Coisitas...gralhas! - 13

 

O perigo dos sinónimos usados descuidadamente

No Canal História tratava-se de uma acção de bombardeamento do Japão por aviões dos EUA no decurso da II Grande Guerra.
A esquadrilha, após o ataque, já com escasso combustível, tenta regressar a Guam atravessando o Oceano Pacífico. Em consequência, está-se na iminência de ter-se de proceder a amaragens.
O nosso impávido locutor (quem sabe seguindo estritamente o guião) proclama (no seu habitual tom indiscritivelmente pomposo): «Arrisca-se uma soltura líquida» (!!!)
Não pude reprimir uma sonora gargalhada.
É bem sabido que popularmente (pelo menos na zona lisboeta) se designa por soltura a diarreia: líquida seria um intolerável estado de incomodidade.
Luís A. Afonso
Portugal
10/12/2006
Copiado do
Ciberdúvidas


Tema
«Isso são outros quinhentos»
Pergunta/Resposta
Qual a origem da expressão «isso são outros quinhentos»?
Ricardo Serra
Portugal

Num blogue, intitulado you got to be your own dog, pode ler-se a seguinte explicação:
«Segundo o advogado brasileiro e professor de português Reinaldo Pimenta, a expressão “isso são outros quinhentos” vem da Idade Média Ibérica. O valor de uma indemnização a um senhor por uma calúnia ou injúria era de 500 soldos. Se o autor do impropério reincidisse, eram outros 500.
No entanto, se a vítima do insulto não fosse um fidalgo importante, a multa a receber era de apenas 300 soldos.»
Acerca desta expressão, o escritor brasileiro Mário Prata, na sua obra Mas será o Benedito?,1 faz uma interpretação diferente, dizendo:
«Um sujeito resolveu sair do interior para tentar a sorte na capital e deixou quinhentos contos de réis para o padre guardar. Nunca mais apareceu. Depois de vários anos voltou e foi pedir o dinheiro. O padre havia gasto na reforma da igreja e dizia que ele não tinha deixado dinheiro nenhum. O sujeito estava possesso. Um "coronel" que ouvia a conversa, para limpar a barra do padre, disse:
– Foi comigo que você deixou o dinheiro.
No que ele, esperto, respondeu:
–"Isso são outros quinhentos", coronel!»
Esta explicação é próxima da que se encontra no blogue Meu bazar de ideias.

1Disponível na seguinte página:
http://www.marioprataonline.com.br/obra/literatura/adulto/
benedito/verbetes/isso_sao_outros_quinhentos.htm

Edite Prada
Ciberdúvidas


Tema
‘Quid pro quo’ e quiproquó
Pergunta/Resposta
Gostaria de saber por que razão os anglo-saxónicos utilizam a expressão latina ‘quid pro quo’ com o significado de «troca igual», «substituição», enquanto nós utilizamos a expressão ‘qui pro quo’, com o sentido de «equívoco», «confusão».
Muito obrigada.
Ana Sampaio
Portugal

Sobre a origem do nosso vocábulo quiproquó há várias explicações, nem sempre convergentes….

Para tentar encontrar a verdadeira raiz da palavra, é talvez necessário remontar à velhinha gramática latina. Os pronomes latinos, tal como os substantivos e os adjectivos, eram declinados, ou seja, mudavam de forma consoante a função que desempenhavam na frase; além disso, tinham três géneros: masculino, feminino e neutro. Entre os pronomes que primeiro aprendemos e que mais usamos em qualquer língua contam-se aqueles que se referem à identidade ou à natureza de pessoas e coisas: que, qual, quem em português. Em latim, esta família de pronomes era representada, no nominativo singular (ou seja, no caso que corresponde ao sujeito), por ‘qui’ ou ‘quis’ no masculino, ‘quæ’ no feminino e ‘quod’ ou ‘quid’ no género neutro.

As duas formas do género neutro não se usavam indiferentemente: ‘quod’ funcionava como um adjectivo (‘quod templum vidisti?’ = que templo viste?), ao passo que ‘quid’ era um verdadeiro pronome (‘quid vidisti?’ = que viste?).

No entanto, a influência das línguas nacionais emergentes, nalgumas das quais ‘quid’ e ‘quod’ correspondiam ao mesmo vocábulo (como é o caso do português), aliada à falta de contacto assíduo com a boa latinidade, terá levado muito boa gente a baralhar os dois termos, sobretudo na linguagem falada.

Encontrei uma prova dessa confusão numa edição da obra completa de São Boaventura (1221-1274), o Doutor Seráfico, realizada no final do século XIX (Opera Omnia S. Bonaventurae, Ad Claras Aquas, 1882, Quaracchi). Na ‘Conclusio’ dos seus ‘Commentaria in quatuor libros sententiarum magistri Petri Lombardi’, escreve o famoso doutor da Igreja a páginas tantas (vol. I, p. 406): «[…] quia non habebant quid responderent» (= porque não tinham que responder). Esta pequena frase, embora inócua, gerou, da parte do editor, um comentário de suma importância. Dizem os irmãos Quaracchi em nota de pé de página: «fide mss. et ed. 1 post habebant substituimus quid pro quod.» (= confiando nos manuscritos e na primeira edição, substituímos quod por quid).

Ou seja, nos manuscritos e na primeira edição estava bem (‘quid’), mas em edições posteriores lá vinha erradamente ‘quod’ em vez de ‘quid’. Os vocábulos, portanto, andavam baralhados nas penas de alguns autores, e certamente na boca de quem ainda falava latim. Umas vezes diziam ‘quod’ quando deveriam dizer ‘quid’, e noutras ocasiões aplicavam ‘quid’ no lugar de ‘quod’. Talvez este segundo caso fosse mais frequente que o primeiro, o que explicaria a expressão ‘quid pro quod’, ou seja, «‘quid’ em vez de ‘quod’», ou, traduzido de outra forma, «‘quid’ onde deveria estar ‘quod’». Daí que José Pedro Machado escreva com toda a propriedade no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (4.ª ed. 1987): «quiproquó: Da loc. do lat. escolástico ‘quid pro quod’, com que se pretendia dizer que alguém tomara um ‘quid’ por ‘quod’.»

Com o decorrer dos tempos, foi-se perdendo a origem da expressão, e os gramáticos acabaram por a considerar incorre(c)ta, dado que a preposição ‘pro’ rege ablativo, e o ablativo de ‘quod’ é 'quo'. A locução “corre(c)ta” seria, portanto, ‘quid pro quo’, e foi esta que os puristas começaram a impor. Esquecida a proveniência da locução, que tinha essencialmente que ver com a troca de ‘quod’ por ‘quid’, ou seja, com um erro gramatical, foi-lhe dada uma interpretação mais lata, e ‘quid pro quo’ passou a ser traduzir-se por «uma coisa em vez de outra».

Para ajudar à festa, os farmacêuticos de antigamente, a quem chamavam boticários, nem sempre dispunham dos ingredientes necessários à elaboração dos medicamentos receitados pelos médicos, e a forma como se desenvencilhavam acabou por contribuir para difundir a locução de que estamos a tratar. Diz Bluteau no seu dicionário (1720): «Os Boticarios tem hum livro, a que chamão com termos Latinos, Quid pro quo. Quando não tem hua droga, achão nelle outra, para porem em seu lugar. Daqui veyo o dizerse, Livrenos Deos de hum Quid pro quo; porque às vezes há erro nas drogas, & em lugar de mezinha, dão os Boticarios veneno.» José Pedro Machado, na obra já referida, corrobora esta notícia: «O emprego frequente de ‘qui pro quo’, no sentido de “erro cometido num remédio”, na linguagem dos boticários nos séculos XVII e XVIII, foi decisivo na difusão desta locução tornada vocábulo.»

Ou seja, o ‘quid pro quod’, ou troca dos escolásticos, acabou por ganhar sentido pejorativo, devido à incúria de alguns boticários, cujas trocas eram nocivas ou mesmo letais. Em Inglaterra, talvez por os boticários serem mais conscienciosos, não seriam tão frequentes os “quiproquós” na hora de elaborar os medicamentos. Por isso mesmo, o ‘quid pro quo(d)’ não seguiria a mesma evolução naquelas paragens e acabaria por se infiltrar em terrenos jurídicos, onde ganhou o sentido de «troca equitativa». Se quiséssemos “traduzir” o ‘quid pro quo(d)’ anglo-saxónico por outra expressão latina que não tenha sofrido a erosão dos séculos, poderíamos recorrer à famosa máxima ‘do ut des’ (= «dou, para que dês»), que caracteriza toda a essência do verdadeiro acto comutativo.

