Estúdio Raposa

História nº 100
O colhereiro

 

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Olha, olha! Hoje vamos ouvir a história número 100! Trata-se de o Colhereiro, isto é, um homem que faz colheres, história que fui buscar ao livro de Adolfo Coelho, “Contos Populares Portugueses”. Então vamos a ela!

MÚSICA

Houve noutros tempos um colhereiro que tinha por costume ir a uma mata muito longe da sua casa para apanhar madeira para fazer colheres.
Certo dia, quando ele estava cortando um pedaço a de um castanheiro muito antigo, notou que no tronco havia um grande buraco. Cheio de curiosidade, o colhereiro quis ver o que havia dentro, mas mal tinha entrado quando lhe apareceu um mouro encantado, e com voz medonha lhe disse: «Já que te atreves a penetrar no meu palácio, ordeno-te que me tragas aqui a primeira coisa que te aparecer ao chegares a tua casa, e se não cumprires fica certo que morrerás dentro em três dias.»
Foi-se o colhereiro para sua casa, onde tinha três filhas muito lindas, e uma cadelinha que sempre o vinha esperar à entrada da porta.
Nesse dia, porém, contra o seu costume, quem lhe apareceu à entrada da porta foi a filha mais velha. Então ele, chorando, contou à filha tudo o que lhe tinha acontecido e pediu-lhe que fosse ela, senão que o mouro o mataria e ficavam ela e as irmãs sem amparo.
A filha aprontou-se logo para ir e depois de ter abraçado as irmãs partiu para o palácio do mouro.
Deixamos agora o colhereiro com as duas filhas e vamos ver o que faz o mouro à outra filha.
Logo que ela chegou, deu-lhe as chaves de todas as salas do palácio e deitou-lhe ao pescoço um cordão de ouro fino com a chave de uma sala, proibindo-a de entrar nela, pois se lá fosse morreria.
Um dia em que o mouro tinha saído a infeliz rapariga, cheia de curiosidade, quis ver o que estava na tal sala. Entrou e viu muita gente com as cabeças cortadas; ela, toda horrorizada, fechou a porta e pôs outra vez a chave ao pescoço; mas o mouro, quando voltou ao palácio, foi ver a dita chave e viu que ela tinha uma mancha de sangue. Então, sem dar uma só palavra, cortou a cabeça à pobre rapariga e foi deitá-Ia na mesma sala aonde ela tinha entrado.
Voltando ao colhereiro, sabereis que ele foi ter com o mouro para que lhe desse notícias da filha, e ele lhe respondeu: «Vai buscar a tua filha do meio para vir fazer companhia à que cá está, pois ela anda muito triste com saudades dela».
Trouxe o colhereiro a filha, e a ela sucedeu-lhe o mesmo que tinha sucedido à sua irmã. Restava ao colhereiro só a filha mais nova, mas como o mouro lhe ordenasse que lha levasse também, levou-lha. Logo que ela chegou, o mouro fez-lhe as mesmas recomendações que tinha feito às outras irmãs.
A rapariga, como haviam feito as irmãs, entrou na sala dos mortos e viu-as degoladas, mas notou que elas ainda estavam quentes e teve desejos de as tornar à vida.
Na mesma sala havia uma armário contendo pucarinhos com o sangue dos mortos; então ela, vendo dois pucarinhos com o nome das irmãs, pegou nas cabeças delas, juntou-as aos corpos e despejou- -lhes o sangue no pescoço e logo as irmãs tornaram à vida. Depois
recomendou-lhes que não falassem que ela havia de arranjar meio de as mandar para casa do pai. As irmãs recomendaram-lhe que limpasse a chave para o mouro não saber o que ela tinha feito. Voltou o mouro a casa e de nada desconfiou, e começou então a amar muito a rapariga a ponto de se deixar dominar por ela. Um dia pediu-lhe ela que fosse
ele levar uma barrica de açúcar ao seu pai, pois estava muito pobre; o mouro disse logo que sim. Ela então meteu uma das irmãs dentro da barrica e disse ao mouro que fosse depressa, que não parasse no caminho que ela o ia ver do mirante.
O mouro partiu, e ela ordenou à irmã que fosse dizendo pelo caminho estas palavras: «eu bem te vejo» para o mouro julgar que era ela que lhe falava do mirante. A rapariga dizia: «Eu bem te vejo, eu bem te vejo» e o mouro respondia: «Lindos olhos que tanto vedes;
correr, correr ... », e corria, corria até que chegou a casa do pai; largou a barrica e voltou para o palácio.
Passados dias, quis a rapariga mandar outra barrica ao pai, e da mesma forma mandou a outra irmã. Restava só ela; ora, isso era mais difícil; mas como era muito esperta, de que se havia de lembrar?! Fez uma boneca de palha, vestiu-lhe os seus vestidos, pô-Ia no mirante; meteu-se na barrica, depois de ter dito ao mouro que fosse depressa, que ela ia vê-lo do mirante. Pelo caminho foi sempre dizendo: «Eu bem te vejo, eu bem te vejo.» «Lindos olhos que tanto vedes; correr, correr.» - dizia o mouro. Assim voltaram as filhas todas para casa do seu pai; e o mouro voltou ao palácio e foi-se abraçar à boneca de palha julgando ser a rapariga, e caiu do mirante abaixo morrendo logo rebentado; o palácio e o castanheiro desapareceram, pois tudo era obra de encanto.

MÚSICA

Ouvimos na história número 100, “O colhereiro” do livro de Adolfo Coelho, “Contos Populares Portugueses”.

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