INDICATIVO
Ouviremos, neste programa, as palavras de ouro de Teófilo Braga, autor que nos deixou uma obra monumental nos domínios da poesia, história e crítica literárias, historiografia, etnografia, filosofia e sociologia, política, ficção e tradução.
MÚSICA
Teófilo Braga nasceu em Ponta Delgada, ilha de Santa Maria, Açores.
Depois de ter feito os primeiros estudos no liceu de Ponta Delgada, veio para o continente em 1861, seguindo para Coimbra, em cuja Universidade fez com distinção o curso de Direito, que completou em 1867, recebendo o grau de doutor em Julho do ano seguinte. Na Universidade, relacionou-se com alguns dos membros da futura Geração de 70, entre os quais Antero de Quental, envolvendo-se nas manifestações de crítica ao academismo e colaborando em revistas como O Instituto, Revista de Coimbra, Revista Contemporânea de Portugal e Brasil e A Grinalda. Toma parte na célebre Questão Coimbrã com o opúsculo As Teocracias Literárias, onde se insurge diretamente contra Castilho, censurando a sua prática poética "palavrosa, nula de ideias", e o seu magistério literário. Esta crítica ao academismo valeu-lhe a hostilidade dos senhores das letras o que o levou a substituir a sua atividade literária pela científica.
MÚSICA
É assim que Ramalho Ortigão descreve Teófilo Braga: «Simples, sóbrio, duro, com hábitos de uma austeridade de espartano, sabendo reduzir as suas necessidades a toda a restrição a que lhe reduzam os seus meios, vivendo no seu isolamento como Robinson na sua ilha, Teófilo Braga tem uma única paixão, a paixão prosélita da ciência. Não publica um volume por semana pela razão única de que não há prelos em Portugal que acompanhem a velocidade vertiginosa da sua pena. Escreve de graça, desinteressadamente, em satisfação do seu prazer supremo, o prazer de espalhar ideias. Esta enorme força é a sua única fraqueza; nunca se lhe conheceu outra.
Tem no estado mais acerbo a paixão da sua ideia ... no século XIX com a sua atividade sistematizada e com a sua impaciência dirigida pela filosofia profundamente pacificadora de Augusto Comte, Teófilo Braga é o tipo mais perfeito do obreiro benemérito e do cidadão útil. No meio da sociedade portuguesa ... consola-nos o poder contemplar, em uma figura como a de Teófilo Braga a curiosidade rara que se chama um homem.»
MÚSICA
Teófilo Braga, nascido Joaquim Fernandes Braga, é aos dez anos, ao matricular-se na instrução primária, que adota o nome Teófilo. Tentando ser independente, torna-se aprendiz de tipógrafo e, em 1859, publica o seu livro de estreia, Folhas Verdes, apadrinhado por Francisco Maria Supico. Em 1861, parte para Coimbra para cursar Direito, como já foi dito. Entre 1886 e 1887, no espaço de poucos meses, perde os dois filhos que lhe restavam; esta enorme tragédia pessoal desperta a simpatia de muitos dos seus adversários, incluindo Camilo, que lhe dedicam o volume de elegias A Maior Dor Humana. Em 1891, redige o manifesto e o programa do Partido Republicano. Logo após a proclamação da República, em 1910, Teófilo Braga é escolhido para Presidente do Governo Provisório. Em 1915, exerce as funções de Presidente da República interino.
MÚSICA
É muito vasta a produção literária de Teófilo Braga, pelo que se tornaria enfadonha a sua enumeração, aqui, neste programa.
Deste autor cuja obra é considerada monumental, vamos ouvir um poema intitulado “Acalentar meninos” e um excerto da sua obra “Viriato”
MÚSICA
Embala, preta, embala
Menino do teu senhor;
Canta-lhe bem amoroso,
Anima-lo com amor.
Embala, preta, embala,
Como o fez San José,
Que os anjos cantarão:
Pater nostre domine.
San José, a trabalhar,
Embalava com seu pé:
“Calai-vos, Jesus Menino,
Nascido em Nazaré,”
Meu San José, acudi
Dai-me da vossa graça,
Com que enxugue ao meu menino
Suas lágrimas de prata.
Embala, preta, embala,
Como a Virgem faria,
Que os anjos cantarão:
“Gratia Plena Ave-Maria”.
Cantigas embalou Jesus:
-Calai-vos, meu bento filho,
Que haveis de morrer na cruz.
Nossa Senhora, acudi,
Dai-me o vosso tesouro,
Com que cale o meu menino
Que chora lágrimas de ouro.”