A passagem de ‘quid pro quod’ a quiproquó em português explica-se facilmente pela queda da consoante final de ‘quid’ e ‘quod’, que na pronúncia mal se fazia sentir. No entanto, poderá ter havido aqui uma evolução paralela a partir da locução “substituta” ‘quid pro quo’.

Resumindo tudo isto: o ‘quid pro quo(d)’ britânico é de longe preferível aos quiproquós lusitanos, hispânicos, italianos e franceses, sejam eles cometidos por farmacêuticos (o que é raríssimo nos tempos que correm) ou por gente de outros ofícios (o que se vai tornando cada vez mais frequente)…
Gonçalo Neves - Ciberdúvidas


Tema
Sobre pronúncia corre(c)ta no português europeu
Pergunta/Resposta
Qual a pronúncia correcta (na seguinte imitação da fala)?
"êurus" ou "êurós"? [euros]
"caratéres" ou "carátres"? [caracteres]
"cadávéres" ou "cadávres"? [cadáveres]
"lídéres" ou "lídres"? [líderes]
São palavras que se ouvem de maneira diferente de jornalista para jornalista, de pessoa para pessoa, e não me parece que tenha a ver com regionalismos mas sim com o hábito generalizado de pronunciar incorrectamente e de modo diferente a palavra escrita.
Mas já agora, quem decide? A comunidade falante? Os dicionários?...
Ivo Carvalho
Portugal


Já falámos algumas vezes sobre a pronúncia das palavras que apresenta. Seguem-se as pronúncias recomendadas:
euros: "êurus"
caracteres: "caratéres"
cadáveres: "cadávéres"
líderes: "lídéres"
No caso de euro, percebe-se que haja ainda hesitação porque a forma euro é um elemento de formação de palavra e, nesse caso, pronuncia-se com "o" aberto: euro-africano. No entanto, penso que a pronúncia, pelo menos, na modalidade europeia da língua portuguesa esteja a estabilizar, e se prefira "êurus".
Em caracteres, verifica-se o desconhecimento da especificidade da palavra que tem um acento que não se mantém na mesma sílaba na passagem do singular ao plural. O erro advém provavelmente da excepção constituída por carácter.
Nos outros dois casos, vemos no erro a a(c)ção da tendência para fechar vogal em sílaba átona.
Respondendo à sua pergunta final, estaria tentado a dizer que a decisão sobre a pronúncia, o léxico ou a sintaxe normativas é sempre um processo complexo, porque se trata de definir juízos sobre a variação lingu[ü]ística que existe em qualquer comunidade. Quem decide não é bem a comunidade falante, nem os grupos ou os indivíduos que escrevem dicionários e gramáticas, mas talvez, ao longo do tempo, estes dois campos, internamente heterogéneos – primeiro um, depois outro, às vezes os dois simultaneamente (quando há consenso). Em Portugal, é difícil saber, neste momento, quem decide explicitamente, porque não temos uma entidade que intervenha oficialmente no uso da língua.
C. R. - Ciberdúvidas


Tema
Pontuação com «no entanto»
Pergunta/Resposta
Qual é a pontuação correcta antes de «no entanto»? Coloco esta questão porque, frequentemente, leio frases em que, antes de «no entanto», os seus autores utilizam a vírgula; pessoalmente, parece-me que o ponto e vírgula é a pontuação mais correcta, mas tenho essa dúvida.
Laura Narciso
Professora
Portugal

Sem um contexto, é difícil acertar em cheio na sua dúvida.
Posso dizer-lhe que há situações em que a vírgula antes de «no entanto» é suficiente, e outras em que o ponto-e-vírgula é realmente mais corre(c)to.
Dois exemplos:
«E, no entanto, move-se.»
«Ele caiu; no entanto, não se magoou.»

Nota: Prefiro a grafia (atestada pelo Dicionário Houaiss) ponto-e-vírgula para o substantivo que designa esse sinal de pontuação; sem hífenes, consigo ver dois sinais de pontuação em «ponto e vírgula».

R.G. - Ciberdúvidas


Tema
«Nada na manga»
Pergunta/Resposta
Qual a figura de estilo presente na seguinte frase: «Nada na manga»?
Clara Pinho
Portugal


Se se tiver em conta o fa(c)to de que na frase «Nada na manga» – usada habitualmente para significar «não ter nada escondido ou a esconder», «não haver nada escuso de que se pode ser acusado», «não ter qualquer motivo para ser obje(c)to de desconfiança» – nos encontramos perante a «transposição de uma palavra para uma zona de significado que lhe é alheia» [Jacinto do Prado Coelho (dir.), Dicionário de Literatura, Porto, Figueirinhas, 1979], uma vez que aí se convoca uma expressão do domínio do jogo para designar uma atitude desonesta por parte de um jogador que usa essa técnica para ludibriar os outros e falsear o resultado de uma partida, apercebemo-nos de que se trata de uma metáfora.
Referindo-se, assim, a uma realidade não nomeada, a expressão «Nada na manga» é uma metáfora, porque a substitui, usando «uma comparação abreviada, uma comparação à qual falta o termo real» (idem).
Com esta metáfora, verifica-se um caso de «trânsito», «mudança», «transporte», valores para que a sua etimologia nos remete.
Eunice Marta
Ciberdúvidas


Tema
A forma milhão
Pergunta/Resposta
Quero felicitar os autores e colaboradores do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, pela louvável e exemplar competência que os distingue, nas várias justificações e respostas apresentadas.
Solicito esclarecimento:
Se se escreve «bilião»; «trilião»...; estará correcto escrever-se «milião»?
Mário Vicente da Silva
Portugal


Muito obrigado pelas suas gentis palavras. A nossa competência é também um resultado conjunto, nesta grande família de estudo da língua em que se tornou Ciberdúvidas.
O prefixo mili- só é aplicado nos submúltiplos das unidades, significando mil vezes menos (exemplo milivolt). O prefixo do máximo valor considerado no SI é o Yotta (10 elevado a 24), correspondente ao quatrilião em Portugal. Acima deste valor, é possível a abstra(c)ção (quintilião: 10 elevado a 30), sextilião (10 elevado a 36), septilião (10 elevado a 42)... e por aqui param os dicionários...
Ao seu dispor,
D’Silvas Filho ®
Ciberdúvidas


Andam a kapar a nossa língua

A letra k não figura oficialmente no alfabeto de língua portuguesa, salvo em casos excepcionais. Mas, nas comunicações na Internet, os chamados “chats”, o seu uso tem-se generalizado, sobretudo entre as camadas mais jovens, que no símbolo k sintetizam o c e o qu.
São códigos que surgem espontaneamente, que funcionam, e a isso nada temos a opor, desde que os seus utilizadores saibam que esse uso tem um contexto próprio e que a língua, a chamada norma, tem outros códigos que igualmente é preciso conhecer e respeitar.
O que já não podemos aceitar é essa propagação de palavras grafadas com k que a comunicação social nos tem infligido. Por exemplo, num anúncio publicitário da Caixa Geral de Depósitos, recorre-se profusamente à grafia de palavras com k (konta, kontar, kartão)… Tornou-se também moda o emprego do k em títulos, como o do jornal gratuito ”Destak” ou o da revista juvenil “Kulto”, publicação primeiramente distribuída com o “Público” e, entretanto, transferida para uma versão televisiva, no canal Dois da televisão pública portuguesa, a RTP, canal que não deveria descurar a atenção que a língua merece.
Acaso a palavra cultura, escrita como manda a lei, aterroriza os jovens? Então e não há imaginação para um título sugestivo que faça jus ao canal que o utiliza?
Deixem ficar o c e o q nas palavras que lhes pertencem. Parem de a kapar de uma vez por todas!
Ciberdúvidas


Tema
O estrangeirismo “flash”
Pergunta/Resposta
Partindo de “flash”, chegamos aonde? “Flache”?
Renato Pereira
Portugal

Sim, flache é já a forma registada no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa.
Um exemplo aí recolhido:
«Os flaches dos fotógrafos dispararam todos ao mesmo tempo.»
É um aportuguesamento que respeita a ortografia da nossa língua e, ao mesmo tempo, a fonética da palavra inglesa original.
Ciberdúvidas


Tema
Qual o feminino de estatístico?
Pergunta/Resposta
O profissional formado em ciências estatísticas é chamado de estatístico.
Qual o feminino de estatístico?
Doris S. M. Fontes
Brasil
Para designar «o profissional formado em ciências estatísticas» existem em português europeu os substantivos estaticista e estatista, ambos substantivos de dois gé[ê]neros, e os substantivos estatístico (gé[ê]nero masculino) e estatística (gé[ê]nero feminino). Embora estranha, esta última forma aparece registada no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea.
No português do Brasil, o substantivo estatístico só tem forma masculina. Para designar o feminino de estatístico, usa-se, nesta variedade do português, o substantivo de dois gé[ê]neros estatista.
Eva Arim
Ciberdúvidas


