HISTÓRIAS da PUBLICIDADE 9
O publicitário é um fingidor por ofício

 
 

 

 PRIMAVERA EM ROMA

 Em 1974, eu trabalhava numa agência de publicidade quase confidencial, pertencente ao Carlos Carvalho, que, em altura, era pouco maior do que a Marcontur, esse o nome da empresa.

Em fins de Março, chamou me ao seu gabinete e perguntou se já tinha ido alguma vez a Itália. E à minha negativa: “Então eu que me preparasse para viajar até Roma, ao serviço de um nosso cliente, os Tractores de Portugal”. Esse cliente decidira premiar 8 agricultores por terem comprado tractores da Massey Ferguson, de que era representante em Portugal, com uma ida a Roma e a Anzio, onde ficava a sede italiana daquelas máquinas agrícolas. E a que propósito é que eu ia? Porque, como tinha boas relações na Imprensa, no regresso faria alguns press releases para colocar em vários jornais.

Para abreviar a história: no dia 22 de Abril, apresentei me no Aeroporto, à hora marcada e já lá estava a maior parte dos agricultores, juntamente com dois funcionários dos Tractores de Portugal que também iam. Eu não os conhecia, porque o meu contacto no cliente era outro, mas já os tinha visto na empresa, por isso que me apresentei e fui, por eles, apresentado aos outros excursionistas. Embarcámos pouco depois e, uma hora mais tarde, aterrávamos em Madrid, onde o avião da Pan America fazia uma escala técnica, que deu para sair até ao aeroporto e esticar as pernas. Ao fim de duas horas, regressámos aos nossos lugares e era uma da tarde estávamos nós a chegar ao aeroporto de Leonardo da Vinci. Ali, éramos aguardados por um pequeno autocarro, com um guia que nos haveria de acompanhar durante toda a nossa estada em Itália. Ficámos hospedados no Hotel dei Fiore, na Via Veneto, uma das artérias mais centrais da capital italiana, onde só dormíamos e tomávamos la colazione, porque, para o almoço e o jantar, íamos a alguns dos melhores restaurantes romanos.

Convém dizer que, desde a partida de Lisboa, de imediato fiz boas relações com todos os da comitiva que, aliás, não me largavam, porque eu passava o tempo a contar anedotas, já que, ao tempo, eu tinha um enorme reportório e, se a imodéstia me é permitida, até as contava com uma certa graça. Um dos agricultores, o Zé Maria, homem dos seus 50 anos, atrelou se a mim desde que chegámos a Roma e todas as noites, depois do jantar, desafiava me “ a irmos para a lavoura “, como ele chamava àquelas meninas que, de cigarro na boca e a tratarem os homens por tu, faziam o trottoir na Via Veneto. Ainda que isso pouco interesse para a história, devo dizer que nunca aceitei o convite do algarvio, alegando que tinha umas coisas para fazer que me impediam de sair do hotel.

Durante três dias visitámos os pontos de maior interesse de Roma, demos uma saltada a Anzio e fomos ao Vaticano, onde assistimos a uma audiência do Papa Paulo VI, além de termos visitado a Capela Sistina. Mas como o que é bom chega ao fim, no dia 24, fizemos as malas e deitámo nos cedo, depois de mais uma sessão de anedotas, quase todas contadas por mim. No dia seguinte, o avião partia ao meio dia e, como tínhamos de estar no aeroporto duas horas antes e o guia ficara de nos vir buscar às 9, eram 8 da manhã e já todos estávamos na sala de jantar a tomar o pequeno almoço. Ao meu lado, o Zé Maria enchia se de café com leite e croissants e, no intervalo de uma dentada, quis saber se, à ida para Lisboa, o avião também parava em Espanha, como acontecera três dias antes. Respondi lhe que não, isso porque, na véspera, estivera a ver um horário da Pan America e, pelas horas que lá vinham, não havia tempo para uma escala durante a viagem. Aí um dos dois funcionários dos Tractores de Portugal que anteriormente trabalhara na TAP, entrou na conversa e disse que sim, que havia um stop over em Barcelona. Eu disse que não, ele voltou a dizer que sim e, para tirarmos dúvidas, até porque não tínhamos mais nada com que nos entreter, decidimos telefonar para a companhia aérea. Fomos todos ao balcão do hotel, eu pedi que me ligassem à Pan América e quando, do outro lado da linha, alguém disse pronto, dei bom dia e perguntei se o avião que saía ao meio dia para Lisboa fazia alguma escala. E a voz: “ Sim, faz escala em Barcelona, mas hoje não há avião para Portugal porque houve uma revolução em Lisboa…”

Caiu me a alma aos pés : “Scusi?...”. E ele, cheio de paciência: “ O avião hoje não segue para Portugal porque houve uma revolução em Lisboa…”

Ao meu redor, os outros, que só ouviam o que eu dizia e nada do que o outro estava a dizer, chegavam se a mim, de orelha arrebitada, na ânsia de perceberem o que havia para eu estar assim, de boca aberta e meio esgazeado. E o António, o tal que fora funcionário da TAP:

     Ele o que diz?...

Tapei, com a mão, o bocal do telefone e, ainda incrédulo, gaguejei:

     Está a dizer… que houve… uma… uma revolução em… Lisboa…

Logo o outro, numa explosão:

     Porra! Este tipo sempre com as anedotas!...

E fui eu, dos 11 excursionistas, o primeiro a saber da Revolução dos Cravos…
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


MODA E PUBLICIDADE

 Muitos anos passaram já desde que deixei de trabalhar na Ciesa – que aliás já não existe. Assim, não consigo recordar me se, naquele tempo, melhor dizendo: na altura em que a Ciesa criou um lugar de consultora de moda, a concorrência tinha, já, quem desempenhasse idênticas funções. Daí que eu não seja peremptório em garantir que, nesse particular, a agência que me tirou do ensino, em Vila Real, e trouxe para Lisboa foi pioneira em Portugal e no ramo.

Um dos nossos/meus clientes era, como por mais de uma vez já contei aqui, o Terylene, uma fibra artificial muito usada, ao tempo, em artigos de vestuário, cortinados, atoalhados e outros produtos congéneres. Assim, e porque se tornasse necessário dar, do Terylene, uma imagem agradável, por isso a criação do tal lugar de consultora de moda que não serviria apenas para as peças publicitárias daquele nosso cliente, mas, também, para as de outros, mesmo que nada tivessem a ver com vestuário.

Relendo o que escrevi, tenho de fazer uma pequena correcção. Esta: onde se lê que a Ciesa criou um lugar de consultora de moda, deve ler se “ consultor “; o facto de eu ter utilizado o feminino decorre de, pelo menos nos anos 60, esses lugares serem desempenhados, quase direi que exclusivamente, por senhoras. Também nesse aspecto a Ciesa foi pioneira, já que, ao começar a pensar se em alguém que soubesse de moda, a pessoa escolhida foi um senhor que tinha por avalista o senhor Rodrigues Faria, director geral da agência, o que desde logo assegurava a sua competência e queda para a função.

    O senhor Campos? É homem de muito bom gosto, puxou lhe sempre para estas coisas… – dizia o senhor Rodrigues Faria quando anunciou a escolha aos seus colegas de direcção e aos funcionários mais qualificados da empresa, nos quais eu me incluía, não tanto pelas minhas capacidades, mas por me estar entregue a área dos produtos relacionados com moda. – Lá em casa, tudo o que tem a ver com decoração e arranjos é com ele…

Passava se isto em meados da década de 60, poucos anos depois de, em Portugal, aparecerem os filmes do James Bond e, mais adiante, logo explicarei o porquê da referência ao personagem do Ian Fleming. Antes disso, porém, detenhamo nos sobre o dia em que o senhor X (não vou aqui escrever lhe o nome por motivos que, com vossa licença, me dispenso de referir) apareceu na Ciesa. Era um homem baixo, gordinho e que, pelo padrão da gravata que usava, se via logo que devia saber tanto de moda como da vida sexual das lagostas. Mas, enfim, uma vez que vinha recomendado pelo director geral e dado que, a fazer fé no velho ditado, as aparências muitas vezes iludem, creio que todos, apesar de cada um guardar para si a sua opinião, convieram em dar ao senhor X o benefício da dúvida.

Benefício que, verdade seja dita, não se prolongou por muito tempo. Quando o “consultor de moda”, um dia, ao sugerir a decoração para um filme de um produto destinado à classe B+, recomendou que, em cima de umas colunas torneadas em pau preto, se pusessem vasos de rosas encarnadas, tendo por baixo “napperons” de renda de algodão. Foi nesse dia que alguém lhe pôs uma terrível alcunha que nunca mais o abandonou durante os poucos meses que ainda se manteve na Ciesa: “Old Finger”, por encosto ao filme, quase do mesmo nome, do James Bond, o “ Goldfinger “…

Já não sei as razões de o senhor X ter deixado de nos beneficiar com os seus profundos conhecimentos no campo da moda, se calhar terá sido ele próprio a chegar à conclusão de que, embora ficasse com o fim do mês mais arredondadinho, aquilo não era vida para ele, com tanto modelo a trocar lhe os olhos a abarrotar de miopia e tantos Portelas & Antónios Alfredos a darem lhe cabo do juízo…

Pouco tardou a ser substituído pela Jocelyne, uma rapariga francesa, nascida em Marrocos, casada com um português e, passe o pormenor, mãe de três rapazitos, o Rafael, o Miguel Ângelo e o Leonardo, o que desde logo deixa perceber a importância que, lá em casa, se dava à pintura florentina do séc. XIV/XV. Pouco tardou para a Jocelyne cair no goto de toda a agência, não apenas pela sua educação e simpatia como, também e principalmente – pois era para isso que lá estava –, pelo seu muito bom gosto e requinte. Terá estado na Ciesa cerca de ano e meio, período após o qual foi substituída por uma rapariguita que não teria mais de 18 anos e que como mais importante credencial trazia a de a sua família ser muito amiga da família do senhor Beirão da Veiga, principal accionista da Sociedade Nacional de Sabões que, por coincidência, era a proprietária da agência…

Credencial que não lhe serviu de muito, porque a breve trecho, e ao dar se conta de que tinha pouco jeito para aquilo e, por outro lado, que todos nós, nos enganávamos e, quando falávamos com ela, lhe chamávamos Jocelyne, foi pregar para outra freguesia e, desde então, acabaram se as consultoras de moda na Ciesa.
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


 ESCOCÊS ATÉ DIZER “CHEGA” !...
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Hoje não sei como é, porque já estou afastado da publicidade vai para 30 anos. No meu tempo de CIESA, porém, que foi vendida a um grupo internacional e já não existe, os “accounts” estavam autorizados a almoçar com os clientes onde, quando e quantas vezes quisessem.

Ao tempo, em Lisboa, não havia os restaurantes que hoje há, nem em qualidade nem em quantidade. Se os houvera, no entanto, a autorização funcionava à mesma, tanto para os mais caros como para as tasquinhas. Por mim falando, devo dizer que rara era a semana em que eu não almoçava fora de casa duas ou três vezes com clientes meus que, a breve trecho, iam mais como amigos do que na qualidade de representantes dos produtos cuja publicidade nos estava entregue.

Nos quase 10 anos que lá trabalhei, só me lembro de ter sido convidado uma vez por um cliente. Chamava se Nicholas Leacock, andava pelos 25 anos, era administrador e filho do dono da empresa a Casa Leacock que creio ter desaparecido, não sei se por falência – e, para completar o perfil do meu jovem cliente, resta dizê lo escocês, informação que, no decorrer desta breve narrativa, há de assumir importância primordial.

A Leacock, entre outros produtos, distribuía em Portugal as lâminas Wilkinson e, no dia em que a CIESA ganhou a conta, ela foi me entregue, como acontecia com a maior parte dos clientes ingleses. O primeiro encontro com a Leacock decorreu na agência, na sala de projecções, um pequeno aposento situado na cave do edifício da Gonçalves Zarco, ali ao Restelo. Pela CIESA, além de mim, estava o Eurico da Costa e, da Leacock, tinham vindo o senhor Nicholas, que dava os seus primeiros passos como gestor, e o senhor Cavaleiro, homem com muitos anos de casa e administrador da firma, posto pelo Leacock pai a acompanhar a verdura do Leacock filho, just in case, já que os conhecimentos do rapaz eram todos de ordem teórica, adquiridos em cursos de gestão tirados em Londres e pela primeira vez postos em prática.

Está me a lembrar que, nessa primeira reunião, coube me a mim discorrer sobre a linha a utilizar na publicidade das lâminas Wilkinson e, a breve trecho, reparei que o senhor Leacock filho acenava com a cabeça, num entusiasmo desbordante, à medida que eu prosseguia com as minhas considerações. Tal como reparei que o senhor Cavaleiro, mais sisudo e pouco loquaz, uma que outra vez discordava, também por acenos de cabeça, do que eu dizia. Evidentemente que, entre a opinião de um funcionário, ainda que superior, e a do patrão, mesmo que de fresca data, só se eu fosse tolo é que iria optar pela opinião do primeiro. Daí que, até ao fim da reunião, o meu discurso fosse todo no sentido de “captar os votos” do jovem escocês, que continuava a sublinhar, com abundantes acenos da sua cabeça loura, tudo quanto eu dizia.

No final, já com os dois senhores a caminho da empresa, que ficava na 24 de Julho, reunimo nos, o Eurico da Costa e eu, no seu gabinete, para fazermos o ponto da situação. Novo na arte, eu desbordava de satisfação pela anuência do jovem Leacock às minhas teorizações – reparara ele, Eurico da Costa, como o rapaz sublinhara o que eu dizia, com frenéticos acenares de cabeça, enquanto o outro, o senhor Cavaleiro, ia inserindo algumas críticas nas minhas judiciosas palavras ? O Eurico da Costa sofreou me os entusiasmos :

    Calma aí ! Ficasse eu a saber que  o senhor Leacock, além de muito novo, tinha um tique nervoso que o levava a piscar os olhos, convulsivamente, e a dizer que sim, com a cabeça descontrolada, de minuto a minuto ...

Num ápice, desapareceram me as prosápias e, a partir desse dia, passei a falar para o senhor Cavaleiro, estando me nas tintas para as cabeçadas do aborígene da Escócia.

Procedência que uma vez mais recordo, por via de uma sua peculiaridade, característica dos naturais de Glasgow, Edimburgo, Dundee  e adjacências, peculiaridade essa que os leva a pedir meças aos judeus, conhecidos em todo o Mundo civilizado pela sua avareza e sovinice.

Ao tempo, eu colaborava no vespertino “A Capital” e no trissemanário “A Bola”, o que, entre outras vantagens, me dava bilhetes para o cinema, em todas as casas de espectáculos de Lisboa e para os desafios de futebol realizados em qualquer estádio português.

Um dia, à conversa com o jovem Nicolau Leacock , mostrou se ele interessado em assistir a um jogo do Benfica, porque nunca vira jogar o Eusébio, então no pino da fama, e pretendia colmatar essa sua inexplicável lacuna cultural. Os “encarnados” jogavam daí a umas três ou quatro semanas com uma equipa sueca, que vinha à Luz disputar a primeira “mão” de uma qualquer Taça europeia, e o senhor Leacock  concordou ser esse um excelente ensejo para suprir as suas deficiências em matéria futebolística.

Arranjei lhe um convite e, umas três horas antes do jogo, que era à noite, fomos até à “Churrasqueira do Campo Grande”, o restaurante que ficava mais perto da Luz, onde o senhor Leacock  fazia questão de ser ele a pagar o jantar, em jeito de agradecimento pelo bilhete para a bola.

Já me não lembro do que comemos – talvez frango assado com batatas fritas, – nem quanto custou, ao certo, o jantar. Nesses recuados anos, comia se muito mais barato do que actualmente e a refeição deve ter saído, vamos dizer, por 87$50. Ouvi o Leacock  pedir a conta ao “farda branca” e fui me levantando, já que não era a mim, como convidado, que me competia liquidar a factura. O escocês, ao ver me de pé, fez sinal de que me voltasse a sentar, porque ainda faltava o troco da nota de 100 escudos que entregara. Estranhei, devo dizê lo, que o meu cliente aguardasse os 12$50 de troco que o empregado lhe havia de trazer : Como era ? Queria dar lhos expressamente para que o fâmulo se atirasse para o chão pela nababesca gorjeta ? Só quando o troco chegou à mesa, me lembrei da  ascendência escocesa do meu anfitrião dessa noite. Remexendo nas 3 ou 4 moedas que vinham no pratinho de alumínio, extraiu cuidadosamente uma, de 2$50, e entregou a, munificente e versalhesco, ao empregado da “Churrasqueira”. Donde saímos, de seguida, para o Estádio da Luz.