MÚSICA
Era noite velha quando Ditálcon, Andaca e Minouro regressaram ao acampamento de Viriato. Demoraram-se mais tempo do que o Cabecilha imaginara, revolvendo por vezes na mente que fortes motivos ou razões políticas se debatiam na barraca do general romano, para lá se deterem. De vez em quando ocorria-lhe a conjectura de que Cepião, não reconhecendo a inviolabilidade dos seus parlamentários, os teria mandado passar pelas armas, ou pelo menos os guardava como prisioneiros, como reféns para lhe impor condições de rendição. Nesta prolongada preocupação de espírito, e sob a pressão dos inesperados acontecimentos, que só poderiam ser contrabalançados pela, energia e pela astúcia, Viriato caiu em um sono profundo, como aquele em que se fica imerso antes de caminhar para a morte. Embora profundo, o sono era agitação, como em homem costumado a estar alerta mesmo quando descansava; e nessa agitação, debatia-se Viriato com um pesadelo, um sonho, que sem diferença por fatalidade, coincidia com o que estava prestes a acontecer. Na agitação daquele sono dormido sobre a terra recalcada poucas horas antes pelos cavalos, Viriato sentia os passos dos seus três Companheiros que se aproximavam silenciosamente da barraca em que estava dormindo; um deles, Minouro, afastou o pano e entrou escondendo de trás das costas um punhal de dois gumes. Naquela ansiedade cataléptica, Viriato quis erguer-se, gritar, mas era impossível qualquer movimento; em seguida entrou Ditálcon, e Andaca ficou quase da parte de fora, mas ainda visto claramente. Sob o terror do sonho que o oprimia, Viriato viu Minouro curvar-se obre ele, e erguendo ao ar o braço com o punhal descarregar o golpe...
Nesse momento de extrema angústia acorda, e ante a ilusão e a realidade, sentiu um golpe vibrado fortemente no pescoço; antes que o sangue lhe embaraçasse a voz, Viriato, abrindo os olhos atónitos, pôde proferir as palavras:
O meu maior amigo? Minouro...
Os borbotões de sangue que lhe encheram internamente o peito e repingaram pelos panos da barraca, não deixaram que pudesse mais exprimir-se, e ficou exânime, arquejando, até ao último alento, passando assim, horrorosamente, de um sonho tremendo, em que Viriato, pela sua lealdade não ousaria acreditar, para a realidade trágica e afrontosa, que ia actuar como uma eterna calamidade sobre o futuro da Lusitânia.
A morte de Viriato fez-se com rapidez e segurança; os três Companheiros da Trimarkisia saíram da barraca sem ruído, e simulando ordens recebidas de Viriato montaram nos seus cavalos e partiram à desfilada para o arraial romano. Cepião estava dormindo; um Cavaleiro foi acordá-lo, e dizer-lhe:
Morreu Viriato!
Quinto Servílio Cepião, voltando-se sobre o lado direito para continuar o sono, deu ordem ao Cavaleiro:
Que esses entes abjectos esperem lá fora, até que seja dia.
Viriato era sempre o primeiro que percorria o acampamento; a sua presença era como um toque de alvorada. Naquele dia, que despontava luminoso e sereno, não aparecera; como faltavam também os seus três Companheiros, facilmente imaginaram os mil Soldúrios que iria reconhecer algum fojo ou desfiladeiro para organizar uma emboscada contra o exército considerável de Cepião. Mas o sol erguia-se; era dia claro, e a barraca do Caudilho conservava-se fechada. Ocorreu a ideia de verificar se estaria caído por doença; o que estava mais perto levantou resoluto o pano da barraca, e viu o vulto de Viriato estendido em cima da relva, sobre postas de sangue coalhado; e recuando com espanto:
Está morto Viriato! Apunhalado, apunhalado!
Aquele brado soou como um estalido de raio, quando, ao perto, fende o ar ambiente; o trovão foi o rumor propagado entre os Soldúrios e por entre o Terços e Companhias, que formavam agora o pequeno exército de Viriato.
Apunhalado Viriato! Morto Viriato!
Para a barraca do general correram todos aterrados. Não compareceram Ditálcon, Andaca e Minouro; eram os únicos que faltavam. Sem esforço reconheceram que esses, a quem Viriato considerava como os seus maiores amigos, é que o tinham apunhalado traiçoeiramente, covardemente, enquanto ele dormia!
Corriam lágrimas de desespero pelas faces dos velhos camaradas de Viriato nesta campanha de dez anos pela independência da terra lusitana.