Tema
Robô e “robot”
Pergunta/Resposta
Porquê "robô" e não "robot"? O termo original é checo e o "t" final pronuncia-se. À francesa, escreve-se "robot", mas não se pronuncia o "t" final. Nós (a meu ver erradamente, como em muitos outros casos) copiámos os franceses, pronunciando "robô", e adoptámos esta estranha grafia para justificar uma forma de dizer que penso ser incorrecta. Em português, há poucas palavras acabadas em "t", mas nas existentes, como habitat, o "t" diz-se. Por que razão não poderemos nós, ao aportuguesar a palavra, dizer e escrever "robot"? Mal comparado, é como aquelas pessoas que dizem Rua "Garré" ("à francesa") em vez de Rua Garrett...
João Palma
Portugal

Não há dúvida de que pronunciamos a palavra checa robot à francesa (sem o t), embora já se escreva em português robô e não “robot”, como em francês.
F. V.P. da Fonseca
Ciberdúvidas


Tema
Uso da expressão «é favor»
Pergunta/Resposta

Li uma frase que dizia «favor entregarmos documentos...»
Essa construção é aceita pela norma culta? Se não como deveria ficar, qual a maneira certa de se escrever?
Grato pela sua atenção.
Cláudio Barbosa Ventura
Brasil

Na expressão oral e escrita mais informal é possível usar «favor entregar os documentos» omitindo a forma verbal é (verbo ser) da expressão mais corrente «é favor». Contudo, sucede que a expressão «é favor» é empregue para introduzir um pedido, que, em princípio, se dirige a um ou mais interlocutores (tu, vocês, vocês). É, pois, estranho que quem fala – que aparece nas frases como eu, no singular, ou nós, no plural – faça um pedido a si mesmo– «é favor (eu) entregar/(nós) entregarmos documentos». A menos – e assim a frase está certa – que se queira dizer «é favor entregar-nos os documentos», ou seja: «por favor entreguem-nos os documentos a nós».
Como não foi enviado mais contexto, deixamos as frases que achamos corre(c)tas:

– «é favor entregarem os documentos...» (vocês)
– «é favor entregarem-nos os documentos (vocês a nós)
Carlos Rocha
Ciberdúvidas


Tema
Plural de uma abreviatura siglada
Pergunta/Resposta
A expressão «passagem de nível» é fácil de abreviar: PN. Mas qual a regra para abreviar o seu plural «passagens de nível»?
Paulo Pinto
Portugal
Ao reduzir o conjunto «passagens de nível» às suas iniciais, está a formar uma sigla, e as siglas não têm marca gráfica de plural. É errado escrever “PNs” ou “PN’s”. Terá de ser o contexto a desfazer eventuais ambigu[ü]idades. Por exemplo: «As PN, por serem pouco seguras, tendem a desaparecer.»
R. G.
Ciberdúvidas


Tema
A prolação de telemóvel
Pergunta/Resposta
Gostaria de saber qual a forma correcta de pronunciar "telemóvel".
Embora sempre tenha dito [télémóvél] (todas as vogais abertas), ultimamente tenho ouvido muito /telemóvel/ (tendo que o "o" é a única vogal aberta), como nos sugere a própria acentuação da palavra.
Felicito-os pelo excelente trabalho desenvolvido.
Ana Serralha
Lisboa
Portugal


Tal como se diz [telefone] ou [televisão], a pronúncia de telemóvel devia ser com ee mudos (isto é, como os de que, de, etc.). Contudo, parece já se ter enraizado o hábito de abrir os ee do vocábulo, e julgo que já será difícil (ou mesmo improvável) alterar-lhe a prolação.
F. V. P. da Fonseca
Ciberdúvidas


Tema
Expressões populares
Pergunta/Resposta
Nos Açores, há expressões populares muito saborosas. Por exemplo, morrer pode ser «dar o peido mestre» ou «ir comer couvinhas pela raiz». De quem tem sorte na vida diz-se que «nasceu com o cu para a Lua». A quem nos está a aborrecer, manda-se «ir lamber sabão».
Gostava de saber se estas expressões também são usadas no continente.
João Vasconcelos Costa
Professor universitário
Portugal

Qualquer das expressões populares referidas, com uma ou outra variação, são de uso corrente em todo o Portugal.
J. M. C.
Ciberdúvidas


Tema
A origem da expressão «ao fim e ao cabo»
Pergunta/Resposta
Gostaria de saber a origem da expressão: «ao fim ao cabo». Esta expressão existe também entre os nossos vizinhos espanhóis. Em castelhano diz-se: "Al fin y al cabo", com o mesmo sentido.
Obrigado!
Paulo Barros
Portugal

A forma da expressão é «ao fim e ao cabo».
No contexto da gramática normativa e da tradição purista, Vasco Botelho de Amaral, no Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa (Porto, Educação Nacional, 1938), considerava «ao fim e ao cabo» deste modo (itálico do original a negro): «Espanholismo. Diga-se – por fim, ao cabo, finalmente. Dicionários recentes (o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001) da Academia das Ciências de Lisboa e o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2003) da Porto Editora) registam a expressão na acepção geral de «em conclusão», mas não juntam qualquer indicação que possa identificar a sua etimologia.
Não consegui encontrar uma obra que me explicasse o desenvolvimento desta locução em espanhol. Julgo, no entanto, que ela está ligada à gramaticalização de expressões que envolvem uma certa redundância entre os elementos constituintes. Nos textos medievais em castelhano, galego ou português, por exemplo, é frequ[ü]ente usarem-se expressões pleonásticas.
Carlos Rocha
Ciberdúvidas


Humanitário ≠ humano

As mortes e toda a tragédia à volta de uma guerra – como a que está a devastar o Líbano – voltaram a ser qualificadas de ”humanitárias”, lado a lado com o seu contrário (os corredores que a ONU e as organizações internacionais tentam preservar para auxilio dos refugiados, esses, sim, humanitários).
A generalização do erro – por arrastamento, até, do “humanitarian” inglês, com o mesmo significado do nosso humanitário («que visa o bem-estar da humanidade», «em prol da humanidade», «filantrópico») – resulta nesse absurdo de se qualificar indistintamente palavras com um valor semântico antagónico.
Para a descrição dos efeitos de uma guerra (ou de um qualquer cataclismo natural) a palavra adequada é humano, que significa «relativo ao homem», «próprio do homem». Portanto, catástrofe humana, tragédia humana, situação humana catastrófica , caos humano – assim como se disse e escreveu sempre desgraça humana, miséria humana, etc.
O que se faz em prol da paz entre beligerantes, em apoio às populações vítimas das guerras ou de um terramoto é que é humanitário. Logo, iniciativa humanitária, missão humanitária, etc.
Ciberdúvidas


Tema
Norma europeia da língua portuguesa
Pergunta/Resposta
Existe?
Se existe, quem é a entidade certificadora daquela norma?
É possível usar-se o referendo para estabelecer, na sua totalidade ou nalguma das suas partes, essa dita norma?
Armando Simões
Portugal

Segundo o que está registado no Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, a norma ortográfica base que seguimos em Portugal foi estabelecida pelo Decreto n.º 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, assinado por:
Óscar de Fragoso Carmona, António de Oliveira Salazar e José Caeiro da Mata.
Trata-se, portanto, duma imposição que vem do tempo do Estado Novo e assinada por Salazar...
Até compreendo que a nossa norma a(c)tual, além de ter mais de meio século, possa, do ponto de vista político, ser também inconveniente para os dias de hoje. A verdade, porém, é que existe uma norma já deste regime (o acordo de 1990), que não parece merecer muito interesse, não obstante já ter sido referendada pelo nosso Parlamento (bem como pelo do Brasil e pelo de Cabo Verde), sendo isso suficiente agora para entrar em vigor.
Quanto a fazer-se um referendo para mudar a norma ortográfica ou parte dela, parece-me uma atitude excessiva, pois, tendo a nova ortografia sido já aprovada pelo Parlamento, a questão é meramente burocrática. No entanto, se houver um movimento importante de cidadãos que desejem forçar o Governo a mudar a ortografia, aconselho que comecem por pedir ajuda aos nossos deputados da Nação e obtenham o apoio do Sr. Presidente da República.
Ao seu dispor,
D’Silvas Filho ®
Ciberdúvidas


Tema
Prosódia das siglas ONU, OVNI e UCI
Pergunta/Resposta

Onde é que se situa o acento de intensidade na pronúncia das seguintes siglas: ONU, OVNI, UCI? Muito obrigado.
Carlos Garrido
Espanha

Nisto, como em tanta coisa nas línguas, quase não há regras e a lógica também é quase nula – di-lo o professor F. V. P. da Fonseca. De qualquer modo, em português, as palavras terminadas em u e em i (não acentuadas e se não fizerem ditongo com vogal anterior) são agudas. Exemplos: abacaxi, chichi, colibri, frenesi, javali, pipi, organdi, rubi, etc.; e: bambu, belzebu, caju, calulu, cucurucu, etc. Mas vejamos:

ONU – A sigla portuguesa da Organização das Nações Unidas deve ser pronunciada como palavra aguda: /o-nú/.
OVNI – Esta é uma excepção à regra acima descrita: o uso impôs a prosódia grave (a tónica no o).
UCI – Não estando tão vulgarizada quanto as anteriores, para a generalidade dos falantes, ainda não terá o estatuto de palavra. Eu digo /u-c-i/. Mas, se a quisermos empregar como vocábulo, o mais natural é que se pronuncie como aguda, a exemplo do que acontece com as palavras sem acento gráfico terminadas em -i (rubi, ali, etc.).

