola europeia, em que o signo da paternidade é mais forte e subtil, tal fenómeno converte-se em realidade actual - exceptuando o exemplo umbilical de Tintin por Hergé, quanto aos exemplos primordiais de Blake & Mortimer de Edgar P. Jacobs, Lucky Luke de Morris ou, no futuro, Astérix o Gaulês de René Gosciny & Albert Uderzo... Tal expectativa, expressa já por Éditions Albert-René, consuma - aliás - a dimensão global e emblemática do extraordinário ícone que, da banda desenhada, sagraria - por excelência cultural - os irredutíveis símbolos comunitários e libertários. Em homenagem a Uderzo, e a propósito dos oitenta anos, assim atesta Astérix e os Seus Amigos - entre nós, sob chancela das Edições Asa - em que trinta e quatro notáveis artistas, de todos os géneros e idades, dão uma visão peculiar da saga, nela fazem interagir os próprios protagonistas, ou estilizam um humor lúcido e um amor lúdico à aventura imaginária. IMAG.2-4-21-29-37-58-69-76-94-101-136-179-206

MEMÓRiA

02OUT1869-1948 - Mahatma Gandhi: «A intolerância é, em si mesma, uma forma de violência e um obstáculo ao crescimento de um verdadeiro espírito democrático». IMAG.164

02OUT1879-1955 - Wallace Stevens: «A noite de Verão corresponde a um pensamento perfeito».

03OUT1929-2004 - Jacinto Ramos: «O que me dá uma satisfação do dever cumprido é o facto de ter lutado sempre para interessar as pessoas pelo teatro e pelo cinema, ou pela rádio e pela televisão, ou seja pelo espectáculo». IMAG.17

1908-06OUT1989 - Bette Davis: «Nunca lutei por nada de um modo traiçoeiro. Não lutei por nada, a não ser pelo bem dos filmes em que fui actriz». IMAG.35-117-139-194

1920-06OUT1999 - Amália Rodrigues: «Quando alguém é conhecido só pelo nome próprio, já não se pode ir mais além» (José Saramago). IMAG.20-33-226-239

CALENDÁRiO

1927-11ABR2009 - María del Socorro Tellado López, aliás Corín Tellado: («A sua vasta produção ficará como exemplo de um fenómeno sociocultural» - Mario Vargas Llosa) - «Um dia, a mulher terá o mesmo peso que o homem».

18-26ABR2009 - Em Coimbra, decorre o XVI Festival Caminhos do Cinema Português.

24ABR-28JUN2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Ir & Vir, exposição de pintura de Emerenciano.

PARLATÓRiO

As minhas novelas são muito elaboradas, embora não autobiográficas. Sofri muito como mulher, porém escrevo sempre de pessoas da alta sociedade, rodeadas de luxo. Nunca foi o meu caso. Faço por integrar-me nas personagens, mas sempre evitei reflectir-me ou evidenciar o meu estado de espírito. É algo que está fora de todos os meus livros. Posso narrar a cena mais sensual ou erótica, permanecendo sentada no estúdio familiar, com os joelhos tapados por uma manta, e saboreando um chocolate... De facto, Jules Verne nem saía de casa, e imaginava aventuras com foguetões, submarinos...
Corín Tellado

OBSERVATÓRiO

http://lauroantonioapresenta.blogspot.com/ - Lauro António Apresenta... Comentários, críticas a obras actuais, anotações, referências, lembretes, notícias, e tudo o mais que vale a pena referir... Ao sabor do tempo e do local. «Os que seguem um blogue, seguem-no não para estarem de acordo acriticamente, para seguirem como rebanho, mas para dialogarem, para confrontarem-se com quem aqui escreve.»

INVENTÁRiO


AMÁLIA RODRIGUES

- Filmes & Fados

¯A maior fadista, falecida com 79 anos, Amália Rodrigues não foi apenas a voz mais amada entre nós, tendo enobrecido a sua arte em todo o mundo. Amália foi, também, uma distinta e deslumbrante actriz de cinema. Assim, a melhor homenagem a tributar-lhe, é olhá-la e ouvi-la - através dos seus filmes vibrantes e imortais. Entretanto, Amália permanece integral em Uma Estranha Forma de Vida (1995 - Bruno de Almeida).

Caberá distinguir as três longas metragens essenciais, quanto à vocação artística e à motivação icónica, na carreira de Amália Rodrigues pela sétima arte: Capas Negras (1947) - que assinalou a sua revelação no fascínio da tela, por Armando de Miranda; Fado - História d’uma Cantadeira (1947) de Perdigão Queiroga, um drama castiço e bairrista; Sangue Toureiro (1958), tendo Augusto Fraga dirigido esta nossa primeira ficção a cores.

Capas Negras foi, por cá, um dos maiores sucessos comerciais, durante 22 semanas em cartaz. Amália contracena com outro popular cançonetista - Alberto Ribeiro; e o enredo possui uma estrutura essencialmente musical - quanto à história e seus termos simbólicos ou apelativos. O próprio fado surge como a vedeta - colocando a par, ou em contraste mesmo, as expressões lisboeta e coimbrã, centradas no ambiente universitário.

Logrando também o êxito, Fado - História d’uma Cantadeira celebrou, sobretudo, Amália pelo culto popular, conservando-se ainda hoje na emoção dos espectadores. Os amores simples e os dilemas da fama, envolvendo figuras características, evocam a capital de um imaginário mítico, onde ainda sobressaem António Silva ou Virgílio Teixeira. Amália está irradiante, e por tal foi distinguida com o Prémio do SNI à Melhor Actriz.

Outros são os tempos e as expectativas em que evolui Sangue Toureiro. A cor era, então, vista como um melhoramento capaz de actualizar a nossa indústria, quando a cinefilia voltava a congregar - em outro momento histórico - a funesta paixão de uma fadista já consagrada, por um ídolo das arenas - Diamantino Vizeu. A acção decorre entre Lisboa e o Rio de Janeiro, em ambientes cosmopolitas mas sentimentalmente precários.

Entretanto, prosseguira a exibição de Amália em grande ecrã. Apenas intervindo em Sol e Toiros (1949) de José Buchs, Leitão de Barros provou os seus talentos dramáticos, num Vendaval Maravilhoso (1949). Henri Verneuil projectou-a além-fronteiras, com Os Amantes do Tejo (1954). Já depois, Fado Corrido (1964) trouxe-a estilizada, pela mão de Jorge Brum do Canto e conquistando um outro galardão do SNI à intérprete.

No ano seguinte, Amália Rodrigues voltou a arrebatar o troféu do SNI, por aquela que seria a sua última e impressionante representação - em As Ilhas Encantadas (1965) de Carlos Vilardebó. Conferindo, embora, outras participações esporádicas, e além de várias intervenções tipificadas como fadista, em especial lá fora e pelas décadas de ’50-’60, esta é a notável actriz que permanece, primordial. Porque é, sempre, preciso recordar Amália.

BREVIÁRiO

Relógio D’Água edita A Loucura de Deus - Do Combate dos Três Monoteísmos de Peter Sloterdijk; tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira.

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon-Unitel, Félix Mendelsohn [1809-1847]: Concerto Para Violino Op. 64, Sonata, Trio Op 49 por Anne-Sophie Mutter; Orquestra Gewandhaus de Leipzig, sob a direcção de Kurt Masur. IMAG.175-205-231

Dom Quixote edita A Arte da Alegria de Goliarda Sapienza; tradução de Simonetta Neto.

