INDICATIVO
As palavras de ouro do programa de hoje, fui buscá-las a 4 livros oferecidos pelo autor, António Salvado, ao Estúdio Raposa, entre os mais de 80 que já publicou.
SOBE MÚSICA
Poeta, ensaísta, antologiador, crítico, director de publicações, é como poeta que a sua obra mais se tem evidenciado, obra essa espalhada por dezenas de livros. Desse volume de trabalho literário, António Salvado, escolheu 4 livros para oferecer ao Estúdio Raposa, exactamente, os seguintes títulos: Modulações, Afloramentos, Quadras Impopulares e Sábios Epigramas e a Quinta Raça. Foi das duas primeiras obras que seleccionei dois textos poéticos e dois poemas que ouviremos mais adiante. Por agora, falemos um pouco de António Salvado.
SOBE MÚSICA
António Forte Salvado nasceu na zona histórica da Castelo Branco, mais concretamente na Rua d’Ega e desde muito cedo se interessou pela literatura, tendo publicado o seu primeiro livro, intitulado “A Flor e a Noite”, com a idade de 18 anos.
Depois de terminar os estudos secundários em Castelo Branco partiu para Lisboa onde se licenciou na Faculdade de Letras em Filologia Românica. Em Coimbra e em Paris frequentou, posteriormente, outros cursos.
António Salvado foi professor do ensino secundário em Lisboa, Luanda e Castelo Branco e, durante 15 anos director-conservador do Museu Francisco Tavares Proença Júnior em Castelo Branco, tendo, enquanto conservador produzido uma larga obra de investigação museológica e de história local. Ao deixar este lugar passou a leccionar na Escola Superior de Educação de Castelo Branco
Está traduzido para francês, inglês, italiano e castelhano.
SOBE MÚSICA
Vamos ouvir, sem interrupção, das obras, Modulações a Afloramentos, como já disse, dois poemas e dois textos poéticos: Obstáculos, Que a Presteza do Canto, Antinomias e Que sejas tu, só tu.
MÚSICA
Mais que lutar me atrai a placidez
desta noite serena, do seu calmo
desenvolver-se: alheia a sobressaltos
como feita de um único sossego.
Talvez lá fora gritem os tumultos
de mil vozes sofridas magoadas
e haja manchas perdidas na calçada
de corpos que passaram inseguros.
E outras tristezas cobrem o silêncio,
sem prémio carregado de receio,
desta insónia vulgar que não me deixa
ver afinal que à noite o dia vem.
MÚSICA
Escorro deste musgo as bátegas geminadas da chuva que, durante a noite, acetinaram os campos. As azinheiras, agora vejo, alegram-se robustecidas e quase voluptuosas; sublimam-se, dir-se-ia, na surdina das folhas, aclaram com maior insistência a viveza da atmosfera.
Aproveitarei este consentimento cintilante da natureza que me confidencia uma franja de tempo alheia a desencantos, a emboscadas, a ferezas: propícia enfim, e fecundamente, ao Canto. Vigiarei, apesar de tudo, com cautela, o estremecimento do coração, o percurso imponderado do pensamento.
Cada instante semeará agilidades e confianças, demoverá incertezas e letargias, modulará arabescos às entoações a surgirem.
Maravilhoso, apalpar nas mãos a água sobre o musgo da rocha a verter-se por ali abaixo, em silêncio, sem tumulto!.. ........
Porém um dia as azinheiras perderão as folhas e hão-se chorar como feridas mulheres sem defesa, constrangidas, inibidas.
Até lá, que a presteza do Canto resplandeça no entanto, que as recatadas palavras vozeiem no poema, lá para o lado insubstituível da alma
MÚSICA
Prendes num dia o que desligas noutro,
e entre o não e o sim não há meio termo:
o passo dado em frente com desvelo
revolta após por pouco duradouro.
Negas agora mas depois afirmas
e quando afirmas saberás negar:
ponteiro de um relógio que não gira
e quando gira é como se parasse.
Um cão fiel à infidelidade:
um infiel fazendo a guerra santa
com tanta santidade e temperança
que se desdiz ao prosseguir p'ra trás.
MÚSICA
Entrego-te o dia de ontem, o dia de hoje, o dia de amanhã: daqueles receberás a luz restante e deste uma claridade maior.
A mesa onde nos sentarmos acolherá a perenidade das alianças, a castidade dos enlaces e das lealdades, o perfume de nomes recolhidos.
Entrelaçaremos os dedos, tacteando com os olhos o perfil dos lábios, os joelhos afagando até ao encontro.
N a imensidade do nosso consentimento hão-de deambular trilados de prazer, um veleiro transportará canduras de euforias a flutuarem, a ondejarem sem preguiça.
Que eu te ofereça, pois, a intemporal proeza da minha peregrinação que não ressoa, não, como algo de sombreado ou de taciturno. E se a carne me afervora ainda, se o frémito do peito me chameja contínuo, se a largueza dos impulsos jubila de calor os lampejas das veias, que sejas tu, só tu, quem lenifique a dureza do passado.
MÚSICA
Divulguei, no programa de hoje, trabalhos de António Salvado, 4 textos retirados de livros que teve a amabilidade de oferecer ao Estúdio Raposa.
SOBE MÚSICA
Por hoje é tudo, até ao próximo programa.
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