INDICATIVO
Vamos hoje ouvir uma lenda que fui buscar à bela colecção “Lendas Portuguesas”, editada pelos Amigos do Livro, um trabalho de Fernanda Frazão. Esta história é um bocadinho maior do que é habitual, mas como na semana passada não houve história, esta vai compensar a falta.. Chama-se a lenda, “A Moura de Algoso”
MÚSICA
Algoso é uma pequena vila perdida nas serranias transmontanas.
Diz uma lenda que ainda hoje por lá corre que, no tempo dos Mouros, existia nos arredores um bruxo famoso, conhecedor de mezinhas milagrosas e sabedor do passado e do futuro. Vivia num casebre um pouco afastado da povoação, mas nem a pobreza da sua casa, nem o afastamento da mesma obstavam a que ali acorressem quantos acreditavam nas suas capacidades mágicas ou videntes. Na verdade, ricos e pobres, de longe ou de perto, todos ali acudiam em busca de cura para os seus males, pedindo filtros de amor ou indagando sobre o que lhes reservaria o futuro. Em certos dias era uma autêntica romaria. E com tudo isto o bruxo criou fama e proveito de homem rico, apesar de continuar a viver no pobre casebre tentando fazer-se passar por miserável.
Entretanto, os cristãos iam avançando na reconquista do território ainda sob a dependência dos Mouros e estavam a aproximar-se rapidamente de Algoso. Sabendo disto, o bruxo, que não podia prever o seu próprio futuro, calculou que a ocupação cristã não viesse a ser muito demorada e decidiu esconder os seus tesouros, disposto a recuperá-los mais tarde, quando pudesse voltar a exercer o seu oficio. Assim pensando, escolheu o que poderia carregar consigo, e o restante, as jóias e o ouro, meteu-o num cofre de marfim chapeado a cobre. Feito isto, e como precisava de encontrar um bom esconderijo para a sua fortuna, partiu com o cofre debaixo do braço em demanda do melhor local.
Depois de muito procurar, achou que o melhor sítio era perto da fonte de S. João, debaixo das raízes de um enorme e belo chorão que derramava a sua sombra sobre as águas.
Pegou então numa enxadinha e cavou um buraco apropriado ao tamanho do cofre. Meteu-o lá dentro, tapou-o com terra e disfarçou a obra com folhagem e gravetos.
Terminado o trabalho, levantou-se e olhou em volta. Espantado, viu uma mourinha que, descuidada, descia uma vereda da serra cantando uma velha canção.
Convencido de que a moura o vira esconder o cofre e estava agora disfarçando o caso, o bruxo encaminhou-se para ela, olhou-a com estranha fixidez, fez uns sinais misteriosos e, recitando certa oração antiga, lançou sobre a menina um encantamento, de tal modo que ela desapareceu no mesmo instante.
Casquinhando, esfregou as mãos, pegou nos seus haveres e desandou rapidamente para a floresta, donde nunca mais voltou.
A lenda da moura de Algoso foi passando de boca em ouvido, de geração em geração. A fonte de S. João, de resto, continuava ali, lembrando a todos a desdita da mourinha encantada pelo bruxo e desafiando a coragem de quem sonhasse desencantá-la.
Uma noite, muito próxima da de S. João, um rapaz de Algoso que se apaixonara pela história sonhou que via a moura da fonte. Mal acordou, decidiu que, desse lá por onde desse, havia de tentar ver na madrugada deS. João se a lenda era verdadeira. Além disso, como corria que se alguém visse a moura nas suas horas felizes lhe podia fazer três pedidos, os quais seriam atendidos, o rapaz achou que, apesar do medo, era talvez vantajoso fazer aquela tentativa.
Na véspera de S. João, encaminhou-se para a fonte ainda antes de anoitecer por completo. Procurou um bom local para se esconder, um local donde visse sem ser visto, e preparou-se para esperar pela meia-noite sem fazer ruído algum. O velho chorão da fonte, já centenário, continuava lançando sobre a água os seus ramos lacrimejantes. Do outro lado, havia agora um belíssimo roseiral, donde provinha um perfume intenso quando todas as rosas abriam.
Chegou a meia-noite. De repente, o rapaz ouviu uma restolhada vinda das bandas do roseiral.
Era uma enorme serpente que, rastejando, se dirigia para a fonte. Aí chegada, mergulhou três vezes. Qual não foi o espanto do moço quando viu aparecer sobre as águas uma menina: a moura da fonte e ... mais bela do que a tradição contava!
A moura saltou com leveza da rocha para o solo e, sentando-se na borda da fonte, começou a cantar uma suave canção que o marulhar da água acompanhava, enquanto ela ia passando um pente pelos seus cabelos loiros.
Subitamente, uma corça apareceu vinda da floresta e, sem mostrar qualquer receio, aproximou-se da moura, que a afagou com ternura. A corça, num gesto de agradecimento, lambeu-lhe as babuchas de damasco azul.
Era realmente um espectáculo de beleza que o rapaz jamais esperara encontrar. E, acocorado no seu canto, esqueceu os três pedidos que queria fazer, esqueceu tudo, esqueceu-se até de si mesmo, até que, bruscamente, a moura parou de se pentear, debruçou-se no tanque e desatou num pranto irreprimível. Chorava, talvez, a dor da sua solidão sem fim!
Condoído, o rapaz fez um movimento para a consolar, esquecido do que não fosse aquela ânsia de ternura que dele se apoderara. Ao erguer-se, porém, fez estalar sob o seu corpo os ramos da sebe em que se escondera. A corça embrenhou-se imediatamente no mato e a moura desapareceu subitamente, evolando-se numa névoa sobre as águas da fonte de S. João de Algoso.
MÚSICA
Ouvimos a lenda da “Moura de Algoso”. Para a semana há mais.
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