Assírio & Alvim edita Ofício Cantante - Poesia Completa de Herberto Hélder. IMAG.221

PARLATÓRiO

Eu creio em mim mesmo. Creio nos que trabalham comigo, creio nos meus amigos e creio na minha família. Creio que Deus me emprestará tudo o que necessito para triunfar, contanto que eu me esforce para alcançar com meios lícitos e honestos. Creio nas orações e nunca fecharei meus olhos para dormir, sem pedir antes a devida orientação a fim de ser paciente com os outros e tolerante com os que não acreditam no que eu acredito. Creio que o triunfo é resultado de esforço inteligente, que não depende da sorte, da magia, de amigos, de companheiros duvidosos ou do meu chefe. Creio que tirarei da vida exactamente o que nela colocar. Serei cauteloso quando tratar os outros, como quero que eles sejam comigo. Não caluniarei aqueles de quem não gosto. Não diminuirei o meu trabalho por ver que os outros o fazem. Prestarei o melhor serviço de que sou capaz, porque jurei a mim mesmo triunfar na vida, e sei que o triunfo é sempre resultado do esforço consciente e eficaz. Finalmente, perdoarei aos que me ofendem, porque compreendo que às vezes eu ofendo os outros e necessito de perdão.
Mahatma Gandhi

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

HÁ UM REINO SUSPENSO
NA FLORESTA EM TRANSE - 2

 Mesmo ao lado, a cadeira que quase fizera cair Júlio. Desse brusco atropelo, porventura, reanimava-se agora um vulto de mulher, meio reclinada, em gestos torpes, que uma longa letargia mantinha ainda alheada.

Júlio ficou atónito. Ali estava Ester, sua esposa, e tão jovem - tal como a havia abandonado! Que situação era aquela? Como podia ser? E agora? Que sarcasmo horrível do destino o colocava, assim, perante a mais grotesca experiência do infortúnio e da provação?

O imprevisível paradoxo físico de Ester já reagia, seu corpo estremeceu e, finalmente, ela viu-o, revelando uma estranha naturalidade. Depois, algo lhe perturbou o belo rosto, enquanto balbuciava umas palavras:

- Júlio… Júlio, és tu? Júlio, não te vás embora… Oh! Júlio, onde é que nós estamos, e o que se passa contigo?!

Ela de um sono indefinido, ele num sonho indeferido... Ambos se sentiam pairar no mais delírio absurdo, entre a existência e a realidade.

Destinos incompletos, cujo debate se assombra de renúncias e excessos. Júlio era um homem de porte másculo, para um cinquentão que havia regressado às origens do seu tormento, em busca nostálgica de redenção. E vacilava a inefável Ester, em qual quebranto suspenso de uma rotura angustiante, que se precipitava sobre a brutal incongruência daquele reencontro.

– Continua     


IMAGINÁRiO244

· 24 SET 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

INICIAÇÃO



Crítico de cinema n’O Século - uma primeira crónica foi sobre Moana, de Robert Flaherty - e depois no Cinéfilo, Jorge Brum do Canto (1910-1994), influenciado pela vanguarda francesa, não resistiu ao apelo criativo. A Dança dos Paroxismos - sua primeira experiência, dedicada a Marcel l’Herbier - começou a ser rodada em 1929, e para além da direcção, foi autor do argumento e dos décors e ainda intérprete principal. Revelando intenções, Brum do Canto asseverou que «este meu primeiro passo, nos domínios tentadores mas perigosos, do cinematógrafo, não é um filme vanguardista, como impropriamente o poderiam intitular, à semelhança do que costuma suceder com qualquer obra que possua certa ousadia - ou certo pretensiosismo... -, quer assente sobre uma base arrojada, quer desenvolva um estilo menos comum. Pondo de parte o subjectivismo fácil, pretendo apenas, neste ensaio, nesta dança visual, reunir, em um só bloco, o máximo, o paroxismo das actuais possibilidades objectivas do cinema, em que já de si são paroxismos». Depois de concluída e exibida em sessão privada, para um restrito número de pessoas, no Central em 1930, Brum do Canto decidiu mantê-la inédita para o público em geral. Só 1984, num ciclo dedicado à sua obra na Cinemateca Portuguesa, foi de novo possível ver esta obra de cariz único no cinema nacional. 

VISTORiA

A Universidade de Coimbra, que antigamente era quase que o nosso único estabelecimento científico, conserva ainda hoje o primeiro lugar entre os outros que a revolução liberal criou e engrandeceu. Entre os seus antigos alunos ou professores contou ela sempre homens ilustres, tais como Luís de Camões, Gabriel Pereira de Castro, Sá de Miranda, António Ferreira; depois os dois Elpinos, Durão, Mello Freire, Brotero, José Anastácio, S. Luís, Sacra-Família, Garrett, Castilhos, Coelho da Rocha, e muitos outros. Os partidos políticos deveram-lhe e devem-lhe ainda hoje alguns dos seus principais caudilhos e ornamentos: J.A. d’Aguiar e F.A. Lobo, António Ribeiro Saraiva, Bruschy, Gomes d’Abreu, José Estêvão e os dois Passos honraram este alcaçar das letras. A literatura contemporânea recebeu d’aqui muitos dos seus melhores florões: João de Lemos, Soares de Passos, João de Deus, João Penha, e outros que continuam as tradições gloriosas da nossa história literária, receberam das auras do Mondego as inspirações das suas musas.

A.A. da Fonseca Pinto (1830-1893)
Panorama Fotográfico de Portugal

CALENDÁRiO

1919-29MAR2009 - Samuel Buren Ely, aliás Monte Hale: Actor de Hollywood sagrado como cowboy cantor, cujas aventuras pelo faroeste foram transpostas em quadradinhos, e fundador com Gene Autry do Western Heritage Museum.

07ABR2009 - A pintora Maria Keil é distinguida com o Grande Prémio Aquisição 2009 pela Academia Nacional de Belas Artes. IMAG.13-150

17ABR-28JUN2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I apresenta Pássaro Solitário, exposição de pintura, guache e tinta-da-china de Ramón Gaya.

23ABR2009 - Atalanta Filmes estreia Um Amor de Perdição de Mário Barroso; sobre a obra de Camilo Castelo Branco, com Tomás Alves e Patrícia Franco. IMAG.27-31-41-87-111-113-145-146-161-171-179-180-185-209-227-236

NOTICIÁRiO

Uma Vítima do Amor

No último Domingo, deu entrada na Cadeia de Oliveira de Azeméis, seguindo depois para Arouca, de onde é natural, uma rapariga de dezoito anos, que ia do Porto, para onde havia fugido na companhia de um rapaz, o qual, segundo se diz, a abandonara, ausentando-se para o Brasil. A infeliz, que a par com as feições delicadas, possui uns olhos extremamente belos, padece um tanto de idiotismo. Canta e ri quase constantemente, o que a torna ainda mais encantadora, mas, no meio dessa alegria, tem momentos em que o seus lindos olhos se tornam em fontes de pranto!, pensando talvez naquele que lhe pagou com ingratidão o amor puro que lhe tributara. Essa pobre rapariga vai para a sua terra a requisição de seus pais, que, segundo consta, são de remediada fortuna.