Aí, durante o jogo, passou os 90 minutos a querer saber se aquele médio louro dos suecos era o Eusébio e se, quando a bola entrava na balisa, era golo ou “penalty”. Não me recordo de ter voltado a refeiçoar com ele, mas à bola é que nunca mais o levei. Ficou me de emenda.
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


   HISTÓRIAS DE PUBLICITÁRIOS – IV
UM VERDADEIRO PROFISSIONAL
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Começo esta história, a quarta que me ocorre a propósito da fama atribuída aos publicitários de serem uns exagerados – começo esta história com a vaga premonição de que talvez seja uma das mais curtas que já contei. Além disso, suspeito que poucos ou nenhuns dos meus eventuais leitores irão acreditar no episódio que, de seguida, lhes apresento. É que, ao contrário dos anteriores, neste de hoje não tenho qualquer testemunha que a ele tivesse assistido, daí que todos quantos jamais puseram as mãos no fogo pela fidedignidade dos meus escritos, façam o favor de descer e optar por outras rubricas do Truca. Aos restantes, os que, pese embora a honestidade do meu aviso, persistirem na leitura, desde já os meus mais veementes agradecimentos e a promessa de que tudo farei para não darem o seu tempo por perdido. E então lá vai.

Um dia, na Ciesa NCK, entrou um rapaz, recomendado não sei por quem, que vinha experimentar as suas capacidades na, ao tempo, ainda recente arte da publicidade. Como de costume, puseram no no meu gabinete, eu que o desmamasse e lhe desse a conhecer os segredos da profissão. Pessoa de poucas falas, muito sisudo, direi mesmo que bisonho, o rapaz, cujo nome se me varreu e que não reconheceria se hoje passasse por ele na rua, nunca me pareceu interessado por aí além no que eu tentava ensinar lhe, mas, para evitar juízos precipitados, resolvi dar tempo ao tempo e guardar para mais tarde a minha opinião sobre o novo elemento da agência.

Passaram dois ou três meses e um dia, pouco antes do almoço, bateram à porta do meu gabinete e, quando mandei entrar, apareceu me o rapaz. Interrompi o que estava a fazer e, ao vê lo muito calado, o que aliás não era novidade, resolvi dar lhe um empurrãozinho, tentando ajudá lo a desembuchar:

     Há alguma novidade?...

Continuou calado, olhos no chão, coçando o queixo, como se estivesse a escolher as palavras. Depois:

     Você acha que eles, hoje, me dão a tarde?

     Eles, quem?

     Os patrões… Quer dizer, o senhor Rodrigues Faria e o senhor Eurico da Costa…

Fiz um gesto, ele que fechasse a porta e, a seguir, indiquei lhe uma cadeira em frente à minha secretária:

     Estou que sim, que dão… Embora você esteja cá há pouco tempo, acho que não vai haver problema. E, se quiser, eu dou lhes uma palavra…

     Agradecia muito, mas, realmente, tinha necessidade de faltar, esta tarde…

Voltou a calar se, mas pareceu me que havia ali qualquer coisa que não batia certo. E, embora não tivesse nada a ver com a vida dele:

     Você não está doente, não?...

Hesitou e, depois, sem me encarar:

     É que o meu pai… Quer dizer, o meu pai morreu ontem e eu queria ir ao enterro, que é hoje à tarde…

     O queeeeê?!!!...

(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


  A GRAVAÇÃO
Por Álvaro Magalhães dos Santos

Nos últimos tempos, tem se falado muito numas gravações, alegadamente furtadas a um jornalista e que recolhiam horas e horas de entrevistas feitas a entidades e outras pessoas envolvidas no lamentável caso “Casa Pia”.

O barulho feito à volta do assunto fez me recuar cerca de 40 anos, ao tempo em que trabalhava ainda na Ciesa, então já Ciesa NCK, e onde era dos poucos que, na Agência, falava Inglês correntemente, requisito que, depois, veio a tornar se determinante para todos os que se candidatassem, na empresa, a “account executives” ou a “copywriters”.

Um dia, e assim começa a história que hoje lhes vou contar, estava a preparar o orçamento de uma campanha quando, no intercomunicador, soou a voz do Eurico da Costa, um dos administradores:

    Magalhães… Quando puder, venha ao meu gabinete…

Na Ciesa NCK, toda a gente me chamava Magalhães, em vez de Magalhães dos Santos, até parecia que não tinha Pai, que nascera de Mãe solteira ou filho das tristes ervas…Como, porém, da primeira vez que me cortaram o Santos eu não recalcitrei, fiquei Magalhães, aliás não apenas na Agência, mas em outros locais onde, depois, vim a trabalhar.

E assim, o Magalhães guardou os apontamentos do trabalho que estava a fazer, pegou num bloco e numa esferográfica e dirigiu se ao gabinete do Eurico da Costa, que ficava no mesmo piso, duas portas mais adiante da minha.

     Magalhães – disse o Eurico da Costa, quando entrei – Tem alguma coisa marcada para amanhã de manhã?

E como eu não tivesse:

      Preciso de si para uma reunião, às 10 horas de amanhã, na sala grande, com um inglês que vem cá conhecer a Agência e que tem um produto para lançar em Portugal. Vamos lá estar, Você e eu, e providencie com a Lurdes que sirva café e diga ao Salvador que prepare uma bobina com os nossos melhores filmes, pode ser que haja tempo para os mostrar ao inglês, na sala de cinema.

E, já a terminar:

     Ah! E antes que esqueça… Leve consigo um gravador. É melhor do que tomar notas, que levam mais tempo a assentar e dão ar de menos eficiência…

Voltou à carta que estava a escrever – ele passava o tempo a escrever cartas particulares – e, depois, ao ver que eu continuava especado à sua frente:

     Queria mais alguma coisa?...

     Queria saber quem é esse tal cliente…

Acendeu um cigarro – devia fumar dois maços por dia – e, dada a primeira paivada, satisfez a minha curiosidade. Tratava se do “Black & Decker”, um produto que aparecera havia pouco e ainda não era conhecido em Portugal. O senhor andava a visitar agências, para escolher a melhor, tanto em termos de eficiência como de custos.

     E quem é o representante deles, em Portugal?

     Se já têm, desconheço. Mas ainda não devem ter, porque o homem vem sozinho…

Voltei ao meu gabinete, acabei o trabalho que estava a fazer, tratei dos cafés e dos filmes para o dia seguinte e telefonei para o Economato e pedi que, nessa tarde, entregassem um gravador à minha secretária. E nunca mais pensei no “Black & Decker”.

 Na manhã seguinte, logo que cheguei à Ciesa NCK – eu entrava sempre muito cedo, ainda lá não havia ninguém –   fui à sala grande ver se estava tudo em ordem, desci à sala de cinema a saber se o Salvador já tinha a bobina e, antes de subir ao 5º andar, disse à Recepcionista que, por volta das 10 horas, devia chegar um senhor estrangeiro – a Recepcionista só falava Português e, além disso, tinha um contencioso com a sintaxe –, pedindo para falar com o senhor Eurico da Costa, mas, antes de o chamar, que me desse uma telefonadela, que eu descia a recebê lo.

Passava um minuto das 10 horas quando ela ligou, eu que fizesse o favor de chegar à Recepção que o senhor já lá estava. Meti me no elevador e fui cumprimentar o visitante, um homem de meia idade com o cabelo todo grisalho e um farfalhudo bigode branco, a fazer lembrar um coronel de lanceiros, dos da antiga Índia inglesa. Apresentei me, fiquei a saber que o senhor se chamava Qualquer Coisa Robinson e, depois, chamando o elevador, convidei o a subir comigo. O Eurico da Costa já devia estar farto de saber que o mr.Robinson tinha chegado, Mas quando lhe dei dois toques ao de leve na porta, disse “Entre” e fingiu continuar a escrever a carta desse dia, só a interrompendo quando eu, da entrada, tossiquei discretamente, a chamar lhe a atenção. Sentámo nos os recém chegados, e o Eurico da Costa, num inglês cha cha cha, aos saltinhos e com pronúncia da Costa Rica – ele, para além da fronteira, só tinha ido a Vigo, a Madrid e a Paris – passou o quarto de hora seguinte a dizer bem da Ciesa NCK, dos seus “copywriters” e “account executives”, após o que convidou mister Robinson a passar à sala grande, a fim de lhe fazermos algumas perguntas sobre o produto. E assim foi.

Quando, duas horas mais tarde, o inglês se foi embora, com o Eurico da Costa e eu a escoltarmo lo até à porta da rua, tínhamos recolhido um manancial de informações sobre o “Black & Decker” que, depois de passadas ao Artur Portela Filho, nos iriam permitir fazer um figurão e, de caras, aumentar a lista de clientes.

     Você, agora – isto era o Eurico da Costa a dizer me, enquanto subíamos, no elevador, até ao 5º andar – você agora ouve o que ficou gravado, faz uma sinopse das informações que lhe pareçam mais importantes e entrega me isso, com uma cópia para o Portela. Amanhã ou depois, reunimo nos os três e pensamos numa campanha jeitosa…

Entrou no seu gabinete, eu fui para o meu e sentei me, com o gravador na secretária, preparando me para ouvir a gravação.

O Eurico da Costa deve ter ficado muito admirado quando, 10 minutos depois, eu lhe entrei pelo gabinete dentro, sem bater, interrompendo lhe a habitual carta que, sempre que não tinha nada que fazer, lhe ocupava os tempos livres. Ao ver o meu rompante e a minha cara mais amarela do que a toga de um monge tibetano, soergueu se na cadeira:

     Que é que aconteceu? Você não se está a sentir bem?...

Engoli em seco, na atrapalhação do que tinha para lhe dizer:

     Eurico da Costa… Eu… Quer dizer…

     Homem, desembuche!...

     O gravador… não tinha pilhas…

(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


HISTÓRIAS DE PUBLICITÁRIOS – III
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Vou, mais uma vez, recorrer à frase feita “ Os publicitários são uns exagerados” para, desta feita, lhes contar uma história verdadeira, sendo eu a melhor testemunha da sua fidedignidade, por isso que ela se passou comigo.

Em 1969, fui, com o Artur Portela, a Inglaterra, apresentar a campanha do “Terylene” à I.C.I. A reunião foi em Londres, correu muito bem, e terminou com um almoço oferecido pelo cliente num dos melhores restaurantes londrinos. No final, despedimo nos dos nossos anfitriões e, por termos a tarde livre, resolvemos ir às compras, quase limitadas, no meu caso, a uns presentes para a minha mulher e uns brinquedos para os meus filhos, o mais velho dos quais andava pelos 7 anos.

No Marks & Spencer, perto do hotel onde nos hospedáramos, comprámos tudo o que queríamos (e podíamos…) e eu recordo me de ter trazido, para os pequenos, o brinquedo do ano, na circunstância um balão em forma de coelho, em que as crianças se sentavam e davam saltos, agarrando se às grandes orelhas do bicharoco. Terminado o safari mercantil, estávamos tão carregados que, para regressarmos ao hotel, tivemos de apanhar um táxi.

Nessa noite, depois do jantar, demos um curto passeio a pé e, por volta das 22 horas, seguimos para o hotel para fazermos as malas e dormirmos. Já no quarto, dei me conta de que o embrulho do balão/coelho não aparecia. O Portela também não sabia dele e, por fim, encolhendo os ombros, desisti de o procurar, até porque só regressávamos a Lisboa depois do almoço, no dia seguinte, o que me dava tempo, durante a manhã, de voltar ao Marks & Sparks (nome por que o armazém é conhecido na gíria local) e comprar mais um.

Meses mais tarde, estava eu num consultório médico à espera de ser atendido, quando, ao folhear uma revista, li um artigo em que se dizia haver em Londres um armazém onde os taxistas da cidade depositavam tudo quanto os passageiros esqueciam nos táxis. Lembrei me do embrulho perdido e, num súbito impulso, tomei nota do nome do armazém e da morada. E quando, tempos mais tarde, voltei a Londres, para nova reunião com a I.C.I., na minha agenda, onde assento tudo o que fiz ou me aconteceu, levava o endereço do armazém e a data em que, quase um ano antes, tomara um táxi, do Marks & Spencer para o hotel. Não que tivesse grandes esperanças de o meu embrulho ter sido encontrado ou que o brinquedo perdido me interessasse, mas, já agora, sempre queria ver como era, mais que não fosse para avaliar da eficiência e da honestidade dos ingleses.

Na véspera de regressar a Portugal, tendo, mais uma vez, a tarde livre, perguntei onde ficava o armazém dos taxistas e, metendo me no metropolitano, que tinha uma estação que ficava por lá perto, segui viagem. Depois de uns minutos a pé, fui dar a um casarão com umas portas de madeira, muito velhas e quase sem pintura. Empurrei uma delas e vi me em frente a um balcão a toda a largura de um enorme salão por trás do qual havia estantes altas, separadas umas das outras por estreitos corredores. Nas prateleiras, amontoavam se cestos, embrulhos, caixas e caixotes, guarda chuvas, tudo, enfim, que as pessoas costumam esquecer nos táxis, em Londres, em Lisboa ou na Bolívia. A tomar conta daquilo tudo, um velhote, estrábico, de barba por fazer e a sorver, em ruidosos goles, uma caneca de “railway tea”, o chá mais forte que há à superfície da terra, enquanto se regalava com as fotografias de uma revista de meninas descalcinhas até ao queixo.

Sabe Deus o que me custou interromper lhe a interessada leitura, mas, respirando fundo, resolvi mesmo fazê lo e, puxando da agenda, recitei o que, durante a viagem de metropolitano, ensaiara mentalmente. E então era assim: no dia X do mês Y do ano anterior, fora, desde o Marks & Spencer, até ao Mountroyal Hotel e, no táxi, tinha esquecido um pacote, mais ou menos com estas dimensões – fiz o gesto com os braços – e embrulhado em papel daqueles grandes armazéns. Quereria o senhor ter a amabilidade de ver se não teria sido entregue por alguém que o tivesse encontrado?

O homem levantou se pesadamente, pousou a caneca do chá e, olhando para o lado( o que, por ser estrábico, era a sua maneira de olhar em frente ), fez me repetir o tamanho do embrulho, o papel que o envolvia, o percurso do táxi e o dia em que o tomara. Depois, arrastando os pés, enfiou por um corredor e deixou me encostado ao balcão, a ouvi lo remexer nas prateleiras e a falar sozinho, enquanto eu esperava o resultado da busca.

Mais de 30 anos decorridos sobre este episódio, ainda me custa a acreditar no que aconteceu e desde já adivinho que nenhum dos meus eventuais leitores vai achar que é verdade o que realmente se passou. Mas, se a minha palavra lhes basta, deixem me dizer lhes que, ao fim de 10 minutos – isto em 1969, atenção! , o zanaga veio do fundo do corredor por onde entrara e, chegando ao balcão, confessou se very sorry, mas não havia lá nada…

E, se acharem bem, irei interromper, por uma ou duas semanas, estes exageros dos Publicitários, para lhes contar mais umas histórias de Publicidade, antes que se me varram, vale?
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


 HISTÓRIAS DE PUBLICITÁRIOS II
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Como poderá dar se o caso de haver quem nunca me tenha lido anteriormente, acho melhor recordar que, na semana passada, falei aqui de algumas frases feitas, que aparecem com frequência na linguagem do dia a dia. Uma delas, Os publicitários são uns exagerados, serviu me, na última edição do Truca, para começar a contar algumas histórias sobre o exagero dos publicitários, não tanto nas campanhas que fazem, mas, principalmente, em atitudes que tomam (ou tomavam na época em que aconteceram e aqui procuro descrever o melhor que posso e sei).

Eu disse que comecei a contar algumas histórias? Que exagero o meu que, afinal, só contei uma, porque o texto já estava a ficar demasiado extenso e achei melhor deixar algum espaço para outros colaboradores do Truca que, coitados, também têm direito à vida. Isto dito, vamos à história de hoje que, à semelhança da maioria que aqui tenho contado, se passa igualmente na Ciesa ou, para ser mais preciso, com gente que lá trabalhava, ao mesmo tempo que eu.

Um dia, a lista dos accounts foi aumentada com um rapaz que eu conhecia de Vila Real, não por ser da minha terra, mas por ter lá feito um ou dois anos do Liceu. Chamava se Ponte Fernandes (Domingos, se bem recordo), era natural do Nordeste Transmontano (creio que Vinhais) e dava nas vistas pela sua alacridade, que manteve até ir desta para melhor, vai quase para um quarto de século.

Como acontecia com os recém chegados, no caso de nunca terem trabalhado no ramo, era eu que tomava conta deles, ensinando lhes o bê á bá da profissão, o que incluía levá los comigo, sempre que visitava um cliente, para os “caloiros” ficarem a saber como se fazia. Além disso, falávamos muito no meu gabinete, não apenas de publicidade, mas igualmente de outros assuntos. Breve viria a descobrir que o Ponte Fernandes tinha estado em tudo quanto era sítio, lera todos os livros, vira mais filmes do que 5 críticos de cinema juntos e conhecia gente nos jornais, na política, no exército, na literatura – enfim, fico me por aqui porque acho que já perceberam o que quero dizer.

Um dia, íamos nós de carro até à Sociedade Central de Cervejas, onde eu tinha uma reunião, e, enquanto descíamos Monsanto, vieram à baila os realizadores de cinema que trabalhavam ou tinham trabalhado para a Ciesa. O António Macedo? Conhecia o muito bem. E o Rapazote Fernandes, idem aspas. Bem como o António Damião. E o Alfredo Tropa, marido da Teresa Olga, ela também dada às coisas do cinema, conhecia los tu, Domingos?

