José de Matos-Cruz


IMAGINÁRiO239

16 AGO 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

RE-VISÕES


Entre a memória do passado e o olhar da história, forja-se o carácter dos vultos primordiais, celebram-se os feitos dos ancestrais maiores. No desafio entre a afirmação e a independência, na incidência entre o poder e a liberdade, no cotejo entre a cultura e o presente, a herança dos antepassados e o legado das instituições constituem aliás, sob um juízo de valores e um apreço de identidades, a simbólica justificação para uma actualidade em causa e pontificante - ou o pretexto propício a uma releitura crítica e desmitificadora… Em tal estado de coisas, por 1952, propôs Aquilino Ribeiro - ao seu estilo cáustico e irónico, baseado em textos contemporâneos e inspirado numa peculiar criatividade - Príncipes de Portugal, Suas Grandezas e Misérias em Livros do Brasil, tendo suscitado polémica e controvérsia. Agora, um aliciante relançamento - sob chancela Portugália Editora na Biblioteca Agostinho Fernandes, com prefácio de Vasco Graça Moura e ilustrações de Costa Pinheiro - enquadrado por alusivos documentos, inéditos, persiste em dúplice virtualidade, como testemunho literário e como reflexão alternativa.

CALENDÁRiO

1923-21FEV009 - António Augusto Lagoa Henriques: Escultor, poeta, professor - «Quando se criam os primeiros passos de habitação, as grutas pré-históricas, nas suas paredes há desenhos, há sinais, há memórias, algumas feitas no próprio dia que aconteceram, uma caçada em que a luta não foi fácil, por exemplo. A presença de determinados acontecimentos registada da forma mais espontânea e com as técnicas mais elementares». IMAG.236

MEMÓRiA

1568-21MAI1639 - Tommaso Campanella: «Na nossa vida presente, não temos conhecimento abstracto do eu, separado de qualquer impressão que nos informe da nossa própria existência e natureza: temos a autoconsciência, por exemplo, no acto do pensamento, da dúvida... Mas, ao pensar e duvidar, pensamos em alguma coisa, isto é, temos notícias adicionadas (notitiae illatae) e, nelas, justamente encontramos e reconhecemos a notitia innata do nosso eu, que não temos directa e isoladamente».

11AGO1929-2002 - Herlander Peyroteo: Realizador de televisão e cinema, encenador teatral - «Teatro filmado, em reportagem, é execrável. Reportagem de teatro, bem filmada, é possível. O Shakespeare filmado por Orson Welles é admirável. Arrisco e temo…»

18AGO1892-25JUL1982 - Harold Randolph Foster: «Compreender é apreciar, e apreciar é usufruir. Ter êxito não é possuir muitos recursos, nem procurar a aceitação daqueles cuja opinião pouco temos em conta, mas o talento de desfrutar cada minuto de todos os dias. Contribuir de algum modo para o conhecimento ou o regozijo da humanidade - eis, para mim, o verdadeiro sucesso». IMAG.37-41-119-140-149

INVENTÁRiO

PORTUGAL E BRASIL


«O cinema falado em português claro, articulado e simples, é compreensível ao ouvido brasileiro, como em Lisboa ninguém deixa de entender o português do Brasil, quando pronunciado por quem fale bem» - dizia Leitão de Barros no Rio de Janeiro, em finais de 1949, a propósito de Vendaval Maravilhoso - sobre o poeta brasileiro Castro Alves, e seus amores pela artista nossa Eugénia Câmara, protagonizados por Paulo Maurício e Amália Rodrigues, num elenco dos dois países. Um épico ambicioso e exaltante, de Produções Atlântico e David Serrador, filmado sobretudo no complexo da Tobis Portuguesa e da Lisboa Filme, e só parcialmente em exteriores ou estúdios de Niterói, Bahia e Rio, com milhares de figurantes. Dirigiram a fotografia Francesco Izzarelli e Aquilino Mendes, sendo a música de Oscar Lorenzo Fernández executada por Luís de Freitas Branco. Barros estudou o tema durante anos, com os co-argumentistas Joracy Camargo e José Osório de Oliveira, tendo feito uma viagem de preparação ao Rio em 1947. Ainda em destaque, um dos maiores acontecimentos brasileiros do século XIX - a abolição da escravatura... Em paralelo com o esplendor cénico e visual, destaca-se a manifestação exuberante dos rituais e costumes populares. Embora evitando uma implicação política sobre a militância do Poeta dos Escravos, em privilégio do idealismo humanista, libertário, Barros enfrentou uma forte condenação da Censura portuguesa. Vendaval Maravilhoso estreou no Tivoli, em Dezembro de 1949, com breve pateada - mas o próprio cineasta já não tinha ilusões, pois resultou «demasiado português para os brasileiros e demasiado brasileiro para os portugueses». O fracasso comercial nas duas bandas do Atlântico, após graves problemas financeiros quanto aos compromissos da outra parte, vergaram Leitão de Barros - que não voltou a ensaiar nenhuma obra longa, e muito tempo depois evocaria esta aventura com palavras amargas

VISTORiA

A Cidade do Sol


Interlocutores: o Grão-Mestre dos Hospitalários e um Almirante genovês, seu hóspede.

Grão-Mestre - Vamos, peço-lhe, conte afinal o que lhe aconteceu durante essa viagem.
Almirante - Já lhe disse como fiz a volta da Terra e, por fim, perto da Taprobana, como fui constrangido a desembarcar e, com receio dos habitantes, a embrenhar-me numa floresta, de onde só saí depois de muito tempo, para alcançar uma extensa planície sob a linha do equador.
Grão-Mestre - E o que lhe aconteceu, então?
Almirante - Subitamente, encontrámos um numeroso grupo de homens e mulheres, todos armados, alguns conhecendo nossa língua, que logo nos fizeram companhia e nos levaram à Cidade do Sol.
Grão-Mestre - Pode dizer-me como é construída essa cidade e qual a sua forma de governo?
Almirante - A maior parte da cidade está situada sobre uma alta colina, que se eleva no meio de vastíssima planície. Mas as suas múltiplas circunferências estendem-se num longo trecho, além das faldas do morro, de forma que o diâmetro da cidade ocupa mais de duas milhas, por sete do recinto total. Mas, achando-se ela sobre uma elevação, apresenta uma capacidade bem maior do que se estivesse situada numa planície ininterrompida. Divide-se em sete círculos e recintos, particularmente designados com os nomes dos sete planetas. Cada círculo comunica com o outro por quatro diferentes caminhos, que terminam em quatro portas, voltadas todas para os quatro pontos cardeais da Terra. A cidade foi construída de tal forma que, se alguém, em combate, ganhasse o primeiro recinto, precisaria do dobro das forças para superar o segundo, do triplo para o terceiro, e assim, num contínuo multiplicar de esforços e de trabalhos, para transpor os seguintes. Por essa razão, quem se propusesse expugná-la, precisaria de recomeçar sete vezes a empresa. Considero, porém, humanamente impossível conquistar mesmo o primeiro recinto, de tal maneira é ele extenso, munido de terraplanos e guarnecido de defesas de toda sorte, torres, fossas e máquinas guerreiras. Assim é que, tendo eu entrado pela porta que dá para o setentrião (toda coberta de ferro e fabricada de modo que pode ser levantada e abaixada, fechando-se com toda a facilidade e com plena segurança, graças à arte maravilhosa com que as suas engrenagens se adaptam às aberturas dos possantes umbrais), o que primeiro me despertou a atenção foi o intervalo formado por uma planície de setenta passos de extensão e situada entre a primeira e a segunda muralhas. Distinguem-se, daí, os grandiosos palácios que, de tão unidos uns aos outros, ao longo da muralha do segundo círculo, parecem mais um só edifício. A meia altura desses palácios, vêem-se surgir, de fora para dentro do círculo, várias arcadas com galerias superiores, sustentadas por elegantes colunas e circundando quase toda a parte inferior do pórtico, à maneira dos peristilos ou dos claustros religiosos. Em baixo, além disso, só estão encravados na parte côncava das muralhas, e é caminhando pelo plano que se penetra nos compartimentos inferiores, ao passo que, para alcançar os superiores, devem subir-se umas escadas de mármore que conduzem às galerias internas, chegando-se então às partes mais altas e mais belas dos edifícios, as quais recebem luz pelas janelas existentes, tanto na parte côncava como na convexa das muralhas, estupendas em sua subtileza. Cada muralha convexa, isto é, a sua parte externa, tem uma espessura de cerca de oito palmos, por três somente da parte côncava, ou seja a sua parte interna, enquanto os tabiques têm apenas um, ou pouco mais. Atravessada a primeira planície, chega-se à segunda, mais estreita uns três passos, e aí se descobre a primeira muralha do segundo círculo, igualmente guarnecido de palácios que, como os do primeiro círculo, possuem galerias em baixo e em cima, havendo na parte interior outra muralha interna que circunda os palácios e tem em baixo sacadas e peristilos sustentados por colunas, sendo que em cima, onde se acham as portas das casas superiores, apresenta preciosas pinturas. E assim, por esses círculos e duplas muralhas que cercam os palácios, ornados de galerias sustentadas por colunas, chega-se à última parte da cidade, sempre caminhando no plano. Só quando se entra pelas portas duplas dos vários circuitos, uma na muralha interna e a outra na externa, é que se sobem uns degraus de tal forma construídos que mal se sente a subida, pois estão colocados obliquamente e muito pouco mais elevados uns do que os outros. No cimo do monte, encontra-se, então, uma espaçosa planície, em cujo centro se ergue um templo de maravilhosa construção.
Tommaso Campanella
Civitas Solis (1623, excerto)

BREVIÁRiO

Bertrand edita Geografia Sentimental (História, Paisagem, Folclore) de Aquilino Ribeiro.

Universal edita em CD, sob chancela DGG, [Ludwig van] Beethoven [1770-1827] - Fidelio pela Wiener Staatsoper, sob direcção de Herbert von Karajan. IMAG.134-163-202-204-210

Guimarães Editores lança A Corte do Norte e O Chapéu das Fitas de Voar de Agustina Bessa-Luís. IMAG.11-33-83-92-209-216-223

Antígona edita Crimes Exemplares (1957) de Max Aub; tradução de Jorge Lima Alves.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

ESCAVA-SE O MUNDO
NO PORTUGAL PROFUNDO - 2

  E, para isto, lá estava o Evaristo. Sem histeria. Estrénuo. Barba rija. Bem escanhoado. Garantindo, sem os calços da burocracia, a protecção contra os riscos acidentais. Não era agenciado, um dos seus trunfos essenciais, nem estabelecido verdadeiramente por empresa própria. Representava, em si mesmo, a sua organização, aparecendo zeloso caso houvesse algum problema, com visitas regulares aos fregueses eventuais. Um génio doméstico, ao género de trazer por casa. Tinha escritório no Café Nicola, a Praça do Rossio servia como sala de espera, tirando alguma escapadela ocasional pelo Chiado arriba, com a polícia atrás, até ao Bairro Alto, seu refúgio e residência. Quando as coisas voltavam a compor-se ele reaparecia, conveniente e incólume, no mais perfeito à vontade. Sempre fiel ao seu lema: «Quem é cumpridor, nunca foi um marginal».

Afinal, porque se comprometiam os outros, se Evaristo Vacondeus não os enrolava? Talvez fosse a sua pontualidade como um relógio de precisão, mais barata e mais discreta que qualquer engrenagem comercial, exposta às regras do mercado e imposta por um regime em Estado Novo.  

– Continua



    

IMAGINÁRiO238

08 AGO 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

ÉPICO








Nunca o silêncio é estático. A memória faz-se pintura.
O palácio anoitecia, deixando a majestade atónita. Enquanto, no fim do império, um explorador vacilava de tédio.

MEMÓRIA

13AGO1899-1980 - Alfred Hitchcock: «A minha principal fonte de sorte, ou benefício, consiste na circunstância de, por assim dizer, ter o monopólio deste meio de expressão, que é o cinema. E ninguém se interessa pelo estudo das regras que lhe são próprias». IMAG.3-4-14-19-26-29-44-48-49-51-71-85-111-112-142-146-163-168-179-188-191-204-226

BREVIÁRiO

Estrela Polar edita A Filosofia Segundo Hitchcock de David Bragget e William A. Drumin.

COMENTÁRiO

François Truffaut: Apetece-me muito falar de Notorius (Difamação - 1946), porque é o seu filme de que mais gosto, pelo menos entre os que são a preto-e-branco. Notorius é a quintessência de Hitchcock.

Alfred Hitchcock: Quando principiámos a escrita de Notorius, e iniciei o trabalho com Ben Hecht, tomámos como ponto de partida a busca do Mac Guffin; como sucede muitas vezes, começámos a tactear possibilidades, mas fomos por caminhos excessivamente complicados. A abertura do filme estava estabelecida: a heroina, Ingrid Bergman, deveria encontrar-se na América do Sul, acompanhada por um homem do FBI, Cary Grant, e entrar na casa de um grupo de nazis para descobrir a sua actividade. A princípio, na história intervinham gente do Governo e da polícia, e grupos de refugiados alemães na América do Sul. Eles armavam-se e treinavam clandestinamente em acampamentos, para formarem um exército secreto; porém, não sabíamos o que fazer com esse exército, uma vez constituído. Por isso, prescindimos de tudo aquilo, e adoptámos um Mac Guffin muito concreto e visual: uma amostra de urânio, dissimulada numa garrafa de vinho. Os primeiros passos foram dados com uma história que o produtor me tinha proporcionado, muito fora de moda, um relato aparecido no Saturday Evening Post, intitulado A Canção das Chamas, e que contava a história duma rapariga que se apaixonava por um jovem da boa sociedade nova-iorquina. Ela não tem a consciência tranquila, pois, no seu passado, fez algo e imagina que, se o rapaz ou a sua mãe se inteirarem, o seu grande amor sucumbirá. O que é esse algo? Durante a guerra, o serviço de espionagem do Governo tinha contactado um empresário teatral, para encontrar uma jovem actriz, que procedesse como um agente secreto e concordasse em deitar-se com um espião, para extorquir-lhe determinadas informações. Ela tinha recebido tal oferta, aceitou-a e fez tudo aquilo. Como o seu problema actual a deixa muito apreensiva, procura então o empresário, para confiar-lhe os seus escrúpulos. A história acaba quando o empresário vai à procura da mãe do rapaz, conta-lhe tudo, e ela, muito aristocrática, responde: «Sempre desejei que o meu filho se casasse com uma rapariga que fosse distinta, mas não esperava que a jovem por ele escolhida tivesse, realmente, tanta classe».

