INDICATIVO
Vamos, neste programa, ouvir três histórias, três fábulas do famoso escritor francês, La Fontaine
MÚSICA
O Galo e a Raposa
Empoleirado num sobreiro antigo,
Fazia um velho galo sentinela.
Uma raposa diz-lhe: «Irmão e amigo,
Venho trazer-te uma notícia bela.
Nas nossas dissensões lançou-se um traço
E acaba de assinar-se a paz geral;
Desce, que quero dar-te estreito abraço
E juntamente o beijo fraternal!
- Amiga - diz-lhe o galo - folgo imenso;
Não podia esperar maior delícia! ...
Vejo dois galgos a correr, e penso
Que são correios da feliz notícia.
Foge a raposa sem dar mais cavaco;
E o galo sentiu íntimo consolo.
Pois é grande prazer ver a um velhaco
Entrar espertalhão e sair tolo !
A panela de ferro e a panela de barro
A panela de ferro, um certo dia,
Ao sair do esfregão da cozinheira
Mui fresca e luzidia,
Disse à de barro, sua companheira:
«Vamos dar um passeio,
Fazer uma viagem de recreio.
- Iria com prazer, disse a de barro;
Mas sou tão delicada,
Que se acaso num seixo ou tronco esbarro.
Lá fico esmigalhada!
Acho mais acertado aqui ficar,
Ao cantinho do lar.
Tu sim, que vais segura:
A pele tens mais dura.
- Se é só por isso, podes ir comigo;
É medo exagerado o teu - contudo,
Se houver qualquer perigo, Serei o teu escudo».
A tal dedicação, a tal carinho
Não pôde a companheira replicar,
E as duas a caminho
Lá vão nos seus três pés a manquejar.
Mas, ai! não tinham dado quatro passos,
Numa vareda estreita,
Eis que se tocam - e a de barro é feita,
Coitada, em mil pedaços!
Para sócio não busques o mais forte,
Que te arriscas de certo à mesma sorte.
A Raposa e a Cegonha
Quis a raposa matreira,
Que excede a todas na ronha;
Lá por piques de outro tempo,
Pregar um ópio à cegonha.
Topando-a, lhe diz: «Comadre,
Tenho amanhã belas migas,
E eu nada como com gosto
Sem convidar as amigas.
De lá ir jantar comigo
Quero que tenha a bondade;
Vá em jejum, porque pode
Tirar-lhe o almoço a vontade».
Agradeceu-lhe a cegonha
Uma oferenda tão singela,
E contava que teria
Uma grande fartadela.
Ao sítio aprazado foi,
Era meio-dia em ponto,
E com efeito a raposa
Já tinha o banquete pronto.
Espalhadas num lajedo
Pôs as migas do jantar,
E à cegonha diz: «Comadre,
Aqui as tenho a esfriar.
Creio que são muito boas
sans façon - vamos a elas.»
Eis logo chupa metade
Nas primeiras lambedelas.
No longo bico a cegonha
Nada podia apanhar; .
E a raposa, em ar de mofa,
Mamou inteiro o jantar.
Ficando morta de fome,
Não disse nada a cegonha;
-Mas logo jurou vingar-se
Daquela pouca vergonha.
E afectando ser-lhe grata,
Disse: «Comadre, eu a instigo
A dar-me o gosto amanhã
De ir também jantar comigo.»
A raposa lambisqueira
Na cegonha se fiou,
E ao convite, às horas dadas,
No outro dia não faltou.
Uma botija com papas
Pronta a cegonha lhe tinha;
E diz-lhe: «Sem cerimónia,
A elas, comadre minha.»
Já pelo estreito gargalo
Comendo, o bico metia;
E a esperta só lambiscava
O que à cegonha caía.
Ela, depois de estar farta,
Lhe disse: «Prezada amiga,
Demos mil graças ao céu
Por nos encher a barriga.»
A raposa, conhecendo
A vingança da cegonha,
Safou se de orelha baixa,
Com mais fome que vergonha.
Enganadores nocivos,
Aprendei esta lição!
Tramas com tramas se pagam,
Que é pena de Talião.
Se quase sempre os que iludem
Sem que os iludam não passam,
Nunca ninguém faça aos outros
O que não quer que lhe façam.
MÚSICA
Ouvimos três fábulas de La Fontaine. Até ao próximo programa.
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