01SET1888 - Diário de Notícias

MEMÓRiA

1903-27SET1969 - Roberto Nobre: «Um jovem alto, muito magro, um chapéu de abas largas a encimar os grandes óculos que quase lhe anulavam o rosto; e no espírito o veemente desejo de se revelar como artista» (Ferreira de Castro). IMAG.13-58

TRAJECTÓRiA

ROBERTO NOBRE



José Roberto Dias Nobre nasceu em São Brás de Alportel, a 27 de Março de 1903. Desde a juventude, revelou tendências artísticas - para a escrita e o desenho. Seguiu o Curso Geral dos Liceus, e veio a empregar-se numa empresa comercial, chegando a chefiar os Serviços de Publicidade da companhia Singer, assim se reformando pouco antes de morrer. Era casado com Maria do Céu Nobre. Autor de livros (como Crítica e Auto-Crítica Em Eça de Queiroz - 1946, Singularidades do Cinema Português - 1964), jornalista, pintor, ilustrador (sobretudo obras de Ferreira de Castro), crítico de arte e de cinema. Pioneiro do cartazismo em Portugal, artista de banda desenhada, realizador do filme Charlotin e Clarinha (1925). Enquanto criador independente, sacrificou os interesses pessoais, evitando envolver-se em círculos ou em negócios que pudessem prejudicar as suas opções éticas e mediáticas. Deplorando o Estado Novo, recusou-se a colaborar na Exposição do Mundo Português (1940). Ou, como sublinhou António Ventura (in O Imaginário Seareiro - 1989), «em momentos decisivos da vida pública portuguesa, Roberto Nobre esteve ao lado da oposição; assinou, por exemplo, alguns documentos fundamentais do Movimento de Unidade Democrática / MUD - o Manifesto dos Intelectuais» (NOV1945), ou protestos contra a censura (NOV1953, OUT1957). Efectuou viagens de estudo a Espanha, Bélgica, França, Holanda e Norte de África. Membro da Sociedade Nacional de Belas-Artes ou sócio da Caixa de Previdência dos Profissionais da Imprensa de Lisboa, desvinculou-se por discordar, pontualmente, com as orientações seguidas pelas respectivas direcções. Após longa e dolorosa doença, faleceu em Lisboa, a 27 de Setembro de 1969.

BREVIÁRiO

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Bel Canto por Elina Garanca; Coro e Orquestra do Teatro Comunale de Bolonha, sob a direcção de Roberto Abbado.

Imprensa da Universidade de Coimbra edita Coimbra - A Montagem do Cenário Urbano de Jorge de Alarcão.

Columbia edita em DVD, Taxi Driver (1976) de Martin Scorsese; com Robert De Niro e Jodie Foster. IMAG.27-41-44-61-67-81-85-109-134-217

Teorema re-edita Se Isto É Um Homem de Primo Levi; tradução de Simonetta Cabrita Neto. IMAG.126-236

Libri Impressi edita Surge... Ferd’nand - Tiras de 1937; clássico em quadradinhos por Mik - aliás, Henning Dahl Mikkelsen (1915-1982).

Sá da Costa edita Ensaios e Estudos - Vol. 1 de Vitorino Magalhães Godinho.
IMAG.207

Dom Quixote edita Obra Completa 1969-1985 de Nuno Bragança. IMAG.212

iPlay edita em CD, sob chancela Valentim de Carvalho, Essência: Os Anos Valentim de Carvalho 1982-1983 por Né Ladeiras.

Edições Tinta da China lança Edgar Allan Poe [1809-1849] - Obra Poética Completa; tradução, introdução e notas de Margarida Vale do Gato, ilustrações de Filipe Abranches. IMAG.17-29-66-129-211

VISTORiA

Entre as críticas das várias Artes é a crítica de cinema aquela que, em geral, vejo fazer mais ligeiramente, e ela afigura-se-me tanto ou mais complexa que as outras. Não é isto apenas pelas específicas qualidades intelectuais do crítico, mas também pelas dificuldades práticas do próprio acto de crítica.

Não basta ser sincero e impessoal, e ter uma cultura genérica. É necessário um amplo conhecimento material da coisa cinematográfica, complexa, multimoda e volúvel. Além da cultura artística, ela obriga a uma prolixa variedade de conhecimentos técnicos, verdadeiros segredos da alquimia dos estúdios e laboratórios, abrangendo especializações tão restritas que raros podem, em consciência, afirmar dominá-las a todas. Só de termos técnicos há um verdadeiro dialecto.

Para as Artes Plásticas, Literatura e Dramaturgia os cânones, salvo interpretações subjectivas, estão de há muito fixados e estudados em pormenor. O mesmo não sucede com o cinema. É fácil a qualquer anotar as qualidades de espectáculo e construção dramática de uma película, impressões globais para que basta cerrar os olhos e rever in mente o filme. Mas se o crítico quiser pronunciar-se em pormenor sobre o valor técnico e plástico, logo se agigantam dificuldades.

Ao espectador só lhe interessa a sensação recebida. Mas tudo isto é necessário notar e tudo isto é simultâneo, tudo isto se atropela a cada instante perante os olhos daquele que não pode perder de vista os valores intelectuais, artísticos, técnicos e emocionais da história que as imagens lhe contam.

A crítica implica, evidentemente, cultura.

Roberto Nobre
Crítica de Cinema (Anuário Cinematográfico Português - 1946)

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

HÁ UM REINO SUSPENSO
NA FLORESTA EM TRANSE - 1

 3 de Outubro de 1917

Júlio Oliveira sacudiu a mão onde, sofregamente, se haviam grudado os musgos e detritos, com o seu simples gesto de dar a volta à chave. Inquieto, deteve-se por um instante. Mas logo se decidiu, empurrando a tosca porta que, ao ranger, lhe parecia desvanecer um arco temporal - entre a sua trágica partida e este regresso, agora, tão intenso de melancolia e ansiedade.

Ao transpor o umbral da velha casa, Júlio sentiu uma excitação lúgubre, visceral, que o atraía para o interior, onde umas réstias de luz difusa, a partir das frestas do telhado, eram o único sinal de vida entre a obscuridade inerme e os aromas mórbidos.

Avançando meio às cegas pelo que sabia ser a cozinha, Júlio tropeçou, e a custo conseguiu manter o equilíbrio. Já refeito e ambientado à penumbra que matizara com a sua entrada, Júlio dirigiu-se a uma das janelas, forcejando-a até abrir num rompante espectral.

Era assim mesmo, um mundo desfeito e transido, aquele que Júlio tinha diante de si. E, no entanto, pairava também uma atmosfera doce, apelativa, lânguida, através das poeiras, das teias de aranha, que tudo cobriam. Reconheceu a lareira, a mesa sobre a qual estava um candeeiro de petróleo. Tudo exausto, consumido até ao limite da resistência.

 Continua     


IMAGINÁRiO243

16 SET 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

POÉTICA(S)



A poesia como um espelho de palavras - reflexo do que somos, projecção do que sentimos, refracção de leituras, memórias, pessoas, paisagens... Íntima expressão, testemunho partilhado, vivências impressivas, emoções recriadas. A mensagem no limiar do silêncio, a música no compasso do tempo. Publicação, partilha... Professor, ensaísta, tradutor, especialista em literaturas inglesa e norte-americana, personalidade influente da cultura e da análise crítica, Salvato Telles de Menezes desvendou-se - entre a inquietude das experiências e as referências da maturidade - um construtor transfigurante de A Parede do Céu (2006), um revelador enigmático em a/c. m.a.[i]- 54 poemas de amor e 5 de maledicência (2007), ambos sob chancela Campo da Comunicação, na colecção Poíêsis. Subtil autoria, ritual aliciante, que surpreende e estimula pelo processo amplo, estrito, textual, confessional, caloroso, evocativo, de uma escrita portanto rigorosa, apropriada, aparente, siderante, minuciosa, suficiente, necessária, irónica, pausada, generosa, virtual, de emulação e afirmação nesta matéria/condição humana, diversa e peculiar, lacunar e persistente, em que existimos, cada um, consigo mesmo, tão incompletos e essenciais.