Aqui está a ideia de um filme para a senhora Ingrid Bergman e para o senhor Cary Grant, dirigido por Alfred Hitchcock. Então, sentei-me com o senhor Ben Hecht e isto foi o que decidimos conservar: que uma rapariga terá que deitar-se com um espião, para conseguir uma certa informação. Ben Hecht e eu continuámos a falar, desenvolvemos a história e, entretanto, eu explorei o Mac Guffin-urânio: quatro ou cinco amostras, em garrafas de vinho.
François Truffaut
Cinema de Alfred Hitchcock

COROLÁRiO

O TEMA MAC GUFFIN

De vez em quanto, ao longo dos anos, Alfred Hitchcock referia-se ao Mac Guffin de uma história: é algo que parece importante para as personagens mas que, na realidade, interessa muito pouco ao realizador e, portanto, é também irrelevante para o público. Os exemplos abundam: a fórmula secreta em Os 39 Degraus (1935) e em Cortina Rasgada (1966); as cláusulas do tratado de paz em Desaparecida (1938) e em Correspondente de Guerra (1940); o urânio oculto nas garrafas de vinho em Difamação (1946).
Tentaram-se diversas explicações sobre a origem da palavra, mas, sobre todas elas, Hitchcock sempre preferiu esta velha anedota: dois homens viajam de comboio de Londres para Edimburgo. Na rede da bagageira, há um embrulho.
– O que levas ali? – pergunta um deles.
– Oh, aquilo, é um Mac Guffin – responde o outro.
– E o que é um Mac Guffin?
– É uma armadilha para caçar leões nas terras altas de Escócia.
– Mas, nas terras altas da Escócia não há leões!
– Ah, bom, então não é um Mac Guffin.
Há muito para descobrir nos filmes de Hitchcock, mas cuidado com a importância dada ao Mac Guffin. É algo sem solução.

INVENTÁRiO

HITCHCOCK



Um dos maiores criadores da indústria cinematográfica anglo-americana, Alfred Joseph Hitchcock faleceu em Los Angeles, a 20 de Abril de 1980. Artista controverso, tornou-se o incontestável mestre do suspense. E se é famosa a polémica entre as escolas da crítica nova-iorquina e parisiense, quanto a designá-lo um autor, poucos duvidam ser um dos raros cineastas que o público reconhece, como personificação de um estilo. Para Peter Bogdanovich, Hitch «é o único realizador cujos filmes são vendidos apenas pelo seu nome - um nome que, no pensamento de toda a gente, se tornou indicativo de um certo tipo de cinema».
Nascido em Londres, a 13 de Agosto de 1899, originário de uma família burguesa, e tendo uma rígida formação católica, Hitchcock - cedo fascinado pelo cinema - iniciou-se em 1920: desenhando intertítulos (cartões com legendas) para filmes mudos. Dois anos depois, dirigiu Number Thirteen (incompleto) e, em 1929, o primeiro filme sonoro britânico: Blackmail. Admirando David W. Griffith ou Charles Chaplin, seria influenciado pelo expressionismo alemão, que conheceu de perto. Era hábil em todas as fases de feitura de um filme - do argumento à fotografia, da música à direcção de actores, à montagem, ao lançamento publicitário e à comercialização.
Hitchcoch privilegiava, no entanto, o elemento visual de um filme, em suas múltiplas ou peculiares implicações estilísticas e simbólicas. Considerando que o som permitiu «completar o realismo da imagem no ecrã», entendia o cinema como «a arte de contar histórias em imagens», para acrescentar «interessam-me menos as histórias do que os modos de as contar». Em 1957, Eric Rohmer e Claude Chabrol, em França, apontaram-no como «um dos maiores inventores de formas de toda a história do cinema».
Pouco antes da II Grande Guerra, Hitchcock partiu para Hollywood. Alguns dos seus títulos britânicos, como Os 39 Degraus (1935) ou Desaparecida (1938), são hoje reavaliados como clássicos e alvo de novas adaptações... A segunda realização americana, Rebeca (1940) mereceu o Oscar para o melhor filme. Idêntico galardão lhe seria atribuído em 1968, «pelo conjunto da sua obra e a contribuição dada à arte cinematográfica». Entretanto, em 1943, Hitch concluiu Mentira, um dos seus favoritos - opinião partilhada, aliás, por vários especialistas. No entanto, aponta-se A Mulher Que Viveu Duas Vezes (1958) como uma obra-prima, com maior consenso.
Hitchcock prestigiou-se pela busca incessante de novos meios de expressão, pela constante renovação técnica e artística, que adaptou e manipulou pela sua peculiar criatividade. A partir de 1953, passou a usar a cor, «que torna quase bela a crueldade das cenas» (Tom Milne). No entanto, realizaria Psico (1960) a preto-e-branco, supostamente para esbater a carga de violência. François Truffaut, que em 1966 lhe dedicou um livro fundamental, indica «o medo, o sexo e a morte» como elementos determinantes da textura dos seus filmes.
Hitchcock definiria, sugestivamente, as grandes linhas de atracção: «Não se pode assustar o público durante todo o filme. Há que alternar as doses de medo e de serenidade... Os meus protagonistas são gente simples, não heróis profissionais nem aventureiros, o que torna mais violenta a irrupção do medo no seu mundo, e mais apaixonada a reacção do público... Os meus filmes são um jogo com regras próprias: uma delas, até para meu sossego pessoal, é o final feliz».
A aparência e a realidade, a atmosfera de culpa, o terror psicológico, as engrenagens política e de espionagem, a sofisticação da intriga, a identidade ambígua, a paranóia, o artificialismo macabro, a angústia perversa, a obsessão morbosa e o humor extravagante são tópicos de referência para um criador desconcertante, um feiticeiro da intriga e da conspiração. As sugestões fantásticas conciliam-se, nas suas fitas, com uma exploração cuja minúcia, parecendo rondar o pueril, atinge sempre um efeito surpreendente.
Além do itinerário geográfico, a carreira de Alfred Hitchcock conheceria várias fases - a primeira das quais se destaca entre The Lodger (1926) e Chamada Para a Morte (1954); a segunda alcança Janela Indiscreta e, ainda em 1964, Marnie; uma terceira, mais envolvente, inclui Intriga Internacional (1959) e sagrar-se-ia a partir de Cortina Rasgada (1966). Após o seu quinquagésimo-terceiro filme, Intriga em Família (1976), Hitchcock preparava a rodagem de A Short Night (1979) - que não deveria «romper com a tradição»... Por outras palavras, Hitchcock planeava manter-se fiel a uma permanente subversão!

ANTIQUÁRiO

15AGO1969 - Em Bethel, cidade rural de Nova Iorque, tem início a primeira edição do Festival de Woodstock, participando mais de quatrocentas mil pessoas - em sagração da contra-cultura e do fenómeno hippie.

CALENDÁRiO

1917-07FEV2009 - Robert Anderson: Dramaturgo e argumentista de cinema americano, autor de Tea and Sympathy/Chá e Simpatia (1956) - «Estou cansado do teatro pelo teatro, em que tudo se move à volta do palco, mas nada irradia para o público; do tipo de peças em que, quando saímos da sala, nos apetece dizer: É fascinante, mas...»

12FEV-24MAI2009 - Celebrando o bi-centenário de Charles Darwin (1809-1882), Fundação Calouste Gulbenkian apresenta A Evolução de Darwin - exposição sobre a vida e a obra do cientista, incluindo o ciclo de conferências No Caminho da Evolução. IMAG.16-63-74-77-87-90-101-109-119-214-236

1903-13FEV2009 - Edward Upward: Escritor britânico, autor de Journey To the Border (1938) - «Contem alguns dos mais belos prosoemas do século» (Stephen Spender).

1924-14FEV2009 - Louie Bellson: Baterista de big band, Mestre do Jazz pelo National Endowment for the Arts (EUA, 1994).

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

ESCAVA-SE O MUNDO
NO PORTUGAL PROFUNDO - 1

 12 de Novembro de 1937

Com um cisco na vista ou uma areia no sapato, a vida era sempre igual para Evaristo Vacondeus: um grande matacão, mineral e incómodo. Quem diria, então, tratar-se de um bem sucedido angariador de seguros? De qualquer modo, estava-se perante um profissional original.

 O aspecto não é tudo, mas conta nos pormenores. Tudo começava, pois, pelas peúgas brancas, encardidas, e acabava, inevitável, no fiozinho sujo ao dobrar os punhos da camisa. Desleixo, preconceito. Mesmo os que preservam a farda de trabalho, raro perseveram no fardo da fortuna.

– Continua  


   

IMAGINÁRiO237

01 AGO 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

INTERCEPÇÕES





Numa via alternativa entre as artes plásticas e fílmicas, os criadores experimentais lograram um dispositivo estimulante e exploratório no manancial videográfico, em que se contrastam o potencial técnico e a afirmação estética. Também em Portugal, tais virtualidades têm motivado uma intervenção aliciante, sugestiva quanto aos referenciais do imaginário, numa dimensão ficcional, realista ou abstracta que, estilizando as convenções cinegráficas, expande sobretudo os desafios da revelação e da invenção. Além dos certames e dos eventos alusivos, um destino significativo consiste nos espólios sob patrocínio cultural - a par de outras manifestações ou convergências como a pintura, a escultura ou a fotografia. Editada em versão bilingue (português e inglês), sob chancela Assírio e Alvim, 25 Frames Por Segundo - Vídeos da Colecção da Fundação PLMJ (2006) por Miguel Amado constitui uma abordagem pioneira, em termos de catalogação, acervo e ilustração, pela qual evoluem já as dinâmicas histórica e prospectiva, quanto à vertigem incontornável das imagens em movimento.

VISTORiA









Sugestão

Entro na igreja majestosa e calma,
erro na sombra sob as arcarias. 
Anda no ar silêncio, e a minha alma
toma a frieza das colunas frias...

Numa capela triste aonde espalma,
dourado lustre, chamas fugidias,
tocam-me o peito as sete duma palma,
a evocar-me de Cristo as agonias.

Começa o som do órgão, morno, errante,
o aroma do incenso penetrante
como as garras aduncas do tormento.

E já o desejo acre de esquecer,
ao longe o mundo eu só escutar e ver,
coração me nasce brando e lento...

Edmundo de Bettencourt









A Morte Saiu à Rua

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome para qualquer fim

Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue de um peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal

E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu

Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale

À lei assassina, à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou

Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim

Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas de uma nação

A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome para qualquer fim

Uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue de um peito aberto sai

O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal

E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o Pintor morreu

O Pintor morreu

O Pintor morreu

José Afonso

CALENDÁRiO

1926-07FEV2009 - Blossom Dearie: Compositora, pianista, cantora de jazz - «Com sua voz de garotinha,  pode soar meio irritante numa primeira audição, mas, passado esse travo inicial, ela costuma ser cativante, óptima» (Antônio Carlos Miguel).

01-15MAR2009 - Casa da Música (Porto) apresenta Suggia - O Repertório Concertante e da Música de Câmara, do Barroco à Actualidade, Inspirado Pelo Violoncelo de Guilhermina Suggia (1885-1950). IMAG.40-48-103-106-133-166-204

VISTORiA



A notícia da morte de Carlos de Oliveira, um dos meus mais antigos e queridos amigos, chegou aqui ao meu já excessivamente longo desterro de Cardiff - dezasseis anos! - através dessa máquina infernal que é o telefone. Caiu sobre mim no próprio dia em que o célebre autor de Uma Abelha Na Chuva nos acenou o seu «adeus» físico ou corporal para sempre. As distâncias não nos servem de pára-choques. Não é por estarmos mais ou menos longe que a nossa morte ou a dos outros nos chega com mais ou menos atraso.
À medida que os anos ou dias se vão encurtando, as pessoas que mais estimamos (algumas até idolatramos) vão diminuindo no seu número. E, embora o mundo se vá superpovoando, não são as novas multidões que vão preencher o vazio enorme que uma pessoazinha só é capaz de produzir. E o Carlos de Oliveira deixou um vácuo imenso na vida dos seus inúmeros e dedicadíssimos amigos. Digo verdadeiros amigos. Talvez amigos cuja amizade terá começado pela admiração ou pelo especial fascínio que ele irradiava, o fascínio da simpatia, da simplicidade, da honestidade, da modéstia, do talento, da fidelidade, da camaradagem, da inteligência (eu sei lá!) e acabava na verificação de que tais qualidades nunca sofriam quebra, de que ele era um espelho de constância inabalável na exemplaridade delas. Quantos escritores portugueses não têm uma dívida de gratidão para com ele? Julgo que muitíssimos.