A barraca foi desmantelada, ficou patente aos olhos de todos o corpo inânime de Viriato estendido como se tivesse passado momentaneamente do sono da vida para o da morte; via-se-lhe o golpe profundo do pescoço dado por mão certeira, a que teria sucumbido rapidamente e quase sem agonia. Sobre o sangue derramado em cima de que jazia, a seu lado, estava estendida a espada, que o acompanhava sempre, espada invencível, à qual atribuíam poderes maravilhosos. Vendo a espada, e não se atrevendo nenhum dos Soldúrios a tomá-la na mão, diziam entre si:
Agora compreendemos as vozes que corriam: Viriato não morreu em batalha; assim lhe estava vaticinado.
Mas o oráculo, que lhe parecia favorável, deixara no vago a hipótese atroz, de morrer apunhalado à traição pelos seus melhores amigos!
Antes vencido e morto na refrega, no sacrifício voluntário da ida por uma ideia, do que esta sorte miseranda.
Por todo o exército, em grupos, que se formavam em tamanha desolação, levantavam-se alaridos prantos de terror e de mágoa; bem reconheciam que aquele desastre era a perdição de todos e que sem o chefe prestigioso achavam-se à mercê do Cônsul romano, e para muitos anos abafada a resistência da Lusitânia. Na angústia em que todos se viam, a pouca distância do exército de Quinto Servílio Cepião, o desespero a situação causava uma apatia, uma obnubilação para planear a defesa urgente.
Neste momento, afastando os grupos que cercavam o corpo de Viriato, chegou Tantalo, um dos bravos em que mais confiava o Caudilho, e colocando-lhe a espada entre as mãos, cruzada sobre o peito, exclamou:
Morreu o teu corpo, mas permanece imperecível o teu ideal. Esta Espada transmitirá o esforço truncado pela traição, àquele que cedo ou tarde servir a aspiração de uma Lusitânia livre.
E voltando-se para o exército, que parecia reanimado por estas palavras:
O que temos a fazer agora, e primeiro que tudo, é prestar a Viriato as honras do funeral.
Enquanto se davam as ordens para realizarem de pronto, com a maior solenidade a lúgubre cerimónia, no arraial dos romanos levantavam-se gritos de aclamação triunfal, que ecoavam de quebrada em quebrada:
Acabou a Guerra da Lusitânia. Morreu Viriato! Morreu Viriato.
Os cavaleiros romanos, que chegaram com a intimação afrontosa de Cepião ao arraial lusitano, puderam ver e contaram as cerimónias grandiosas que se praticaram no Funeral de Viriato. Dentre os Mil Soldúrios que sempre o acompanharam, uns encarregavam-se de vesti-lo magnificentissimamente com as mais ricas e festivas roupas que trajava em tempo de gala, quando animava os jogos celebrando as derrotas romana. Amarraram-lhe os cabelos na testa, como se fosse para entrar em combate, pondo-lhe na cabeça a tríplice cimeira e o capacete da couro; pendurado do pescoço o pequeno escudo côncavo, preso por correias, e em uma das mão um punhal largo ou faca de mato, estendida a seu lado uma lança de ponta de bronze e gancho para não deixar fugir a presa. Outros Soldúrios acarretaram para cima de um alto penhasco que estava na coroa da montanha, grandes molhos de rama de pinheiro, de faias e carvalhos, formando ali uma estupenda pira, sobre a qual, com veneração foram processionalmente colocar o corpo rígido de Viriato. Parecia um soberbo trono a pira; e logo que cada um dos mil Soldúrios foi junto do cadáver dar-lhe o derradeiro adeus, dividiram-se em grupos de duzentos, e postos em frente uns dos outros, como quem vai entrar em combate, esperando que fosse lançado fogo à enorme pira. A chama começou a atear-se, e assim que ela irrompeu intensa , principiaram as danças guerreiras em volta da pira, em forma agonística, batendo os escudos, floreando as lanças, brandindo as espadas e entrecruzando-se vertiginosamente, como se esse tripúdio santificasse mais o acto lúgubre, continuando ininterruptamente, incansavelmente, até que a ultima labareda, tendo combusto o corpo de Viriato, apagasse por não ter mais que queimar.
E enquanto aquelas turmas de duzentos cavaleiros dançavam em volta da pira, dois outros grupo conservavam-se balançando-se como a acentuar o ritmo e um Canto, em que celebravam as virtudes e o heroísmo de Viriato.
MÚSICA
Ouvimos no programa de hoje, palavras escritas de Teófilo Braga uma figura importante da literatura portuguesa no que respeita à sua produção e ao seu estudo.
INDICATIVO
Nota: Este texto foi escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.