CALENDÁRiO

1962-16MAR2009 - Nicholas Hughes: Investigador inglês, filho dos poetas Sylvia Plath e Ted Hughes, ceramista, biólogo marítimo, professor de Ictiologia e Ciências Oceânicas na Universidade do Alasca-Fairbanks.

1963-18MAR2009 - Natasha Richardson: Actriz inglesa de teatro e cinema, filha de Vanessa Redgrave e Tony Richardson, casada com Liam Neeson - «Sinto-me bem na minha pele».

19MAR2009 - FBF Filmes estreia 100 Volta de Daniel Souza; com Daniel Souza e João Pedro Pinto.

19MAR2009 - Midas Filmes estreia A Corte do Norte de João Botelho; sobre o romanesco de Agustina Bessa-Luís, com Ana Moreira e Virgílio Castelo. IMAG.1-11-33-68-83-92-168-189-209-216-223-236-239

28MAR2009 - Em Lisboa, é apresentado o Centro Mário Dionísio-Casa da Achada, a inaugurar em SET/OUT, em homenagem ao escritor e pintor (1916-1993) neo-realista. IMAG.89

1924-29MAR2009 - Maurice Jarre: «Trabalhando com os maiores cineastas do mundo, enquanto compositor mostrou que a música é tão importante para o sucesso de um filme como as próprias imagens» (Nicolas Sarkozy).

1936-28MAR009 - Fernando Correia Martins: «Foi um extraordinário músico e maestro, mas o país tem memória curta» (Simone de Oliveira).

1913-29MAR2009 - Helen Levitt: «Poeta-fotógrafa suprema das ruas e da gente de Nova Iorque» (Adam Gopnik).

MEMÓRiA

10SET1659-1695 - Henry Purcell: Cantor e compositor inglês, organista da Capela Real (1682), autor das óperas Dido e Eneias (1689), Rei Arthur (1691) e A Rainha das Fadas (1692) - «Fly, bold rebellion, make baste and be gone! / Victorious in counsel great charles is returned, / The plot is displayed and the traitors, some flown / And some to avernus by justice thrown down.» (Fly, Bold Rebellion - excerto).

1888-22SET1989 - Irving Berlin: «Um conselho dou, a todos os artistas que estão a lançar-se: nunca menosprezes uma canção que já vendeu meio milhão de discos».

3SET1889-1974 - Walter Lippmann: «Quando todos pensam o mesmo, ninguém está a pensar».

1856-23SET1939 - Sigmund Freud: «Somos feitos de tal modo, que só o contraste nos causa um prazer intenso - mas, muito pouco prazer, aquilo que perdura. É assim que a nossa própria constituição diminui o leque de possibilidades de atingir a felicidade». IMAG.31-81-117-199

ANUÁRiO






1989 - Obra-prima simbólica e sarcástica, The Sandman inicia-se em quadradinhos, sob chancela DC Comics pela vertente Vertigo, com The Sound of Her Wings. Por vários anos, Neil Gaiman rompeu todas as convenções romanescas, fundiu arquitecturas ficcionais, aprofundou os etéreos paradoxos de uma identidade humana, atraindo notáveis talentos gráficos - como Mike Dringenberg, Simon Bisley, P. Craig Russell, Malcolm Jones III, Sam Keith, Dick Giordano, Charles Vess ou Barry Windsor-Smith. IMAG.17-21-25-26-34-49-60-86-117-188

VISTORiA









Nostalgia

¨É de noite;
chove:
lágrimas no espelho da janela.

Só o som é diferente:
o lendário ruído das armas;
a memória
de outra chuva e outro espelho:
o reverso de chumbo.

O teu rosto
reflectido no fero ferro:
triste.

Salvato Telles de Menezes
A Parede do Céu

O Material Infantil
Como Fonte dos Sonhos
Eu devia ter dez ou onze anos, quando o meu pai começou a levar-me consigo nas suas caminhadas e a revelar-me, nas suas conversas, os seus pontos de vista sobre as coisas do mundo em que vivemos. Foi assim que, numa dessas ocasiões, ele me contou uma história para me mostrar como as coisas estavam melhores, naquela época, do que nos seus dias. «Quando eu era jovem», disse ele, «fui dar um passeio, num sábado, pelas ruas da cidade onde tu nasceste; estava bem vestido e usava um novo gorro de pele. Um cristão dirigiu-se a mim e, de um só golpe, atirou o meu gorro para a lama e gritou: “Judeu! sai da calçada!”...» «E o que fez o senhor?», perguntei-lhe. «Desci da calçada e apanhei o meu gorro», foi sua resposta mansa. Isso pareceu-me uma conduta pouco heróica, por parte do homem grande e forte que segurava um garotinho pela mão. Contrastei essa situação com outra, que se ajustava melhor aos meus sentimentos: a cena em que o pai de Aníbal, Amílcar Barca, fez o seu filho jurar, perante o altar da casa, que se vingaria dos romanos. Desde essa altura, Aníbal esteve presente nas minhas fantasias.

Sigmund Freud
A Interpretação dos Sonhos (excerto)

INVENTÁRiO





«O Sombra ri, e os facínoras estremecem de medo. Uma estranha, feroz criatura de manto negro, com olhos flamejantes, brilhando no escuro, uma forma silenciosa flutuando pela noite...» Assim descreve The Shadow Laughs - novela de 1931, por Walter Brown Gibson, sob o pseudónimo de Maxwell Grant. Previamente, The Shadow apareceu na rádio, em Agosto de 1930, em Detective Story, da CBS; o próprio Orson Welles lhe cedeu a bem timbrada voz. Em Abril de 1931, surgiu o primeiro pulp, The Living Shadow, edição Street and Smith - que, em Março de 1940, lançou uma revista de quadradinhos (com arte de Jack Binder, Bud Powel ou Edd Cartier). Figura misteriosa, personalidade altruística mas paranóica, cuja missão é ajudar os inocentes e punir os culpados, o Sombra manifesta uma inquietante faculdade para resolver os mais intrincados crimes. Num mundo de terror, corrupção e violência, a sua feroz gargalhada faz gelar o sangue aos mais implacáveis bandidos. Mas quem se esconde por detrás da enigmática silhueta, com chapéu de abas largas? E quem é, afinal, o elegante Lamont Cranston, milionário e explorador? A princípio, o Sombra não tinha identidade certa, podendo assumir várias formas. Cranston, Kent Allard, Ying Ko - só em 1937 se fixaria, mais, no principal alter-ego. Em 1963, Gibson escreveu Return of the Shadow em nome próprio, após 283 novelas como Grant. Nos jornais, Vernon Green desenhou O Sombra em 1938-1942. A partir de 1973, Mike Kaluta prestigiou-se como primordial ilustrador. Em grande ecrã, foi protagonizado por Rod LaRocque (1937-1938), Victor Jory (1940), Kane Richmond (1946) e Alec Baldwin (1994)... O Sombra era, também, um dos heróis favoritos de Franklin Ferreira da Silva - falecido no mesmo dia, 29 de Outubro de 2000, em que se encerrou o Cinema São Jorge, do qual durante anos foi Secretário-Geral. Mas, Franklin tornou-se também, em 19 de Julho de 1979, o primeiro coordenador de Especial Quadradinhos, nas páginas de A Capital, onde como O Sombra assinava a Apresentação. Pelas imagens gráficas e animadas, em amizade cúmplice, eis a nossa homenagem singela, sempre de muita saudade... O Sombra sabe! IMAG.231

BREVIÁRiO

Em Obras Escolhidas de Sigmund Freud, Relógio d’Agua edita Autobiografia Intelectual e História do Movimento Psicanalítico.