Alexandre Pinheiro Torres
Em Memória Fiel de Carlos de Oliveira
(excerto)

BREVIÁRiO

Portugália Editora lança Sermões de Santo António do Padre António Vieira; A Pedra, a Estátua e a Montanha - O V Império No Padre António Vieira de Paulo Borges, e Padre António Vieira - Educador, Estratega, Político, Missionário de António de Abreu Freire. IMAG. 118-139-165-191-215-226

Harmonia Mundi edita em CD, sob chancela LSO, Gustav Mahler [1860-1911]: 3ª Sinfonia por Anna Larsson e Tiffin Boys Choir, com a Orquestra Sinfónica de Londres sob a direcção de Valery Gergiev. IMAG. 208-224

Guerra & Paz edita O Homem Que Matou Sidónio Pais [1872-1918] de Alberto Franco e Paulo Barriga. IMAG.62-206

Quidnovi edita Padre António Vieira e a Cultura Portuguesa de Miguel Real. IMAG.118-139-165-191-215-226

Dom Quixote edita Os Maias - Uma Análise Ilustrada de António Gomes Dalmeida (texto) e Zé Manel (ilustrações); sobre a obra de Eça de Queiroz. IMAG.60-165-178-199-203-205-214

Dargil edita em CD, sob chancela Orfeo, [Ludwig van] Beethoven [1770-1827] - Fidelio pela Wiener Philharmoniker, sob direcção de Herbert von Karajan. IMAG.134-163-202-204-210-228-229-236

Caminho edita Eça de Queiroz - Correspondência; organização e notas de A. Campos Matos. IMAG.60-165-178-199-203-205-214

Campo das Letras edita História dos Portugueses Na Etiópia (1490-1640) de Pedro Mota Curto.

PARLATÓRiO

O tempo, como o Mundo, tem dois hemisférios: um superior e visível, que é o passado, outro inferior e invisível, que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério ficam os horizontes do tempo, que são estes instantes do presente que imos vivendo, onde o passado se termina e o futuro começa.

Padre António Vieira
(1608-1697)

MEMÓRiA

02AGO1929-1987 - José Afonso: «Eu fui um indivíduo, digamos, superficialmente perseguido. Não tanto como cantor, e a prova é que parte da minha produção circulava em discos. Até a própria Grândola…» (Flama). IMAG.6-119-170

02AGO1939-2008 - Pedro Bandeira Freire: «Como o cinema em Portugal é o que é, escrevo peças de teatro. Mas lá vou fazendo coisas que ficam. Costumo dizer que o poster do 25 de Abril que tem o meu filho, o Quarteto, e os livros que já editei, me põem na história… Mas sei que não tenho talento e estofo para fazer um filme» (1998). IMAG.23-68-165-201

1923-03AGO1999 - Alexandre Pinheiro Torres: «Tradutor, romancista, poeta, crítico literário, ensaísta, professor de literatura portuguesa, literatura brasileira e literaturas africanas de expressão portuguesa, foi o maior filósofo peripatético que conheci» (Carlos Ceia - Preito, excerto).

07AGO1899-1973 - Edmundo de Bettencourt: «Coimbra é, de facto, uma terra única, e tem um cenário que parece ter sido feito para o fado, criando-se um ambiente de comunicabilidade que é impossível existir noutra parte».

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

CÁ EM PORTUGAL
CAVA A TUA COVA - 4

  Palmyro Rente, um nativo imberbe, propício, que eles haviam aliciado para a escumalha, distinguiu-se com esta sugestão:

- E se também saíssemos, para a pescaria?

Del-Gado olhou-o, quase em transe, tentando reter uma expressão sarcástica. Então, cheio, contemporizador, acariciou-lhe ao de leve o rosto liso, remendando o seu sorriso mais facínora:

- Rapaz, dentro d’água, nem para molhar o tornozelo, na praia da Cruz Quebrada... Antes me afundaria, pela terra adentro!

Nessa altura, foi a gargalhada geral, e o despeitado Palmyro lá se teve de introverter, como se a tísica lhe entrevasse a disposição. Depois, sub-reptício, abandonou a casa em que Del-Gado sediara o seu bordel orgíaco.

Ofendido, humilhado, percebendo que para aqueles não passaria de um traste a saborear e deitar fora, como qualquer dejecto, o mancebo transviado andou, errático, às turras, pelas tortuosas ruelas da localidade sem viv’alma, que apenas o luar frequentava e resplandecia. Mais ele, que não tinha pressa.

Afinal, o simplório Palmyro tinha, sim, ele também, a sua noite. Como uma nódoa sobre a ancestralidade que o condoía, agreste mas imaculada. Gostava de desobedecer e, ao mesmo tempo, de ser agradável. Nessa instabilidade, o moço ingénuo rasgava-se todo por dentro, estava disposto a ir até às últimas consequências. Sendo assim, não há dúvida que havia de conseguir.

Palmyro Rente era uma teia, antes de se tornar a sua própria aranha.

 Continua



    

IMAGINÁRiO236

24 JUL 2009 · Edição Kafre ·
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

FRAGMENTOS





Primeiro filme de fundo realizado por João Botelho, Conversa Acabada (1981) - em produção da V.O. Filmes, executada por António-Pedro Vasconcelos e Paulo Branco - constitui uma obra ímpar como processo representativo e manifestação estética, além do fenómeno artístico ou das implicações culturais. Em causa, a relação de «amizade e convivência fragmentada» entre Fernando Pessoa (Fernando Cabral Martins) e Mário de Sá Carneiro (André Gomes), em 1912-1916, realçando os textos, as opções, a morte... Ainda no elenco, Juliet Berto e Jorge Silva Melo. Acácio de Almeida dirigiu a fotografia nos estúdios da Tobis Portuguesa, decorados por Ana Jotta, com pinturas de Carlos Ferreiro. Como criador gráfico, Botelho reconheceu a influência dos anos dedicados a capas de livros e paginação de revistas: «compensação de espaços, linhas marcadas, diagonais visíveis, o gosto do contraste nos claros e escuros acentuados». Galardoado com o Prémio Glauber Rocha e uma Menção Especial do Júri FIPRESCI no Festival da Figueira da Foz em 1981, Conversa Acabada conquistou em 1982 o Grande Prémio no Festival de Antuérpia.

MEMÓRiA

1934-10FEV1999 - Maria de Lurdes Ribeiro, aliás Maluda: «Independente do mundo e da fortuna era ela - do mundo das artes e das suas tricas, do da fortuna delas, com seus truques. Maluda não tinha marchand nem fazia exposições comerciais...» (José-Augusto França).

12FEV1809-1865 - Abraham Lincoln: «Quase todos sabemos lidar com a adversidade, mas, se queres testar o carácter de um homem, dá-lhe poder». IMAG.68-147

01JAN1859-1884 - Henrique Pousão: Pintor - «Foi uma curtíssima vida, mas cuja obra impressiona. Em vários dos seus quadros, revela-se um artista muito moderno, deixando algumas obras com espaços como que inacabados, à maneira do impressionismo, e com cores vivas, do modo como os expressionistas pintaram» (Rogério Santos).

1904-24JUL1969 - Witold Gombrowicz: «Quer saber qual é o meu plano? Nenhum. Sigo as linhas de força, compreende? As linhas do desejo. Nesta altura estou empenhado em que ele os veja e eles saibam, também, que ele os viu. Haverá que ligá-los a uma culpa. O que a seguir sucederá, mais tarde se vai ver» (A Pornografia - 1960).

28JUL1909-1957 - Malcolm Lowry: «Não, os meus segredos são daqueles que se guardam nas sepulturas e têm de se manter inviolados. É por isso que me imagino um grande explorador que, tendo descoberto uma terra extraordinária, jamais poderá abandoná-la, para a dar a conhecer ao mundo, mas essa terra tem o nome de inferno» (Debaixo do Vulcão) IMAG.187

29JUL1909-1984 - Chester Himes: «A maior descoberta da ficção policial americana desde Raymond Chandler» (The Sunday Times).

1910-30JUL1999 - Joaquim Martins Correia: «Um artista altamente criativo que, para além das encomendas oficiais, tem a sua escultura íntima, apaixonada por aquilo que mais admirava - o povo português, a memória da sua mãe, que trabalhava na terra, e a exaltação das grandes figuras da História de Portugal» (Lagoa Henriques).

31JUL1919-1987 - Primo Levi: «Vós que viveis tranquilos/ Nas vossas casas aquecidas / Vós que encontrais regressando à noite / Comida quente e rostos amigos: / Considerai se isto é um homem... / Quem não conhece a paz / Quem luta por meio pão / Quem morre por um sim ou por um não... / Meditai que isto aconteceu / Recomendo-vos estas palavras / Esculpi-as no vosso coração... / Repeti-as aos vossos filhos». IMAG.126

CALENDÁRiO

05MAR2009 - Lusomundo estreia Watchmen/Os Guardiões de Zack Snyder, com Jeffrey Dean Morgan e Carla Gugino; sobre a novela gráfica Watchmen (1986), obra-prima revolucionária por Alan Moore & Dave Gibbons. IMAG.7-144-145

12FEV2009-12FEV2010 - Parque Biológico de Gaia expõe Bi-Centenário de Charles Darwin (1809 -1882), assinalando ainda os 150 anos da publicação de A Origem das Espécies (1859).

13FEV-12ABR2009 - No Centro Cultural de Cascais, Fundação D. Luís I expõe Sopros de Vida (Pintura e Escultura) de Gil Teixeira Lopes.

COROLÁRiO

«Malcolm Lowry, o último de Bowery, tinha uma prosa florida e muitas vezes gloriosa, vivia noite após noite e bebia dia após dia, e morreu tocando ukelele.» (Epitáfio).

VISTORiA




Por momentos ficaram ambos imóveis, retendo a respiração; à escuta. Ouviam vagos sons que vinham da rua - os automóveis a passar, a sirene distante de um navio, os milhares de sons abafados e identificáveis da cidade, formando um ruído de fundo que passava desapercebido. O toc-toc-toc de uns saltos de mulher no patamar de cima foi seguido do ruído de arranque do elevador. Mas não provinha som algum das proximidades da cave. Estavam numa rua residencial pacata e, àquela hora, a maior parte dos inquilinos dos prédios, adultos e crianças, encontrava-se a almoçar.
Ao mesmo tempo, estavam ambos a tentar reconstituir a disposição da cave, pelo pouco que dela tinham visto. Na visita anterior, tinham reparado que a sala das lavagens ficava à direita da entrada de serviço, diante de um corredor paralelo à parede das traseiras. Junto da sala das máquinas de lavar ficavam o elevador, a escada para o patamar da frente, uma arrecadação para ferramentas e a porta da casa do porteiro; tudo isto estava voltado para a parede caiada do armazém, com entrada pelo outro lado. Uma outra parede, paralela à da frente do prédio, fazia um ângulo recto junto à porta do porteiro e continuava, sem dúvida, em volta do prédio, rodeando a cave. Ambos tinham notado que a porta da casa da caldeira se abria para o hall de entrada.
– Sentia-me muito melhor se estivesses armado – confessou o Coveiro.
Chester Himes
Cidade Escaldante (excerto)

BREVIÁRiO

Editorial Caminho lança Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português; coordenação de Fernando Cabral Martins. IMAG.26-28-64-82-130-131-157-182-187-196-207-211-233

Universal edita em CD e DVD, sob chancela Deutsche Grammophon, [Frédéric] Chopin [1810-1849]: Concertos Para Piano e Orquestra Nº1 e Nº2 pelo pianista Lang Lang, com a Orquestra Filarmónica de Viena, sob direcção de Zubin Mehta. IMAG.92-191-203

Na colecção Outras Histórias, Teorema edita Os Que Sucumbem e Os Que Se Salvam de Primo Levi.

Zon Lusomundo edita em DVD, Conversa Acabada - Sobre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro (1981) de João Botelho, com Fernando Cabral Martins e André Gomes; inclui o livro Biografia de Uma Amizade. IMAG.1-26-28-64-68-71-82-130-131-157-168-182-187-189-196-207-211-233

Gradiva edita Fernando Pessoa, Rei da Nossa Baviera de Eduardo Lourenço. IMAG.6-26-28-64-82-83-157-161-182-187-196-198-233

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Bela Bartók [1881-1945]: Concertos por Orquestra Sinfónica de Londres e Filarmónica de Berlim, sob direcção de Pierre Boulez. IMAG.128-213

Dom Quixote edita A Portuguesa e Outras Novelas de Robert Musil [1880-1942]; tradução de Maria Antónia Amarante. IMAG.56-202-231

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Souvenirs pela soprano Anna Netrebko, com a Filarmonia de Praga sob direcção de Emmanuel Villaume.

Círculo de Leitores edita Fernando Pessoa, fotobiografia por Richard Zenith. IMAG.26-28-64-82-130-131-157-182-187-196-207-211-23326-28-64-82-130-131-157-182-187-196-207-211-233

Dargil edita em CD, sob chancela Orfeo, [Ludwig van] Beethoven [1770-1827] - Symphonie N.º 9 (1955) pela Orquestra Sinfónica de Viena, sob direcção de Herbert von Karajan. IMAG.134-163-202-204-210

Relógio d’Água edita Livro do Desassossego de Fernando Pessoa [Vicente Guedes, Bernardo Soares], edição de Teresa Sobral Cunha. IMAG.26-28-64-82-130-131-157-182-187-196-207-211-233

Associação Cultural Música XXI edita em CD, Portugal & Itália - Orgãos das Igrejas da Misericórdia e de Santiago de Tavira pelo organista João Vaz.