Carachas, então não conhecia!... Ainda outro dia tinha estado com eles na estreia de um filme, salvo erro no Monumental… – Fez uma pausa. Depois – Grandes amigos meus, daqueles de palavra de honra…

Estávamos a chegar à Estefânia, já perto das Cervejas, e, num semáforo, tivemos de parar, por estar no encarnado. De súbito, senti uma mão a bater me no tejadilho, olhei e era um antigo colaborador da Ciesa.

Adeus ó Magalhães… fez ele, acenando enquanto se afastava. Logo o Ponte Fernandes:
Quem era?
E eu, embaraçado:
Era o Alfredo Tropa…

Para a semana há mais, vale?
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


  HISTÓRIAS DE PUBLICITÁRIOS I
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Portugal, passe o pormenor semântico, foi sempre um país fértil em frases feitas. A maior parte das que por aí circulam, ou circularam, estou que poucos serão capazes de as situar no tempo, de lhes identificar o autor ou de explicar como apareceram na linguagem do dia a dia. Recordarei, ao iniciar este texto, algumas que fui procurar nos arcanos da memória, entre elas uma que tem a ver com Publicidade, assim servindo de tema para o que hoje pretendo contar lhes.

Das frases que recolhi, a mais antiga, senão no tempo, ao menos nas minhas recordações, é aquela em que um “macho latino” – e contam se pelos dedos os portugueses que o não são, quando uma miúda (não em termos pedófilos, mas de gíria amalandrada) lhes cai debaixo do olho cúpido e ambicioso – cicia numa voz rouca e a exsudar fremências de incontida e langorosa paixão: “ Ai, querida, estás danada para que te faça um filho… “. Outra que ouvi bastante, vai para um bom par de anos, é essa em que o Zezé Camarinha ou o Capitão Roby que há em todos nós, sussurra, delicodoce, o paleio a escorrer sémen, ao ouvido da sua aventura ocasional: “ Filha, filha… Beija me na boca e chama me Tarzan… “. E ainda outra, possivelmente mais recente no tempo e que refere as dificuldades do nosso idioma, mesmo até para aqueles que sendo seus parlantes por nascimento, experimentam os maiores estorvos quando tentam utilizá lo no conversar mais trivial. Já adivinharam, por certo, que aludo a “ O Português é uma língua muito traiçoeira…”, não é verdade? E guardo para o fim, nesta escassa pletora de frases feitas, uma que, pela sua construção e pelos elementos que a compõem, está relacionada com a Publicidade. Sobre tal frase me irei debruçar nas próximas linhas, tentando confirmar, por esta forma ou por aquela, que “ Os Publicitários são (foram, sempre, e continuarão a ser) uns exagerados”. Alguns exemplos vos darei, a concretizar a asserção, se bem que esses exemplos, mais do que sublinhar o possível exagero das situações, têm a ver com ineditismo, inesperado e insólito. Ora então vamos lá…

O primeiro caso ocorreu nos primeiros dois ou três meses que passei na Ciesa com um rapaz que lá fui encontrar, como Chefe de Publicidade, e que, de um momento para o outro, desapareceu e ninguém mais lhe pôs a vista em cima. Terá ido, ao que depois vim a saber, para o México, como representante do Estado Português, donde viria a sair, tempos mais tarde, ignoro também porquê. Jogava muito bem bridge e deve ter sido a pessoa mais presunçosa que conheci em toda a minha vida. A sua história, vim a sabê la, recentemente, por intermédio de um antigo administrador da Ciesa, em cujo gabinete entrou, uma tarde, a perguntar o que era preciso para fazer parte da Administração da empresa. Surpreso, o outro olhou o e, depois, quase não acreditando no que tinha ouvido, foi lhe dizendo que, antes de mais, era preciso ter acções e, de seguida, ser convidado para o cargo. “ E onde poderia ele conseguir as acções? “. E o Administrador: “ ‘É como lhe disse… Consegue as se for convidado…”. O rapaz ficou em silêncio por uns momentos, assim como quem pensa no que acabara de ouvir, e logo: “ Então, quer dizer: não devo ter possibilidades de entrar para a Administração, não é verdade?... “ E, antes que o seu ex futuro colega lhe confirmasse o supor: “ Nesse caso, o melhor é ir me embora, porque, sendo assim, não me interessa cá ficar!”. E, na semana seguinte, abandonou a Ciesa e a Publicidade.

Relendo o que escrevi, acho que me expandi em demasia, daí que, se fosse a contar agora todas as histórias que sei e que têm a ver com o exagero dos publicitários, o “Truca” desta semana, para parecer “Os Lusíadas”, só lhe faltava a rima, porque, em tamanho, andava por lá perto. Continuarei, pois, para a semana, se acharem bem.
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


E VOCÊ O QUE FARIA ?
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Esta, aviso desde já, não é uma história de publicidade. Mas é capaz de ter interesse, porque dá a ideia de como algumas empresas, entre elas agências de publicidade, ( não ) escolhem colaboradores para cargos de responsabilidade. Posso contar? Tenho um amigo que é director de “marketing” de uma multinacional com escritórios no nosso País.
Há dias, em conversa de fim de tarde, contava me ele o critério que costuma adoptar sempre que precisa de meter um colaborador para um dos departamentos da empresa. E então é assim : encarrega uma firma especializada de pôr anúncio nos jornais, definindo os requisitos pretendidos e as regalias concedidas aos concorrentes ao lugar.
Os candidatos, a quem é exigida uma licenciatura em Economia, respondem para o número indicado no anúncio e a firma encarregada da escolha, depois de feita uma cuidadosa triagem, entrega os nomes dos três ou quatro que melhor preenchem os objectivos a atingir.
Aí, o meu amigo convoca os escolhidos e, no termo de uma entrevista pessoal, acaba por seleccionar dois. De seguida, lê a carta que cada um deles escreveu a habilitar se e vai logo ver a nota com que se licenciaram. De uma vez, havia um cuja nota final era 19, enquanto o outro concluíra o curso com 11 valores. Por estranho que possa parecer, foi este que ganhou o lugar.
E o meu amigo, justificando o porquê de tão insólita como inesperada escolha :

     Para trabalhar numa multinacional, precisamos de gente expedita, de raciocínio rápido, gente que, seja qual for a situação, sabe sempre resolvê la e sair por cima…

Depois :

     Um aluno de 19 valores passou, de certeza, todo o curso metido em casa, a estudar de manhã à noite, sem tempo para conviver com raparigas e rapazes ou gozar a vida. Enquanto que o outro, com uma nota daquelas, é sinal de que estudou o suficiente para passar nos exames, mas levou a direita, porque mocidade há só uma e, se a pessoa a não aproveita, nunca mais a apanha de feição…

A concluir :

     No meu caso, o que faria você ?

E, sem me dar tempo de responder :

     Escolhia um choninhas que, embora possa ter sido o urso da turma, julga que os meninos vêm de Paris ou, em vez dele, opta por um aluno, de menor classificação, mas com muita mais experiência da vida ?...
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


 UMA HISTÓRIA COM 35 ANOS
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Este texto de hoje não é, propriamente, uma história de Publicidade, na linha de outras que escrevi e aqui publiquei. No entanto, porque os factos que vou contar se passaram quando trabalhei na Ciesa e com um cliente por cuja conta,  nessa altura, eu era responsável, creio que terá interesse recordá los, até porque estão relacionados com um acontecimento histórico que foi visto por cerca de 20 milhões de pessoas.

Estávamos em Julho de 1969, há 35 anos, portanto, e as estações televisivas de todo o Mundo concentravam se na missão espacial norte americana que pôs um homem na Lua,  pela primeira vez na história da Humanidade. A mesma que Neil Armstrong, um dos astronautas escolhidos para essa missão e que foi o primeiro homem a pisar o solo lunar, referiu, ao dizer que, esse momento tinha sido “ um pequeno passo para o Homem, mas um gigantesco passo para a Humanidade “.

Na noite de 19 de Julho, fui, com a minha Mulher, um dos muitos telespectadores que nos sentámos diante do televisor para acompanhar a alunagem, transmitida pelas principais cadeias de televisão e, em Portugal, pela RTP, ao tempo a única existente. Logo no Telejornal das 20 horas, o locutor de serviço, creio que o José Mensurado, anunciou que todos deviam estar atentos porque não demorariam, segundo informações da NASA, as imagens da chegada da Apolo 11 à Lua e do desembarque, no solo lunar, do astronauta escolhido para desembarcar no nosso satélite. Os nossos filhos, nesse ano com idades compreendidas entre os 7 e os 2 anos, já tinham jantado e a Mãe deitara os, porque, no dia seguinte, os dois mais velhitos tinham colégio e as duas mais novas costumavam ir para a cama à mesma hora e não demoravam a adormecer.

Com o Mensurado a tentar preencher a ansiedade dos telespectadores, porque as informações que lhe chegavam de Cabo Canaveral não eram muitas, lembrei me de que seria interessante que o nosso mais velho, o Miguel, assistisse à alunagem, mais que não fosse para que um dia, quando tivesse filhos e netos, poder dizer lhes que fora uma das testemunhas de tão importante ocasião. A minha Mulher concordou, até por pensar que o desembarque não haveria de tardar muito, e eu fui buscar o Miguel, que já estava meio adormecido, mas logo arrebitou os olhitos quando soube que ia ficar a pé por mais tempo do que o habitual  e que era o único dos irmãos, todos eles dormindo profundamente, a merecer essa preferência.

Tanto quanto me recordo, a 35 anos de distância que se cumprem no próximo dia 20, seriam cerca de 6h30 da manhã quando, da Lua, chegaram as famosas imagens de Neil Armstrong a caminhar lentamente no solo lunar, enquanto na Apolo 11, o outro astronauta, Edwin Aldrin,  filmava tão histórico momento e o  dava a conhecer a toda a Humanidade. A essa hora, o Miguel dormia regaladamente, enroscado no sofá da sala, e só a minha vontade de que ele, muitos anos mais tarde, pudesse dizer: “Eu  vi o primeiro homem a desembarcar na Lua”, me levou a abaná lo até que abrisse os olhinhos  e olhasse sem ver, por estar bêbedo de sono, as imagens cinzentas e deformadas pela distância que separa a Lua da Terra.

Agora que se cumprem, no próximo dia 20 deste mês, 35 anos sobre o pioneiro acontecimento,. achei que teria interesse recordá lo, mesmo que o meu relato nada tenha a ver com as anteriores histórias de Publicidade por mim aqui trazidas. No entanto, e tal como afirmo no princípio deste texto, há uma razão, de ordem publicitária para o que acabo de contar. Passo a dizer essa razão.

Um dos clientes da Ciesa era uma multinacional de tintas que tinha como Director geral um alemão, Horst Qualquer Coisa, com cara de Robert Redford e físico de jogador de râguebi. O Horst, de quem fiquei bom amigo, não assistira à alunagem da Apolo 11 porque, nessa altura, estava em Luanda, em viagem de trabalho, e naquela colónia não havia, ainda, televisão. Por isso que, tempos mais tarde, e quando os americanos lançaram uma segunda nave espacial, transmitindo igualmente a alunagem, o meu cliente telefonou me a perguntar se podia ir à Ciesa assistir ao desembarque, que receberiamos num televisor e poderiamos ver, em tamanho muito maior, no ecran da nossa sala de cinema. A resposta, obviamente, foi que sim e, pouco antes da hora da transmissão, dessa vez a meio da tarde e com a garantia de não ser tão atrasada como a primeira, sentei o Horst numa poltrona, pedi ao Salvador que trouxesse uma garrafa de whisky e fosse para a cabina de projecção e aguardei, com o alemão que a reportagem se iniciasse.

Varreu se me a que horas isso aconteceu, mas lembro me, como se tivesse sido ontem, de que passei o tempo menos a acompanhar a alunagem do que a apreciar a cara do meu cliente, perfeitamente espantado, de boca aberta e olhos arregalados, como se não acreditasse no que estava a ver. Enquanto eu, já repetente, via no rosto do alemão a figura que devia ter feito quando, semanas atrás, assistira à estreia mundial do desembarque na lendária Selene…
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


 PONTUALIDADE  BRITÂNICA
Por Álvaro Magalhães dos Santos

A história desta semana, não tendo a ver directamente com publicidade, uma das condições para figurar nesta rubrica, está, no entanto, relacionada com a minha actividade como publicitário.
Já lhes contei que, na CIESA, me fora entregue a conta do “Terylene” porque eu falava um pouco de Inglês. Pelo mesmo motivo, um dia, o Eurico da Costa, meu superior directo, chamou me e disse que eu iria passar a ser “account” da Fábrica Nacional de Margarina, empresa que pertencia ao grupo da Sociedade Nacional de Sabões, proprietário da CIESA.
A FNM vai ter um administrador novo, um tipo que veio de Inglaterra e que não fala Português. Chama se Wadsworth e você contacte o, para combinarem uma reunião, o mais depressa possível, porque o tipo vem cheio de ideias…
Mal cheguei ao meu gabinete, peguei no telefone e pedi ligação à FNM. O Wadsworth falava um inglês cerradíssimo, tipo escocês, e disse que eu podia aparecer quando quisesse, ele ficava à minha espera, em Sacavém. Marcámos a primeira reunião e, no dia indicado, saí da CIESA, que era no Restelo, com cerca de uma hora de antecedência, já que tinha de atravessar Lisboa de uma ponta à outra. Depois, passado o Aeroporto, metia para Sacavém e, aí chegado, andava mais 2 ou 3 quilómetros, para a esquerda, bordejando um pequeno rio, até encontrar a fábrica.
Era meio dia menos um quarto e eu deixei me ficar no carro, a fumar um cigarro e a fazer tempo para o meio dia, hora que ficara aprazada para a reunião. Puxei a última fumaça quando faltavam cinco minutos para a hora marcada , saí do carro, fechei o à chave e entrei na fábrica. A secretária do cliente, pela cara que fez ao saber quem eu era pareceu ficar surpreendida ; foi ver à agenda e, depois, sem dizer nada, encaminhou me para o gabinete do Wadsworth. Abriu a porta, deixou que eu passasse e anunciou me :
Mr. Santos, from CIESA…
O inglês veio de lá, de mão estendida, única manifestação de simpatia que me dispensou, já que, como eu viria a constatar nos encontros posteriores, era homem de poucas falas e ainda menos sorrisos. Olhei lhe para a face magra e os  lábios chupados – parecia que não tinha dentes nem em cima nem em baixo – correspondi ao “shake hands” e, levantei o pulso esquerdo, a mostrar o meu Breitling, não tanto para que o senhor visse a marca, mas para que apreciasse a minha pontualidade :
Twelve o’clock sharp, Mr, Wadsworth !... – disse eu, sorridente e vaidoso, a querer mostrar lhe que nós, em Portugal, éramos tão pontuais como os Ingleses.
O senhor olhou para o seu relógio e, depois, fitando me nos olhos, concordou:
Yes, twelve o’clock sharp, Mr. Santos… E, logo a seguir, num português mascavado que, afinal, já falava – Mas a reunião estar marcada para meio dia de ontem…
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


PROMOÇÕES
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Numa das primeiras histórias de publicidade que escrevi para a “TRUCA”, disse lhes que, ao estrear me na CIESA, me foram entregues, assim que me recorde, dois clientes: a Nestlé e a I.C.I., fabricante do “Terylene”. Falar lhes ei hoje da Nestlé, não tanto na vertente da publicidade propriamente dita, mas, mais especificamente, na das promoções, que a empresa utilizava bastante.

Quem perca tempo a ler estes meus escritos – modesta declaração que cai sempre bem – já deve ter verificado que, as mais das vezes, não vou directo ao assunto que me proponho tratar, mas faço uns rodeios no género de, para ir de Lisboa ao Porto, não sigo por Leiria, Coimbra e restante percurso, mas passo primeiro por Évora, subo, de seguida, até à Guarda e Vila Real e, dali, meto a Amarante e a Penafiel, até chegar, mais tarde, ao Porto. Uma vez mais, e no que hoje me proponho contar lhes, dar me ei a esse meu vezo. E então é assim: publica se para aí um diário tablóide que, como todos os do seu género, em vez de informar o leitor, o aturde com fotografias e parangonas, limitando os textos a pequenos blocos, cheios de erros de Português, tanto morfológicos como sintácticos. E, no entanto, a folha vende como castanhas, gabando se até de ser aquela que mais cresce, em tiragem e público.

Recentemente, e por ter comemorado mais um aniversário, houve almoçarada em que, além dos que fazem o jornal, esteve presente, também, o presidente do Conselho de Administração da empresa proprietária. Pois esse senhor – conforme li noutro jornal e não vi desmentido, indignada ou cordatamente, no periódico em festa –, esse senhor, ao levantar a sua taça, no discurso final, cumprimentou os trabalhadores e rematou com esta pérola: as vendas e o sucesso do jornaleco devem se à estupidez do público, que o compra cada vez mais, sem se aperceber de que aquilo é lixo, é subproduto, é tudo menos jornalismo!

E, tendo arribado ao Porto, depois de passar por Évora, Guarda, Vila Real, Amarante e Penafiel, vamos à tal história da Nestlé.