Nuevos Medios edita em CD, sob chancela Fat Possum, Noble Beast de Andrew Bird.

Presença edita O Principezinho [1943] Segundo a Obra de Saint-Exupéry (1900-1944) de Joann Sfar. IMAG.88

Universal edita em CD, sob chancela L’Oiseau-Lyre, George Friedrich Händel [1685-1759]: 12 Concerti Gossi por Il Giardino Armonico, sob a direcção de Giovanni Antonini. IMAG.196-222

Dom Quixote edita Nostromo de Joseph Conrad (1857-1924); tradução original (de Ana Maria Chaves, 1983) revista e actualizada. IMAG.157-213-224

Dargil edita em CD, sob chancela Warner & Winter, Henry Purcell: Fantazias of Four Parts (Fantasias Para Violas) por Il Suonar Parlante, com Vittorio Ghielmi.
Quási re-edita Perdidamente de Florbela Espanca (1894-1930). IMAG.17-80-151

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

ESCAVA-SE O MUNDO
NO PORTUGAL PROFUNDO - 6

 Queria lá mais saber da sua gente - que passou à deriva, e vulnerável. Agora, a bem-aventurança ou a inclemência, era com ele próprio. Antes que o mundo quebrantasse, o desvairado Evaristo havia de pôr-se a salvo.

Seguindo a pedinchice por mais um copito, à beira das barracas do vinho. O primeiro pifão estremeceu-o, no último transcendeu-se.

Finalmente, era um regalo. Estava grosso e imortal.

 – Continua



   

IMAGINÁRiO242

08 SET 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CONEXÕES



A vivência centenária do Diário de Notícias - nascido em 1864, como jornal de essência popular - tornou-o referência e, por vezes, protagonista da realidade portuguesa, nas áreas social, política, cultural... Em 1919, surgia como produtora uma Secção Cinematográfica do Diário de Notícias; em 1921, um documentário sobre suposto Duelo Nascimento Fernandes e Alves da Cunha servia para propagandear o lançamento de uma edição da noite... Além da periódica incidência testemunhal, Solo de Violino (1990) de Monique Rutler envolveu o director do DN, Alfredo da Cunha, nos pretextos da ficção por 1917, com a mulher, Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha do respectivo fundador... Este mesmo, Eduardo Coelho (Nicolau Breyner) é representado em O Mistério da Estrada de Sintra (2007) - editado em DVD, sob chancela ZON Lusomundo - de Jorge Paixão da Costa, a propósito do folhetim de sensação criminal, ali efectivamente publicado, e escrito por Eça de Queiroz (Ivo Canelas) e Ramalho Ortigão (António Pedro Cerdeira). Uma trama empolgante e vertiginosa, que abala e avassala a pacata Lisboa de 1870 numa teia de perigos, cumplicidades e desafios, cujo fascínio entre as luzes e as trevas se projectaria, até à nossa latente actualidade.

ANTIQUÁRiO

10SET1919: Após a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, é assinado pelos Aliados o Tratado de Saint-Germain, segundo o qual a Itália e a Checoslováquia recebem territórios pertencentes à Áustria, sendo esta potência proibida de se unificar à Alemanha.

MEMÓRiA

08SET1819-1887 - A.M. Fontes Pereira de Melo: «Quem tudo rege, ordena e manda, é dono da locanda» (Raphael Bordallo Pinheiro - 1882). IMAG.115

1922-10SET1979 - Agostinho Neto: Poeta, primeiro Presidente da República Popular de Angola: «Palpitam-me / os sons do batuque / e os ritmos melancólicos do blue // Ó negro esfarrapado do Harlem / ó dançarino de Chicago / ó negro servidor do South» (Voz do Sangue).

15SET1789-1851 - James Fenimore Cooper: Escritor norte-americano - «Sob as instituições realmente livres, o próprio governo não é nada mais que uma concessão de poderes para o benefício de protecção e associação».

CALENDÁRiO

1926-12MAR2009 - Blanca Varela: «...El coral clava su garra en tu sombra, / tu sangre se desliza, inunda praderas...»

1939-15MAR2009 - Manuel Alvess: Artista plástico português radicado em Paris - «Cultivava o que os franceses chamam um humor décalé. Solitário, vivia num mundo à parte, parecia uma pessoa fria, mas não era. Habitava num pequeno estúdio no bairro da Bastilha, em Paris, e era o que o que se poderia chamar um tipo extraordinário. Mostrava aí as suas obras aos amigos com entusiasmo e, sempre, com um sorriso irónico. A ironia era um sinónimo dele próprio e também da sua obra» (Daniel Ribeiro).

ANUÁRiO

1520-1589 - Pêro de Andrade Caminha: «De Amor escrevo, de Amor falo e canto; / E se minha voz fosse igual ao que amo, / Esperara eu sentir na que em vão chamo / Piedade, e na gente dor e espanto.»

1946 - Paiva Raposo interpreta Pêro de Andrade Caminha em Camões - Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente de Leitão de Barros.

VISTORiA

Soneto

¨Eu cantarei de amor tão novamente,
Se me ouve aquela de quem sempre canto,
Que de mim dor e magoa, e dela espanto
Terá a mais fera, inculta e dura gente.

E ela que assi tão crua e indinamente
Dura aos meus choros é, surda ao meu canto,
Algüa parte crerá (se não for tanto
Como eu desejo) do que esta alma sente.

Mas como esperarei achar piedade
De mim nem em mim mesmo, se ela nega
(Não peço brandos já) duros ouvidos?

Se nega um volver de olhos com que cega
A luz e dá só escuro claridade,
Como serão meus danos nunca cridos?

Pêro de Andrade Caminha

INVENTÁRiO

VISÕES DE UMA SAGA



Em 1757 - fronteira de Albany, Nova Iorque - durante o inexorável confronto imperial, pelo domínio do Novo Mundo: entre ingleses, aliados dos mohawks; e franceses, ao lado dos hurons. Hawkheye - um escocês / irlandês que, em criança, fora adoptado pelo moicano Chingachgook - salva Cora e Alice Munro, escoltadas pelo major Heyward, de emboscada do guerreiro Magua - em vingança quanto à morte da família, sobre a qual culpabiliza o pai das jovens. Este comanda o Forte William Henry - e aí as conduz Hawkheye, acompanhado por Chingachgook e seu filho Unca. Mas, quando chegam, encontram um cenário caótico, sob devastador assalto... Eis o tema de O Último Moicano - uma aventura singular / colectiva, onde se cruzam as primordiais façanhas históricas, com o fascínio de um épico romântico. Um romanesco amplo, empolgante, segundo as plenas potencialidades do imaginário - sobre a América primitiva, sagrada pela mitologia sob o signo tradicional de Hollywood. Como ponto de partida, o clássico literário (1895) de James Fenimore Cooper, que Michael Mann transpôs ao grande ecrã, como O Último dos Moicanos (1992), pela décima-sexta vez - a mais lendária das quais (1920) coubera a Maurice Tourneur & Clarence Brown, dirigindo James Gordon. Mann coloca o relacionamento das personagens numa perspectiva actual, embora inspirando o perfil heróico numa outra adaptação (1936), realizada por George B. Seitz. Com argumento de Philip Dunne, Randolph Scott encarnava Hawkheye, com um bravo individualismo, generoso mas indomável. Em tal síntese entre duas culturas se transfigura a carismática versão do actor britânico Daniel Day-Lewis - assumindo a visão de Mann, também guionista / produtor, numa pulsão emocional e trepidante. Ainda em 1992, a editora Dark Horse apresentou The Last of the Mohicans - a correspondência em quadradinhos, concebida e ilustrada, a preto-e-branco, por Jack Jackson, sendo as capas coloridas de Sam Yates. Um grafismo rude, estigmatizado, alicia a narrativa vigorosa, numa correspondência vibrátil quanto à reconstituição fílmica - que, em paralelo ao esplendor da paisagem, à tragédia singular de colonos e nativos, expõe outros transes para além do bem e do mal. Choque de civilizações, raças em extinção, uma época de extraordinárias mutações, enquadram este painel fascinante e selvático, através do qual sobressai a saga insolidária de Hawkheye. Confrontando passado e futuro, e finalmente resgatado pela paixão de Cora.