Gradiva edita A Origem das Espécies de Charles Darwin por Janet Browne; tradução de Ana Falcão Bastos e Cláudia Brito. IMAG.16-63-74-77-87-90-101-109-119-214

Sony edita em CD, sob chancela Columbia, Working On A Dream de Bruce Springsteen. IMAG.41-96-177

Ernesto Rodrigues edita, com o apoio do Centro de Literaturas de Expressão Portuguesa da Universidade de Lisboa, Poesia de Camilo [Castello Branco - 1825-1890]. IMAG.27-31-41-87-111-113-145-146-161-171-179-180-185-209-227

Dargil edita em CD, sob chancela Challenge, Spirits Alike por The Leaders.

PARLATÓRiO



Os museus são necessários, são uma arrecadação de coisas visuais que entusiasmam os homens das tecnologias a respeitar o visual e que contribuem para a educação estética das pessoas. Antigamente, os Mestres da criatividade eram mais respeitados. Formavam uma elite, eram eles que conduziam as coisas do ponto de vista visual. A arte evolui com o tempo. O que é perfeito para uns poderá não o ser para outros. Dentro de cada homem há um estilo. É a estética, é o cunho, é a graça de uma pessoa ou objecto. A arte é inexplicável, e aí é que está a criatividade. Não se pode explicar o inexplicável. Nasceu uma obra, não se pode explicar como aconteceu. Existe entre o artista e a obra a mesma relação que existe entre pai e filho. A obra é a continuidade do artista. Muitas vezes o artista não sabe como surgiu a obra, ela simplesmente aconteceu. Cada nação tem o seu céu, os dois limites do homem são o céu e a terra.
Martins Correia

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

CÁ EM PORTUGAL
CAVA A TUA COVA - 3

 Todos contribuíam ou esbanjavam, na medida variável das posses financeiras e dos talentos profissionais. Cúmplices, camaradas, confidentes, parceiros, dividiam-se porém, entre si, tacitamente, ou delimitava-se cada um, na íntima vacuidade dos seus arrebatos, pesadelos e fantasmas.

- Alguém, de vós, faz qualquer ideia do que se irá proporcionar, pela manhã de amanhã? - inquiriu Del-Gado aos outros, com notório fastio, naquela situação de uma espúria liderança. Estavam já na Ericeira há duas semanas acabadas, e os sinais de tédio começavam a proliferar entre todos.

– Continua  


IMAGINÁRiO235

16 JUL 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SOLIDÁRIOS



Dezoito ficcionistas e poetas portugueses entram Nas Margens da Solidão, sob chancela Padrões Culturais Editora, para distinguir e apoiar a SOS Voz Amiga - uma linha telefónica que surgiu vocacionada para a prevenção do suicídio, mas que acaba por receber, com frequência, pedidos de ajuda de outra ordem. Da presença literária à partilha virtual, João Aguiar, Joaquim Murale, Benjamim Monteiro, Paulo Moreiras, António Telmo, Edite Esteves, Luís Vieira da Mota, Firmino Mendes, Frederico Mira George, Ana Viana, Ana Escoval, Raquel Gonçalves-Maia, José Jorge Letria, João Rui de Sousa, Jaime Salazar Sampaio, António Ramos Rosa, Adalberto Alves e Pedro Esteves são os escritores que evocam referências ou recriam experiências, cabendo a Daniel Sampaio, em Introdução, sagrar os serviços de atendimento telefónico como «um recurso comunitário da maior importância», «ao permitirem uma aproximação a alguém capaz de ouvir e ao fornecerem o tempo necessário para a reflexão imprescindível por parte de quem sofre». Trinta anos de convivência...

CALENDÁRiO

10JAN-01MAR2009 - Em Braga, Museu da Imagem apresenta Retratos de Família, exposição patrimonial organizada a partir do Arquivo da Photographia Aliança.

1932-11JAN2009 - Shigeo Fukuda: «Creio que, em design, é necessário haver trinta por cento de dignidade, vinte por cento de beleza e cinquenta por cento de absurdo».

1927-24JAN2009 - Fernando Bragança Gil: Museólogo, cientista, professor de Física Nuclear - «...Um homem de cultura e com uma grande sensibilidade para a arte» (Ana Eiró).

1920-29JAN2009 - François Villiers: Realizador francês de cinema e televisão - Dirigiu L'Eau Vive (1956), distinguido em Hollywood com o Globo de Ouro ao Melhor Filme Estrangeiro.

29JAN2009 - Lusomundo estreia Second Life de Alexandre Valente e Miguel Gaudêncio; com Piotr Adamczyk e Lúcia Moniz.

1922-01FEV2009 - Lukas Foss: Compositor, maestro, pianista e pedagogo - A «sua composição experimentou de tudo: da música tonal à neoclássica, o dodecafonismo, a música electrónica e diversas outras técnicas até as obras recentes, de estruturas complexas mas mais atraentes aos ouvintes» (Ricardo Prado).

06FEV-05ABR2009 - Centro Cultural de Cascais apresenta Self, exposição de pintura, escultura e vídeo de Filipe Rocha da Silva.

MEMÓRiA

1905-02JUL1969 - Mikio Naruse: Cineasta nipónico - «Desde tenra idade, pensei que o mundo em que vivemos nos trai; essa sensação continua sempre presente em mim».

1908-16JUL1989 - Herbert Von Karajan: «...Provavelmente, o maestro mais conhecido do mundo e uma das figuras mais poderosas na música clássica» (The New York Times). IMAG.173

1915-17JUL1959 - Billie Holiday: «Ao cantar, se imitamos, não estamos realmente a sentir. Não existem sobre a Terra duas pessoas iguais, e o mesmo se deve passar com a música - ou, então, não é verdadeira música».

21JUL1899-1961 - Ernest Hemingway: «Todos os bons livros têm uma coisa em comum - são mais verdadeiros se, realmente, o que descrevem houver acontecido».

ANUÁRiO

1949 - Durante um teste de tolerância à força da gravidade pelos seres humanos, designado USAF Project MX98, e sendo cobaia John Paul Stapp, uma falha dos sensores de registo leva o engenheiro aeroespacial norte-americano Edward A. Murphy a depreender que, «se uma coisa pode dar errado, com certeza dará». Tal conclusão teve como desenvolvimento que, «se existe mais de uma maneira de executar uma tarefa, e alguma dessas maneiras resultar num desastre, essa será certamente a maneira escolhida por alguém para executá-la», assim se formulando a Lei de Murphy.

ANTIQUÁRiO








20JUL1969 - Às 22 horas e 56 minutos, culminando a Missão Apollo XI, da NASA, o módulo Eagle desce na Lua e o astronauta comandante Neil Armstrong é o primeiro a tocar a superfície selenita, declarando: «Este é um pequeno passo para o Homem, mas um salto gigantesco para a Humanidade». IMAG.149

COMENTÁRiO

A LUA EM DIRECTO



Chegou o homem à Lua? Antes da realidade, já o cinema consagrara tal proeza, no infinito visionário. E quando, efectivamente, o americano Neil Armstrong pisou o solo selenita, a Terra esteve a ponto de não assistir, no próprio momento, àquele que é considerado o maior feito histórico... A verdade dos factos, mitificados ou ocultos, é exposta com A Lua Em Directo (2000) de Rob Sitch. Uma produção australiana - que combina emoções dramáticas às peripécias risíveis - herdeira dos maiores êxitos artísticos e comerciais, tendo rendido na origem mais de dezassete milhões de dólares. Como se sabe, o caminho das estrelas começou a ser desbravado muito antes: a partir de 1947 - quando Chuck Yaeger ultrapassou, pela primeira vez, a barreira do som; e após 1959 - com a selecção dos sete astronautas do Projecto Mercúrio. Entre eles, Scott Carpenter, Alan Shepard, John Glenn e Gus Grisson - nomes que ficaram gravados na saga rumo ao desconhecido e ao fantástico, em plena rivalidade EUA/URSS.

Tudo culminaria, pois, com Armstrong - cujo salto prodigioso para a Humanidade foi, então, testemunhado ao vivo por seiscentos milhões de pessoas em todo o Mundo, graças à televisão. No entanto, por pouco não se frustraria um tal espectáculo global, que se previa ser captado a partir de Goldstone, na Califórnia. Imprevistos de última hora, como dificuldades técnicas e perda de contacto com a Apollo XI, levaram a que o registo dos momentos decisivos fosse, afinal, assegurado por um rádio-telescópio em Parkes, na Austrália remota... Transformando um punhado de cientistas em heróis providenciais - embora tão-só por instantes e em circunstâncias precárias, como uma tempestade eléctrica ou um corte geral de energia - essa aventura extraordinária consagra-se com A Lua Em Directo, tendo em Sam Neil um notório protagonista. Sitch valoriza a realização, com outras importantes funções - enquanto responsável e argumentista do grupo criativo Working Dog, concluindo que os desafios épicos ou os sucessos exaltantes - como a conquista do espaço sob o signo da NASA - são, assim, tantas vezes imprevisíveis e, na sua transcendência, universais.

BREVIÁRiO

Oceanos edita Confundir a Cidade Com o Mar de Richard Zimler; tradução de Daniela Carvalhal Garcia.

Universal edita em CD, sob chancela Decca, Pyotr Ilyich Tchaikovsky [1840-1893]: Concerto Para Violino e Orquestra - Souvenir d’Un Lieu Cher pela violinista Janine Jansen com a Orquestra de Câmara Mahler sob a direcção de Daniel Harding.

Tinta-da-China edita Terra Incógnita I - A Metrópole Feérica de José Carlos Fernandes (argumento) e Luís Henriques (ilustração) . IMAG.4-31-53-89-97-98-138-192

Universal edita em CD, sob chancela Deutsche Grammophon, Hommage à [Olivier] Messiaen [1908-1992] pelo pianista Pierre-Laurant Aimard. IMAG.213

INVENTÁRiO



Quando menos se espera, a banda desenhada atrai-nos para outras vertentes mediáticos - aliciando novos leitores aos quadradinhos, ou reclamando o culto dos fanáticos. Tudo por uma questão de oportunidade, ou seduzindo sob um elã clássico. Escritor, aventureiro, explorador, mulherengo, homem de emoções fortes, Ernest Hemingway foi também... em 1991, personagem de banda desenhada, na saga de Wolverine - sob chancela Marvel Comics - em Sangue, Areia e Garras, por Larry Hama (argumento), Marc Silvestri (ilustração) & Dan Green (finalista). Tudo acontece por uma inversão no vórtice temporal, sob o sortilégio de um Teleporter, que transfere o dilacerante Logan até o Norte de Espanha, em Abril de 1937. Wolverine, que então por lá teria andado, segundo as memórias fragmentárias dum passado virtual, tentará reverter a História, cerzindo o seu destino, sob a ameaça da terrível Yuriko Oyama, aliás Lady Letal. Assim, Ernesto & Wolvie assistem juntos a uma faena, que culmina em bravos e olés... quando, subitamente, a cidade de Guernica é bombardeada pelos nazis da Legião Condor! Na realidade, Hemingway foi correspondente durante A Guerra Civil, título das suas reportagens (1937-39) inseridas na colectânea By-Line (1967). O famoso autor de Por Quem os Sinos Dobram (1940) regressou à Península Ibérica - por onde também andara cerca de doze anos antes - seduzido por Martha Gellhorn, jornalista da revista Collier’s destacada para a cobertura do trágico evento. Envolvendo-se no conflito bélico pelos Republicanos, tendo mesmo participado na recolha de fundos, Hemingway logrou sagrar os últimos heróis românticos em combate... segundo as crónicas, graças a Wolverine, que o resgatou entre a vida e a morte, ao atravessarem uma fatídica trilha montanhosa conhecida como Eroica!

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

CÁ EM PORTUGAL
CAVA A TUA COVA - 2

O corpo alto e balofo, a longa e oleosa cabeleira, os tiques ofensivos e meticulosos, tornavam Del-Gado um bicho repelente, postergado nos anátemas da escabrosidade. Como se encarasse, com uma covardia dissoluta, o próprio desafio da contumácia, pois que um dia ter-lhe-iam até ouvido:

- É mais fácil querer a morte à mingua e rápida, na guerra, do que agonizar futilmente, nesta lauta existência lenitiva...

Extraordinário pintor, quando o queria ser e estava com paciência, Eleuterio Del-Gado debatia-se, aliás, entre a reprodução de modelos vivos ou de naturezas mortas. A estas dava uma impressionante sensação autêntica, e luxuriante, sobretudo em motivos vegetais da cozinha, misturados com as mais exóticas espécies florais. Quanto aos primeiros, preferia os mancebos nus, e rústicos, os quais comprava com generosidade ou entretinha, passando-os às donzelas desinibidas que faziam parte da sua variegada tribo.

Era também constituída por cantores líricos, aristocratas arruinados, conferencistas talentosos, escritores em crise, empresários falhados, académicos sem reputação, jornalistas eventuais, gente de sensação, figuras características e toda uma outra fauna marginal - mais flutuante - de fadistas, arrendatários, escultores, toureiros, prestidigitadores, mágicos, falsários, coristas, canalhas, pseudo alienados, meros escroques, prováveis suicidas, além de profissionais da navalha ou da vadiagem que lhes prestavam colorido e protecção

Continua


    

IMAGINÁRiO234

08 JUL 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

SAGRAÇÕES



Um dos géneros mais apreciados pelo grande público, além do culto em quadradinhos ou dos fanáticos incondicionais, a ficção científica inspirou - como proposta essencial - o Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, ao celebrar o 19º FIBDA 2008 - aliás, correspondendo às virtualidades que sagraram a tradição e asseguram uma vanguarda. Assim, tendo como aliciante clássico Flash Gordon de Alex Raymond, com fascínio excepcional no grande imaginário da aventura e do fantástico, e Luís Henriques como Autor Em Destaque, a partir do Tratado de Umbrografia, o tema primordial Tecnologia e Ficção Cientifica expandiu-se entre o passado e o futuro do homem, em sua motivação genuína e respectivas dimensões alternativas no apelo do universo, qual desafio prodigioso e visionário. Tais virtualidades estão patentes e persistem no Catálogo alusivo, constituindo um testemunho fundamental, um manancial imprescindível - e destacando-se O Século XX e a Bd de Ficção Científica Em Portugal por Jorge Magalhães, como documento histórico e rigoroso sob o signo editorial. IMAG.221

CALENDÁRiO

1920-14JAN2009 - Ricardo Montalban: Actor norte-americano - «Quando alguém almeja uma fantasia que se converte em realidade, esta não é tão emocionante como a expectativa anterior».