Quando eu tinha a conta, um dos produtos que a CIESA publicitava era um caldo instantâneo, vendido em pequenos cubos, embrulhados em papel amarelo. Um conjunto de 2 custava, se bem me lembro, a módica quantia de 25 tostões, hoje 1,2 cêntimos, se a minha aritmética está correcta. Pois a Nestlé, para tornar esses caldos mais conhecidos e combater a concorrência, que não recordo, a 40 anos de distância, quem fosse – a Nestlé lançou uma promoção que não lhes digo nem lhes conto: teve cá um sucesso maior do que os livros da Margarida Rebelo Pinto, que os escreve em duas semanas e os vende como queijadas de Sintra.

Nessa altura, falo dos meados da década de 60, a Nestlé tinha uma loja, creio que no Marquês de Pombal, onde as pessoas se dirigiam, com duas embalagens vazias dos tais caldos, recebendo em troca duas cheias e poupando assim 5 coroas (alguém se lembra, ainda, de que a moeda de 25 tostões, anos atrás, se chamava “ 5 coroas “ ou, para ser mais fidedigno, “ 5 c’roas “?...). E então acontecia que vinha gente dos Olivais, de Algés, até mesmo de Cascais ou de Sintra, com duas embalagens vazias de caldos instantâneos, para as trocar e poupar 25 tostões na compra de duas novas. Sem se dar conta de que, só em transportes para chegar ao Marquês de Pombal, gastava 5, 10 escudos, às vezes mais, ou seja: se não saísse do seu bairro, na mercearia ao pé de casa, poderia comprar, só com o dinheiro gasto em transportes públicos, muitas mais embalagens do que as duas oferecidas pela Nestlé…

Não sei – escasseiam me os conhecimentos sociológicos para o afirmar – se os portugueses são, não direi que estúpidos, mas menos inteligentes. Sei é que a publicidade, em Portugal, nos Estados Unidos ou na Bolívia, apela, quase sempre, para os sentimentos das pessoas, levando as a adquirir objectos e serviços de que, muitas vezes, não necessitam, mesmerizadas pelos argumentos que os publicitários lhes apresentam.
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


DUAS GARRAFAS DE RELAÇÕES PÚBLICAS
Por Álvaro Magalhães dos Santos

Já referi, anteriormente, que, há cerca de 40 anos, quando comecei a trabalhar na CIESA, uma das minhas primeiras contas foi o “Terylene”, uma fibra artificial fabricada e patenteada pela Imperial Chemical Industries (I.C.I.), uma das maiores empresas britânicas.
Duas ou três vezes por semana, contactava um funcionário superior da delegação portuguesa, na Filipe Folque, e, anualmente, ia a Inglaterra, ou recebia a visita, em Lisboa, do Ronald Moore, um alto funcionário da casa mãe. O Ronald Moore era, na CIESA, uma lenda. Com um sorriso ligeiramente sarcástico numa cara quase imberbe, os comentários que fazia às peças por nós apresentadas, ainda que adequados e certeiros, eram, as mais das vezes, impregnadas de um humor mais ácido do que britânico, característica de que em breve me apercebi. Assim como me apercebi, igualmente, de que o sarcasmo do Moore se devia mais à fraca qualidade do trabalho produzido pela CIESA… pelo menos até ao momento em que a conta passou para as minhas mãos. A partir daí, e sem querer passar por salvador da pátria, a verdade é que, na minha ignorância e ingenuidade, consegui mobilizar todos os sectores da agência e não demorou um ano que a I.C.I. passasse a ser tratada como grande cliente que era, tanto em dimensão mundial como no orçamento que dispensava para publicidade.
Os problemas levantados pelo Moore, aliados às dificuldades – e, para mim, novato na arte, todas as contas eram difíceis… serviram me de acicate, no desejo de não fazer fraca figura e não deixar ficar mal os que em mim tinham confiado. Quando, ao fim de quase 10 anos de CIESA, saí, para ir dirigir o Departamento de Publicidade de “A Capital”, fiz uma retrospectiva de todo o tempo passado na agência e cheguei à conclusão de que fora o “Terylene” a conta que mais me marcara e que o Ronald Moore, pese embora o seu distanciamento, a sua frieza e a ironia dos seus comentários, era, entre os vários clientes que conhecera, o que mais me tinha ensinado, tanto sobre “Terylene” como de publicidade.
Um dia, numa das minhas habituais visitas à Filipe Folque, o Fernando Marques – que ficara no lugar do funcionário com quem, de início, trabalhei na I.C.I. Portugal , o Fernando Marques, estava eu a dizer, falou me que o Ronald Moore chegava no dia seguinte a Lisboa, seguindo de imediato para a Covilhã, onde, na companhia do Fernando Marques, iria visitar uma fábrica local que trabalhava com “Terylene”. A visita era rápida – de médico, como se costuma dizer – e regressariam a Lisboa, os dois, no fim do dia, com o Ronald a tomar o avião para Londres na manhã seguinte.
Quando cheguei à CIESA, fui ao gabinete do Eurico da Costa, o número 2 na hierarquia, falei lhe da estada em Lisboa, e ainda que por poucas horas, do homem da I.C.I. e sugeri que talvez pudéssemos oferecer lhe duas garrafas de vinho do Porto, de boa marca e ano, sempre seria um gesto de simpatia para com ele, a despeito da sua secura e do seu evidente cinismo… ou talvez por causa disso e que o Moore, por certo, havia de apreciar.
A reacção do Eurico da Costa foi imediata e de assentimento : eu que comprasse as garrafas, sem olhar a custos e que as fosse entregar, nessa noite, com os cumprimentos da agência, ao hotel onde o homem da I.C.I. sempre se hospedava, quando vinha a Lisboa.
Jantei, meti as garrafas num saco de mão e segui para a Avenida da Liberdade. O Ronald Moore e o Fernando Marques ainda não tinham chegado da Covilhã e eu sentei me na recepção do Tivoli, a fumar um cigarro e a ler uma revista que levara comigo, já a pensar na espera.
Vi os passar a porta da entrada por volta das 11 horas da noite. A Covilhã ficava longe, eles tinham parado para jantar, daí o terem demorado o seu bocado. Fiz lhes, aos dois, uma festa maior do que eles a mim. Que o Ronald Moore não fosse de grandes expansões, era pecha a que eu já estava habituado, daí que não tivesse estranhado por aí além. Mas o Fernando Marques, de ordinário tão loquaz e expansivo, pôr se com aquela cara de pau, quase sem olhar para mim, que raio se passaria ?!...
A hora, porém, pedia cama e eles deviam estar cansados da viagem. Por isso que, sem querer dar a impressão de que estava a despachar a encomenda, estendi o saco com as garrafas ao homem da I.C.I., fazendo votos de que as apreciasse no seu regresso a Londres e, despedindo me, meti me no carro e fui para casa.
Meses decorridos, e comigo já mais dentro dos assuntos do “Terylene” – e não só eu, valha a verdade, porque a CIESA, fruto da minha insistência e teimosia, já dava muito mais atenção ao cliente, o que era visível na qualidade das peças, nos prazos de entrega e no rigor dos orçamentos – meses passados, estávamos a almoçar, o Fernando Marques e eu quando, de repente, e sem que viesse a propósito – parecia mesmo que o homem andava com aquela atravessada na garganta e morria se ma não dissesse – se sai com esta :
Lembra se, aqui há uns meses, quando o Moore veio à Covilhã e, à chegada ao hotel, você estava lá com duas garrafas de vinho do Porto ?
Então não lembrava, Fernando ! Porquê, ele não tinha gostado ?
Não era nada disso, atalhou, sem me deixar continuar. Depois:
Naquela altura, vocês, na CIESA, tratavam o “Terylene” como se fosse um cliente de segunda apanha, desses que só se ocupam dele nos intervalos de se ocuparem dos outros…
Fiquei à espera do que dali iria sair. E ele :
Por isso, na viagem para Lisboa, o Ronald, sabendo que você estava à nossa espera no hotel, disse que, à chegada, lhe iria comunicar que a I.C.I. deixava de trabalhar com a CIESA, por não estar satisfeita com o vosso trabalho…
Fiz cara de parvo, mais do que a que tinha e continuo a ter :
Mas ele não disse nada…
Pois não. E, quando você saiu a porta, virou se para mim e a coçar a cabeça, fez este comentário : “ Com que cara havia eu de despedir a CIESA, quando o rapaz, tão cheio de boa vontade, me trazia as duas garrafas de vinho do Porto ?!... “
E aqui está como, Relações Públicas amador e na minha boa fé e inexperiência, mantive o “Terylene” na CIESA, pelo menos durante os quase 10 anos que lá passei, graças a duas garrafas de vinho do Porto…
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


TERCEIRA IDADE
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 À medida que uma pessoa se aproxima da Terceira Idade, imaginoso circunlóquio inventado, se calhar, por um publicitário condoído da velhice galopante de algum familiar ou juiz, talvez, em causa própria – à medida que isso acontece, todos nos vamos convencendo de que, afinal, os antigos é que sabiam, os antigos é que tinham razão.

Muitas vezes, quando encontro quem me ouça ( e os meus ouvintes vão rareando de dia para dia, à razão de um por cada ruga que me surge na testa e de cada punhado de cabelos ou dente que me abandona ), quando tal acontece, costumo contar uma história, que li já não sei onde. É a história do recentemente falecido Ronald Reagan que, apesar de americano, conseguiu chegar a presidente dos Estados Unidos.

Um dia, no final de uma palestra aos estudantes de uma universidade de Chicago, foi interpelado por um dos assistentes que, não encontrando melhor maneira de lhe chamar velho, começou a comparar os tempos da juventude do palestrante com os actuais. “ Na sua juventude, senhor Presidente, onde é que havia computadores ou televisão, quem é que ouvira falar em foguetões espaciais ou desembarques na Lua?... “ disse, agressivo e factual, o jovem que, depois de aumentar a lista do que não havia 50 anos atrás e estava, agora, ao dispor de todo o Mundo civilizado, espetou a estocada final : “ Não lhe parece, senhor Presidente, que estamos, hoje, muito mais avançados, que somos, actualmente, muito mais evoluídos ?... “

Reagan ouvia, em silêncio o seu eventual interlocutor, acenando afirmativamente à medida que o rapaz ia falando, como que a concordar com as suas palavras. E, quando lhe pareceu que o estudante terminara o seu extenso requisitório: “ Acho que sim, acho que tem razão, meu jovem amigo. Realmente, quando eu era da sua idade, o cinema deixara de ser mudo e era, ainda, a preto e branco. Não tínhamos computadores nem televisão, não havia Internet nem foguetões espaciais, não existiam todas essas máquinas e aparelhos que hoje vos facilitam a vida. É, não tínhamos nada dessas coisas e, porque as não tínhamos, tivemos de as inventar… “

Ainda recentemente, à conversa com o Luís Gaspar, a história me ocorreu, a propósito, vejam só !, das Páginas Amarelas. Um produto que já existia nos recuados anos em que andei a dar o meu contributo à publicidade nacional e continua a existir nos tempos que correm. Contar lhes ei dois exemplos que ilustram bem, assim o espero, o que quero dizer. Começarei pelo mais antigo, que terá acontecido há cerca de 30 anos e se passou comigo, era eu “account” do “Terylene”.

Um dia, estava eu no meu gabinete da CIESA quando a telefonista, a robusta Maria de Belém, me passou uma chamada do Fernando Marques, o meu homem ( salvo seja ! ) na I.C.I., a produtora do “Terylene” que, por mais de uma vez, já aqui lhes trouxe. Detectei lhe na voz um ténue nervosismo, preocupação, se preferirem, via se que estava com um problema e, não sabendo como resolvê lo, vinha recorrer ao 115, ao bombeiro de serviço, função que raro era o dia que me não assacava. Desta feita, tinha toda a urgência em encontrar dois manequins, um masculino e um feminino – não dos de desfilar, em carne e osso, nas passagens de modelos, mas destes de plástico ou matéria congénere, dos que se põem nas montras, vestidos ao rigor da moda. “ Onde é que hei de arranjar isso, você não me diz ?... “, isto era o Fernando Marques, do outro lado da linha, começando a ficar nervoso na perspectiva de nem eu lhe resolver o problema. Respondi lhe na passada : “Você está na I.C.I. ?”. Estava. E ia ficar por lá uns 10 minutos, mais ou menos ? Ia. Então eu já lhe telefonava, ele que esperasse.

Não passara um quarto de hora e já eu estava a falar com o Fernando Marques, queria ele tomar nota ? Pareceu surpreendido : “ Não me diga que já sabe… “O meu silêncio risonho deu lhe a entender que sim, que já sabia. E, quando me preparava para lhe ditar o nome de 3 ou 4 firmas que vendiam e alugavam manequins como os que ele queria: “Mas onde é que Você foi desencantar essa informação?...”era ele, a boquiabrir se à minha lepidez. E eu, a fazê lo sofrer : ”Fernando, Você já ouviu falar numa coisa chamada Páginas Amarelas ? Se não tiver, aí na I.C.I., eu faço muito gosto em oferecer lhe um exemplar…” Do outro lado, veio um silêncio espesso, logo seguido de uma palavra que aqui não reproduzo, só lhes direi que começava por “POR… “ e acabava em “…RA…” . Acabámos os dois por nos rirmos pela “nabice” do Fernando e como era fácil (eu) fazer figura, à custa dessa “nabice”.

O segundo exemplo é muito mais recente e, aí, o “nabo” fui eu. Falava, como atrás digo, com o Luís Gaspar e perguntava lhe se ele, conhecendo, como conhece, tantas empresas, não me arranjava uns prémios para uns concursos que organizo num jornal da minha terra. E o Luís : “Já experimentaste pedir telemóveis ? “ Por acaso ainda não experimentara, mas a quem ia pedi los ? Então, à Vodafone, à Telecel, à Nokkia, essa malta… Pois, relutei, e onde é que eu encontrava as moradas dos tipos, para lhe escrever ou telefonar ? E o Luís, outra vez : “ Sendo a ti, procurava nas Páginas Amarelas, talvez lá venha alguma coisa… “. Foi a minha vez de dizer o “POR…etc.”, como é que me não tinha lembrado ?!...

Agora que já fui às Páginas Amarelas e tirei de lá todas as moradas dos fabricantes de telemóveis, uma última palavra, desta feita sobre as Páginas Amarelas, as tais em que “vamos lá pelos nossos dedos”. Sendo uma das melhores campanhas de publicidade que andam no mercado, isto em termos de concepção, eu só pergunto se, no tocante à eficácia, o resultado é o mesmo. Por que pergunto eu isto ? Ora, pelos dois exemplos que lhes contei mais atrás, um há 30 anos e outro há poucos dias. Se a pessoa não se lembra das Páginas Amarelas, para que serve a publicidade ? Para dar dinheiro à agência ?...
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


 O PATO
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Esta história, à semelhança de outras que já contei aqui, na “Truca” – e espero continuar a contar, se me não faltar a inspiração e o Luís Gaspar estiver disposto a aturar me , esta história passou se também na CIESA, uma das duas agências onde trabalhei como publicitário e aquela em que estive mais tempo. A  outra – e , já agora, aí vai a informação, que pode aproveitar aos meus futuros biógrafos ,  foi a Marcontur, uma pequeníssima empresa situada numa rua entre a Calçada do Combro e o Alto de Santa Catarina. A Marcontur era do Carlos Carvalho, antigo publicitário da Agência Latina, onde, segundo julgo saber, era pouco estimado, menos pelos seus conhecimentos da profissão do que pelo seu feitiozinho… a condizer com a sua altura física. Mas passemos adiante, pois, além desta minha nota biográfica, os que eventualmente me lerem já devem ter constatado que o Carlos Carvalho não era, propriamente, my piece of cake

Revertendo, assim, à historia que hoje pretendo contar lhes, ela passou se na CIESA, mas eu não era o “account” do produto, na circunstância o “Sonasol”, que, segundo julgo, ainda existe no mercado, resta saber se em primeiro lugar, como ao tempo acontecia, ou se apareceram  outras marcas que  lhe tiraram a primazia. A dar se o caso, no entanto, essa é dor de cabeça para os seus fabricantes e publicitários – estes últimos se calhar já resignados à secundaridade – o que, a mim, me diz tanto como a primeira fralda que a minha Mãe me pôs, vai para umas larguíssimas décadas ou mais… A mim, neste momento, o que me interessa é contar a história do “Sonasol”, congeminada, como ( quase ) sempre, pelo Artur Portela Filho – e digo “quase sempre” porque, na CIESA, não era ele que tinha o exclusivo das ideias. Pois a tal história do “Sonasol”, a despeito de bem esgalhada, não viria a ser posta em filme, os motivos breve os contarei aqui. Para já, digo apenas que o Portela Filho foi obrigado a criar uma nova peripécia. E então foi assim…

Como se sabe – e quem não sabe fica a saber, é outra das utilidades destas histórias – o corpo dos patos tem um revestimento de gordura que permite, àqueles nutritivos palmípedes, manterem se à tona de água e não se afundarem. Vai daí de que se havia de lembrar, o Portela ? De pegar num pato, lavá lo do bico ao rabo com “Sonasol” e, como este detergente remove todas as gorduras, segue se que o marreco, depois de bem lavado e esfregado com o produto que se pretendia publicitar, quando  o pusessem na água, ia ao fundo, tipo “Titanic”.