J.C.B.
Ciberdúvidas


Tema
Como o galego é visto em Portugal

Pergunta/Resposta

Ola, gostaria de saber qual é a visom que se tem do galego em Portugal.
Considera-se em Portugal que o galego é umha lingua irmá, mesmo dalgum geito mae do português? Pessoalmente, uma das coisas que mais me tenhem abraiado é o facto de escoitar palavras muito tradicionais do campo galego em Portugal (como "leite morno", “morrinha”, “rapaz”, “cativo”, “jeito”, “mágoa”, “lembrar”, “esquecer”, “estrada”, “leira”, “carvalho”, “salientar”, “berro”, “deitar”, “jantar”...) a listagem é interminável, mesmo em topónimos e apelidos. É absurdo obviar a semelhança tam grande entre português moderno e galego, especialmente em palavras e jeitos de falar que ficam no mais genuíno da língua.
Em definitiva, a minha dúvida é sobre a imagem que tenhem do galego em Portugal e as possibilidades de surgir um certo interesse pelo galego em Portugal. Para um português é o mesmo Galiza que Badajoz? Por outro lado, gostaria chamar a atençom sobre o facto de que muitas vezes os linguistas portugueses, mesmo neste foro, falam de português antigo esquecendo que o português antes de ser tal cousa era galego.
Muitas graças.
Rodrigo Salgueiro Monterroso
Estudante
Guimaráns – A Banha
Espanha

Há realmente um grande desconhecimento em Portugal acerca das afinidades lingu[ü]ísticas com a Galiza. Perante um falante de galego, é típico um português tentar falar castelhano, muitas vezes porque não reconhece o que ouve como língua ainda muito próxima da que fala a sul do rio Minho. Lembro-me, por exemplo, de que, durante a crise do Prestige no final de 2002, os noticiários portugueses normalmente legendavam as respostas das entrevistas feitas aos habitantes do litoral galego; muitos deles falavam um galego que, apesar da “geada” (troca do "g" por um som parecido com o "jota" castelhano), tinha uma entoação familiar para ouvidos portugueses. Este comportamento dos canais de televisão em Portugal parecia obedecer ao atavismo de considerar castelhano tudo o que se fala para lá da fronteira.
Penso ainda que a identidade galega nem sempre é clara para o português médio ou popular. Assim, é curioso que, diale(c)talmente, nem sempre um galego é apenas um habitante da Galiza. Por exemplo, no Alentejo um galego pode ser um natural das Beiras (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa). E suspeito que no Norte e no Centro de Portugal, em algumas regiões que não fazem fronteira com a Galiza, um zamorano, um salmantino ou até um estremenho de Cáceres – não sei se de Badajoz – sejam todos galegos (o que pode ter alguma verdade histórica em casos como os de San Martín de Trevejo, Valverde del Fresno e Eljas). É claro que também acontece que alguns (ou muitos?) portugueses ficam baralhados quando começam a ler o que se escreve a norte do Minho. É como se dissessem: «o que se passa, que os espanhóis andam a escrever num português estranho?»
Recordo que há cerca de dez anos se dedicou um excelente número da revista Colóquio Letras (Fundação Calouste Gulbenkian) à cultura galega. Nele, a prof.ª Pilar Vázquez Cuesta abordava justamente o desconhecimento com que os portugueses (quase sempre não acadé[ê]micos, mas também há acadé[ê]micos) costumam “brindar” os galegos, quando se trata de falar dos laços comuns. Para esta situação contribui certamente o fa(c)to de a História ter dificultado desde muito cedo a descoberta ou o reforço desse elo: quando, com D. Dinis, os documentos notariais portugueses passaram a ser escritos na língua que se desenvolvera no Noroeste da Península e a que historicamente poderíamos chamar galego, o reino de Portugal já existia há mais de um século. Assim, ao querer dar nome ao “galego” que se falava do Minho ao Algarve, esse nome foi muito logicamente português, visto que se estava a designar o idioma do Reino de Portugal e do Algarve.
Explica-se, deste modo, que se fale em português antigo, não porque se negue a relação ou mesmo a identificação com o galego, mas talvez porque se pensa que o Condado e, depois, Reino de Portugal é que deu consciência idiomática cole(c)tiva a uma parte dos diale(c)tos galegos – os que eram falados pelos portugueses. Sobre este assunto, recomendaria uma obra que dedica alguns capítulos ao problema da designação da língua na faixa ocidental da Península: Ramón Mariño Paz, Historia da Lingua Galega, Santiago de Compostela, Sotelo Blanco, 1998.
Carlos Rocha
30/06/2006
Ciberdúvidas


Tema
Ainda os erros de Marcelo
Pergunta/Resposta
   Os meus parabéns pelo comentário relativo aos erros do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Concordo em absoluto: uma vez que a televisão é um veículo cultural que chega a grande percentagem do nosso povo, todos os intervenientes deveriam ser ainda mais cuidadosos com o bom uso da nossa Língua.
   Em relação às vossas correcções tenho uma dúvida quanto à questão do "ter de vs ter que". Pessoalmente empenho-me para que aqueles que me rodeiam usem correctamente a expressão, apesar de nem sempre conseguir bons resultados. No entanto, em minha opinião, quando o conceito é ter qualquer coisa para fazer, não se deveria usar a expressão "ter o que fazer"?. Por exemplo, se eu devo elaborar um trabalho, eu diria "tenho de fazer um trabalho", mas se eu previsse que iria ter um dia cheio, diria "tenho muito o que fazer". Será que estou incorrecta?
   Desde já obrigada.
Raquel Jordão
Lisboa
   Obrigada pelas gentis palavras.
   Ilustrou bem a diferença entre o emprego de «ter que» e «ter de». No entanto, deverá utilizar as construções «ter que fazer» ou «ter muito que fazer», sem o pronome «o», como por exemplo: «ele passa a vida a passear porque não tem que fazer»; «vamos ajudá-los, pois eles não têm que comer»; «fizeste tudo tão bem, que ele não vai ter que dizer». Nestas expressões subentende-se, antes do pronome relativo «que», uma palavra como «algo», «alguma coisa», «coisas», algo indefinido. Por vezes, é-se um pouco mais explícito acerca da quantidade desse algo: «ela tem muito que estudar», «ele não tem nada que comer», «eles têm muito que falar», «tenho tanto que fazer».
   O pronome «o» não será de utilizar nestas circunstâncias, pois, antes do relativo, significa «aquilo»; é um demonstrativo, não é um indefinido. O pronome demonstrativo «o» emprega-se em expressões como as seguintes: «tenho tudo o que me pediste», «eles compreenderam bem o que quiseste dizer», «eles compram o que é bom». Ou seja, ao empregar o pronome «o» está implícito (ou, eventualmente, explícito) no discurso «aquilo» a que o emissor se está a referir; o emissor tem conhecimento desse referente: o pedido feito, aquilo que se pretendeu dizer, aquilo que é bom. O demonstrativo tem a capacidade de mostrar, de lembrar algo que já foi mencionado ou que existe na mente de alguém, e é a esse algo específico que a pessoa se refere.
   Vejamos algumas situações ilustrativas:
   «Sei o que dizer.»
   Esta frase significa que a pessoa sabe «aquilo» que vai dizer, tem conhecimento daquele referente. Não se utilizaria, assim, a expressão «sei que dizer», pois, se a pessoa sabe o que vai dizer, não se trata de algo indefinido, é um demonstrativo, é aquilo em que ela está a pensar.
   «Não sei o que dizer.» e «Não sei que dizer.»
   Estas frases não têm rigorosamente o mesmo significado. Com a primeira, o emissor pretende mostrar que não sabe «aquilo» que vai dizer, não sabe que palavras utilizar. O assunto é de tal maneira complexo, delicado ou especial, que, embora o emissor até tenha conhecimento de vários aspectos sobre os quais falar ou de várias maneiras de exprimir o que pensa, não sabe qual escolher. Com a frase «não sei que dizer», já o emissor revela que desconhece o assunto, que não tem nada para dizer.
   Por último, refira-se que os sintagmas «que fazer», «que contar», «que dizer», etc. assumem força substantiva, como se pudessem ser substituídos por «trabalho», «relatos», «frases», etc. Retomando os exemplos inicialmente apresentados, poderíamos estabelecer as seguintes correspondências:
   1.ª – «não tem que fazer» = «não tem afazeres, não tem trabalho»;
   2.ª – «eles não têm que comer» = «eles não têm comida»;
   3.ª – «ele não vai ter que dizer» = «ele não vai ter palavras»;
   4.ª – «ela tem muito que estudar» = «ela tem muitos estudos para fazer»;
   5.ª – «ele tem muito que fazer» = «ele tem muitos afazeres».
   Assim, a utilização do pronome «o» na frase que apresenta não é necessário, traduzir-se-ia em redundância.
Maria Regina Rocha
Ciberdúvidas