VISTORiA



Noite

Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.

Agostinho Neto
Sagrada Esperança

La Muerte Se Escribe Sola


la muerte se escribe sola
una raya negra es una raya blanca
el sol es un agujero en el cielo
la plenitud del ojo
fatigado cabrío
aprender a ver en el doblez
entresaca espulga trilla
estrella casa alga
madre madera mar
se escriben solos
en el hollín de la almohada

trozo de pan en el zaguán
abre la puerta
baja la escalera
el corazón se deshoja
la pobre niña sigue encerrada
en la torre de granizo
el oro el violeta el azul
enrejados
no se borran
no se borran
no se borran

Blanca Varela

BREVIÁRiO

Bertrand edita Maria Adelaide Coelho da Cunha: Doida Não e Não! - Um Escândalo Em Portugal No Início do Século XX de Manuela Gonzaga.

Em História Contemporânea, Imprensa da Universidade de Coimbra edita Estados Novos, Estado Novo de Luís Reis Torgal. IMAG.10-161

PARLATÓRiO


Tive sorte, vivi como um artista.
Manuel Alvess

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

ESCAVA-SE O MUNDO
NO PORTUGAL PROFUNDO - 5

  Evaristo tinha-o guardado, sem lhe ligar muita importância. Achou-o certa vez, perdido numa gaveta e, movido pela curiosidade ou em nostalgia filial, pôs-se a lê-lo. Ficou estupefacto. Ferido no seu orgulho primordial.

Pedras e perdas. O desgosto, que lhe vinha das entranhas, toldou-o e endureceu-o. De cima a baixo. Evaristo Vacondeus deixou de ser um plácido animal urbano, convertido em áspero bicho-do-mato. Hirsuto. Sisudo. Assanhado. Tornou-se um coração desgarrado e petulante, mas que sangrava ao supor-se provocado. Trocou Lisboa, andava pelas aldeias. Incoerente. Palmilhando à sorte. Sem olhar para a frente. Maltrapilho e esfarrapado.

 Continua



   

IMAGINÁRiO241

01 SET 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

LEITURAS



Relançar os clássicos é dar nova vida à realidade maior da literatura, é desvendar a outros públicos, virtualmente jovens e, estimulando hábitos de leitura, é potenciar a divulgação dos autores primordiais, ainda na expectativa de revelar os criadores de amanhã. Tais parâmetros, entre as vertentes cultural e económica, confluem no projecto do Grupo Fundação Agostinho Fernandes, que inclui as editoras Portugália e Sá da Costa, e adquirem expressão em Ler e Depois - revista periódica cujo título se inspira em obra de Óscar Lopes, e na qual se apresenta o catálogo de livros, noticiam eventos como o novo espaço em Lisboa de Buchholz Livreiros, ou se anunciam desafios em curso. Evocando o Padre António Vieira, envolvendo Miguel Veiga, Armando Alves, Paulo Borges, André Letria, Manoel de Oliveira, ou José Saramago - a propósito da comemoração dos dez anos de atribuição do Prémio Nobel, voltando à estampa Levantado do Chão (1980): «É então que João Mau-Tempo abre a boca e as palavras saem, como se fossem água a correr em boa fonte…»
IMAG.38-75-155-158-196-198-224

CALENDÁRiO

03-07MAR2009 - Na Universidade Pontifícia La Gregoriana em Roma, sob o patrocínio do Concelho da Cultura do Estado da Santa Sé (Vaticano), decorre o Convénio Internacional Evolução Biológica: Factos e Teorias, reunindo mais de trezentos teólogos, filósofos, biólogos e outros cientistas, na procura de uma possível conciliação entre Criacionismo (Tese da Igreja Católica) e Evolucionismo (Teoria de Charles Darwin). IMAG.16-63-74-77-87-90-101-109-119-214-236-238

1916-04MAR2009 - Horton Foote: Dramaturgo e argumentista de cinema, distinguido com o Óscar de Hollywood e o Prémio Pullitzer - «A sua voz era a grande voz americana; típica da sua pátria pequena, mas também universal» (Robert Duvall).

1944-04MAR2009 - Salvatore Samperi: Cineasta italiano, precursor do género erótico sob a perspectiva burguesa; em 1973, realizou Malícia, lançamento da actriz Laura Antonelli como símbolo sexual.

07MAR-30ABR2009 - No Parque Marechal Carmona, em Cascais, está patente a exposição Land Art Cascais, uma organização da Agência Cascais Natura e da Câmara Municipal de Cascais, com supervisão artística da Fundação D. Luís I, sendo artistas escolhidos os escultores Hamish Fulton e Alberto Carneiro e a fotógrafa Susana Neves, para apresentação de um Prémio que em futuras edições estará sujeito a concurso.

07MAR-JUN2009 - Em Vila Franca de Xira, Museu do Neo-Realismo expõe Batalha de Sombras - Colecção de Fotografia Portuguesa dos Anos 50 do Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado.

26ABR2009 - No Vaticano, o Papa Bento XVI eleva à categoria de Santo o Condestável Nun’Álvares Pereira (1360-1431), Beato Nuno de Santa Maria pelo Papa Bento XV em 1918. IMAG.205

ANTIQUÁRiO

07SET1859 - Em Londres, nas margens do Rio Tamisa, o Big Ben - cujo mecanismo foi projectado e desenhado por Edmund Beckett Denison - começa a marcar as horas oficiais em Inglaterra, de referência para o resto do Mundo.

ANUÁRiO

1952 - O cineasta Elia Kazan - que, em meados dos anos ’30, pertenceu ao Partido Comunista - denuncia oito artistas e escritores à Comissão das Actividades Anti-Americanas, presidida pelo senador Joseph McCarthy, os quais são incluídos numa lista negra e impedidos de trabalhar com o próprio nome, ou viriam a abandonar o país.

MEMÓRiA

1907-19ABR1989 - Daphne du Maurier: «As mulheres esperam que o amor seja um longo romance, os homens desejam que não passe de um conto curto».

1903-04SET1989 - Georges Simenon: «Adoro a vida, mas não temo a morte. Simplesmente, preferiria morrer o mais tarde possível».