Já não sei quem foi o realizador encarregado das filmagens, mas posso assegurar que estas decorreram na CIESA, numa sala muito bem arranjada e tendo ao centro uma mesa com um enorme aquário, comprado de propósito, e onde cabia o pato e mais três ou quatro, se preciso fosse. Encheu se o aquário de água, o Salvador – que além de porteiro da CIESA, era uma espécie de 115, não havia nada que ele não fizesse – pegou no pato, já lavado, durante mais de uma hora, com Sonasol e atirou o lá para dentro, com toda a gente à espera de que o animal mergulhasse, como um prego, e fazendo, quando muito, glu glu glu. È o fazes !...

O pato desata a espanejar, como se estivesse epiléptico, e atira com o aquário de pantanas, molhando toda a gente de alto a baixo, lançando a máquina ao chão e “violando” o filme que, por ainda estar completamente virgem, se perdeu para sempre no chão alagado…

E esta é a história de um sobrinho português do Tio Patinhas que, por avesso a detergentes, deu cabo de uma das melhores ideias do Artur Portela Filho…
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


 FOTOGRAFIA HÁ MEIO SÉCULO
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Às vezes ponho me a pensar na publicidade que se fazia no meu tempo, vai para 40 anos, e, se me desculpam a imodéstia, acho que éramos muito bons ! Primeiro porque  conseguíamos vender os produtos que publicitávamos, sem termos os recursos que as agências hoje têm. Depois, porque, em termos de “copy”, este era feito por alguns dos melhores escritores portugueses dessa época e, a propósito, a ver se, um destes dias, escrevo aqui um texto com os nomes deles, mais que não seja para os leitores da “Truca” ficarem a saber que Fulano ou Sicrano – eu depois digo quem são – também trabalharam em Publicidade. Finalmente, éramos bons porque éramos, ponto final, parágrafo.

Falei, mais atrás, nos recursos que, à época, não tínhamos. Para que percebam melhor o que pretendo dizer, dou lhes o exemplo de um dicionário feito há 100 anos e outro feito hoje. O de agora é muito mais fácil de fazer do que o de há um século e porquê ? Porque, se um dicionário tem, vamos supor , 100 mil palavras, já imaginaram a trabalheira que era, em 1904, pô las todas por ordem alfabética ? Enquanto que hoje, é só metê las no computador, carrega se no “Ordenar” e, num pronto, aí está o dicionário, de “ A “ a “ Zuzara “ – que, a propósito, e para todos  quantos  o possam desconhecer, é um “ Determinado género de crustáceos “, isto a fazer fé no MORAIS.

Dar lhes ei outro exemplo, mas, desta feita, baseado em matéria publicitária e concretizado com um facto verídico passado, nos anos 50, na CIESA. Actualmente, tira se uma fotografia, a preto e branco ou a cores, e, minutos depois, está revelada e pronta a utilizar. E, se se tratar de um produto comestível ou “ bebestível “, as maneiras de o tornar mais apetitoso nunca mais acabam, ao contrário do que acontecia no meu tempo, em que… Mas, como dizia o esquartejador : vamos por partes. Começando por uma referência ao melhor fotógrafo actual de matéria culinária ( isto para que se não diga que só falo bem dos de antigamente ), que é o Miguel Fonseca da  Costa… por sinal filho do Eurico da Costa, que foi um dos fundadores e administradores da CIESA. E, dito isto, que é, afinal, uma maneira de, no pai e no filho, homenagear o passado e o presente, passemos ao tal facto verídico acontecido no meu tempo.

Um dia, na CIESA, foi preciso fazer uma fotografia de um peixe assado, para publicitar um óleo comestível de um cliente da agência cujos nomes se me varreram – o do cliente e o do óleo. O Miguel  Fonseca da Costa  da altura era o Sengo, creio que Alcino, em cujo estúdio a fotografia seria feita. Marcou se o dia para o trabalho, comprou se o peixe, um belo e corpulento pargo, e lá foi tudo, pessoal e teleósteo ( é para não estar a repetir o nome do bicharoco ),  para o estúdio do Sengo.

Perguntará o leitor : o pargo já ia assado, era ? Respondo eu : não, não ia, porque, se fosse, ficava todo enrugado ou encarquilhado, pouco bonito de se ver, portanto, na fotografia, que tinha de ficar catita, para ajudar a vender o tal óleo. E então como é que se fazia, para o peixe imitar  que estava assado, que tinha acabadinho de sair do forno ? Eu digo lhes, se prometerem que não ficam enjoados e aos arrancos : nem queiram saber !... O pargo levava um banho de verniz e de tintas as mais diversas, até ficar com ar de ir para a mesa, cercado de bela batatinha pintada de amarelo para parecer assada, couves de Bruxelas regadas a verde e rodelas de tomate, elas também com um banho de laca, um apetite !...

Numa mesa do estúdio do Sengo punha se uma bela toalha de renda, pratos, copos, guardanapos e talheres a sugerirem vários comensais e “bebensais”, ao centro instalava se a travessa com o animal envernizado e, quando tudo estava em condições, o fotógrafo apontava a máquina e disparava.

 Se ainda não adormeceram com estes pormenores todos, talvez recordem que, lá mais para cima, falei que, actualmente, faz se uma fotografia e minutos depois, está pronta e em condições de ser utilizada, lembram se ? Se não lembram, voltem atrás, que eu espero… Já está ? Posso continuar ? Então lá vai.

Pois há quase meio século, não era bem assim. A fotografia ia a revelar em casas da especialidade e só passados uns dias se sabia se tinha ficado bem ou se era preciso repeti la. O que aconteceu com o retrato a cores do pargo, tendo o bicho ficado no estúdio do Sengo até se saber se havia que fazer nova fotografia ou se aquela servia . Isto é : se não era necessário comprar um novo espécimen já que, como informei anterior e abundantemente,  o animal estava todo cru, da cauda às guelras, apenas sarapintado dos mais diversos matizes e vernizes.

Pois !... Só que, no estúdio do Sengo, havia alguém que não sabia dos truques e artifícios publicitários e, na solidão do aposento, vendo tão apetitoso peixe em cima da mesa, à distância de um ou dois metros, não  esteve com cerimónias : formou o pulo e ferrou os dentes no lombo suculento…

Horas mais tardes, quando o fotógrafo passou pelo estúdio, foi dar com o seu belo gato de estimação todo  morto da cauda aos bigodes,  envenenado pelas mixórdias com que o pargo fora embelezado…
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


 ESCRITORES & OUTROS ARTISTAS NA PUBLICIDADE
Por Álvaro Magalhães dos Santos

Em Portugal, actualmente, há escritores a trabalhar na publicidade ?
Quando fui publicitário, profissão que abandonei em Setembro de 1974, as agências tinham, nos seus quadros, alguns dos mais conhecidos e melhores autores portugueses. Uns a tempo inteiro e outros parcialmente, como segundo emprego ou forma de aumentarem o que ganhavam noutros lados. Hoje, tanto quanto me é dado saber, isso não acontece. Sinal de que os escritores ganham mais noutras profissões do que na publicidade, onde, ao que me dizem, se ganha bem ? Ou  então poderá ser porque  as agências, nos tempos que vão correndo, precisam mais de quem tenha boas ideias do que quem saiba escrever bem , coisa que, no meu tempo, não era incompatível, só que os tempos são outros…

De qualquer forma, e porque esta é uma página onde se contam histórias de publicidade, por que não recordar, esta semana, alguns nomes que, vai para 30 anos, trabalhavam em publicidade ? Nos que irei referir seguidamente, tenho a certeza que os “clientes” mais novos da “Truca” hão de encontrar gente que ainda hoje é conhecida, pese embora a proliferação de autores – e autoras…( e o parêntese, aqui, não tem nada de”machista”, devendo se, apenas, à reduzida qualidade literária de algumas senhoras cujos livros são disputados pelos editores, mais interessados em ganhar dinheiro do que em deixar obra que se veja… e leia… ) – que se verifica no mercado. E, como é natural, começarei a minha listagem pela CIESA, por ser, de todas as agências portuguesas, aquela que conheci melhor.

À cabeça, o Eurico da Costa, cujo nome literário era Carlos Eurico da Costa, poeta surrealista do grupo liderado por Mário Cesariny de Vasconcelos e a que pertenciam, também, Pedro Oom e António Maria Lisboa. Depois, o Artur Portela, na altura Filho, aposto que abandonou posteriormente, e que, sem ser um autor consagrado, dava nas vistas pela sua irreverência. Enquanto estive na CIESA, passaram por lá,no sector do “copy”: os poetas Liberto Cruz e Armando Silva Carvalho; os escritores  Modesto Navarro, hoje presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, e Isabel da Nóbrega e  a jornalista Diana Andringa, que a “falecida” PIDE foi prender à agência. Como “account”, meu colega, portanto, trabalhou o José Vaz Pereira, um dos melhores e mais bem documentados críticos de cinema nacional, ultimamente pouco em evidência, já que, ao parecer, o lugar é para os novos…Mais tarde, e ao que me disseram ( vendendo a eu pelo mesmo preço que a comprei ), a CIESA teve a colaboração, em “part time”, dos jornalistas Manuel Batoréo ( hoje professor universitário de História de Arte e que já lá tinha estado, em 1958, como secretário do Conselho de Gerência), Cáceres Monteiro e Rui Camacho e do então estudante e hoje nosso embaixador na O.S.C.E., em Viena, Dr. Seixas da Costa. Na agência, estiveram também os realizadores António Macedo, António Damião e Alfredo Tropa e  o locutor Pedro Moutinho, este último depois de 1974. E, da CIESA, não me ocorre mais ninguém.

Quanto a outros nomes, se bem que, na sua maioria, não saiba dizer quais as agências onde ou para que trabalharam, recordo me do Alexandre “Sigamos o Cherne” O’Neil, que vi muitas vezes na Telecine Moro, do Galveias Rodrigues, onde fazia “copy”; do Orlando da Costa ( pai do dirigente socialista António Costa ), que era da “Marca”; do poeta José Carlos Ary dos Santos, que começou na Zeiger e passou, depois, para outra agência cujo nome não tenho presente ; do escritor Alves Redol, que foi “copy” na Exito, do Fernando de Almeida; do Luís Sttau Monteiro; do José Tengarrinha ( da agência Latina ) e do José Cardoso Pires. Sem ter a certeza de que “ fizeram uma perninha “ em publicidade – mas aí está uma boa oportunidade para os “ Truquistas “ mostrarem serviço e, além de acrescentarem mais alguns nomes a esta lista, confirmarem ou não os que passo a dizer – ouvi falar nos escritores Urbano Tavares Rodrigues e José Gomes Ferreira e nos artistas plásticos Cruzeiro Seixas e Martins Pereira. Sem ter a certeza, repito, mas termino com um nome grande da nossa literatura, que até os mais novos ( estou que ) conhecem e que trabalhou em publicidade ao mesmo tempo que escrevia cartas comerciais e emborcava copos de vinho tinto ao balcão de uma das dependências do Abel Pereira da Fonseca ( ó Luís, não arranjas uma fotografia do homem ?... ). Esse mesmo, o Fernando Pessoa.

O Álvaro Magalhães dos Santos desafia os truquistas a completarem esta galeria de famosos. Para já, para já, estou a lembrar me do Manuel da Fonseca com quem cheguei a "lidar" nestas andanças publicitárias na agência Manuel Martins da Hora, aliás, a agência onde também trabalhou Fernando Pessoa. Hoje McCann. Recordo, no meio de uma grande e constante capacidade para usar o humor como arma (terrível) de crítica, a forma mordaz como ele se referia à publicidade, na altura a sua profissão.
As inscrições estão abertas!

Não é preciso recuar até ao antes  do 25 de Abril. Há 15 anos atrás, um copy trainee que sugerisse, para uma marca de gelados, o claim "Nunca foi tão bom ter um par de cones" ia para o olho da rua de imediato. A grunhice erótica era desajustada ao target, de mau gosto... Até há pouco, a publicidade tinha de ser agradável a quem lhe sofresse o impacto, sem ofender.
O anúncio agora tem a imagem como rei e senhor. As poucas palavras que surgem são exclamativas, mais ou menos provocatárias e de teor quase universalmente sexual. Não há oportunidade para grandes gestos literários pelo que um escritor normal se sentiria desempregado, num ambiente de agência.
Pode se dizer que a publicidade, tal como a televisão privada e a maioria da imprensa, se tornou tabloide. Imagem, alegria bacoca, falsa informação ( o que não é o mesmo que informação falsa ).
Restar ao escritor, ou a um copy da velha guarda dos que gostam de trabalhar os consumer's benefits e reason whys e adoram criar a conversão das vantagens do produto em benefícios para o consumidor o terreno do marketing directo.
A publicidade hoje vai má para os escritores.
Artur Tomé


UM “COPYWRITER” DOS ANTIGOS
Por Álvaro Magalhães dos Santos

Não sei como ele estará agora, porque há muitos anos, e por via de razões que não vêm ao caso, perdi contacto com o Artur Portela e desconheço o que é feito dele.
Para os leitores mais novos destas desataviadas histórias de publicidade, direi que o Artur Portela era “copywriter senior” da CIESA e, ao seu nome civil – eu ia a escrever “de baptismo”, mas dá me a impressão de que os pais nunca o levaram, na altura canónica, a uma igreja, para lhe derramarem, pela cabeça abaixo, as águas lustrais – o Artur Guerra Jardim Portela acrescentara, ao nome com que ficara registado, a palavra Filho. À uma – e isto sou eu a supor , para não ser confundido com o pai, o grande jornalista Artur Portela; depois – e aqui já sou eu a meter veneno – para as pessoas saberem de quem descendia e assim, mesmo antes de lhe apreciarem a prosa, que a tinha de qualidade, futurarem que, fruto de tão boa cepa, o filho haveria de ser da estirpe do progenitor.
Digo, lá mais para trás, que não contacto, há muitos anos, o Artur Portela nem sei o que é feito dele. Corrijo : apesar de ignorar onde, actualmente, pendura o pote, sei, de ciência certa, que deixou cair o “Filho”, na convicção, digo eu, que o público já esqueceu o pai e, de tal sorte, já com ele o não confunde. Tal como sei que, vai para meia dúzia de anos, interrompeu uma prolífica produção literária, em que escrevia, semanalmente, no “Jornal do Fundão” ( onde tinha uma coluna intitulada “A Funda”) e paria um ou dois livros anuais com o mesmo nome, seguido de uma ordenação romana. A interrupção ficou a dever se à sua entrada para a Alta Autoridade para a Comunicação Social, onde, em representação do Partido Socialista e juntamente com outros membros indicados pelos partidos com assento na Assembleia da República, se pronunciava sobre as lesões praticadas na democracia pelos jornais e revistas que se publicam em Portugal. Uma vez que a Alta Autoridade vai terminar ou ser substituída por outro organismo e os seus membros devem dar lugar a militantes partidários que ainda não tenham conseguido abichar uma conezia, o Artur Portela, recentemente, lançou um livro, em jeito de quem diz que continua vivo e que a literatura pátria pode contar com ele. Só que os leitores portugueses de hoje em dia já não sabem quem é o Artur Portela e o livro, cujo nome se me varreu, não teve o sucesso que o autor esperava e, qualquer dia, pode ser encontrado nos “bouquinistes” do Parque Mayer, a 50 cêntimos o exemplar. O que é pena, porque o Artur Portela, quando era Filho, tinha bastante nome, não apenas como escritor, mas, igualmente, como “copywriter”.
Enquanto estive na CIESA, trabalhei muito de perto com ele e fui seu amigo; a estes anos todos de distância, não sei se ele reciprocava, mas passo por cima disso, já que, estando este texto inserido nas histórias de publicidade da Truca, o que interessará aos leitores é um episódio passado com o Portela, em meados da década de 60 e que demonstra bem a sua criatividade… e o seu narcisismo, que ele, nesse particular, não deixava os créditos por mãos alheias.
Um dia, o mundo acordou com o fenómeno dos “hippies”, esses jovens que iam a São Francisco, com o cabelo cheio de flores garridas, mania de que não vinha mal ao mundo, o mesmo se não podendo dizer, já, do seu consumo de marijuana. Ao tempo, a Ford, que era cliente da CIESA, lançou um novo modelo, não sei qual – o Zé Vaz Pereira que era o “account” da Ford talvez se lembre – e, além da campanha, toda saída da cabeça do Portela, este teve uma ideia que a Ford acolheu às mãos ambas. E que era esta : os gráficos da CIESA pintaram o carro de flores e cores berrantes e, depois do trabalho concluído, o Artur Portela Filho, num sábado à tarde e no domingo seguinte, meteu se dentro e andou a circular pela linha do Estoril e pelas Avenidas Novas, com toda a gente que passava a achar muita graça e a bater palmas.
Hoje, depois de ter sido Autoridade das Altas, estou que o Portela não voltaria a fazer o mesmo. Ou sequer se teria uma ideia genial como esta. Os tempos são outros, o mercado também e os publicitários idem aspas. Para melhor ou para pior, o futuro o dirá.
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