Tema
Regência do verbo ganhar
Pergunta/Resposta
   Outro dia eu estava assistindo ao canal português SIC e um repórter falou que Portugal havia ganhado ao Irão. Eu nunca ouvi dizer que o verbo “ganhar” exige a preposição "a". No Brasil usa-se a preposição "de". Exemplo:
   «Portugal ganhou do Irão.»
   Afinal qual das duas formas é a correta? Ou será que ambas são certas?
Leonardo Colossi
Rio de Janeiro
Brasil
   No português europeu, o verbo ganhar pode ter mais de uma regência:
   
   i) quando significa «vencer algo» é transitivo dire(c)to: «Portugal ganhou o jogo»;
   ii) quando significa «vencer alguém», ou seja, quando o seu complemento é + humano, é transitivo indire(c)to e rege a preposição a: «Portugal ganhou ao Irão» (neste exemplo, Irão está para «a equipa do Irão», logo é + humano);
   iii) quando significa «receber algo» rege a preposição de: «Ganhei um computador dos meus pais».
Eva Arim
Ciberdúvidas


Tema
Regência do verbo ganhar
Pergunta/Resposta
   Outro dia eu estava assistindo ao canal português SIC e um repórter falou que Portugal havia ganhado ao Irão. Eu nunca ouvi dizer que o verbo “ganhar” exige a preposição "a". No Brasil usa-se a preposição "de". Exemplo:
   «Portugal ganhou do Irão.»
   Afinal qual das duas formas é a correta? Ou será que ambas são certas?
Leonardo Colossi
Rio de Janeiro
Brasil
   No português europeu, o verbo ganhar pode ter mais de uma regência:
       i) quando significa «vencer algo» é transitivo dire(c)to: «Portugal ganhou o jogo»;
   ii) quando significa «vencer alguém», ou seja, quando o seu complemento é + humano, é transitivo indire(c)to e rege a preposição a: «Portugal ganhou ao Irão» (neste exemplo, Irão está para «a equipa do Irão», logo é + humano);
   iii) quando significa «receber algo» rege a preposição de: «Ganhei um computador dos meus pais».
Eva Arim
Ciberdúvidas


Tema
Logótipo ‘vs.’ logotipo

Pergunta/Resposta
   Causou-me estranheza o termo logótipo que li no Ciberdúvidas, já que sempre dissera e ouvira logotipo (paroxítona). Consultei meu dicionário e é esse mesmo o termo que aparece, porém com a ressalva que seria melhor logótipo, como se parece preferir em Portugal. Tal prosódia (sancionada pelos livros brasileiros, pelo que parece) terá surgido por influência de outras palavras terminadas em tipo, proparoxítonas, que infelizmente a língua em sua variante brasileira transforma em paroxítonas. Veja-se biótipo e biotipo. Se continuar assim, logo estaremos dizendo fenotipo, genotipo e estereotipo.
Luciano Eduardo de Oliveira
Brasil

   O termo logótipo é relativamente recente. O completo Vocabulário da Academia das Ciências de Lisboa, de 1940, ainda não o registava.
   
   O termo aparece, porém, já na 2.ª Actualização da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, com acento: logótipo e sem variante. Também aparece assim grafado no Dicionário de 2003 da Porto Editora e no Dicionário Universal, de 1999, da Texto Editores.
   
   No entanto, José Pedro Machado no Grande Dicionário, proje(c)to da Sociedade da Língua Portuguesa, de 1991, regista unicamente logotipo, paroxítona (grave), sem acento, provavelmente porque o autor sentiu que esta forma estava a impor-se definitivamente. O Grande Dicionário da Porto Editora, de 2004, aparece também com esta variante, mas remetendo para logótipo; e o mesmo procedimento é o do completo Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras.
   
   Ora o curioso é que o Dicionário Houaiss, de 2001, inversamente, já apresenta logotipo como entrada base, para a qual é remetida logótipo com a indicação de ser preferível, mas menos usual.
   
   Do ponto de vista etimológico, penso que efe(c)tivamente deveríamos ado(p)tar logótipo (do grego ‘logos’, «palavra», + ‘typos’, «tipo»), como, por exemplo, protótipo (do grego ‘protótypos’). É esta a recomendação da 4.ª versão, recente, do Prontuário da Texto Editores (embora registando que também existe a variante prototipo).
   
   Alonguei-me neste relato para que se medite na forma como a língua vai evoluindo.
   
   Em resumo, uma coisa é a pronúncia etimológica recomendada, outra o hábito lingu[ü]ístico com que determinado termo acaba por se fixar na língua. Logotipo passou a ser uma forma legitimada pelo uso, de tal forma, que Houaiss até já considera a forma corre(c)ta quase como um anacronismo. Passou-se fenó[ô]meno semelhante com a forma corre(c)ta termóstato, que já hoje os técnicos na generalidade pronunciam termostato em Portugal, e alguns ignoram mesmo a forma corre(c)ta.
   
   Vem, neste procedimento, grande mal à língua? No meu entender, não, dentro de certos limites.
   
   No caso de logotipo, como diz e já tenho referido, há até uma tendência na índole da língua para pôr o acento tónico no elemento do conjunto mais cara(c)terístico: tipo; obtendo-se, assim, um significante que dá melhor ide[é]ia do significado.
   
   Sublinho, porém, que uma coisa é a tolerância no desrespeito pela etimologia em casos semelhantes, outra é aceitar desvios contra todas as regras. Por exemplo, (e como é meu hábito referir) aceitando-se que a analogia é um fenó[ô]meno natural na língua, podemos, contudo, admitir que se conjugue: `eu hei-de, tu *há-des, eles *há-dem´, ou que se conjugue: `que eu consiga, que tu consigas, que nós *consígamos´?
   
   A regra que sigo e recomendo é procurar conhecer sempre bem a forma corre(c)ta e só usar essa em textos exigentes. Defende-se o precioso património da língua quando se respeita a história das palavras, como se respeita a história do país.
   
   Se, porém, nos dirigimos a uma comunidade que já fixou outra forma, então é natural que a usemos, para que não nos considerem pretensiosos. Mas, mesmo assim, uma coisa é a fala, outra a escrita. Cito um exemplo que também me é habitual: para uma comunidade que já fixou biopsia pronunciada ?bió?, eu poderei pronunciar a palavra como proparoxítona (esdrúxula) aparente, mas nunca a escrevo com acento.
   
   Finalmente, sublinho que a sua ilustre Academia Brasileira de Letras ainda regista sem variantes: fenótipo, genótipo e estereótipo.
   
   Ao seu dispor,
D’Silvas Filho ®
Ciberdúvidas


Mundial de Futebol da Alemanha.

1. Fazer perguntas e não “colocar questões”
     «Estão respondidas as questões colocadas pela RTP. Recorde-se que cada órgão de comunicação social hoje, excepcionalmente, pode apenas fazer uma questão», dizia o repórter Hélder Conduto, falando sobre uma conferência de imprensa dada por jogadores da sele(c)ção nacional portuguesa, presente no Mundial de Futebol da Alemanha.1.
     A expressão “colocar uma questão” é um galicismo, uma tradução literal do francês “poser une question”, que, em português, se traduz corre(c)tamente por «fazer uma pergunta». E a construção “fazer uma questão” no sentido de «fazer uma pergunta» é incorre(c)ta. «Fazer questão», em português, significa dar toda a atenção, discutir, lutar por, não ceder.