07SET1909-2003 - Elia Kazan: «Preferi fazer o que fiz, em vez de rastejar perante uma esquerda ritualista e de mentir como outros camaradas fizeram, traindo a minha própria alma». IMAG.52-77-122-205

1864-08SET1949 - Richard Strauss: «A voz humana é o mais belo de todos os instrumentos - mas é, também, o mais difícil de tocar». IMAG.68-106

GALERiA

HAWKMAN



Um dos maiores heróis de todos os tempos, Hawkman subverteu o universo dos DC Comics - até estarrecer os fanáticos, com sua súbita desaparição. Finalmente, regressaria, e triunfante, ao celebrarem-se os sessenta anos sobre a aventura primordial - gerada em 1939, nas páginas da revista Flash Comics, sendo autores Gardner Fox (argumento) & Dennis Neville (ilustrador). Quando o insaciável Onimar Syn ameaça os espíritos e os valores de Thanagar, só o alado paladino da liberdade poderia refrear uma tal voragem maligna e omnipotente! Concebido por David S. Goyer & Geoff Johns, para o grafismo estilizado de Stephen Sadowski & Michael Bair, The Return of Hawkman transfigura-se nas capas do sobrenatural Andrew Robinson... Tudo começou aqui na Terra, quando Carter Hall - um milionário obcecado por armas antigas - descobriu ser, ele-próprio, a reencarnação de Khufu, um príncipe egípcio morto em circunstâncias trágicas. Num resgate intemporal, assim nasceu o alter-ego Hawkman, sagrando uma mitologia trágica e fetichista. Em 1949-1951, por Sheldon Moldoff & Joe Kubert, o Gavião Negro - como ficou conhecido em Portugal, através do Brasil - associou-se à fundação da Justice Society of America.  No início dos anos ’60, Hawkman desafiou uma precária obscuridade em The Brave and the Bold - por Gargner & Kubert - agora como Katar Hol. Um agente da lei no planeta Thanagar, obcecado pelos desígnios da justiça alienígena entre os humanos. Já em 1989, surgia Hawkworld - por Timothy Truman & Alcatena - com os Wingmen, uma elite policial/militar ao serviço do regime dominante em Thanagar. Entre eles desponta, então, o expiador Katar Hol, filho de um proeminente cientista.  

NOTICIÁRiO

Chuva de Neve
Sobre o Planeta Marte

O senhor Pickering indica algumas fotografias do planeta Marte, tiradas no Observatório do Monte Wilson, na Califórnia. Em todas elas se notam configurações geográficas perfeitamente distintas; mas n’uma delas nota-se que a mancha polar branca, que marca o Pólo Sul, é mais vasta que a que se vê nas fotografias anteriores àquela. Há tempo que se conhece que a extensão dessas manchas aumenta ou diminui conforme as estações do planeta, mas é a primeira vez que a data precisa duma extensão considerável de gelo ficou registada. Houve, pois, uma considerável chuva de neve sobre o Pólo Sul do planeta.
31OUT1890 - Diário de Notícias

Uma das missões da sonda Phoenix, que aterrou em Marte a 25 de Maio de 2008 [Pólo Norte], era determinar se o Planeta Vermelho tinha condições para albergar vida. E um dos elementos básicos para que isso aconteça é a existência de água no estado líquido. Água que, ao que parece, estava mais próxima do que se poderia pensar. O problema é que pode ser demasiado salgada para permitir que haja vida.
Um grupo de cientistas da missão da Phoenix, liderados por Nilton Renno da Universidade de Michigan, analisou as imagens enviadas pela sonda logo após a aterragem e descobriu manchas numa das suas pernas. Manchas que, ainda por cima, pareciam aumentar de tamanho à medida que o tempo passava.
Os investigadores acreditam que, apesar das temperaturas negativas na superfície de Marte, as manchas são gotas de água. Esse facto pode ser explicado pela existência de sal de perclorato, que tem propriedades anticongelantes, no solo. As gotas iam aumentando de tamanho à medida que absorviam o vapor de água da própria atmosfera.
O estudo que propõe esta teoria será apresentado em Março na Conferência de Ciências Lunares e Planetárias, que vai decorrer em Houston. Contudo, a revista New Scientist revelou-o ontem na sua página da Internet. «Segundo os meus cálculos, poderá haver água salina em estado líquido logo abaixo da superfície em todo o planeta Marte», disse Renno à revista.
O sal de perclorato, apesar de permitir que a água fique líquida mesmo com temperaturas de menos 70 graus centígrados, torna muito mais difícil a existência de vida.
19FEV2009 - Diário de Notícias
(Susana Salvador)

VISTORiA






E, todavia, sei-o hoje, só há um problema para a vida, que é o de saber, saber a minha condição, e de restaurar a partir daí a plenitude e a autenticidade de tudo - da alegria, do heroísmo, da amargura, de cada gesto. Ah, ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer. A minha presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca é de dentro de mim que a sei - não do olhar dos outros.
Vergílio Ferreira
Aparição (excerto, 1959)
IMAG.78-212

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
- Folhetim Aperiódico

ESCAVA-SE O MUNDO

NO PORTUGAL PROFUNDO - 4

  - Tu não fazes ideia de tudo o que as pessoas são capazes de fazer… - confidenciou-lhe um cliente mais sombrio e mais chegado.

- Pelo prazer? - inquiriu Evaristo, rejeitando a ingenuidade.

- Não só… Também para continuarem a dar luta!

A bem dizer, indiferente, Evaristo não pensou mais no assunto. Até que, um dia, soube que o pai, Bebiano, era um assassino. Ou qualquer coisa assim. Durante a guerra, nas trincheiras gaseadas, havia trespassado com a baioneta um campónio seu camarada, que passava o tempo a chateá-lo com dilemas de heroísmo. Chamava-se Eliseu Salgado. Nunca ninguém descobriu ou sequer desconfiou. Vinha tudo confessado - mais o nome da vítima, que Bebiano Vacondeus furou de peito aberto - num caderno putrefacto que deixou entre os trastes de herança. Sabe-se lá porquê.

 Continua  


  

IMAGINÁRiO240

24 AGO 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

REVELAÇÕES




As mais recentes manifestações dedicadas aos quadradinhos testemunham, e consagram, um investimento renovado, sugestivo, além de um prestigiante interesse por esta expressão artística, em suas correspondências portuguesas e internacionais. Tal vem motivando outros fenómenos de apelo e aliciamento - para além do culto ou nostalgia; e suscitando manifestações pontuais, determinantes para o estudo ou a reavaliação das obras, dos seus criadores ou das respectivas envolvências. Ao aliar um critério escrupuloso com um fascínio cúmplice, o Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem/CNBDI tem desenvolvido iniciativas que perduram entre a história e a tradição - como os cadernos NonArte que, em aliança com Bonecos Rebeldes, desvendam TioTónio - Uma Vida aos Quadradinhos por Leonardo De Sá, evocando a actividade pioneira e revelando peripécias vivenciais de António Cardoso Lopes Júnior (1907-1985), o notável criador de Zé Pacóvio e Manuel Grilinho. Além da sugestiva ilustração, adquire primordial relevância a Quadriculografia, cujo arco cronológico se perfila entre 1924 e 1999. IMAG.141-178

CALENDÁRiO

19FEV2009 - Lusomundo estreia Coraline e a Porta Secreta de Henry Selick; animação em 3D inspirada na obra fantástica, de referências infantis, por Neil Gaiman. IMAG.17-21-25-26-34-49-59-86-117-188-203

1927-22FEV2009 - Howard Zieff: Fotógrafo, publicitário e cineasta norte-americano: «Um profissional com uma imaginação ilimitada» (Time - 1967).

1918-25FEV2009 - Philip José Farmer: Escritor norte-americano de ficção científica - «A imaginação é como um músculo - quanto mais a exercitamos, mais se desenvolve».