Não estava ainda na Ciesa
Artur Tomé copywriter

Não estava ainda na Ciesa quando da campanha relâmpago de que Magalhães dos
Santos fala na última história. Mas já lá estava quando foi a campanha dos
livros RTP.
Ia ser a maior aventura editorial até ao momento. Uma verba para publicidade
de pôr os olhos em bico. Já estava aberto concurso entre várias agências
quando o Eurico da Costa meteu uma cunha e conseguiu que a Ciesa fosse
considerada como agência concorrente.
E então, às 5 en punto de la tarde, reunião geral da agência e toque a
reunir. A grande campanha está nas nossas mãos. A entrega das propostas é
feita na próxima 2ª feira de manhã. Estamos numa 5ª feira ao fim do dia, a
concorrência foi briefada 15 dias antes, tudo na maior.
Marcou se reunião em casa do António Alfredo, o art director, para depois do
jantar e arrancámos com um grande brainstorm.
In Illo tempore os directores criativos eram de formação copy, e na Ciesa
não era excepção, com o Artur Portela como director criativo. Portanto,
normalmente, por muita parceria que houvesse, as ideias partiam dos copies e
os art directors punham nas bonitas para consumidor ver...
Sucede que, ali, as ideias partiram todas do pessoal da arte. O António
Alfredo sentia se em casa em todos os sentidos e disparava situações em que
um analfabeto cultural , pretensamente culto, dava as maiores calinadas
sociais, rematado com um mééé!! e o claim "Quem não lê, faz mé".
Lá se fez a campanha a mata cavalos, com o Portela embezerrado a bater
portas, por as ideias não serem dele, nem minhas, na altura copy junior...
E a Ciesa ganhou!!! O Eurico da Costa deitou um pouco de água na fervura.
"Eles gostaram muito das situações criadas e do approach. Mas acham aquele
Mééé... um tanto agressivo, pedem para criarmos outro claim."
Começámos todos a deitar bocas. Olhei para o Portela e percebi que era a
altura do departamento de copies se limpar da falta de iniciativa criativa.
Mas um dos supervisores de conta disse: "Quem não lê...chapeu!" Todos
aplaudimos, o cliente aprovou e a campanha lá foi para o ar.
Sem criatividade de copies....
A propósito, o autor do claim que foi aprovado foi o Magalhães dos Santos
(Artur Tomé copywriter)

Um P.S. do Álvaro Magalhães dos Santos:
O "brainstorm" de que o meu amigo fala foi num almoço, no restaurante "Mata Verde", umas centenas de metros acima da Ciesa.
O "claim" " Quem não lê, chapéu" surgiu derepentemente, quando um
de nós, talvez o Portela, ( já na fase das aguardentes e sem que ainda nada
tivesse saído ) estava a monologar sózinho " Quem não lê... Quem não lê... "
e um de nós, a medo, ( porque ainda estava na Ciesa há pouco tempo e tinha
vergonha de dizer coisas no " meio dos doutores " ) se saíu com o que havia
de vir a ser o "claim" da campanha e que a pessoa em questão disse, mais
como arroto passe o plebeísmo do que por acreditar que aquilo valesse
alguma coisa : "... chapéu... ". Aí, o Portela, deu um salto e explodiu : É
isso ! Quem não lê... chapéu !... " Estava encontrada a campanha, que veio a
ganhar.
O autor do " claim " não fui eu, mas o meu amigo e conterrâneo e
que eu levei para a CIESA e para a publicidade Francisco Agarez. O seu a
seu dono.


Em Abril de 1963.
Álvaro Magalhães dos Santos.

Em Abril de 1963, eu trabalhava na CIESA, uma das duas maiores agências de publicidade portuguesas, e era seu delegado no Porto. Um dia, fui chamado a Lisboa e, no aeroporto, à minha espera, tinha o Conselho de Gerência em peso – e a expressão, neste caso, não tem a ver com quilos, pois, dos três administradores ( os Senhores Rodrigues Faria, Eurico da Costa e Dário Vidal ) , só o primeiro era relativamente roliço. Levaram me a jantar a um restaurante italiano e, à sobremesa, o Senhor Rodrigues Faria, como presidente da CIESA, convidou me a vir trabalhar para Lisboa, já que precisavam de mim na agência e a delegação no Porto, a despeito de eu estar a dar conta do recado, tinha sido uma experiência falhada.
Um mês depois, deixando a mulher e um filho ( a caminho de dois ) no Norte, vim para a sede onde os dois primeiros clientes que me deram foram a Nestlé e a I.C.I. (Imperial Chemical Industries ). A primeira creio que não necessita de ser apresentada; quanto a segunda, embora fosse – e continue a ser uma das maiores empresas do Reino Unido, ao tempo, em Portugal, era conhecida por ser a fabricante do “Terylene”, uma fibra artificial muito utilizada em artigos de vestuário.
Da Nestlé já me não recordam os produtos de que a CIESA estava encarregada, mas, no tocante à I.C.I., já o problema se me não põe, porque a conta limitava se ao “Terylene” – e “limitava se”, aqui, é mais uma expressão com força do que uma força de expressão, já que a publicidade tinha a ver com fatos, vestidos, saias, calças, camisas, tudo, enfim, que tivesse a ver com vestuário. Para lhes dar uma pequena ideia da importância da conta, era só a segunda da agência em termos de orçamento ( a primeira era a Colgate Palmolive ), qualquer coisa como 20 mil contos por ano ( hoje 100 mil euros… ). Com essa pipa de “massa”, faziam se filmes de televisão e de cinema, anúncios de rádio e de imprensa, cartazes de balcão e, com o que sobrava, comprava se tempo de antena na Movierecord e nas rádios, espaço nos jornais e revistas e ganhava se algum que, agora já se pode dizer, não era tão pouco como isso.
Dois ou três dias após a minha vinda do Porto, percebi o porquê de me terem entregue a conta do “Terylene”: é que eu falava razoavelmente inglês. E, muito embora a maior parte dos contactos fosse com a I.C.I. Portugal, a verdade é que as campanhas de publicidade eram apresentadas ao homem da sede da companhia, o Ronald Moore, que vinha a Lisboa, em Junho, ver as peças da campanha de Outono, e nos recebia, em Outubro, em Harrogate, onde lhe íamos mostrar as peças da campanha da Primavera seguinte.
Todas as semanas eu ia à Filipe Folque, onde num 4º ou 5º andar, funcionava a I.C.I. Portugal e, aos poucos, ia me metendo no “por dentro” do “Terylene” ; o meu contacto era um senhor cujo nome já se me varreu e de quem recebia instruções sobre os produtos a publicitar. Uma tarde, terminada uma dessas minhas visitas, fiquei muito surpreendido quando ele, ao despedir se, me recordou que, então, no dia seguinte, pelas 9h30 da manhã, lá estaria na CIESA, para ver a campanha de Outono, que, dias mais tarde, seria apresentada, em Lisboa, ao Ronald Moore. Caiu me a alma aos pés :
Amanhã ?!... Mas então não é só para a semana ?...
Que não, que era no dia seguinte, isso até ficara registado numa ficha de contacto que eu lhe mandara. E , acompanhando me ao elevador, voltou a despedir se, dando o assunto por encerrado.
Quando entrei na CIESA a senhora da Recepção olhou para mim e, ao ver a minha cara, perguntou se eu não me estava a sentir bem, se tinha alguma coisa. Já nem me lembro se lhe respondi e, a tê lo feito, que resposta lhe dei. Só queria era chegar depressa ao gabinete do Eurico da Costa – era ele o supervisor geral das contas – e contar lhe o sarilho em que estávamos metidos , porque eu me tinha esquecido de que, no dia seguinte, era preciso apresentar a campanha aos senhores da I.C.I….
O Eurico da Costa pegou no telefone interno e, à minha frente, falou para o Dário Vidal e para o Artur Portela, a convocar uma reunião urgente. Quando nos encontrámos, 5 minutos depois, disse que era preciso reunir imediatamente todo o pessoal criativo da agência porque, no dia seguinte, às 9h30 da manhã, a I.C.I. vinha ver a campanha do Outono. Nem o Dário Vidal nem o Artur Portela perguntaram que história era aquela : então, para uma campanha que, normalmente, tinha mais de 15 filmes de televisão, meia dúzia de anúncios de imprensa e 2 ou 3 cartazes, só dispunham de menos de 12 horas para preparar tudo ?!...
A 40 anos de distância, recordo a CIESA dessa noite : cerca de 20 pessoas à volta dos estiradores e secretárias, a desenhar “storyboards” e maquetas de anúncios, a escrever “headlines”, textos, “spots” de rádio, diálogos, “slogans”, o Portela a “parir” ideias, o António Alfredo a rabiscar esboços, o Hélder, o Pires, o Guilherme… E eu, de olhos arregalados, sem me dar conta de que toda aquela gente estava ali, sem dormir e sem descansar, porque eu – a besta !... – me esquecera de pedir uma campanha para apresentar ao segundo mais importante cliente da agência…
Há dias, falava com um jovem publicitário sobre o que é, actualmente a sua profissão. Falava, é como quem diz : ouvia o falar dos prodígios da técnica que, hoje, permitem preparar uma campanha em 24 horas, coisa que, dizia ele, não era possível há meio século.
Estive, vai não vai, para lhe contar o que acontecera comigo quando comecei a trabalhar com a I.C.I., poucos meses depois de ter entrado na profissão. Mas depois, pensei assim : “ Ora… Contar lhe, para quê ?... Às tantas ainda ia perguntar se eu estava a gozar com ele… “
(Álvaro Magalhães dos Santos também escreve as "Cartas ao Garcia")


O ANTÓNIO ALFREDO
Por Álvaro Magalhães dos Santos

 Aqui atrasado, meu caro Luís, mandei te uma “estória”, que publicaste no “Truca”, dos meus tempos de publicitário, vai para quase 40 anos. Passava se ela na CIESA, onde comecei na “arte” e onde estive cerca de 10 anos. Hoje, quero contar te outra “estória”, passada com o saudoso António Alfredo, um dos maiores e melhores artistas da nossa geração e que, ao tempo, chefiava o Departamento Criativo da CIESA.

 A CIESA, como disse anteriormente, pertencia à Sociedade Nacional de Sabões e esta tinha como “manda .chuva” o senhor Caetano Beirão da Veiga. Um dia, o Director geral da CIESA – o senhor Rodrigues Faria, antigo funcionário da Sociedade Nacional de Sabões – convidou o senhor Beirão da Veiga a ir visitar a agência que fora inaugurada tempos antes. O senhor Beirão da Veiga aceitou e foi à Rua Alexandre Braga, onde a CIESA teve a sua primeira sede. À sua espera, os administradores – o já referido senhor Rodrigues Faria e o Carlos Eurico da Costa, já falecido, e o Dário Vidal, felizmente ainda vivo.
Ao tempo eu ainda dava aulas na minha terra, daí que esta “estória” a tenha ouvido, contada já não sei por quem. E então foi assim…

Prevenidos da visita do senhor Beirão da Veiga, os funcionários da agência estavam todos nos seus gabinetes, a trabalhar muito aplicadamente ou a fingir que trabalhavam, só interrompendo o que estavam a fazer para cumprimentar o patrão máximo. Uma a uma, as diversas salas e serviços iam sendo percorridas até que chegou a vez do António Alfredo. Estava debruçado no seu estirador, como sempre alheio a tudo o que o rodeava, torcendo e retorcendo uma madeixa do cabelo negro, Aida hoje me recordo desse seu gesto tão caracterítico…
O ilustre visitante entrou no gabinete do António Alfredo e, como este não desse pela sua chegada, o senhor Rodrigues Faria achou se na necessidade de dizer alguma coisa :
E aqui, senhor Beirão da Veiga, é o gabinete da Criação…
Aí, o António Alfredo acordou e, para surpresa do senhor Beirão da Veiga que, cordial, lhe estendia a mão, levantou por duas ou três vezes os dois braços dobrados para cima e para baixo e, inesperadamente,  cacarejou :
Cocorocó !...
A visita terminou ali…
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)

(Nota da Truca: já ouvi esta história com outros protagonistas, noutras agências. Mas estou convencido que o Álvaro Magalhães dos Santos é que conta a verdadeira história)


UMA HISTÓRIA DOS BONS VELHOS TEMPOS
Por Álvaro Magalhães dos Santos

Lembras te Luís, do João Rapazote Fernandes ? Não sei o que é feito dele – aqui fica o pedido, a quem souber onde ele pára, que diga alguma coisa sobre o João , mas lembro me de quando estava à frente do sector de cinema da CIESA, depois de por lá terem passado o António Macedo ( eu chamava lhe o Antonioni de Macedo ), o marido da Teresa Olga ( varreu se me o nome do homem… ) e outros que, sem querer ser injusto, não deixaram pegada, nem na CIESA, quanto mais na publicidade…
Mas voltando ao João Rapazote : era um rapaz muito educado e que sabia da poda. O saber da poda servia lhe para pôr em filme as ideias do Portela, chefe dos “copywriters” da agência e que, de 6 em 6 meses queria aumento de ordenado… e davam lho ( Um parêntese : o Portela saiu da Ciesa e regressou, uns anos mais tarde, para fazer “copy” para a Colgate Palmolive, mas, ao fim de poucos meses, agradeceram lhe muito e prescindiram dos seus serviços… E fecha o parêntese ) Quanto à educação do Rapazote : só com ela conseguia aturar o Portela e um dos seus homenzinhos de mão ( cujo nome não digo porque já morreu e a quem chamo “homenzinho” porque tinha menos de 1m60… ), que eram quem mandava na CIESA.
Um dia, o João tinha de fazer um filme para a Nestlé, publicitando uma farinha láctea para crianças. O cliente aprovou o “storyboard”, contratou se uma criancinha e, às 8h30 da manhã do dia marcado para as filmagens, o pequeno monstro, acompanhado da mãezinha, apresentou se na CIESA, onde o “spot” seria realizado.
Pacientemente, o João Rapazote sentou a criancinha a uma mesa, pôs lhe um prato com farinha na frente e, depois, pediu lhe que começasse a comer, para as câmaras começarem a filmar. Pois sim !... Meia hora mais tarde, a farinha já estava fria e o infante ainda não dera a primeira colherada…
Por volta do meio dia, e por mais que a mãe pedisse, suplicasse e ralhasse, o filme continuava por fazer e o publicitário que tinha a conta a seu cargo já não sabia que mais havia de fazer para ter o filme pronto a tempo e horas. Chamou o João à parte e sugeriu lhe que o melhor talvez fosse contratar outra criancinha, sugestão a que o João Rapazote se opôs : era aquela e não valia a pena chamar outra ! Mas como perguntava o account” se a pura da criancinha não estava para ali virada ? E o João, desta vez para a mãe : “ A senhora pode cá estar com o menino às 8 horas de amanhã ?... “ A senhora, muito envergonhada, e no receio de não receber um tostão, disse logo que sim e, no dia seguinte, ainda não eram 8 da manhã, já estava outra vez na CIESA, com o filho.
A funcionária que tinha a seu cargo a produção das comedorias preparava se para fazer a papa, mas o João Rapazote disse lhe que esperasse. Às 9 da manhã, a funcionária perguntou se podia ser agora. O João disse lhe que esperasse. Às 10 horas, às 11 horas e ao meio dia, a funcionária insistiu. E o João disse lhe que esperasse. Até que, às 12h45, com a criancinha a uivar de fome, porque ainda não tinha comido nada desde a véspera, o João, calmamente, ergueu o braço direito e, deixando o cair, disse : “Agora !... “
Ah! Criancinha de um raio !... Sôfrega, atirou se à papa e, não fora a muita experiência do João Rapazote, bem que não havia nenhuma imagem filmada antes de o prato ficar que parecia lavado com o mais poderoso dos detergentes…
Seria que hoje, com todos os recursos ao dispor da publicidade, a solução seria diferente ?...
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


O LIVRO DAS CERVEJAS
Por Álvaro Magalhães dos Santos

No ano em que foi inaugurada a fábrica de Vialonga da Sociedade Central de Cervejas, eu trabalhava como “account” na CIESA NCK, que pertencia à Sociedade Nacional de Sabões ( S.N.S. ). O principal accionista da S.N.S. era o senhor Beirão da Veiga que, como não sabia estar sem fazer nada, era também administrador da Sociedade Central de Cervejas e o homem que, dentro do grupo, ficara encarregado da fábrica de Vialonga.

Uns dois meses antes da inauguração, a Central de Cervejas, que era nossa cliente, convocou nos para uma reunião e lá fui eu, que tinha a conta, mais o Artur Portela, na altura ainda Filho, saber o que os cervejeiros pretendiam. E que era isto : um livro, no melhor papel, com a encadernação mais luxuosa e recheado de fotografias a cores, que assinalasse a inauguração da fábrica.
Regressámos à Ciesa NCK, dissemos ao que fôramos e, a partir daí, toda a Agência, com o saudoso António Alfredo à frente da parte gráfica, começou a trabalhar no livro.