1917-16JAN2009 - Andrew Wyeth: Pintor norte-americano - «Às vezes, as pessoas apreciam os meus quadros porque representam o sol a bater num lado da janela, ou simplesmente porque sim… Está lá tudo, oculto por detrás do aspecto realista. A maior fragilidade do meu trabalho é a subjectividade».

1969-18JAN2009 - João Aguardela: Compositor, letrista e vocalista, fundador de Sitiados e A Naifa - «Era um criativo à procura de novas roupagens para as nossas raízes da música tradicional» (Carlos Moisés, Quinta do Bill).

1924-21JAN2009 - Jaime Isidoro: Pintor e galerista - «Foi, também, um agente activo no impulso às artes plásticas, a partir da década de 1950» (Augusto Canedo).

21JAN2009 - A Administração do Porto de Lisboa anuncia que o Relógio do Cais do Sodré volta a estar acertado pela hora legal portuguesa, graças a um equipamento Tissot adquirido na Suiça, que permite a sincronização do tempo com o Observatório Astronómico de Lisboa, na Tapada da Ajuda. O mecanismo original foi ali colocado em 1914, tendo a certificação horária cessado por legislação de 1943, mantendo-se embora tal inscrição, na pala, por tradição histórica até ao ano 2000.

1932-27JAN2009 - John Updike: «Romancista vencedor do Prémio Pulitzer, homem de letras prolífico e cronista erudito do sexo, do divórcio e de outras aventuras, no ápice do pós-guerra do império americano» (New York Times). IMAG.124-157-171

MEMÓRiA

1904-23JAN1989 - Salvador Dali: «Desenhar, é o factor mais honesto da criatividade artística. Não há possibilidade de logros. Ou se é bom, ou se é mau». IMAG.6-38-70

03JAN1929-30ABR1989 - Sergio Leone: «Não consigo olhar a América, senão na perspectiva de um europeu. E o que vejo, fascina-me e aterroriza-me, ao mesmo tempo». IMAG.205-233

10JUL1509-1564 - Jean Calvin, aliás João Calvino: Teólogo, fundador do Calvinismo - «Da mão de Deus, tu tens o que possuis. Porém, deverias usar de humanidade para com aqueles que padecem de necessidades. És rico? Isso não é para teu bel-prazer. Deve a caridade faltar por isso? Deve ela diminuir? Não está ela acima de todas as questões do mundo? Não é ela o vínculo da perfeição?»

18AGO1909-17ABR1989 - Adolfo Simões Müller: «Quando eu era pequenino / gostava de ouvir contar / histórias de princesinhas / encantadas ao luar. // Lendas de reis e de fadas, / inda me incheis a lembrança! /Que saudades de vós tenho, / ó meus contos de criança!» IMAG.131

VISTORiA


Poetas Malditos


¨Malditos poetas, que disseram tudo
e tudo tão bem dito!
Malditos poetas, que me deixam mudo,
sem um ai, uma súplica ou um grito!
Raios os partam, cada qual maldito!
Malditos, que roçaram no seu voo,
com asas de veludo
o infinito!
Malditos poetas: Eu os abençoo…

Adolfo Simões Müller

PARLATÓRiO



Após tomar conhecimento da verdadeira fé e de a ter apreciado, apossou-se de mim um tal zelo e uma tal vontade de avançar mais profundamente que, apesar de não ter prescindido dos outros estudos, passei a ocupar-me menos com eles. Fiquei estupefacto, quando, antes mesmo do fim do ano, todos aqueles que desejavam conhecer a verdadeira fé me procuravam e queriam aprender comigo - eu, que ainda estava apenas no início! Pela minha parte, por natureza algo tímido, sempre preferi o sossego e permanecer discreto, de modo que comecei a procurar um pequeno refúgio que me permitisse recolher dos Homens. Mas, pelo contrário, todos os meus refúgios se tornavam em escolas públicas. Em resumo, apesar de eu sempre ter pretendido viver incógnito, Deus guiou-me por tais caminhos, onde não encontrei sossego, até que ele me puxou para a luz forte, contrariando o meu carácter, e como se costuma dizer, me colocou em jogo. E, na verdade, deixei a França e dirigi-me para a Alemanha, para que ali pudesse viver em local desconhecido, incógnito, como sempre tinha desejado.
Jean Calvin (1557)

COMENTÁRiO


Grande realizador francês, crítico implacável e confesso fanático do cinema americano, François Truffaut referenciava na tradição de Hollywood - como polos maiores de atracção popular, e para além dos géneros ou das estrelas - os filmes ambientados junto à barra do tribunal ou atrás de grades da prisão. Neste microcosmo, Alcatraz seria a vedeta primordial - logo pelas implicações míticas e realistas, quanto a um famigerado inquilino (1934-1939) como Al Capone, referenciadas na sua ampla filmografia - em especial, pelos factos de mistério e controvérsia reconstituídos em Os Fugitivos de Alcatraz (1979). Um clássico que assinala a quinta parceria entre Clint Eastwood e Don Siegel, o seu director fundamental.
Em Junho de 1962, três detidos na Penitenciária de Alcatraz escaparam em circunstâncias excepcionais, e nunca mais foram descobertos. Em causa, estava o presídio mais célebre do Mundo, considerado à prova de evasão e alvo de uma férrea disciplina, sem carácter de reabilitação. Sob a alçada federal, servido por um guarda para cada três reclusos, cercado pelas frias e traiçoeiras águas da Baía de São Francisco, Alcatraz representava desde 1934, para o sistema judiciário dos Estados Unidos, o cárcere modelo que - pela primeira vez desfeiteado, sem o devido esclarecimento - seria encerrado definitivamente, poucos meses depois, em 1963.
Realizado por Don Siegel, Os Fugitivos de Alcatraz parte de um livro do jornalista / investigador J. Campbell Bruce, e sua subsequente adaptação ao cinema por Richard Tuggle. Em foco ritual está a arrojada planificação da fuga - tal como seria concebida por Frank Morris, um assaltante de bancos com superior coeficiente de inteligência, tendo a cumplicidade dos irmãos Clarence e John Anglin, e de Charley Butts que à última hora desistiu. Deixando nas celas cabeças postiças completadas com cabelo da barbearia, subindo pelos canais de ventilação até ao telhado, e usando depois uma jangada feita de impermeáveis colados e cheios de ar, os três concretizaram assim um objectivo que era considerado impossível.
O filme nada especula quanto à sorte de Morris e dos Anglin, mantendo porém implícito - a partir de elementos dramáticos, e numa alegoria insinuante - que terão sobrevivido e levado a bom termo a sua aspiração de liberdade. Mais evidente é, aliás, o testemunho relativo às duras condições em Alcatraz, denunciando as prepotências do director, o regulamento intolerante, o rigor da vigilância exercida, e a precária aliança entre os prisioneiros - homens duros mas fiéis a um peculiar código de honra, capazes entre si de uma cumplicidade limite. Com Os Fugitivos de Alcatraz, e explorando um episódio controverso, sensacionalista, o cinema americano contempla a face mais obscura, e perturbante, da sua fisionomia social.
A rodagem teve lugar em cenário real, atrás dos muros de Alcatraz - contribuindo para intensificar uma estranha fusão entre a história e a lenda. De facto, uma vez desactivada, a Penitenciária tornou-se uma atracção turística, sendo visitada diariamente por centenas de curiosos que, atravessada a Baía num pequeno barco, se deixam impressionar com uma descrição sobre os sistemas de segurança, ou passeando pelos longos corredores marginados de celas - entre as quais, durante muito tempo, se distinguiam algumas pelo seu estado impecável: precisamente, aquelas que Siegel utilizara para as filmagens.
Em 1996, a personagem de Eastwood inspirou o Patrick Mason de Sean Connery em O Rochedo. Este era o nome dado à ilha de Alcatraz, pela sua imponência inexpugnável. A fita de Michael Bay decorre na actualidade, especulando o sequestro de alguns turistas por um general traumatizado, que coloca a área urbana de São Francisco sob uma ameaça bacteriológica. Há quarenta anos, a Penitenciária fora celebrada com O Homem de Alcatraz (1961) de John Frankenheimer, cabendo a Burt Lancaster personificar o autêntico Robert Stroud, um recluso amigo das aves que, a partir de 1943, se converteria em prestigiado ornitólogo. Já em 1995, Marc Rocco dirigiu O Condenado de Alcatraz, sobre outro caso verdadeiro. Na década de ’30, um preso é vítima de maus tratos, e acusado de matar o companheiro de cela.

EXTRAORDINÁRiO

OS HUMANIMAIS
Folhetim Aperiódico

CÁ EM PORTUGAL
CAVA A TUA COVA - 1

  7 de Julho de 1888

Sentindo-se um perseguido, uma vítima da polícia e dos costumes, Eleuterio Del-Gado deixava, periodicamente, as portas de Lisboa com o seu bando mal afamado de admiradores e de boémios, buscando refúgio numa das povoações limítrofes - sobretudo junto à costa marítima, assentando arraiais e, tudo invadindo, provocando uma autêntica revolução nas rotinas, valores e tradições. Para o seu espírito artístico, sofisticado, tratava-se também da mais intensa insurreição ritual, vindicativa e paradoxal.

Um caos social - aliás, modelado à feroz hierarquia da sua patologia mental, depressiva e neurasténica. Teria Del-Gado consciência de todo o pânico e inclemência que precipitava? Porventura - considerando o espalhafato das poses atrevidas, desaforadas, ou o escândalo que provocava cínico, mortífero, sobre a comunidade moral e as próprias forças vivas.

– Continua  


  

IMAGINÁRiO233

01 JUL 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

TRA(D)IÇÕES



Estabelecendo uma perturbante fusão entre as alternativas da aventura e o dilema dos heróis, Emmanuel Lepage logra as expectativas de uma banda desenhada adulta e aliciante, no díptico Muchacho - com edição sob chancela das Edições Asa - ambientado na Nicarágua sob ditadura, e posta à prova por irreversíveis transes - em que se contrastam idealismo e ambição, guerrilha e desejo, sexo e poder, violência e opressão, traição e autoridade... A partir de um envolvimento aparente sobre circunstâncias perigosas e compromissos funestos, Lepage - argumentista e ilustrador - estabelece uma trama subtil, dilacerante - aliando implicações profundas, volúveis, em que se preservam ou deterioram os limites entre os desígnios da revolução e os pre(con)ceitos da lealdade. Sobressai a intensa sugestão dum tempo de conflitualidade atípica, quanto aos códigos tradicionais: como se a narrativa fosse estilizada, não directamente sobre a conivência ou o confronto entre as personagens, mas através da sua opressiva crispação, pela densa atmosfera que corresponde à violência de uma realidade contaminada e selvática... Na adversidade de Muchacho, não há inocência póstuma.

MEMÓRiA

1854-01JUL1929 - Wenceslao de Moraes «Fixa-se a nossa atenção nas paredes revestidas de trabalhoso mosaico, nas incrustações de madrepérola dos portaes, nas allegorias do culto, no portentoso Budha, feito de uma só esmeralda de três palmos de altura, de valor inestimável. Ergue-se mais além o palácio real, n´uma elegantíssima fachada, cujo único senão está no mau gosto da sua arquictetura europea, sob um telhado, rendilhado em mil corujas, de pura feição indígena. Profusão de flores e de arbustos viçosos. Grande elephantes doirados, em pedestaes de mármore» (Em Bangkok - Traços do Extremo Oriente). IMAG.5-16-32-49-101

¸1898-05JUL1969 - Leo McCarey: Prestigiado nos anais de Hollywood como o realizador que mais contribuiu para a revelação de Bucha & Estica (aliás, Stan Laurel e Oliver Hardy), dirigiu ainda, a partir de meados dos anos ’20, uma série de populares comédias a cargo das principais companhias - da MGM à Paramount, da Fox à United Artists, da Columbia à RKO.

CALENDÁRiO

1934-12JAN2009 - Claude Berri: Realizador, argumentista, actor, produtor - «A mais lendária figura do cinema francês» (Nicolas Sarkozy).

1928-13JAN2009 - Patrick McGoohan: Actor norte-americano, protagonista das séries televisivas Danger Man (1964-1967) e The The Prisoner (1967-1968) -  «Deixou uma marca indelével nos géneros de ficção científica, fantástico e trama política, criando algumas das mais irónicas personagens de todos os tempos» (Robin Llywelyn).

15JAN-30ABR2009 - Casa Fernando Pessoa apresenta Lisboa Revisitada, exposição de 52 fotografias de Jorge Colombo, inspiradas em poemas de Álvaro de Campos». IMAG. 26-28-64-82-105-130-131-157-182-187-196-207-211

ANUÁRiO

1959 - A CBS produz a série televisiva Rawhide, sendo criador Charles Marquis Warren e protagonista Eric Fleming.

