INDICATIVO
Mais um programa de poesia erótica, o terceiro, com poesia de Casimiro de Brito
MÚSICA
Há quem diga, e quem sou eu para duvidar, que Casimiro de Brito e David Mourão-Ferreira são os dois grandes poetas do erotismo na poesia portuguesa.
Até pode ser verdade, agora o que nem um nem o outro são, apenas, trovadores do erotismo. Como poetas, são muito mais do que isso.
MÚSICA
Casimiro de Brito nasceu no Algarve. Aí estudou, assim como em Londres. Depois de uns anos na Alemanha, passou a viver em Lisboa. Teve várias ocupações, entre as quais a de bancário, mas atualmente, dedica-se exclusivamente à literatura e em especial à poesia.
Começou a publicar em 1957 (Poemas da Solidão Imperfeita) e, desde então, deu à estampa mais de 40 títulos. Dirigiu várias revistas literárias, entre elas "Cadernos do Meio-Dia" (com António Ramos Rosa), os Cadernos "Outubro/ Fevereiro/ Novembro" (com Gastão Cruz) e "Loreto 13" (órgão da Associação Portuguesa de Escritores). Actualmente é responsável pela colaboração portuguesa na revista internacional “Serta”.
MÚSICA
Casimiro de Brito, esteve ligado ao movimento "Poesia 61", um dos mais importantes da poesia portuguesa do século XX. Ganhou vários prémios literários, entre eles o Prémio Internacional Versilia, de Viareggio, para a "Melhor obra completa de poesia", pela sua Ode & Ceia (1985), obra em que reuniu os seus primeiros dez livros de poesia.
Colabora nas mais prestigiadas revistas de poesia e tem obras suas incluídas em mais de 150 antologias, publicadas em vários países.
Participou em inúmeros recitais, festivais de poesia, congressos de escritores, conferências, um pouco por todo o mundo.
MÚSICA
Casimiro de Brito, tem traduzido poesia de várias línguas, sobretudo do japonês e foi traduzido para albanês, galego, espanhol, catalão, italiano, francês, corso, inglês, alemão, flamengo, holandês, sueco, polaco, esloveno, servocroata, grego, romeno, búlgaro, húngaro, russo, árabe, hebreu, chinês e japonês.
Em 2006, foi nomeado Embaixador Mundial da Paz, no âmbito da Embaixada Mundial da Paz, sediada em Genebra.
Em 2008 foi-lhe atribuído o prémio POETEKA no Festival Internacional do mesmo nome, na Albânia, na qualidade de “Melhor poeta do Festival”. Ainda em 2008 foi agraciado pela Presidência da República com a Ordem do Infante D. Henrique.
E hoje, neste programa, vamos ouvir 4 dos seus poemas do seu livro “Amar a Vida Inteira”, da Roma Editora, obra que teve a amabilidade de oferecer ao Estúdio Raposa.
MÚSICA
Vamos ouvir os quatro poemas sem interrupção.
MÚSICA
Amo-te porque sou dependente do teu odor.
Amo-te porque balanças nos ventos futuros.
Porque sou uma árvore que se abriga à tua sombra.
Amo-te porque só sei respirar na cidade de Eros.
Amo as marcas indecifráveis de todas as etnias
que produziram a beleza do teu rosto.
Bebo nas tuas coxas o linho molhado da minha infância.
Amo-te porque és alucinação e no mesmo corpo mulher e pássaro.
Amo-te porque também de noite és o meu sol quotidiano.
Amando-te não preciso de correr por montes e vales em busca
da mãe primordial.
Amo-te porque és a irmã do meu corpo nómada.
Amo-te porque deixei de ter pressa.
Um poema infinito, uma cascata em cada sílaba.
Uma lua que me engole quando começo a ser sábio.
A vegetação no jardim que foi de pedra.
Conheci na tua carne a lama do meu reino luminoso.
Amo-te porque me fazes saltar o coração e lá vai ele a caminho
das tuas cores que são as cores
do teu corpo em flor. E assim renasço
no enigma da tua carne, que voa.
MÚSICA
Escrevo com o teu sexo
nos olhos. Aproximo a língua do chão
onde uma flor de carne brilha.
O teu olhar derrama-se nas areias do meu corpo,
as tuas unhas na raiz dos meus cabelos,
a tua língua nos músculos mais íntimos.
Amo-te, mulher de sangue e mais leve
que mil galáxias; mais densa que ruínas
acabadas de nascer. Floresço em tuas terras
enquanto inteira te alojas
no meu sangue. Beber-te e ser bebido
por ti: aurora! Comer-te e ser comido por ti
em glória. Deixa-me ser o eterno adolescente
da tua noite; desfazer-me em conchas
onde a luz se aloja, e a sua sombra.
MÚSICA
Sento-me à beira da cama
que nos acolheu: um rio
que recebeu o músculo, o sangue rumoroso
e não partiu. Um lago azul de mais
e por demais queimado
onde, semi-acordada, dormes. Uma
feiticeira. Disseste ontem à noite,
Acorda-me quando acordares. Não tive
coragem. Mas o sol começou a trepar pelos lençóis
onde fomos espuma, excitação.
Minha boca não deixou que o sol
entrasse sozinho. Quando acordaste
já eu navegava
em nuvens perfumadas. As árvores de ti
sorriam, balançavam.
MÚSICA
I
Quando já não se espera nada
a vida, cascata impetuosa, tem outro
sabor: é um grão de luz, uma gota
que nos inunda
e então esse que não esperava nada
abre os olhos e vê e ouve
e tudo em volta são ilhas que se levantam
a brilham.
II
Ando por aqui a ver o mundo
e só vejo buracos e ruínas. Pudesses tu regar
as folhas secas que me invadem o sexo
com o teu mel com as tuas lágrimas.
III
O amor: amêndoa clara
que tu mastigas, primeiro com os olhos,
depois com a boca
insaciável. Fomos tão belos,
tão frágeis e devastados
que os outros da barca nos lançaram
borda fora.
IV
Deuses haverá para quem
um rio e uma abelha
voam um pouco mais perto,
um pouco menos perdidos
na brisa. Deuses haverá.
Que talvez saibam um pouco mais
sobre as abelhas que revivem no sangue
da minha amada. Tal um pé que se aproxima
da sua morada.
V
Envelheci? Bebo a mesma gota de água
de quando mergulhei em ondas que me lembravam
bocas nómadas. Nómada sou eu agora,
descobrindo na minha amada
lagos e abismos e ilhas
que me reconhecem. Sou um deles.
Um cavalo
que pisa as uvas sagradas
que mais ninguém vê: a sede
não espera.
VI
Bebo águas tuas no vaso
que as contém. A gota comovida
vai transformar-se em rio.
Sorvo nas tuas mãos o osso
e a carícia, o cerne mais cru
e a solidão de quem sobrevive
ao sexo ardente. Também eu ardo
onde fui sede e palavras fatigadas.
VII
Eu posso beber um rio
afogar-me nele inundar-me inundá-lo
mas não posso queimá-lo não posso queimar o rio amado
e deixar-me dormir a seu lado
eu posso beber um rio o teu rio
ou uma lágrima e cantá-la
o que não posso não sei não seria capaz
é afogar-me no rio amado e continuar
em paz.
MÚSICA
Ouvimos neste programa, quatro poemas de Casimiro de Brito que retirei da sua obra “Amar a Vida Inteira”, edição Roma Editora.
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