      1“Jornal da Tarde” do dia 15 de Junho p. p.
2. Não é «“desde” a Alemanha», é «da Alemanha»
     Outra construção incorre(c)ta muito ouvida agora também por causa da cobertura noticiosa do Campeonato [Copa] do Mundo de Futebol, esta um castelhanismo puro, é a troca da preposição de pela preposição desde em situações relacionadas com determinado lugar onde se está, circunstancialmente. Tipo: «Estamos a transmitir (ou a emitir, ou a falar, etc.) desde a Alemanha.»
     Não é «“desde” a Alemanha», é «da Alemanha».

     Cf. Disparatado desde + Desde + Sobre a preposição desde
3. Trindade e Tobago, Hanôver
+ a grafia dos ordinais
     Ainda à volta do Mundial de Futebol na Alemanha, louve-se o sítio Sportugal2 e o portal da FIFA, que, ao contrário da maioria dos órgãos de informação portugueses, não escrevem “Trinidad e Tobago”, mas Trindade e Tobago.
Ciberdúvidas


Tema
As formas “chinchada” e “xinxada”
Pergunta/Resposta
   Xinxada ou chinchada? A propósito de falarmos no assalto às árvores de fruto, que praticávamos na infância, qual a grafia correcta para esta palavra? Existe mesmo, ou é só calão?
   Muito obrigada.
Teresa Guerreiro
Portugal
   Esta palavra não se encontra dicionarizada. Por exemplo, Guilherme Augusto Simões, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, regista chincha com o sentido de «bola de futebol» e «rede de malha apertada usada no rio», acepções com as quais “chinchada” não parece relacionar-se dire(c)tamente. O Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa de Morais (10.ª edição revista) também inclui chincha, significando «rede pequena de arrastar», «barco empregado na pesca com essa rede», «[essa] modalidade de pesca», «pechincha» e «relação carnal».
   
   Contudo, a forma “chinchada” e a expressão “andar à chinchada” ocorre em buscas no Google com o significado que a consulente apresenta. No ‘corpus’ CetemPublico surge apenas o seguinte contexto: «Um descontrolo súbito, enquanto andava à chinchada no quintal de um vizinho, leva-o a atirar um vaso ao dono dos figos.»
   
   A provar-se uma relação etimológica ou morfológica com chincha, a forma correcta ou mais adequada seria “chinchada”
.
Carla Viana
Ciberdúvidas


Tema
Sobre a grafia de judaísmo, cristianismo, Islão

Pergunta/Resposta
   Gostaria de saber se existe alguma obrigatoriedade em grafar «judaísmo» e «cristianismo» com iniciais maiúsculas ou se, bem pelo contrário, é por fazê-lo por convivência textual com "Islão" (inicial maiúscula obrigatória) que incorro num erro.
   Obrigado.
Pedro Moura
Portugal

   Sigo ainda Rebelo Gonçalves neste caso. Escrevo: cristianismo, judaísmo, islão com a acepção de islamismo (religião muçulmana, com as suas divisões [ex.: sunitas, xiitas, etc.]), pois tradicionalmente agora as religiões se escrevem na generalidade com minúscula.
       Distingo, porém, Islão (com maiúscula) para o significado de `conjunto dos países muçulmanos´, considerado então um nome próprio. Da mesma maneira que, por exemplo, digo: `vive no Norte da Europa´, digo `vive no Islão´.
       NOTA: Num caso em que estivesse a comparar com nomes próprios de religiões particulares, exemplo: Religião Católica ou outras, eu representaria as práticas comuns dos povos do Islão (Alcorão, Meca, orações, etc.), também por Islão (com maiúscula).
       Ao seu dispor,
D’Silvas Filho ®
Ciberdúvidas


Tema
As formas “chinchada” e “xinxada”

Pergunta/Resposta
   Xinxada ou chinchada? A propósito de falarmos no assalto às árvores de fruto, que praticávamos na infância, qual a grafia correcta para esta palavra? Existe mesmo, ou é só calão?
   Muito obrigada.
Teresa Guerreiro
Portugal
   Esta palavra não se encontra dicionarizada. Por exemplo, Guilherme Augusto Simões, no Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, regista chincha com o sentido de «bola de futebol» e «rede de malha apertada usada no rio», acepções com as quais “chinchada” não parece relacionar-se dire(c)tamente. O Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa de Morais (10.ª edição revista) também inclui chincha, significando «rede pequena de arrastar», «barco empregado na pesca com essa rede», «[essa] modalidade de pesca», «pechincha» e «relação carnal».
   
   Contudo, a forma “chinchada” e a expressão “andar à chinchada” ocorre em buscas no Google com o significado que a consulente apresenta. No ‘corpus’ CetemPublico surge apenas o seguinte contexto: «Um descontrolo súbito, enquanto andava à chinchada no quintal de um vizinho, leva-o a atirar um vaso ao dono dos figos.»
   
   A provar-se uma relação etimológica ou morfológica com chincha, a forma correcta ou mais adequada seria “chinchada”.
Carla Viana
Ciberdúvidas


Tema
As formas esquisso e esquiço
Pergunta/Resposta
   Tenho sobre a mesa dois dicionários, o da Academia e o Prático Ilustrado da Lello.
   Com o mesmo sentido, no primeiro apenas existe “esquisso” e no segundo apenas existe “esquiço”.
   Até agora não consegui encontrar “on-line” nenhum esclarecimento sobre este assunto.
Débora Esaguy
Portugal
   Esquisso é o aportuguesamento do francês “esquisse”. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa explica que os puristas consideram a palavra um galicismo que deveria ser substituído por esboço, bosquejo, rascunho, debuxo. De qualquer modo, se a palavra é, de fa(c)to, uma adaptação do francês, não vejo por que motivo há-de escrever-se com ç. Consultando o Dicionário Enciclopédico Lello Universal fica esclarecida a forma esquiço: é que neste dicionário a palavra é adaptação do italiano “schizzo”. Se assim é, os dois zz do italiano só poderão ser grafados como ç em português, dada a afinidade histórica dos sons que esses grafemas representam. Os dicionários etimológicos consultados (José Pedro Machado, Silveira Bueno e Antônio Geraldes da Cunha) não ajudam a escolher a melhor forma, porque não registam sequer a palavra.
CR
Ciberdúvidas


Tema
A pronúncia de televisivo e telespectador
Pergunta/Resposta
   Agradecia que me esclarecessem se há diferença de pronúncia no radical
   "tele" no que diz respeito aos vocábulos "televisivo" e "telespectador".
Leonel Cruz
Portugal
   A palavra televisivo pronuncia-se [t?l?vi'zivu]*, sendo os dois ee vogais fechadas. Pronuncia-se também com dois ee fechados a palavra televisão [t?l?vi'z?w?]*. Outras palavras que possuem o morfema tele-, mas em que os dois ee são vogais abertas, são, por exemplo, as palavras telespectador [t?l??p?t?'do?]* e telecomando [t?l?ku'm?du]*.
*
Nota da Truca: impossível transcreer os símbolos fonéticos.
Ciberdúvidas


Tema
Costa de Caparica
e Costa da Caparica (Portugal)
Pergunta/Resposta
   Diz-se e escreve-se “Costa de Caparica” ou “Costa da Caparica”?
   Já vi das duas maneiras.
Leandro Gomes
Portugal
   
Costa da Caparica é como regista o Novo Dicionário Corográfico de Portugal. Também a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, da Verbo, regista Costa da Caparica, tal como Costa do Castelo, Costa do Marfim e Costa do Sol.
   
   Grande parte dos registos na Internet (a começar pela página oficial da Câmara de Almada) registam porém «de». Num texto da imprensa portuguesa (jornal Record de 23/04/06) lê-se, por exemplo:
   
   «Soares Franco voltou ontem, na Costa de Caparica, a explicar de forma minuciosa as linhas-mestras do projecto que pretende pôr em prática, caso vença a AG eleitoral de sexta-feira.»
   
   A hesitação entre de e da tem a sua razão de ser no nome da localidade que foi o núcleo histórico da zona onde se situa a Costa de/da Caparica: o lugar de/da Caparica, conhecido oficialmente como Monte de Caparica, com de, embora correntemente se ouça, diga e até se escreva Monte da Caparica.
   
   Para decidir se é de ou da, poderíamos fazer uma pequena exploração no campo da etimologia, mas não teríamos grande sucesso. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico-Etimológico da Língua Portuguesa, liga o topó[ô]nimo a outros de Portugal como Capareira, Caparide, Caparim, Caparita e Capareiros, os quais talvez remontem a uma base latina comum, cappare ou cappari, «alcaparra».
   