ANTIQUÁRiO

01JUL2004 - Kafre publica o IMAGINÁRiO1, ainda apenas em versão newsletter.

1883-05JUL1969 - Walter Gropius: «A arquitectura começa onde acaba a engenharia.»

PARLATÓRiO





Para o projecto Lisboa Revisitada, tentei fotografar a cidade segundo a óptica do próprio Álvaro de Campos: o que lhe chamaria a atenção nos dias de hoje? Como não vivo em Portugal há muito tempo, e apenas o visito esporadicamente, as mudanças operadas já no Século XXI causam-me um misto de entusiasmo e distanciamento. Vista de certos ângulos, Lisboa parece-me outras cidades, noutros países; e foi essa surpresa que tentei capturar. O mote inicial da minha exploração foi evidentemente a Ode Triunfal, mas o espírito dos poemas mais tardios de Álvaro de Campos, «estrangeiro aqui como em toda a parte», acabou por permear a maior parte das imagens.
Jorge Colombo

EPISTOLÁRiO



Sou português. Nasci em Lisboa no dia 30 de Maio de 1854. Estudei o curso de marinha e dediquei-me a official da marinha de guerra. Em tal qualidade fiz numerosas viagens, visitando as costas da África, da Ásia, da América, etc. Estive cerca de cinco annos na China, tendo ocasião de vir ao Japão a bordo de uma canhoneira de guerra e visitando Nagasaki, Kobe e Yokoama.
Em 1893, 1894, 1895 e 1896 voltei ao Japão, por curtas demoras, ao serviço do Governo de Macao, onde eu estava comissionado na capitania do porto de Macao. Em 1896, regressei a Macao, demorando-me por pouco tempo e voltando ao Japão (Kobe). Em 1899 fui nomeado cônsul de Portugal em Hiogo e Osaka, logar que exerci até 1913.
Em tal data, sentindo-me doente e julgando-me incapaz de exercer um cargo publico, pedi ao Governo portuguez a minha exoneração de official de marinha e de cônsul, que obtive, e retirei-me para a cidade de Tokushima, onde até agora me encontro, por me parecer logar apropriado para descançar de uma carreira trabalhosa e com saúde pouco robusta.
Devo acrescentar que, em Kobe e em Tokushima, escrevi, como mero passatempo, alguns livros sobre costumes japoneses, que foram benevolamente recebidos pelo publico de Portugal.
Wenceslao de Moraes
a Yanazi Wara (FEV1928)

BREVIÁRiO

Bertrand re-edita O Despertar dos Mágicos (1960) de Louis Pauwels e Jacques Bergier.

Esfera do Caos edita Sherlock Holmes de Nick Renninson. IMAG. 17-71-116-128-140-184

Sony BMG edita em CD, sob chancela Columbia, Tell Tale Signs: The Bootleg Séries - Vol. 8 de Bob Dylan. IMAG. 13-24-61-85-115-136-151-187-211

Dom Quixote edita Viagem Marítima Com Dom Quixote de Thomas Mann (1875-1955); tradução de Lumir Nahodil. IMAG.173

Biblioteca Nacional edita Adolfo Casais Monteiro [1908-1972] por vários autores. IMAG.58-82-185

Quasi edita Férias de Agosto (1946) de Cesare Pavese (1908-1950); tradução de Ana Hatherly. IMAG.56-173

HMC edita em CD, Anton Bruckner [1824-1896] - Missa em Fá Menor por Kammerchor RIAS e Orchestre des Champs-Elysées, sob direcção de Philippe Herreweghe. IMAG.104

Relógio d’Água edita Contos de Hélia Correia. IMAG.38-69-232

Naïve edita em CD, [Antonin] Dvorák [1841-1904] e [Robert] Schumann [1810-1856] - Sinfonia do Novo Mundo e Concerto Para Quatro Trompas por La Chambre Philharmonique, sob direcção de Emmanuel Krivine. IMAG.88-105-194-199-201-203-219

Orfeu Negro edita O Livro Inclinado de Peter Newell (1862-1924); tradução de Rui Lopes.

COMENTÁRiO

RAWHIDE

Entre as séries televisivas que sagraram um western épico e pioneiro, por finais dos anos ’50 distinguiu-se Rawhide, uma produção da CBS em directa concorrência ao fenómeno de Gunsmoke. Aliás, tinham em comum o mesmo criador, Charles Marquis Warren - um produtor, argumentista e realizador que seria, também, responsável por The Virginian. As primeiras filmagens de Rawhide - com 144 episódios a cores, emitidos em 1959-1966 - decorreram no Arizona, embora a acção fosse privilegiada através do Kansas, narrando as aventuras de um grupo de cowboys especializados na condução de manadas de gado, enfrentando toda a espécie de perigos e desafios. O líder era Gil Flavor, protagonizado por Eric Fleming; Rowdy Yates, o seu braço-direito, teve por intérprete Clint Eastwood, em início de carreira e um dos trunfos essenciais para o enorme sucesso. Ainda no elenco, destacam-se Paul Brinegar (o cozinheiro Wishbone), Sheb Wooley (o miúdo/mascote Pete Nolan), Steve Raines, Rocky Shahan e James Murdock. Ritualizando um Oeste rude, errático, Rawhide é notável pelas suas personagens arquetípicas, pelas peripécias dramáticas, pelo diálogo característico - e pelo tema musical de Ned Washington & Dmitri Tiomkin, cantado por Frankie Laine. Segundo a lenda, Eastwood - que participara em Lafayette Escadrille - estava sem trabalho, quando decidiu visitar a sua amiga Sonia Chermus, consultora da CBS Television. Casualmente, foi visto por Robert Sparks, um dos executivos da companhia, que lhe perguntou se era actor. Perante a resposta positiva, Sparks apresentou-o a Marquis Warren e, após uma leitura de cenas e alguns testes fotográficos, a sua contratação foi imediata. Ora, se Eastwood se tornou decisivo para o êxito de Rawhide, esta saga contribuiu também para a sua popularidade, conferindo-lhe ainda uma larga experiência técnica e artística. Aí explorou o modelo cínico, lacónico, rude, que o celebraria de um modo emblemático - logo em fitas rodadas em Espanha e Itália, sob direcção de Sergio Leone, que se tornaram símbolos do western-spaghetti, como Por Um Punhado de Dólares (1964) ou Por Mais Alguns Dólares (1965). Entretanto, Eastwood prosseguia uma participação em Rawhide - promovido a boss, após o afastamento de Fleming; e, ao que a publicidade aludia, rejeitando a intervenção de duplos. Já nessa altura, manifestava o desejo de realizar, também, alguns episódios; mas as suas ideias eram tão ousadas que a CBS o autorizou, por fim, a coordenar alguns dos trailers promocionais!

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

AONDE É QUE FICA
O CENTRO DE PORTUGAL - 4

Aquela síncope, fetal, fulminou Elísio - puxando-o das coisas elementares para as causas transcendentes. Tomou-se de relações com bruxos, pôs em cima poses místicas, deu ares superiores, desencantou rezas, esgotou-se a esgravatar no que não era da sua conta.

Do dia para a noite, Elísio Salgado entrou no rol daqueles que todos conhecem, mas de quem ninguém se importa. A certa altura, já nem reparavam nele, e desatou a andar aos pontapés...

Ora, pronto, basta. A história vai longa, sem acutilância, cada vez mais rasteira. Acabou-se o tempo e a pachorra, quem diria:

- Safa-te como puderes, Elísio... Vê se tens um golpe d’asa!

 Continua  



  

IMAGINÁRiO232

24 JUN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

OLISIPO



A paixão por uma velha e bela cidade, as marcas do tempo que a referenciam, os sinais da memória que lhe dão história, pelo testemunho das pessoas e na circunstância dos lugares, forjando uma personalidade colectiva, sagrando uma vivência única, constituem um manancial dinâmico e virtual entre o passado e o futuro, estabelecem os laços culturais e afectivos sobre uma actualidade intemporal. Tais parâmetros múltiplos, alusivos, característicos, científicos, evocativos, lúdicos, coincidem e evoluem pelo expressivo manancial de Olisipo - Boletim do Grupo «Amigos de Lisboa», fundado em 1936 por homens notáveis como Gustavo de Matos Sequeira, José Leitão de Barros, Mário Sampaio Ribeiro, Luís Pastor de Macedo, Norberto de Araújo ou Rocha Martins, e distinguido com a Medalha de Ouro da Câmara Municipal. Uma instituição com as suas genuínas glórias e tradições, uma publicação semestral, coerente aos seus próprios desafios e propósitos - dirigida por Francisco Santana, Appio Sottomayor e J. Ramos Baptista, contando com um apaixonado e sapiente leque de colaboradores.

CALENDÁRiO

1935-02JAN2009 - Inger Christensen: Escritora dinamarquesa - «Ela extraiu do mundo estéril e muitas vezes monótono da poesia sistemática uma riqueza de entoações única, utilizando um sistema impessoal para formular uma criatividade extremamente pessoal» (Erik Nielssen).

1924-05JAN2009 - Pat Hingle: Actor norte-americano - «Posso representar o condutor de um camião, um médico, um advogado, um juiz ou qualquer outra pessoa, seja qual for a profissão».

01OUT1939-10JAN2009 - José Manuel Rodrigues da Silva: Jornalista, editor do Jornal de Letras - «Até que um dia és tu que mingas, não apenas na coisa assim da alma, mas também no coiso já muito assado do corpo, que, com gozo e respectivo proveito, sempre deste ao manifesto» (2008).

15JAN2009 - Hora Mágica produziu e estreia Contrato de Nicolau Breyner; sobre Requiem Para Um Dom Quixote de Dennis McShade/Dinis Machado, com Pedro Lima e Cláudia Vieira. IMAG.218

15JAN2009 - Atalanta Filmes estreia Veneno Cura de Raquel Freire; produção de Clap Filmes, com Margarida Marques e Gustavo Vicente.

MEMÓRiA

09FEV1909-1955 - Maria do Carmo Miranda da Cunha, aliás Carmen Miranda: «A maior humilhação para uma mulher é ser abandonada pelo homem que ama. O homem recupera-se depressa, se o caso é oposto, porque não quer dar o braço a torcer para os amigos. A mulher não: a sua sensibilidade e fraqueza ficam estampadas no seu olhar, no seu rosto, nos seus gestos. É triste». IMAG.45-141

30MAI1909-1986 - Benny Goodman: «Por vezes, quando começamos a abstrair dos detalhes, seja na música ou na nossa própria vida, em algo tão aparentemente insignificante como abdicarmos da delicadeza, na realidade estamos já a afastar-nos do que é essencial».

20JUN1909-14OUT1959 - Errol Flynn: «Quando já tinha interpretado uns quarenta e cinco filmes, pus-me a pensar no que me tinha transformado: um símbolo fálico. Em todo o mundo, o meu nome e a minha personalidade estavam conotados com o sexo».

27JUN1869-1940 - Emma Goldman: «O fascínio que me suscitou emana da impressionante actualidade (ai de nós!) de muitas das suas lutas mas, sobretudo, da sua intransigente defesa da liberdade» (Clara Queiroz).

17AGO1909-2004 - Óscar Ribas: Escritor, poeta, jornalista e ensaísta angolano, autor de Sunguilando (1967) - «Pela [sua] mão, somos introduzidos na intimidade das cubatas e, sentados na mesma esteira, tomamos contacto com figuras da vida real dos muceques» ((Joaquim Pinto de Andrade).

NOTICIÁRiO


Lisboa
Já se vão fazendo edificações nas hortas do Regueirão dos Anjos. Além de uma fábrica de oleados, está-se construindo uma outra destinada a móveis de ferro. A cidade, em certos pontos, vai perdendo o lindo aspecto campesino que a distinguia.
w31JAN1890 - Diário de Notícias

Carmen
Carmen Miranda! É o que se ouve nos quatro cantos do teatro. É que a querida cantora estava na platéia e o público que a festeja, como artista de mérito que é, reclama sua presença no palco, não sendo, porém, satisfeito.
29AGO1930 - Diário Carioca

TRAJECTÓRiA

ERROL FLYNN



Se houve um astro garboso e carismático, cuja composição irradiou o próprio fascínio de heróis aventureiros, ele foi Errol Flynn. Alto, esbelto, atlético, desenvolto no desempenho de todas as proezas, e em qualquer época, tais virtualidades correspondem, aliás, às próprias peripécias duma existência tempestuosa e empolgante. Cavalgando pelo Oeste, sulcando os mares como pirata, de capa e espada, arrostando os horrores da guerra, ou lendário Robin Hood, todos os desafios lhe assentavam bem, triunfando com honra pelos ideais de justiça.

Errol Leslie Thomson Flynn nasceu em Hobart (Tasmania), em 1909; faleceu em Vancover (Canadá), de um ataque cardíaco, com cinquenta anos. O pai era um prestigiado biólogo, botânico e oceanógrafo australiano. Internado no South West London College, aos treze anos, foi expulso por indisciplina; seguiram-se a Saint Paul School e o Lycée Louis le Grand (Paris). Conveniências familiares levaram-no ao Lycée de Sydney, cidade onde trabalhou no escritório duma companhia naval; praticou boxe e conquistou a Taça Davis Jr, sendo designado para representar a Austrália, nos Jogos Olímpicos de Amesterdão.