606MAR2009 - No Claustro do Convento da Graça (Torres Vedras), decorre A História do Tempo por Fernando Correia de Oliveira; colóquio integrado em As Sopas de Pedra, uma organização do Arquivo Municipal e do Museu Municipal Leonel Trindade. IMAG.136-186-232

19MAR2009 - ZON Lusomundo estreia The Spirit de Frank Miller; sobre o clássico em quadradinhos de Will Eisner, com Gabriel Macht e Scarlett Johansson. IMAG.22-130-151

ELUCIDÁRiO

http://historiasdosquadradinhos.blogspot.com Depois de muitas hesitações, decidi finalmente começar este blogue para tentar estimular respostas a algumas dúvidas que persistem sobre a história da banda desenhada, do cartoon e da ilustração em Portugal - apesar de inúmeras tentativas para encontrar os elementos em falta junto de coleccionadores, bibliotecas e outros organismos. Aqui pretendo expor questões nebulosas sobre estas matérias, esperando que as mensagens publicadas possam trazer pelo menos algumas soluções aos enigmas apresentados e que tenham também um certo interesse para o restante público cibernauta amante do desenho e dos autores nacionais.
Leonardo De Sá

MEMÓRiA

13ABR1909-2001 - Eudora Welty: «Ao escrever, tento entrar na mente, no coração, na pele de um ser humano, que não eu. Seja ele homem ou mulher, jovem ou velho, preto ou branco, o primeiro desafio consiste em lograr tal transferência. Ao dar curso à imaginação, tenho a sensação de que estou a pairar».

29ABR1899-1974 - Edward Kennedy Ellington, aliás Duke Ellington: «Em termos gerais, o jazz foi, sempre, comparável ao tipo de homem que nenhum pai gostaria de ver relacionado com a sua filha». IMAG.231

24AGO1899-1986: Jorge Luis Borges: «Sou um sentimental, eu diria desagradavelmente sentimental, muito sensível e muito vulnerável».

28AGO1749-1832 - Johann Wolfgang von Goethe: «De um modo geral, o homem tem que andar às apalpadelas; não sabe de onde veio nem para onde vai, conhece pouco do mundo e menos ainda de si próprio». IMAG.199







1890-28AGO1959 - Bohuslav Martinu: «O artista procura incessantemente um sentido para a vida, o seu próprio e o da humanidade, em busca da verdade. Uma série de incertezas apoderou-se do nosso quotidiano. As pressões da mecanização e da uniformização a que está sujeito levam-no a protestar, e o artista apenas tem um meio para se exprimir - a música». IMAG.185

GALERiA



A Terra, em futuro distante. Após um conflito nuclear que devastou o planeta, a Humanidade é forçada a refugiar-se no espaço. Durante sete anos, os sobreviventes radicam-se em gigantescas estações orbitais, constituindo uma nova sociedade. Então, uma tese científica prevê a alteração climática no globo natal, que poderá ser de novo habitado: através da explosão de uma bomba com pouca radiação, mas de extrema potência. O poder político em governo divide-se em duas facções rivais, gerando uma guerra civil entre as colónias. Consumando-se a deflagração e um triénio decorrido, as vítimas da tragédia têm, afinal, uma expectativa de salvação exilando-se no seu mundo original. Um ataque terrorista, em plena estação de embarque, gera a confusão e faz uma mulher perder-se de três dos seus filhos. Inicia, pois, uma jornada épica, dolorosa, de descoberta e reencontro... Eis Mother Sarah (1989) - uma saga empolgante, crepuscular, concebida por Katsuhiro Otomo, o celebrado autor de Akira (1982). Cabendo a ilustração a Takumi Nagayasu, esta obra-prima da mangà nipónica exalta o heroísmo individual, pela sensibilidade feminina.

BREVIÁRiO

Antígona edita Os Ventos e Outros Contos de Eudora Welty; tradução de Diana Almeida.









Gradiva re-edita Eternus 9 - Um Filho do Cosmos, clássico fantástico em quadradinhos por Victor Mesquita. «Era o princípio, todos os esforços se conjugavam numa luta tenaz contra os mistérios do espaço e do tempo...»

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Franz Joseph Haydn [1732-1809] - Italian Arias pelo barítono Thomas Quasthoff com a Orquestra Barroca de Friburgo, sob a direcção de Gottfried von der Goltz. IMAG.40-219-228

Dom Quixote edita O Fantasma Sai de Cena de Philip Roth; tradução de Francisco Agarez.

Cotovia edita Odes de Horácio (65 aC-8 aC); tradução de Pedro Braga Falcão.

Câmara Municipal de Aveiro edita Francisco da Silva Rocha 1864-1957 - Arquitectura Arte Nova: Uma Primavera Eterna de Maria João Fernandes.

Tinta da China edita A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Outros Contos de Washington Irving.

Harmonia Mundi edita em CD e DVD, [Johann Sebastian] Bach [1685-1750]: Suites Para Violoncelo por Jean-Guilhen Queyras. IMAG.32-58-163-198-203-212-216-220

Portugália Editora lança Noventa e Três de Victor Hugo. IMAG.28-44-92-180-212

VISTORiA







Fechei os olhos. Abri-os. Então, vi o Aleph. Chego, agora, ao inefável centro do meu relato; começa aqui o meu desespero de escritor. Toda a linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartilham: como transmitir aos outros o infinito Aleph, que a minha memória apenas abarca?
Jorge Luis Borges
O Aleph (1945 - excerto)

PARLATÓRiO



O mundo presente não merece que se faça nada por ele, uma vez que aquilo que subsiste num momento pode desaparecer no momento seguinte. Temos que trabalhar, sim, em benefício do mundo passado e do mundo futuro: do primeiro, para podermos reconhecer-lhe os méritos, do segundo, para tratarmos de elevar o respectivo valor...
É difícil assumir os erros do nosso tempo. Se os enfrentamos, ficamos desacompanhados; e, se nos deixamos apanhar por eles, não ganhamos com isso nem mérito nem alegria.
Para destruir, todos os falsos argumentos servem. Para construir, não. O que não é verdade, não é construtivo.
Goethe





Acredito que é possível conceber uma nova estética que passe pela encruzilhada de uma visão clássica do objecto com os novos conceitos de comunicação visual. Alguém disse que depois de Cézanne já não se olha uma montanha da mesma maneira. Na perspectiva do Budismo Zen há na montanha algo que está simultaneamente dentro e fora daquele que observa. Esse algo é designado como Tão, ou o Indizível. A consagração desse momento mágico do real onde se manifesta a Eternidade do Presente, é o que pretendo reflectir na minha pintura.
Victor Mesquita

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

ESCAVA-SE O MUNDO
NO PORTUGAL PROFUNDO - 3

  Vigarista, nunca. Evaristo tinha o seu capital na experiência, usado pela atitude e pela palavra. Falando, emocionava. Reagindo, convencia. O resto era uma grande lábia, o laço em vez de gravata e uma pasta de couro debaixo do braço. Um negócio cordato, entre o aperto de mão e o acerto de contas.

Talento natural - e no entanto, de si para si, Evaristo sentia mais o que o impedia do que o impelia. Tédio inquieto. Uma insónia providencial. Como se acordasse, cada manhã, ligeiro, para se não vergar ao peso dos seus pesadelos. Para não despertar nas trevas.

O dever de viver transcendia-o, como um ofício de fé. Com uma missão a cumprir. Despojado de uma existência própria, usufruída. A melancolia estrangulava-lhe a alma, a mística era o torniquete dos seus desassossegos.

– Continua