   Se o topó[ô]nimo fosse ainda hoje nome comum, seria natural que se fizesse acompanhar de artigo, como «o Porto» e «o porto», mas o fa(c)to é que caparica não consta nem de dicionários recentes (Grande Dicionário da Porto Editora, Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Dicionário Houiass), nem de obras mais antigas (por exemplo, o dicionário de Domingos Vieira, de 1872-1874). De qualquer modo, nem sempre é válido o argumento de que o uso do artigo se funda na origem dos topó[ô]nimos em nomes comuns, porque há nomes que são acompanhados de artigo (por exemplo, «o Gerês», «a Malcata») mas não correspondem a nenhum nome comum (*«o gerês»).
   
   De qualquer maneira, Machado (ibidem) inclui uma atestação do nome em causa sem artigo («que he em caparica termo da villa dalmada», 1488), podendo assim justificar a forma Costa de Caparica. Conta(c)tadas as juntas das três freguesias do concelho de Almada que têm Caparica incluído no nome (a Charneca, a Costa e o Monte), ficámos a saber que, oficialmente, se diz Monte de Caparica, Charneca de Caparica, mas Costa da Caparica, isto é, só a Costa apresenta a contra(c)ção da preposição com o artigo, da. Porquê?
   
   Transcrevemos as palavras do presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, Sr. António Neves, o qual teve a amabilidade de nos prestar um esclarecimento:
   «A Costa da Caparica foi durante muitos anos chamada por este nome e também pela denominação de "Praia do Sol".
   Mais tarde, na década de oitenta, surgiu uma corrente que defendia o "de" e não o "da".
   Após vários anos e com a necessidade de se proceder à legalização dos símbolos heráldicos da freguesia (agora cidade), através da Comissão de Heráldica, foi informada a Junta de Freguesia de que a denominação da terra era a de "Costa da Caparica" e não "Costa de Caparica".
   
   Porém e se dúvidas subsistissem, a verdade é que quando foi criada a freguesia e publicado o diploma (Dec.-Lei n.º 37 301) em Diário do Governo de sábado, 12 de Fevereiro de 1949 – 1.ª Série – Número 27, a denominação foi a de Costa da Caparica.»
   
   O nome oficial é, por conseguinte, Costa da Caparica.
   Será que o uso do artigo se deverá a uma lenda que faz derivar Caparica da expressão “capa rica”? Se assim for, percebe-se que se use o artigo, porque o topó[ô]nimo teria origem num nome comum, capa.
José Mário Costa/CarlosRocha
05/05/2006
Ciberdúvidas


Tema
Sobre a expressão «lagarto, lagarto, lagarto!»
Pergunta/Resposta
   Gostaria de saber o significado da expressão «lagarto, lagarto, lagarto», só sei que é uma expressão sobre as superstições. Há algum tempo estudo a língua portuguesa e gosto muito dela.
   Muito obrigada.
Beatriz Soto Godínez
México
   A expressão «lagarto, lagarto, lagarto!» significa, de acordo com o Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, «Cruzes, canhoto! Longe vá o agouro!». Por sua vez, «Cruzes, canhoto!» é: «Demónio! Expressão afugentadora de espírito maligno.»
   O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, também regista a expressão e diz que é «Frase para dar sorte ou para que não venha a má sorte».
C. M.
Ciberdúvidas


Tema
«Sem rei nem roque»
Pergunta/Resposta

   De onde vem a expressão «sem rei nem roque»?
   Quem é o roque ?
   Também há «o roque e a amiga».
   E no xadrez «o grande roque» e «o pequeno roque».
Vasco Soares
Editor de vídeo
Porto
Portugal
   Transcrevemos o que regista o Dicionário de Provérbios e Curiosidades, de R. Magalhães Júnior (Editora Cultrix, São Paulo, 1959):
   
   «Sem rei nem roque – Em situação difícil, periclitante. Trata-se de locução portuguesa, fundada no jogo do xadrez. É o mesmo que dizer: "Sem rei nem torre". Tal jogo, de origem oriental, foi adaptado na Europa, onde a pedra chamada "roch" (dromedário) foi substituída pela torre. Mudar a torre, no jogo de xadrez, ainda se chama rocar.»
   
   Vejamos entretanto o que que sobre o substantivo roque escreveu José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (Livros Horizonte, Lisboa, 3.ª edição, 1977):
   
   «Roque – Peça de jogo de xadrez. Não creio que este vocábulo tenha vindo directamente do árabe para o português, tal como não me parece provável qualquer ligação entre o árabe "rukhkh" (apontado como origem desta palavra) e o castelhano “roque”, ao contrário do que pensa Corominas1. As dificuldades fonéticas são algumas, sobretudo se nos lembrarmos de que em castelhano esta palavra se documenta já em 1288. Creio, antes, que devemos procurar a origem de ambas as formas no ant. francês “roc”, designação da “torre de xadrez” na terminologia do séc. XII. A origem do vocábulo além-pirenaico estará, evidentemente, em idioma oriental, no árabe com mais probabilidades, mas a importação deve ter sido feita por outra via que não a hispânica. Séc. XVI: “Em alg?as peças de marfim, que nós houvemos da Índia, o rei está sobre um elefante e o roque a cavalo...” , As Décadas de João de Barros, Diogo Couto, etc. II, IV, cap. 4, p. 179. A locução «(sem) rei nem roque», tirada da terminologia do jogo do xadrez e da expansão facilitada pela aliteração, também se documenta no séc. XVI: “Que não é tanta / que me faça Rei nem Roque./ Leixa-o carregar na manta. / Ler-lhe-ei Palmeirim”, António Prestes, Autos, p. 239 (cit. do Grande Dicionário Português ou Tesouro da Língua Portugues, pelo Dr. Frei Domingos Vieira, Porto, 1871-1874).»
   
   Quanto à frase «o Roque [com R maiúsculo, por se tratar de um apelido] e a amiga», popularizada em textos do programa radiofónico “Pão Com Manteiga”, dos anos 80 do século passado, em Portugal, nada tem que ver com a expressão «sem rei nem roque».
J. M. C.
Ciberdúvidas


Repetindo a pergunta feita por mim ao Ciberdúvidas já há muito tempo. Mas é bom recordar porque o erro persiste por aí à rédea solta.

Tema
Veículo

Pergunta/Resposta
   Ouve-se muita gente, na rádio, pronunciar "veículo" da seguinte forma: "vei-í-culo".
   Será motivo para puxão de orelhas? Ou estarão perdoados?
Luís Gaspar
Portugal

   Um profissional da rádio não pode negligenciar nem o conteúdo nem a forma daquilo que diz, no exercício das suas funções. Sendo ouvido por milhares de pessoas e identificado por elas, de algum modo, como figura de autoridade, tem uma enorme responsabilidade na divulgação e na consolidação de formas de expressão que o público, confiadamente, passa a copiar.
   Veículo é ve-ículo, e não "vei-ículo", naturalmente.
   É claro que todas as coisas têm a sua razão de ser, mesmo os erros. Tal como a natureza «tem horror» ao vácuo, o português tem horror ao hiato (duas vogais contíguas que não formam ditongo).
   Para o evitar, uma das formas é intercalar um i entre as vogais em hiato, como fazem os nossos compatriotas nortenhos em «a (i) água». Ninguém leva a mal, até se acha graça, e nem sequer se considera errado.
   Mas num profissional...
T. A. Ciberdúvidas


Tema
Etimologia e significado de Páscoa
Pergunta/Resposta
   Desejo saber a definição de Páscoa e também a etimologia.
   Encontrei "pesach" do hebraico: passagem.
Marlene Nery
Brasil

   A Páscoa é, de acordo com o Dicionário Onomástico-Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, a «Grande festa judaica e cristã, esta a comemorar a Ressurreição de Jesus Cristo. Do latim vulgar 'pascua', atestado nas glosas, alteração do latim eclesiástico 'Pascha', por cruzamento com 'pascua', «alimento (propriamente "pasto")», pois a Páscoa põe fim ao jejum da Quaresma; aquele latim 'Pascha' provém do grego 'páscha', forma documental na versão dos Setenta (que significa: «a Páscoa, festa judaica e cristã; "em particular", a refeição da Páscoa; o anho pascal»), com origem no hebreu "pasach", que propriamente significa "passagem" e designa a festa celebrada em recordação da saída do Egipto (...); serviu depois para designar a festa cristã celebrada em honra da Ressurreição de Jesus Cristo, por motivo da coincidência das datas.»
   A Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (Editorial Verbo, Lisboa) diz, ainda, o seguinte sobre Páscoa: «O seu significado etimológico é incerto. Alguns procuram-no em raiz egípcia e, nesse caso, significaria “golpe”, “ferida”. Há quem prefira ligar a palavra ao siríaco e então significaria “ser feliz”, “estar alegre”. Designaria portanto a festa de júbilo por excelência. Entretanto o significado geralmente aceite é o que adquiriu no hebraico bíblico: “saltar”, “passar adiante”. Primariamente Páscoa designaria uma dança ritual (‘I Re.’, 18,21); aplicar-se-ia também o termo à passagem do Sol pela constelação do Carneiro ou da Lua para o seu zénite. Por fim impôs-se o significado que lhe dá Ex. 12, 12-27: a “passagem” de Javé ao dar a morte aos primogénitos dos egípcios, “saltando” por cima das casas dos hebreus a quem poupou. No TM “pesah” designa o rito sagrado (49 vezes) ou a própria vítima (31 vezes) ou refere-se simultaneamente ao rito e à vítima (2 vezes). Não se sabe exactamente quando começou e em que consistiria na sua origem, antes de estar unida à festa dos Ázimos. Tudo leva a crer que era anterior a Moisés. Seria a festa que os israelitas desejavam celebrar quando tentaram sair do Egipto com os seus rebanhos (Êx. 3, 18; 5, 3; 7, 16). O texto sugere-nos mesmo que se julgavam obrigados a tal celebração (Êx. 8, 21-25). Admite-se geralmente que era comum às tribos semitas e estava ligada à vida nómada e pastoril. Era festa das primícias dos pastores. Ofereciam à divindade os primogénitos do rebanho, talvez com um sentido propiciatório e para afastarem doenças ou malefícios sobre a família ou sobre os rebanhos. (...).»
C. M.
Ciberdúvidas