A partir de 1930, e durante sete meses, Flynn correu Mundo, num barco que baptizou Sirocco; na Nova Guiné, foi capataz duma plantação de tabaco, e correspondente do Bulletin (Sydney); na Austrália, interveio em In the Wake of the Bounty, um documentário ficcionado sobre o Tahiti. Três anos depois, em Londres, Robert Young contratava-o para a Northampton Repertory Company; escreveu, então, a peça Cold Rice, representada no Midlands. Participou no Festival de Stratford-on-Avon, cuja nomeada lhe abriu os Warner’s London Studios, em 1934. Seguiu, depois, para os Estados Unidos; em 1935, chegou a Hollywood, triunfando numa carreira fulgurante, sob contrato com a Warner Bros. Sobretudo, dois realizadores marcaram o seu estilo e sucesso: Michael Curtiz (1935-1941), e Raoul Walsh (1942-1945). Entretanto, foi autor do livro Beam Ends (1936), narrando as suas viagens marítimas; e reportou a Guerra Civil Espanhola, em 1937, pelo lado franquista. Por ironia, durante a II Guerra Mundial, Flynn foi considerado incapaz para todo o serviço - pois sofria  de malária, deficiência cardíaca e vestígios de tuberculose.

Em 1946, Flynn publicou o pretenso romance Showdown, provocando a ira de Humphrey Bogart. Indiferente, relatou as suas memórias cinéfilas em várias crónicas, e na autobiografia My Wicked, Wicked Ways (1959), com divulgação póstuma. Apesar de uma enorme popularidade, não logrou ser considerado na galeria dos grandes talentos da representação, em papéis dramáticos que reclamou em vão. Entretanto, dirigiu e narrou os documentários Whaling in the Pacifique (1950) e Cruise of the Zaca 1952). Ficaram célebres os seus escândalos passionais: por violação de uma menor, em 1943; cinco anos depois, ao rejeitar uma paternidade; em 1950, sob a acusação de libertinagem. Tornara-se dependente de álcool, tabaco e drogas. Manteve ainda diversas ligações extra-matrimoniais, durante os quatro casamentos - o primeiro com Lili Damita (1935-43), do qual nasceu (1941) o actor Sean Flynn, desaparecido no Vietname em funções de reportagem. Em 1980, numa apócrifo-biografia, Charles Higham insinuou que Flynn era bissexual e espião nazi, ao serviço da Gestapo.

PARLATÓRiO





É a violência organizada no topo que cria a violência individual na base. É a indignação acumulada contra o mal organizado, o crime organizado, a injustiça organizada, que leva o indivíduo a cometer o crime político. Condená-lo simplesmente, significa fechar os olhos aos factores que o constituíram. Eu não o posso fazer, eu não tenho o direito de fazê-lo, tanto quanto um médico não pode condenar um paciente pela sua doença. Tu e eu, e todos nós, que nos mantemos indiferentes aos crimes da pobreza, da guerra, da degradação humana, somos igualmente responsáveis pelo acto cometido pelo criminoso político.
Emma Goldman

BREVIÁRiO

Espiral do Tempo edita Tempo e Poder Em Lisboa - O Relógio do Arco da Rua Augusta de Fernando Correia de Oliveira e José Sarmento.

Livros Horizonte edita Lisboa - História Física e Moral de José-Augusto França.

Gabriel Baguet Jr escreveu, e edita Óscar Ribas - A Memória Com a Escrita.

O Quinto Selo edita O Homem Sombra de Dashiell Hammett; tradução de Susana Silva. IMAG.70-141-190-197

EMI edita em CD, ¡Select de David Bowie. IMAG.194

Dom Quixote edita Um Homem Muito Procurado de John Le Carré; tradução de Isabel Veríssimo. IMAG.167

Relógio d’Água edita A Ilha Encantada de Hélia Correia; versão juvenil sobre A Tempestade de William Shakespeare (1564-1616). IMAG.26-38-69-79-131-141-146-164-179-202

Editorial Caminho lança A Viagem do Elefante de José Saramago. IMAG. 38-75-155-158-196-198

Sony/BMG edita em CD, sob chancela Columbia, Black Ice por AC DC.

Dom Quixote edita Os Ratoneiros - Uma Reminiscência de William Faulkner (1897-1962); tradução de José Riço Direitinho. IMAG.86-153

Relógio D’Água edita A Educação Sentimental de Gustave Flaubert (1821-1880); tradução de João Costa. IMAG.68-154-170

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

AONDE É QUE FICA
O CENTRO DE PORTUGAL - 4


 Lembrou-se que em miúdo acompanhava o pai, de burro, até à feira em Vale d’Açores, onde gostava de surripiar tremoços. Que depois o perdeu, quando Eliseu foi para França combater na guerra, embora a mãe recebesse um louvor póstumo sobre «A Alma de Portugal». Que cresceu com o instinto sexual acomplexado pela sua estatura de minorca. Que um dia se apaixonou perdidamente por Estela Alvorada, durante um espectáculo local do Circo Diamante, mas a estonteante artista achincalhou-o como labrego desvairado. E que, desde essa altura, uma raiva íntima passou a dominá-lo, ruminando numa existência inconsolável, humilhado sem referências pessoais...

Filho único, a derradeira experiência normal de Elísio Salgado foi quando a Ti Elisa, farta e gasta, começou a berrar-lhe:

- Ando eu mal para aqui, moura de trabalho... - e tombou para o lado, sem mais rodeios, como qualquer boa cristã.

Continua



    

IMAGINÁRiO231

16 JUN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

DESAFIOS



A vida dos grandes autores do romance criminal interessou os seus pares, especulando - de forma sugestiva e intrigante - sobre os aspectos duma privacidade em que, frequentemente, se reflectem caprichosas relações entre a fantasmagoria do imaginário criativo e uma experiência pessoal de outrora ou absorvida dos contactos sociais. Produzido por Francis Ford Coppola, Hammett, Detective Privado (1983) de Wim Wenders (1983) - com edição em DVD, sob chancela ZON Lusomundo - parte do bestseller de Joe Gores, Hammett - que coaduna lances de veracidade eventual com a pura ficção - em estimulante aliança artística entre o olhar europeu e a emoção americana. Antigo detective privado, o escritor Dashiell Hamett - imortalizado pelo seu alter-ego, Sam Spade - envolve-se numa aventura alucinante, perigosa, quando um ex-colega de profissão, que inspirou algumas das suas narrativas, lhe pede auxílio para um enigmático desaparecimento que suscita ameaças e traições, mas simboliza também o revitalizar da saga… Sendo protagonista Frederic Forrest, eis um prodigioso testemunho de reconciliação, entre a fascinante abordagem biográfica e a fabulosa incursão mítica. IMAG.19-70-127-141-190-192-197

CALENDÁRiO

1914-25DEZ2008 - Edward D. Cartier, aliás Edd Cartier: Artista plástico, assistente de Norman Rockwell, ilustrador de capas para imaginários de Robert A. Heinlein e Isaac Asimov, ou das aventuras de The Shadow/O Sombra por Walter B. Gibson - «Tentei sempre atribuir algum humor aos meus desenhos. Quanto às obras de ficção científica, chegaram mesmo a comentar que fui longe demais».

1938-27DEZ2008 - Robert Graham: Escultor e arquitecto norte-americano, de origem mexicana - «Era um criador fora de série, e o seu trabalho, realmente genuíno, permanecerá como um ícone da Califórnia» (Arnold Schwarzenegger).

1938-29DEZ2008 - Freddie Hubbard: «Influenciou todos os trompetistas que vieram depois dele. Tinha um grande som e um grande sentido do ritmo e do tempo, e a exuberância é a grande característica do seu estilo» (Wynton Marsalis).

1933-31DEZ2008 - Donald Westlake: - Escritor norte-americano, sob nome próprio e vários pseudónimos - «Às vezes tomo notas, ponho-as de parte, e tenho esperança de conseguir percebê-las, quando volto a encontrá-las».

1924-01JAN2009 - Edmund Purdom: Actor britânico de teatro e cinema, encenador e realizador, protagonista de O Egípcio (1954 - Michael Curtiz); em 1962, a MGM rescindiu contrato, sob a alegação de que o seu relacionamento com Linda Christian havia violado uma «cláusula moral».

MEMÓRiA

03FEV1809-1847 - Félix Mendelsohn: «Desde que comecei a compor, sempre permaneci fiel a um princípio essencial: nunca escrever uma página tendo em atenção o público, ou o que uma mulher bonita gostaria de representar; apenas me interessa exprimir o que considero ser o melhor, o que maior prazer me dá na criação artística».

11FEV1909-1993 - Joseph L. Mankiewicz: «A diferença entre a vida e o cinema, é que nos filmes tudo faz sentido, e na realidade nada bate certo». IMAG.83

14ABR1909-05DEZ1949 - Soeiro Pereira Gomes: «Além da dedicação, da coragem, da firmeza ideológica e da sua obra literária, deixou-nos um exemplo de particular relevo num comunista, sobretudo num dirigente comunista. Simples, modesto, dirigindo sem assomos de superioridade ou imposição, tratava os camaradas e as pessoas em geral com respeito e estima. Convivia fraternalmente com eles, ensinando e aprendendo com a vida e com os outros. São valores, com os quais, todos nós, na época, procurávamos aprender, e com os quais necessitamos de continuar a aprender» (Álvaro Cunhal - Avante!, 1999).


1911-16JUN1979 - Nicholas Ray: «Tenho uma profissão igual a qualquer outra, e procuro exercê-la o melhor que sei». IMAG.19-52-127

19JUN1919-2001 - Pauline Kael: «Mesmo quando pecavam por excesso de sentimentalismo, os filmes antigos contribuíram para formar a moderna consciência liberal dos espectadores. Quebraram barreiras de todo o género, rasgaram horizontes. E quase sempre nos colocam ao lado dos maltratados, dos desprezados».

21JUN1839-1908 - Joaquim Maria Machado de Assis: «Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento». IMAG.196-229

1920-23JUN1959 - Boris Vian: «Só há duas coisas: o amor, todos os tipos de amor, com mulheres bonitas, e a música de New Orleans ou de Duke Ellington. Tudo o resto devia ser eliminado, porque tudo o resto é feio».

COMENTÁRiO

NICHOLAS RAY
E OS FILHOS DA NOITE



Em 1948, irrompia no império de Hollywood o talento dum cineasta intenso, versátil e singular, características que implicariam toda a sua carreira vibrante, mas prematuramente cerceada: Nicholas Ray, precipitando Os Filhos da Noite / They Live By Night como uma obra excepcional, embora sempre virtualizada. O produtor John Houseman sugeriu o nome de Ray, com quem antes trabalhara em produções teatrais, e o próprio realizador assumiu - com Charles Schnee - a adaptação da novela Thieves Like Us de Edward Anderson, que Robert Altman voltou a transpor em 1974, mantendo o título original e garantindo não ter visto a precedente obra-prima. Certificando a primeira manifestação moderna à altura dos grandes clássicos, numa perspectiva histórica, Os Filhos da Noite tornar-se-ia ainda precursor dos road movies crepusculares, transfigurando-se como arrebatador melodrama romântico. Ante o carácter cínico das personagens do film noir, sobretudo numa atmosfera urbana, Os Filhos da Noite são jovens vitimados, inocentes que se perdem pelas estradas do Sul da América, em plena depressão. Será inevitável uma evocação cinéfila quanto a Bonnie e Clide (1967) de Arthur Penn, com distintas predisposições, tal como a natureza trágica do amor maldito suscitaria uma referência literária sobre If I Forget Thee Jerusalem de William Faulkner. Ainda no tocante à expressão iniciática de Nicholas Ray, Os Filhos da Noite é considerado uma das mais fortes revelações do cinema americano, apenas comparável com Orson Welles e O Mundo a Seus Pés (1941).

VISTORiA

Horas Vivas

¨Noite: abrem-se as flores…
Que esplendores!
Cíntia sonha seus amores
Pelo céu.
Tênues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas,
Como um véu.

Mãos em mãos travadas,
Animadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar;
Soltos os cabelos,
Em novelos,
Puros, louros, belos,
A voar.

– «Homem, nos teus dias
Que agonias,
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras,
Como as derradeiras
Ilusões!

– «Quantas, quantas vidas
Vão perdidas,
Pombas mal feridas
Pelo mal!
Anos após anos,
Tão insanos,
Vêm os desenganos
Afinal.

– «Dorme: se os pesares
Repousares,
Vês? – por estes ares
Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
E lascivas,
Somos – horas vivas
De dormir.»

Machado de Assis




Os polícias cercavam a granja. Ele ouvia-os a chamá-lo e a sua boca escancarou-se. Tinha sede e transpirava e quis gritar-lhes impropérios, mas a sua garganta estava seca. Ele viu o seu sangue formar uma pequena poça perto de si, alcançar o seu joelho. Tremia como varas verdes e batia os dentes, e, quando os passos ressoaram nos degraus da escada, pôs-se a injuriar, um berreiro a princípio surdo que engrossou e cresceu: ele tentou tirar o revólver da algibeira e conseguiu-o à custa de um esforço desvairado. O seu corpo incrustava-se na parede, o mais longe possível da abertura donde surgiriam os homens de farda azul. Empunhava o revólver, mas não poderia disparar.

O ruído cessara. Foi nesta altura que ele deixou de vociferar e a cabeça descaiu-lhe para o peito. Ouviu indistintamente qualquer coisa; o tempo correu, e depois as balas acertaram-lhe na anca; o seu corpo bamboleou e estatelou-se com lentidão. Um fio de baba unia a sua boca ao tosco sobrado da granja.

Vernon Sullivan,
aliás Boris Vian
- Irei Cuspir-vos Nos Túmulos
(excerto)

BREVIÁRiO

Relógio d’Água edita Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba de Machado de Assis.