A inauguração foi num dia que eu já me não lembro – recordo me, apenas, que esteve presente o almirante Américo Thomaz, ao tempo Presidente da República – e, na véspera houve uma apresentação à Imprensa em que eu, como responsável pela conta, também compareci. No final, despedi me dos jornalistas e do pessoal das Cervejas com quem trabalhava mais de perto e desci umas escadas que levavam ao parque de estacionamento onde deixara o meu carro. Ia eu a meio da escadaria e quem é que vejo, a subi la ? O senhor Beirão da Veiga, que eu conhecia de uma visita que ele fizera à CIESA NCK, embora não tivesse a certeza de a minha cara ou o meu nome lhe dizerem alguma coisa.
Por isso, respeitosamente, cumprimentei o, recordei lhe onde trabalhava e perguntei lhe se ele já tinha visto o livro que nos fora encomendado. Que sim, que já lhe dera uma vista de olhos, respondeu, com a benevolência do grande capital.
Impei de orgulho :
E fizemo lo em dois meses, senhor Beirão da Veiga…
Teve um gesto largo, abrangendo todo o conjunto de edifícios que seria inaugurado no dia seguinte, e disse, com a benevolência anterior :
Isto que aqui está, fi lo eu em dois anos…
Ainda hoje estou para saber que raio me passou pela cabeça para lhe dar – ao dono da CIESA NCK e do meu emprego – a resposta que lhe dei e que foi esta, palavra por palavra :
Bem… A nós só nos pediram para fazermos o livro…
Sorriu, bateu me num ombro, despediu se e… não fui despedido…
(Texto de Álvaro Magalhães dos Santos alvasantos@netcabo.pt)


Esta história é verdadeira 

A Ogilvy Direct da África do Sul, à data dirigida por Joost van Nispen, que mais tarde me relatou este episódio, foi em tempos contratada por um banco local para promover um novo fundo de investimento.
Como o produto se dirigia a uma vasta clientela potencial de todas as idades, a agência propôs um mailing que comunicava de forma diversa com cada um dos sub segmentos etários a atingir.
Assim, aos mais jovens, a carta dizia: «Tem toda vida à sua frente, chegou o momento de pensar o que quer fazer com ela». E, aos clientes de idade mais avançada, eventualmente já perto da reforma, recomendava: «Sei que é uma pessoa madura, que não necessita dos meus conselhos. No entanto, gostaria de sugerir lhe...»
Campanha aprovada e produzida, mailings a saírem rapidamente para a rua tudo perfeito, portanto.
Eis senão quando a agência se apercebe de que houve um erro, um estúpido e imperdoável erro: o mailing dirigido aos clientes mais jovens foi parar aos mais velhos e vice versa. Sem perder tempo, a agência informou o banco do sucedido, mas não conseguiu evitar ser despedida na hora.
Novo golpe de teatro. Logo que começam a chegar as respostas torna se evidente que a campanha é um extraordinário êxito. Surpresa das surpresas, as mais elevadas taxas de sucesso registam se entre os segmentos extremos dos clientes mais jovens e dos mais velhos.
A razão? Muito simples: imaginem como reage um jovem a quem alguém diz que é uma pessoa madura que não necessita de conselhos, ou um cidadão sénior ao qual afirmamos que tem toda a vida à sua frente.
Embora por engano, o que esta campanha fez foi dizer a cada target exactamente o que ele queria de ouvir.
Extraordinária lição de comunicação, não acham?

Transcrita (picada) do blog http://www.sanguesuoreideias.blogspot.com /// posted by João 


Na quadra de Natal recordo sempre algumas pessoas. Recordo as, mais do que os momentos convividos.  O Natal nunca foi o culpado de qualquer momento convivido bem, ou mal.

Na forma de recordar as pessoas, incluo uma mensagem, um pensamento, ou um gesto.

Neste Dezembro, veio me à memória uma história que devo contar te.
Não é ela, um gesto, um pensamento e muito menos uma mensagem.
É unicamente uma história que desejo que conheças. 

 Era uma vez um homem que vivia numa vila, á beira de uma estrada.
Certo dia, passou à sua porta um outro homem. Um viajante que carregava uma imensa mochila, levando em cada uma das mãos, um saco de viajem.
O viajante tinha aquele aspecto de um aventureiro ocidental, que aproveita as suas férias para conhecer outros lugares.
O viajante, de rosto bronzeado, levava num pulso um relógio do tipo cronómetro e no outro, uma pulseira que ilustrava uma certa época da sua vida, talvez uma profissão.
O viajante, ao passar pela porta do homem da vila, parou por momentos junto à casa onde o aldeão se encontrava sentado num tapete, meditando.
Entre os dois aconteceu então o seguinte diálogo.

Diga me uma coisa, perguntou o viajante – O senhor vive aqui sozinho nesta humilde casa?
Vivo sim, há muitos, muitos anos.
Vive sem nada? Sem mobílias, frigorífico rádio ou televisão? Sem microondas ou cobertores, sem algo que lhe possa dar comodidade? Não o cansa esta vida?
Vivo assim, há muitos, muitos anos, nunca senti cansaço– voltou a responder o aldeão.
Sente se bem a viver nesta casa. Sente se bem com tão pouco ou quase nada? – insistiu o viajante.
Vivo sim, muito bem e já agora diga me uma coisa também e caso possa – perguntou o aldeão.
O senhor consegue viver desse modo.
Se consigo? Claro que sim. Estou a passar férias depois de um ano intenso de trabalho e com óptimos resultados na minha empresa de publicidade e design; troquei de carro este ano, comprei um novo modelo muito lindo e uma casa nova, claro que estou cansado e também não consegui aumentar os salários dos meus empregados como desejava e pagar aos meus fornecedores o justo preço, mas sinto me bem e agora estou de passagem.
Eu também estou de passagem. – respondeu o aldeão.
(Manuel Peres)


 O mundo endoideceu de vez

Acabo de comprar no Carrefour uma embalagem de rolos de papel higiénico que deviam ter direito a figurar num Museu da História do Terceiro Milénio, como sintoma insofismável de que, neste ano de 2003, o mundo endoideceu de vez.
Já havia sintomas vários; relógios de várias centenas de contos com mostradorzinhos dentro do mostrador.
Colecções de toques musicais para telemóveis, com uma procura só batida pelos bonequinhos parvos para eniar mensagens pelos ditos telemóveis. Sapatos de tenis próprios para alta competição, cheios de veios exteriores, bolsas de ar, feitos com materiais criados para a Nasa.
Mas aqueles rolos de papel higiénico vão muito mais longe.
Aqueles rolos são de uma cor tipo salmão claro, típica das tangerinas.
Aquele papel higiénico CHEIRA a tangerina!
E, para que não haja dúvidas, a embalagem anuncia:
Papel higiénico perfumado
TANGERINA
Imagino as reuniões havidas entre gestores de produto e empresas de estudos de mercado. Diversos licenciados em marketing, estatística e economia, pagos com ordenados chorudos, chegaram à conclusão de que há um mercado de consumidores que gostaria de, ao sair da casa de banho, ter em o rabo a cheirar a tangerina.
Como é que se faz para mudar de planeta?

Artur Tomé
copywriter


A explosão

O técnico de som (engenheiro de som?) estava há cerca de uma hora à procura do ruído de uma explosão para ilustrar um spot de rádio.
Já tinham dado a volta a todas as explosões que existiam nas muitas colecções de ruídos que aquele estúdio disponibilizava aos seus clientes.
A cada explosão ouvida o criativo, ao lado do técnico, recusava com este ou aquele argumento.
"Não tenho mais explosões e já demos a volta, várias vezes, a todas" disse o técnico deitando fumo pelas orelhas, provável resultado dos vários estrondos ouvidos.
"Sabe dizia o criativo quero uma explosão que se sinta que se está mesmo no seu epicentro.
"Ah, agora percebo! Você quer a explosão no epicentro. Sabe, de facto essa explosão foi gravada mas não restou nem gravador nem o técnico que o operava!..."
Esta história/anedora é verdadeira e só não são referidos nomes, datas e lugares porque os intervenientes não estão (ainda) refomados.


De vez em quando volta a mania dos "brainstorm". Quando há tempo, sobretudo. Devia ser ao contrário, não é? Mas hoje lá estivemos duas horas a serrar pedra sem grandes resultados. O chefe costuma "dirigir" a sessão mas hoje estava numa de deixa andar. E claro, não fomos parar a lado nenhum. Também o raio do produto era daqueles que só fecha portas. Quero eu dizer, não é daquelas coisas abertas em que é só deixar sair e vamos a todos os lados sem dificuldade nem picos. O único trabalho é juntar as pontas, dar a volta ao absurdo e colocar um, depois os dois pés no chão, e aí está. Uma linda campanha que é o orgulho do pessoal. Que nós, de vez em quando, até gostamos daquilo que fazemos.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca, assina como Zé Badalo.


Uma estatueta da imagem da Nossa Senhora de Fátima

Uma estatueta da imagem da Nossa Senhora de Fátima tendo na base o emblema do Futebol clube do Porto, foi oferecida ao Santo Padre, João Paulo II, pelo Presidente do referido clube, o senhor Jorge Pinto da Costa. Esta notícia foi dada aos microfones da T.S.F. pelo próprio Presidente do clube que também declarou ter ficado emocionado com a cerimónia em que o Papa abençoou a comitiva, desejando que o futebol pudesse contribuir para a paz dos homens. No mesmo momento o Papa agradeceu a generosa oferta da estatueta.
Vim a saber, que a estatueta, similar a outras que se encontram nas lojas que vendem recordações de Fátima, é um exemplar esculpido em gesso, material de resistência contrastante com o metálico emblema, já que com o passar do tempo, o gesso tende a desfazer se ou a desaparecer.
Perplexo com a notícia e pelo facto de saber que o gesso não é uma matéria eterna, (graças a Deus), resolvi entrar em contacto com um colega meu de Roma, para que do "Colégio", alguém interceda junto da Santíssima Igreja já que a minha proposta é substituir entre outras coisas o material em que se encontra confeccionado o emblema por outro compatível com o gesso, dado que corre se o risco de a imagem desaparecer primeiro que o emblema do clube ainda por Santificar.
De imediato, foi me enviada a resposta ao meu pedido, que passo a descrever já traduzida do texto do meu colega designer Paolo Melligrini.

" Querido Amigo Manuel
Contactei o "Colégio" na pessoa de um dos seus Cardeais que muito agradece os teus cuidados.
Deverás reunir te com os Pastorinhos ou alguém que os represente, com o Presidente do Clube e com o escultor da estatueta para obteres autorização para o projecto que propões.
Entretanto chamaram me a atenção para os seguintes pontos que apresentas te e que á primeira vista são difíceis de aceitar.
A cor do emblema não poderá ser modificada para o vermelho e branco que gostarias.
O emblema deve permanecer na frente da estatueta e não escondido por baixo do vestido da Senhora de Fátima.
O emblema não pode ser reduzido para dois milímetros de altura.
Quanto ao manto, não mexas, é melhor ficar como está.
Se quiseres podes experimentar moldar o emblema em pó de talco e água como propões, mas creio que vai desfazer se primeiro que a estatueta.

Aproveito a oportunidade para te parabenizar do prémio que acabas de receber no CCB e pedirei em oração à Senhora de Fátima que zele por ti.”

Abraço do Paolo Melligrini

(Texto de Manuel Peres)


O Luís Gaspar continua a "publicar" estas minhas ?nem sei como lhes hei de chamar. O rapaz está mesmo com falta de material para a página, é o que é. Também é verdade é que estas "coisas" são inofensivas e poderiam ser escritas, provavelmente melhor escritas, por um qualquer publicitário. No dia a dia de uma agência, no ram ram de um criativo, obviamente copy, estas coisas passam se assim. Um dia é o cliente, noutro o account, noutro a "dupla" a chatear e quando é o director criativo, então não há saco como diz o brasuca. Que eu não sou brasuca embora muitas vezes gostasse de empregar uma ou outra expressão, colorida, em que eles são mestres. Não sou fundamentalista em relação aos brasileiros. Houve tempo em que tropeçávamos com eles a cada esquina do computador. Hoje não é assim. Ficaram os melhores. E sobretudo com ordenados que já não envergonham ninguém. Lembram se?

(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


Então não é que o tipo...

Então não é que o tipo anda mesmo a divulgar os meus textos? Não sei o que diga. Tão habituados estamos a que os nossos textos não tenham assinatura que estes com "Zé Badalo" por baixo, nem parecem meus.
E não tenho "account" a chatear com as virgulas nem cliente com reparos idiotas.
E por reparos lembro me daquela história do cliente que veio aqui ao escritório acompanhado do seu assistente embirrento, fininho e nervoso para aprovar uma peça qualquer. Um folheto, creio. Depois de mirar e remirar o papel o cliente disse:
Está muito bom. Só tem um defeito?
Já tinha reparado, senhor doutor. diz o fininho a interromper o chefe que continua.
?é não ter nenhum defeito!
Juro que a história é verdadeira.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


De vez em quando

De vez em quando volta a mania dos "brainstorm". Quando há tempo, sobretudo. Devia ser ao contrário, não é? Mas hoje lá estivemos duas horas a serrar pedra sem grandes resultados. O chefe costuma "dirigir" a sessão mas hoje estava numa de deixa andar. E claro, não fomos parar a lado nenhum. Também o raio do produto era daqueles que só fecha portas. Quero eu dizer, não é daquelas coisas abertas em que é só deixar sair e vamos a todos os lados sem dificuldade nem picos. O único trabalho é juntar as pontas, dar a volta ao absurdo e colocar um, depois os dois pés no chão, e aí está. Uma linda campanha que é o orgulho do pessoal. Que nós, de vez em quando, até gostamos daquilo que fazemos.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


Um mundo do publicitário

Dito. Xilofone. Chinfrim. Secura. Briefing. X ato. Vírgula. Gates. Milho. Windows. Impostos. Fugir. Papéis. Pincéis. Computador. Amanhã. Já dei. Tio Olavo. Bodega. Aprovado. Tipos. Modelos. Vozes. Banheiro. Tintol. Casa forte. Fim de ano. Maricas. Texto. Maqueta. Fulaninho. Palavras. Cores. Atavios. Colarinhos. Grávidas. Martelos. Agora. Brainstorm. Piolhos. Fedúncias. Ideias. Cama. Despertador. Peúga. Café. Bateria. Portal. Telecom. IRC. Bobalhão. Rima. Corpo. Trapinho. Gilette. Bufa. Espertinho. Anúncio. Grito. Logotipo. Disquete. Corrector. Tecla. Tinteiro. Gesto. Media. Teaser. Espectador. Trompa. Account. Gravata. Cio. Mijarete. Cassete. Visor. Gaja. Alecrim. Menstruação. Impressora. Bife. Fita. Banda. Moda. Dieta. Pername. Agora. Prateleira. Fofura. Tipografia. Repete. Gin. Pele. Linha. Net. Calafrios. Cacau. Madrugada. Tintins. Boato. Bófia. Angelina. Manteiga. Cookies. Intimidade. Foto. Tripas. Fartura. Meninges. Chefe. Capoeira. Tira nódoas. Já. Vírus. Branco. Tira linhas. Copy. Fortunata. Docas. Imprensa. Passou. Som. Repete. Espinho. Bandeira. Pneu. Botão. Papinha. Merda. Veículo. Beiçudo. Grande. Perfume. Cozinha. Balde. Púcaro. Atreve te. Direito. Cadeira. Minarete. Gosto. Visão. Buraco. Cano. Açúcar. Cronómetro. Frame. Trapaceiro. Jingle. Textura. Fim.
Há outros mundos... Depende da agência.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


De cada vez que escrevia a palavra, o nome do produto, via aquela figura grande, gorda, bigodada e perfumada.
A imagem vinha sempre associada à palavra.
Esta era me mais ou menos indiferente mas a figura, essa, fazia parte dos meus rancores.
?O nosso produto é o que de melhor o consumidor pode encontrar nas prateleiras? dizia a figura.
Pedante, convencido. Muito mais de mil contos por mês.
“Nós somos os melhores e assim disfarçamos o nosso complexo de inferioridade”. Não o dizia mas eu sabia que era isso que se passava. A concorrência era melhor, vendia mais e vendia cada vez mais.
Perguntei me, na intimidade da minha cabeça: vou acreditar neste gajo? Pergunta idiota porque eu nunca acredito nestes gajos. Escrevo porque gosto das palavras (adoro palavras) mas não com os seus significados, digamos, publicitários. Porque aquilo que as palavras significam na publicidade não tem nada a ver com o seu verdadeiro valor. Aquele que lhe dá a Celestina, a mulher a dias que povoa o meu apartamento duas vezes por semana e que me incendeia com cada vez mais frequência e violência.
Sempre que escrevia a palavra, o nome do produto…só conseguia afastar a imagem daquela figura grande, gorda, bigodada e perfumada com a lembrança da opulência da Celestina. Que cheira vagamente a suor.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


Não tens graça nenhuma gritava a minha "dupla".
Está grávida à beira do desenlace e eu não devia moer lhe a paciência. Na verdade não lhe moo nada. Eu sei que ela gosta de mim e até em alguns pormenores, pequenos, muito insignificantes, acha me mais interessante que o marido. Quando penso estas coisas, ou pior, quando as escrevo, fico envergonhadíssimo. Será mesmo? Mas que necessidade tem ela de deixar a mão sobre o meu braço aquele segundo a mais? Ou quando, sorrindo, olha cá para dentro?
Um dia perguntei lhe: porque espreitas para a minha alma?
Foi o seu silêncio que me convenceu, definitivamente, de que em pequenos pormenores, muito insignificantes, considera me mais interessante do que ele.
Olá, marido! Vais ter um filho batuta!
P.S. Se alguém está prestes a adivinhar quem é a minha "dupla", desengane se. Trata se, na vida real, de um simpático rapaz com alguma falta de cabelo.
Um tipo pode sonhar com uma bela rapariga como "dupla", não é? Mesmo que grávida! E porque diabo fui eu inventar esta gravidez?
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


Eles bem me obrigam. Não posso dizer que não. Se todos alinham, não posso armar me em Chico Esperto. Não tenho desculpa. Mesmo quando digo que já não aguento fazem ouvidos de mercador e dizem que o trabalho tem de ser feito. Que o cliente quer aprovar tudo às nove da matina de segunda feira.
Uma mentira descarada. Nunca nenhum cliente aprovou coisa nenhuma àquela hora da manhã. E todos sabemos isso. Uma mentira. Mais uma mentira. Mentira com a qual vivemos de cama e pucarinha. Então não é mentira quando dizemos que aquela porcaria é a coisa melhor do mundo? E que a senhora exibe o sorriso mais feliz da galáxia, só porque leva aquela bodega no saco das compras? E aquele corpo? E aqueles cabelos? E aquela casa? E aquele carro? E aquele olhar? E aquela anoréctica?
Tudo verdades, não é? Talvez a anoréctica seja mesmo anoréctica!
Poupo te o trabalho, camarada. É mesmo aquela que sofre de anorexia. Queres mais? Do grego Anórektos, "sem apetite"+ico.
Já sei. Na tua rua dizem de outra maneira,
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.)