Relógio d’Água edita Dom Casmurro e Esaú e Jacó de Machado de Assis.

Dom Quixote edita A Portuguesa e Outras Novelas de Robert Musil (1880-1942); tradução de Maria Antónia Amarante. IMAG.56-202

ECM/Dargil edita em CD, Audivi Vocem: [Thomas] Tallis, [Christopher] Tye e [John] Sheppard [Século XVI] por The Hilliard Ensemble.

Plátano Editora lança em quadradinhos Camões - De Vós Não Conhecido Nem Sonhado?; argumento e ilustração de Jorge Miguel. IMAG.15-20-25-31-32-38-39-61-64-66-76-84-103-125-164-175-187

Círculo de Leitores edita a fotobiografia Amália Rodrigues [1920-1999] por Cristina Faria; coordenação de Joaquim Vieira. IMAG.20-33-226-228

Gailivro edita Marquês de Soveral - Homem do Douro e do Mundo de J.A. Gonçalves Guimarães; sobre Luís Maria Pinto de Soveral (1855-1922) - Par do Reino e Conselheiro de Estado.

EXTRAORDINÁRiO

OS SOBRENATURAIS
Folhetim Aperiódico

AONDE É QUE FICA
O CENTRO DE PORTUGAL - 3

A verdade, porém, seja escrita. Outros, mais sóbrios e assisados do que este desgraçado, ali mesmo haviam esvaído o ânimo. Só vagamente se sabia quem eram antes. Ninguém insistiu neles, após a sua tragédia fugaz. E, muito sinceramente, alguém diria mesmo onde era um tal lugar?
- Não se encontra, chega-se lá...
Os mais velhos, que já estavam por tudo e, com o malogro, no seu desencanto se deliciavam a aterrar os netos, alimentavam-lhe a memória.
- É uma boca que se abre no chão...

E foi assim, com tanta mania de se elevar, que Elísio Salgado acabara por cair, qual fantoche desamparado. Portanto, nada mais lhe restava do que aguentar - fazendo jus à resistência humana, sob um pavor de se fundir à natureza - com o precário elã das ousadias e dos azedumes que, em desfilada mental, lhe permitia, ainda, manter-se meio à tona.

– Continua


     

IMAGINÁRiO230

08 JUN 2009 · Edição Kafre · imaginario@imaginarios.org
· Ano VI · Semanal · Fundado em 2004


PRONTUÁRiO

CENTENÁRIO



Um exemplo histórico na sociedade portuguesa, a história exemplar de um cidadão nacional, mesclam-se em O Futuro Tem 100 Anos - álbum em banda desenhada por Luís Rainha (argumento) e Jorge Mateus (ilustração), editado sob chancela Bizâncio. Em foco e sagração, o centenário da CUF e a industrialização do Barreiro, a partir de 1908, em que se cruzam um espírito visionário e uma realidade pioneira - o fundador Alfredo da Silva, as vivências de um complexo operário e humano - sob o signo da modernidade e do progresso, aliás contrastado por contingências económicas, reivindicações laborais, alternativas tecnológicas, virtualidades infraestruturais... Memória e reflexão, fragmentos persistentes e circunstâncias contemporâneas - conjugando as expectativas de divulgação com os modelos de entretenimento, eis um testemunho sugestivo, aliciante, ao culminar uma leitura de referências actuais, em privilégio das gerações jovens, com uma obra cuja narrativa estilizada subverte os padrões convencionais, quanto a um envolvimento de incidências institucionais.

CALENDÁRiO

1930-24DEZ2008 - Harold Pinter: «Dramaturgo, encenador, actor, poeta e ativista político», Prémio Nobel da Literatura em 2005 - «Forneceu realismo às artes cénicas, graças a obras com prolongados silêncios, nos quais as personagens nem sempre iam a algum lugar, como na própria vida real» (Tim Walker). IMAG.63-118

1927-25DEZ2008 - Eartha Kitt: Actriz de cinema, cantora de jazz - «Indubitavelmente, uma artista lendária e, mesmo que pudesse ter havido várias imitações, ela era o original» (Andrew Freedman).

MEMÓRiA

1835-14MAI1889 - Eduardo Coelho: Fundador e director do Diário de Notícias (1864) - «Escritor de tipo simples e de expressão claríssima, coração aberto a todas as acções generosas, entusiasticamente apaixonado, como jornalista, pela sua profissão e pela sua classe, e como patriota, pelos progressos e pelas legítimas glórias da sua pátria» (Alfredo Cunha). IMAG.32-44

08JUN1829-1896 - John Everett Millais: Pintor e ilustrador britânico, membro fundador da Irmandade dos Pré-Rafaelistas (1848) com William Holman Hunt e Dante Gabriel Rossetti.

1911-08JUN1969 - Robert Taylor: «Talvez cada um de nós tenha sobre ele lembranças próprias e diferentes, porém, de alguma forma, todas elas nos levam a um homem fino, delicado, e gentil» (Ronald Reagan - 1969). IMAG.139

1908-10JUN1979 - Joaquim Belford Correia da Silva, aliás Joaquim Paço d’Arcos: «Escrever é projectar-se além da Vida, / É vencer a Morte. / Um dia esta virá, de surpresa, ou tardia, / Mas uma coisa não levará, não reduzirá a cinzas, / E sobre ela a sua álgida mão não terá poder.» (Escrever É Vencer a Morte - excerto). IMAG.219

1920-10JUN1989 - Richard Quine: Realizador do cinema americano, ainda criança lançou-se como actor, em teatro, rádio e cinema. Frequentou a El Rodeo Grade School e a Mt. Vernom High School, seguindo-se estudos de Arte Dramática na Lawler Profissional School. Durante a II Guerra Mundial, serviu na Guarda Costeira. Em 1948, foi contratado pela MGM, iniciando uma sólida carreira em Hollywood, como director especializado na comédia. O seu gosto estilizado, reflectiu-se na iniciação de estrelas como Doris Day e Kim Novak. Em 1960, abordou o malogro do sonho americano, em Um Estranho na Minha Vida. Aliado ao argumentista G. Axelrod, recriou o non-sense a partir de Quando Paris Delira (1963).

1907-11JUN1979 - John Wayne: «O amanhã é o mais importante que temos na vida. Chega, sempre, à meia-noite. É puro e perfeito, ao confiar-se em nossas mãos. E traz a esperança de que tenhamos aprendido algo no dia de ontem». IMAG.23-56-85-114-132

BREVIÁRiO


Ulisseia edita João Villaret [1913-1961] - Uma Biografia de António Carlos Carvalho.

Dom Quixote edita Como Era Antes de Haver? de António Gomes Dalmeida (texto) e Zé Manel (ilustração).

Sony/BMG edita em CD, sob chancela Columbia, Home Before Dark de Neil Diamond.

Sextante edita Contos Completos de Truman Capote; tradução de José Vieira de Lima. IMAG. 60-64-172-210

Imprensa de Ciências Sociais edita Sá da Bandeira e o Fim da Escravidão. Vitória da Moral, Desforra do Interesse de João Pedro Marques.

Edições Politeama edita Condição Feminina No Império Colonial Português; coordenação de Clara Sarmento.

VISTORiA


Numa tarde de Julho de 1926 atravessava as florestas de Cheringona, no território da Companhia de Moçambique, um expresso de uma só carruagem da Trans-Zambézia Railway.
Regressava da Zambézia à Beira o governador do Território. Acompanhavam-no, além dos seus ajudantes, o autor destas linhas e uma pessoa estranha à comitiva: Carlos Sobral.
Carlos Sobral era ao tempo director em África da «Mozambique Industrial & Commercial Coy. Ltd.», um desdobramento, para fins comerciais, da Companhia de Moçambique.
Naquele pequeno salão da carruagem de caminho-de-ferro conversaram durante longas horas da monótona viagem, esses dois homens, tão profunda e apaixonadamente portugueses, que o destino por ironia, mas por útil ironia, colocara a dirgir interesses que meses mais tarde se haviam de patentear tão opostos aos nacionais.
Eram homens de diferentes idades: o governador aproximava-se dos cinquenta, Carlos Sobral andaria pelos trinta.
Mourejando por terras onde frequentemente o português se avilta, adoptando os hábitos de indolência a que o clima convida, os usos mesquinhos próprios dos meios pequenos, esses dois homens, ao contrário, mantinham íntegras em si as melhores qualidades da raça. Eram dois verdadeiros portugueses.
Carlos Sobral estava em conflito aberto com os dirigentes londrinos da companhia que superintendia em África. Admitia como muito provável a hipótese de repudiar a situação em que trabalhava. Era um lugar magnífico, e muitos outros homens, em circunstâncias idênticas, transigiriam em tudo para não perder a situação que usufruíam. Ele não transigia em nada e ao perguntarem-lhe o que iria fazer no caso de se encontrar desempregado, respondia tranquilo, cheio de confiança e de optimismo: trabalhar. E já se expandia por todo um projecto de se dedicar à cultura do solo, à criação de gado, na vida rude e fatigante do mato, que ele tanto amava.
É preciso conhecer certos territórios de África e a eterna dependência em que o português ali vive do Estado ou das grandes companhias, alheado por completo das qualidades de iniciativa que fazem dele um elemento tão útil no Brasil, é preciso conhecer aqueles meios de parasitagem e de covardia, para admirar em todo o seu valor a serena confiança com que Carlos Sobral, por ser português de «antes quebrar que torcer», trocava uma cómoda e rendosa situação pela tão mais humilde e ingrata profissão de pequeno agricultor.
Nessa tarde - curiosa coincidência do acaso! - esses mesmos homens perante cuja arrogância Sobral não cedia, assinavam em Londres o terceiro e último contrato sobre o porto da Beira. Meses decorridos, por uma triste e dolorosa fatalidade, Carlos Sobral morria na Zambézia, vítima de si próprio, da sua coragem magnífica.
Alguns dias depois do seu falecimento chegavam à Beira, para conhecimento do governador, e para serem executados, os contratos do porto.
O Governador não os executou. Era a vez dele, agora, num assunto de muito maior gravidade, assumir a atitude para a qual, meses atrás, serenamente, dignamente, Carlos Sobral se encaminhava.
A minha observação fora exacta. Aqueles dois homens haviam-se estimado porque ambos possuíam, entre a degradação e a vileza quase gerais, essa rija fibra moral dos portugueses de outro tempo.
Ao retratar a figura primacial deste pequeno romance eu não quis biografar Carlos Sobral, pois que a sua vida foi muito diferente da do protagonista. Este é solteiro e Carlos Sobral era casado com uma nobilíssima senhora que foi a mais dedicada e a mais inteligente auxiliar da sua vida aventureira e trabalhosa.
Eu não quis fazer História, pretendi escrever umas páginas poucas em que focasse a miséria duns e a grandeza de outros.
Joaquim Paço d’Arcos
Herói Derradeiro (Introdução - excerto)

TRAJECTÓRiA

ROBERT TAYLOR




Com uma intervenção reiterada e significativa entre os heróis do Oeste, Robert Taylor poucas vezes logrou, no entanto, estigmatizar uma marca carismática sobre os heróis e os vilões de uma pioneira saga americana. Aliás, tal característica seria generalizada às virtualidades determinantes da sua carreira exemplar, pelos anais de Hollywood. No domínio do Western, seria o seu desempenho primordial como «William Bonney, Wanted for Murder» em Billy the Kid (1941) a sobressair numa assunção de impacto, graças sobretudo ao reflexo gráfico em banda desenhada, embora fosse então considerado «adulto demais» para o papel. Nasceu Spangler Arlington Brugh em Filley (Nebrasca), em 1911. Filho de um médico rural, estudou Música no Doanne College (Nebrasca), diplomando-se em Violoncelo no Pamona College (Califórnia). Depois, seguiu o curso de Medicina, do qual desistiu para se apresentar na rádio, como cantor sentimental. Já em Hollywood, frequentou cursos de Arte Dramática, estreando-se no teatro universitário como actor.
Assim, Taylor foi descoberto por um caçador de talentos ao serviço da MGM, e lançado em grande ecrã por 1934, já como galã, tendo permanecido fiel ao mesmo Estúdio. Os seus dotes cinegénicos valeram-lhe a categoria de «O Homem com o Perfil Mais Perfeito». Num tom de ironia lisonjeira, considerou ser esta a justificação para a popularidade como actor romântico por excelência, que Clark Gable conquistara graças aos dons de representação. Pela sua parte, Taylor contracenou com grandes vedetas como Greta Garbo, Jean Harlow, Ava Gardner ou Elizabeth Taylor. Durante a II Grande Guerra, como oficial da Marinha, foi instrutor na divisão de Transporte Aéreo; assim, dirigiu dezassete filmes destinados a um treino especializado, e narrou a longa metragem documental The Fighting Lady.
De volta a Hollywood, Taylor logrou modelar as suas composições com uma progressiva e mais sóbria densidade dramática, que alguns cineastas e analistas reputaram como um obsessivo escrúpulo profissional. Já em plena maturidade, regressou às emissões radiofónicas e à recitação, uma das modalidades suas favoritas. Privilegiou, também, a televisão - participando nas séries The Detectives (1959-61), sob um registo criminal; e, em sagração do Oeste, Death Valley Days (1962-65), como apresentador, comentarista ou intérprete, até ser substituído por Ronald Reagan. Considerado um símbolo entre as maiores estrelas de Hollywood, pela irrepreensível conduta pessoal, e pela postura solidária sempre manifestada com os seus pares, Taylor casou duas vezes, com actrizes - Barbara Stanwick (1939-52) e Ursula Thiess (desde 1954) -, tendo falecido com cinquenta e sete anos, de um longo e penoso cancro.