Disse lhe: porra! Ao menos durante o almoço cala te com a margarina ou lá que coisa é essa.
"Não é nenhuma margarina!
E pronto, eu só estava irritado com a pouca produtividade do trabalho. Não era, de facto, uma margarina. Nem era doce sequer. Tanto podia barrar se no pão como lubrificar relógios. Entrava na maior parte dos cozinhados que eu, em casa, de avental e barrete, preparava para os amigos
Adoro cozinhar para os amigos. Dizem todos que tenho muito jeito e sempre notei nas mulheres olhares ambíguos quando elogiam os meus petiscos. Uma constatação inquietante tendo em conta que um casamento custa, hoje, alguns milhares de contos. Também nunca percebi porquê. Desculpem, claro que percebi. Há que pagar os presentes que se recebem, não é? Também ouvi dizer que em vez de presentes do género torradeiras e jogos de toalhas se pode sugerir um cheque de tantos contitos.
Ao que pode chegar um tipo que gosta de cozinhar para os amigos!
Mas do que eu realmente gosto é do olhar ambíguo.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.


É evidente. A publicidade é uma actividade que não se apoia em coisa nenhuma a não ser no PODER.
Desenhas bem? Tens jeitinho para escrever? A tua testa mede dois palmos? Nada é tão importante como teres poder.
Conhecem aquela história que começa com o general a fazer um reparo ao coronel e que termina com o soldado a dar um pontapé na mula do quartel?
Tal como na publicidade. A tua campanha só vale quando o DGASCST, isto é, o Director Geral da Administração Superior do Conselho dos Senhores do Topo, ou lá como é que se chama o chefe de todos, aprova a coisa. As opiniões (aprovações ou recusas) que foste recebendo daí para baixo, majores, capitães, sargentos e cabos?não valem um tostão. Criativo sofre!?
E não fui eu à tropa!
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.


Começo a escrever e as coisas passam a ser simples. Eu disse simples, não disse brilhantes. Enquanto escrevo não tenho de aturar as babuseiras de certas pessoas que eu desejaria estivessem no Amazonas a navegar num barco prestes a naufragar , numa zona de piranhas. A escrita é uma actividade solitária. Escrevo e só tenho de ter atentos os sentidos da alma. Esta é bonita. Assim me saísse o raio do texto para este folheto de medicamento, coisa que me puseram a fazer desde que mandei (ou quase mandei) aquele cliente à merda. Só porque tinha razão é que não fui parar ao olho da rua. O patrão confessou que também tinha tido ganas. Ficar sem emprego não me dava jeito nenhum nesta altura do campeonato. As coisas estão um bocado feias para os criativos. Pois se até os medalhados estão em dificuldades! Não me perguntem porquê mas lembrei me dos tipos com canudo universitário que andam a varrer as ruas de Lisboa. Livra! Longe vá o agoiro! Que, no meu caso, de universidade, só tenho a obrigação de lhe passar à porta a caminho da agência.
(Texto já publicado noutra página há três anos. O autor, desconhecido da Truca. assina como Zé Badalo.


Caríssimo,

Estive a ler o arquivo das Histórias da Publicidade e tropecei com uma que me fez corar de vergonha. A da minipimer Braun.
Não, não fui eu o autor do "picar alhos...", mas de outra no mesmo estilo, para o mesmo produto.
Eu era novinho e muito ingénuo. Quando a conta me apareceu (Ciesa ou Penta, já não me lembro) criei um slogan de que muito me orgulhei na altura. O slogan foi aprovado pela agência, pelo cliente e as peças produzidas.
Anos mais tarde, numa conversa com a Conceição Gomes da Silva, falávamos das broncas dos outros copies, e a Conceição, que herdara a conta da minipimer, exclamou: " E lembras te daquele slogan da minipimer Braun?"
"Se lembro? Fui eu que o criei"
A Conceição olha para mim espantada e desata se a rir.
Que raio? Que mal tinha o slogan?
Ao recordá lo então, com a minha ingeuidade desvirginada por seis anos de publicidade, gelei.
O slogan era " A fada da sua cozinha"
A sacana da língua portuguesa é muito traiçoeira.

Artur Tomé
arturgtome@hotmail.com


Caro Luís,

Esta, eu vi com os meus olhos e ouvi com estas saliências, que o chão há de comer e olha, isto passou se um destes dias.
Um acount do meu grupo criativo tinha nas mãos uma página dupla aprovada pelo cliente que entusiasticamente aguardava na sua frente pelo orçamento de produção.
O custo da sessão fotográfica passou. O custo da agência de casting, passou. Os custos das perfumarias, ou seja para que bem se entenda; a arte final, gravação do DVD, deslocações e portagens também foram aprovados, mas o número da selecção de cores, não.
Para que o nosso cliente entendesse melhor, passámos a explicar do que se tratava, dizendo a palavra “fotolito”.
Fotolito?
Sim, Fotolito...
Não, eu pretendo do melhor que houver.
Mas compreenda que rotogravura não é o caso e um jogo de fotolitos resolve muito bem a selecção de cores.
O cliente insistiu.
Desculpem, mas já que chegamos aqui quero do melhor que houver.
Por mais que o acount insistisse e já lá íamos com uma hora de reunião, o tal puto responsável pela conta mexeu se com exagero na cadeira, coçou a nuca, puxou pelo cigarrito, pediu licença para acender, largou fumo entre o isqueiro e o queixo e disse.

Bom... só se for um jogo de pentafólios, só que custa quatro vezes mais e só existe uma gráfica no norte capaz para isso.
Pentafólios ? Ok, pode andar já e depois assino o orçamento para não vos atrasar mais.
Manuel Peres


Apostas: competividade à portuguesa

A linguagem de marketing vive de chavões, como todas as outras. No caso português, esses chavões dizem muito do nosso atraso competitivo em relação às outras nações civilizadas (partindo do princípio que a nossa também o é).
Quando o marketing directo se instalou em Portugal e se estendeu às comunicações com empresas, o maior problema do copy era como traduzir para português o Dear Sir, quando qualquer gestor, director financeiro ou chefe de pessoal é ou sr. doutor, ou sr. engenheiro.
Depois, num país formado no De Vª Exª, Atento Venerador e Obrigado, outro grave problema de copy era como terminar a carta. Com os melhores cumprimentos? De Vª Exª atentamente? Muito Atentamente?
A linguagem directa custou a pegar e deu direito a vários telefonemas de protesto por parte de gestores indignados com um contacto informal que sentiam ofensivo.
Agora o chavão mais instalado na comunicação empresarial, que não falha em nenhum press release ou noticiário económico, é a Aposta.
Os gestores lá de fora fazem. Cá dentro aposta se. As empresas lá fora têm uma estratégia de acção pormenorizadamente delineada, com objectivos e calendários rigorosos. Por cá anuncia se uma aposta como um acto de coragem e determinação empresarial.
Ainda se as apostas fossem em algo preciso... Mas não. As empresas apostam nas novas tecnologias, na juventude, na Internet de banda larga, na novidade que está na moda. Mas, por mais que se procure, mesmo que num relato jornalístico, o que é que as empresas se propõem fazer, quando e como, não se encontra o menor dado concreto.
Esqueçam a baixa qualificação dos trabalhadores, o eventual absentismo, a pequena dimensão do mercado, a saloice e bajulação dos empresários. As empresas portuguesas não são competitivas porque, em vez de planificaram acções, apostam. E ponto final.
Artur Tomé copywriter
arturgtome@hotmail.com


PARA QUE SERVE A PUBLICIDADE

Era num tempo em que por detrás de uma marca havia produtos. A ditadura dos logos ainda vinha longe e as guerras descritas por Noami Klein ainda não se desenhavam no horizonte.
Era eu copy junior (as saudades que eu tenho daquela Ciesa e da sua equipa ) e as minhas dúvidas sobre se a publicidade teria algum valor social iam ser esclarecidas em breve. A Tofa apareceu na agência com um problema: tinha um produto sem escoamento no mercado chamado café em grão sem cafeína.
Fizemos sondagens junto de consumidores. Todos achavam que tal produto a existir, seria um achado. Permitiria todo o ritual do café, manteria o sabor do café verdadeiro e não seria perigoso para os cardíacos.
Consultei distribuidores. Claro que tal produto , a existir, teria imensa procura. O distribuidor que me transmitiu o seu entusiasmo por tal hipótese tinha o produto numa das últimas prateleiras do armazém. E não sabia que o tinha.
Fiquei a saber que a publicidade é necessária para que as pessoas saibam que
uma coisa existe, mesmo que a tenham debaixo do nariz.
O Artur Portela saiu se com um claim do caraças, a campanha ficou pronta e,
por razões que nunca percebi, a Tofa desistiu da mesma, sem sequer ver a
nossa proposta.
Alguém sabe o que é feito da Tofa?

Artur Tomé copywriter
arturgtome@hotmail.com
P.S.: Soube recentemente que o "No Logo" da Naomi Klein praticamente não tem saída. Que é que os marketeiros deste país andam a ler? Só a Briefing?


Lido é outra coisa.

Tinha começado a trabalhar como copy junior na Ciesa e não podia ter
começado melhor. Duas das contas em que entrei eram as Conservas Pitéu e uma campanha para os vinhos verdes. Com direito a prova dos produtos a anunciar.

A Ciesa parecia um pique nique permanente.

Bom, mas vamos às conservas Pitéu que, ainda hoje, são conservas de
especialidades de peixe. Com dezenas de variedades.

Lá criámos uma campanha que foi aprovada internamente e foi aprovada pelo cliente. Já não me lembro como era a campanha mas tinha criatividade que dava gosto. Aquelas dezenas de especialidades de peixe eram anunciadas de forma a abrir o apetite de quem visse ou ouvisse os anúncios e eu fui para o estúdio de gravação todo vaidoso pela minha contribuição criativa para aquele trabalho.

Não é que o sacana do Carlos Duarte olhou para os textos e torceu o nariz?
Disfarcei a antipatia que senti pela atitude dele e preparei me para o
prazer de ouvir aquele texto que ia ser lido pelo Vitor de Sousa.

A locução soava excelente e eu estava todo deliciado até que dos
altifalantes saíu algo como se tivessem atirado um saco de gatos para dentro de uma frigideira ao lume.

"Dezenas de especialidades de peixe", a sair de uns altifalantes num estúdio de gravação é um susto sonoro que abana qualquer um.

O Carlos Duarte faz sinal de corte para o Vitor, volta se para mim com os papéis e dita a sentença : "Arranjem outros textos".

Artur Geraldes Tomé
arturgtome@hotmail.com


IL GATTOPARDO POSITIVO.

Caros Amigos:

Há coisas que mudam e ficam exactamente iguais. Como? Sim, pois ao longo do caminho todos evoluimos, mas tentamos manter a nossa essência.
Pois este fim de semana tive o grato prazer de conversar com o meu querido primo Alexandre.
Como ele é diplomata e porta voz do Presidente Fernando Henrique, esteve presente na comitiva que vai encontrar se com o governo português. E ele acabou por encontrar um espaço na agenda apertada na visita a Portugal para conversarmos gostosamente.
Sim, gostosamente. Mas, e o poder? E a função? E a imagem? E toda esta tralha?
Bem, na verdade ele continua igual mas diferente. Diferente, porque adquiriu sabedoria ao longo do tempo. Mas, igual porque continua a mesma pessoa, estando ou não ao lado do poder.
Mas se pensarmos bem, quantas das pessoas que conhecemos, após terem tomado contacto com cargos (por menores que sejam, desde zeladores até senadores), poder, dinheiro, caras hola vip anamais queatrevida), etc. conseguem manter a sua essência? Não muitas.
Mas existem aquelas que são imunes a isso. Melhor: quanto mais recebem aquelas influencias, mais simples e melhores ficam com o tempo.
Mas "mais simples" não quer dizer deixar de desfrutar dos benefícios honestamente conseguidos. Não; quer dizer pernanecer a mesma pessoa educada e polida na essência. Daquelas que nunca esquecem se das palavras mágicas (com licença, por favor e muito obrigado) onde quer que estejam e com quem estejam. E claro, procuram ser agradáveis. Algo que exige muita alquimia.
Mas mesmo sendo poucas, este tipo de pessoa existe. Pense mais um pouquinho e encontrará uma pessoa ao redor de si que é exactamente assim.
E você se recordará de momentos como por exemplo um jantar. Não só ficou satisfeito pelos pratos degustados, mas principalmente satisfeito e preenchido pela conversa, pela educação.
Penso que estes tipos de pessoas deveriam ter estátuas em praça pública. Para que? Para que, no momento em que começassem a pensar no projecto elas, se fôssem realmente como pensamos que são, simplesmente o rejeitariam. E então, estas estátuas deixando de existir, seriam mais fortes que estátuas de granito.
Seriam estátuas virtuais que ficariam em nossa mente para sempre.
Estas pessoas são o livro Il gattopardo no sentido positivo:
Algo tem que mudar para tudo ficar igual. Ou vamos no popular que é mais directo: Seu coração tem algo que nunca muda, mas que também, não envelhece nunca.

Um Abraço

Danyel Sak Publicitário
vansaak@ip.pt


O talismã brasileiro

É curioso como a imagem pessoal e profissional de uma pessoa pode ser afectada pelos acontecimentos mais inesperados, sobre o qual o próprio não tem qualquer controlo. O exemplo pessoal que apresento exige um introito para o qual peço a paciência do leitor.

Introito
Aqui há poucos anos, num festival de publicidade, o João Rapazote vem ter comigo e dá me uma palmada no ombro : " Tomé! Há que anos! Como é que vai isso? Ainda continuas doido como antes?"

Que raio de resposta é que se dá a uma pergunta destas? Revi rapidamente o tempo passado desde que o conhecera até então, não dei por mudança interior digna de registo e respondi " Acho que sim".

Nova palmada no ombro e um sorriso de orelha a orelha " Eh, pá, nunca mudes."

Há dias o tema ressurgiu num encontro aqui com o Luís. Há que anos, pá, que é feito, e, no decurso da sopa ao balcão lá conto que sou copy free lancer, que estou a acabar um livro com o Beja Santos sobre a nova sociedade de consumo e que sou mestre de Reiki.

" Pois é, tu sempre foste um gajo metido nessas coisas."

Saí do encontro a remoer a imagem que criei nos colegas e conhecidos. Quando eu conhecera o Luis Gaspar não andava "metido nessas coisas". Como é que eu arranjara uma imagem destas?

Pessoa amiga a quem contei estas minhas perplexidades sugeriu: "Não seria por causa daquele talismã brasileiro? "

Chi! Nunca mais me lembrara desse episódio vergonhoso. Aí vai ele.

A história
Começo a trabalhar na Ciesa , uma colega minha tinha a filha no Brasil e tornámo nos correspondentes. Isso deu direito a uma chuva de prendas do Brasil como LPs do Milton Nascimento que ainda não tinham cá saído, várias coisas compradas numa feira hippie do Rio e, finalmente, o talismã.

Era um colar formado por um cordel manhoso que tinha pendurado um bonequinho em madeira, pintado de preto. O boneco teria sido benzido por uma mãe de santo e destinava se a absorver as energias negativas que me envolvessem. Deveria usá lo sempre para me proteger das ditas energias.

O boneco tinha prazo de validade de alguns meses: quando estivesse saturado de negatividade, partia se.

A minha vontade foi deitar aquilo for a. Mas a mãe viu o boneco, enterneceu se de saudades com a filha e eu lá o pus por delicadeza. Só que a mãe de santo não contara com as energias a que um copy está sujeito e, passados dois dias, o boneco partiu se com um estalo sonoro, ouvido por quem estava à minha volta.

Fica toda a gente a olhar para mim enquanto eu puxo o fio de dentro da camisa com qqqqo boneco feito em dois. E lá tive de contar a história do boneco, da mãe de santo e isso tudo.

Só falta dizer que o boneco se partiu no meio da apresentação de uma campanha ao cliente.

Artur Tomé
arturgtome@hotmail.com