Os "quaisqueres" e a confusão entre o quão e o quanto *
    
 1. «Ariel Sharon acabou por seguir um processo de paz unilateral, à margem de quaisqueres negociações internacionais ou quaisqueres negociações com os palestinianos.»
     [Miguel Sousa Tavares, "Jornal Nacional" TVI, 28 de Março p.p.]

     O plural de qualquer é quaisquer. Trata-se de palavra formada do pronome qual + quer (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo querer), que significa coisa, lugar ou indivíduo indeterminado, «não importa qual». No plural, apenas o primeiro elemento flexiona, mantendo-se invariável a forma verbal quer.

     2. «O juiz do Tribunal da Relação de Coimbra António Martins venceu as eleições para a presidência da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com uma pequena diferença de votos. O que só mostra quanto aguerrida foi a luta pela liderança.»
     [in "24 Horas" do mesmo dia]

     Deveria ter-se escrito quão, «quão aguerrida», pois trata-se do advérbio de intensidade seguido de um adjectivo: «Quão intenso é esse perfume!», «Quão diferentes eles são!».
     Quanto utiliza-se junto de substantivos, com a função de adjectivo, e flexiona em género e número: «Quanta dedicação!», «Quanto esforço!», «Quantos erros!».
     Como advérbio, quanto emprega-se como modificador do verbo: «Quanto viajei!», «Quanto me diverti!».
     * in coluna "Ai, esta Língua traiçoeira..." do jornal "24 Horas" de 28 de Março de 2006


A/o câmara ( e não a/o "camera") +
a troca da fobia pela preferência *

     1. No programa "Bom Dia Portugal" da RTP-1, de 23 de Março p.p., numa reportagem sobre um navio inglês afundado ao largo de Faro, surgia a legenda «João Bispo - Imagens Camera Subaquático».
     Câmara é a palavra portuguesa correcta do género masculino («o câmara») que designa actualmente o profissional cuja função é captar imagens através de uma máquina de filmar. No feminino («a câmara») designa a máquina fotográfica ou a de filmar.
     2. Escrevia-se na coluna intitulada "Quentes e Boas" do jornal "24 Horas" do mesmo dia: «Só mesmo a fobia de José Sócrates pelas novas tecnologias – ou plano tecnológico – é que empurram o Governo para inventar essa ideia de se pagar o selo do carro via Internet.»
     Fobia significa medo, medo patológico, que, como é sabido, não é propriamente o sentimento público que o primeiro-ministro [português] tem manifestado em relação às novas tecnologias. Exemplo de palavras onde está presente o elemento fobia (palavra que provém do sufixo grego '-fobia', com o significado de «terror», «horror», «ódio»): aracnofobia, claustrofobia, fotofobia, hidrofobia.
     A atitude de José Sócrates poderia ter sido referida por uma das seguintes palavras: simpatia, gosto, preferência.
     Por outro lado, o verbo empurrar deveria ter sido escrito no singular, pois o seu sujeito está no singular: «(...) a fobia (...) é que empurra».


Arrisca-se a vida … não a morte *
     Numa peça sobre a imigração clandestina vinda de África para a Europa, emitida [numa noite destas] pelo "Jornal 2" da RTP-2, ouviu-se que esses clandestinos «dizem que arriscam a morte, porque é a única opção de sobrevivência.»
     Obviamente que ninguém arrisca a morte, mas… a vida. Por isso, deveria ter sido dito que "arriscam a vida", põem a vida em risco, confrontando-se, portanto, com a possibilidade de morrer. O que é posto em risco é a vida, não a morte.
* in coluna "Ai esta Língua traiçoeira...", jornal "24 Horas" de 17 de Fevereiro de 2006
17/03/2006
Regina Rocha
Ciberdúvidas


Vencer o (e não vencer "ao")
     «O Futebol Clube do Porto venceu 3-0 ao Nacional» – ouviu-se há dias na SIC Notícias, num erro de regência que parece ter virado moda um pouco por todas as televisões e rádios portuguesas, quando se dão os resultados da bola indígena e não só.
     «O Futebol Clube do Porto venceu o Nacional por 3 a 0» é como deve ser dito e escrito. O verbo vencer não se constrói aqui com a preposição a. Vence-se alguém (e não "a" alguém).

     P. S. - A propósito de modismos e disparates, o repetidíssimo "Telecóme" aí está para dar e durar. Pelo menos enquanto o ainda presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, for o primeiro a propagá-lo. Mesmo assim, permita-se-nos a insistência: «(...) em português, a terminação om pronuncia-se [õ]: bom, bombom, bom-tom, chitom, com, destom, diatom, dom, meio-tom, pompom, ronrom, semitom, som, tom, trom, zonzom, etc.» Uma regra extensível ao com das terminações dos endereços na Internet, tipo Sonae. com (ou seja: Sonae.c[õ], e não Sonae."cóme").
07/03/2006
J. M. C.
Ciberdúvidas


As três línguas oficiais em Portugal
   Língua Portuguesa, Lingua Gestual Portuguesa e Mirandês. Gostava que me confirmassem se estas três são consideradas línguas oficiais em Portugal e, se possível, quais as datas em LGP e o Mirandês se tornaram língua oficial em Portugal.
Alcina Silva
Portugal
03/03/2006
   Em Portugal existem actualmente três línguas oficiais, isto é, três línguas reconhecidas legalmente como línguas faladas no País, com direito a serem ensinadas e valorizadas. Essas línguas são, para além do português, a língua gestual portuguesa, que, de acordo com o texto saído da revisão constitucional de 1997, o Estado se propõe «Proteger e valorizar (…) enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades», e o mirandês, que se tornou língua oficial, por decreto-lei, em Janeiro de 1999.
Margarita Correia
Ciberdúvidas


Co Adriaanse ("Cou Adriánsse")
     Co Adriaanse, o treinador holandês do Futebol Clube do Porto, surpreendeu tudo e todos neste domingo p. p. – a começar pelos jornalistas (portugueses) de quem ele se queixava de lhe deturparem frequ[ü]entemente as declarações proferidas até aqui em inglês, antes e a seguir aos jogos –, expressando-se num português impecável tanto na pronúncia como, até, no vocabulário e na construção frásica de fazer inveja à grande maioria dos seus colegas… portugueses. Notável para quem só tem sete meses de Portugal – ainda por cima em contraste flagrante com a descortesia do seu compatriota do Benfica, Ronald Koeman, que continua a falar(-nos) como se estivesse ainda em Espanha.
     Até por isso, Co Adriaanse merece que, ao menos com ele – e ao contrário do que acontece em relação ao outro holandês, para quem não há maneira de lhe pronunciarem bem o apelido na rádio e na televisão –, se tenha mais cuidado na prolação do nome. Se lhe perguntarem dire(c)tamente, como mandam as regras nestes casos mais complicados de se dizer, ficarão a saber como eu fiquei: "Cou Adriánsse" 1.

1 Segundo elucidação do Prof. Fernando Venâncio, a quem recorri pelos seus conhecimentos do holandês, aquele o do nome Co deve soar como o ditongo ou ([ow]) do Norte de Portugal. Quanto ao apelido Adriaanse, os aa dobrados devem ser lidos como se fossem um a aberto, ao passo que o e final deve ler-se como o da palavra francesa "cause": [?]. Já para Ronald Koeman a pronúncia recomendada é "Ronalt Kümane". Ou seja, com a letra d pronunciada como um t breve e não exageradamente pronunciado; o oe de Koeman como o som ü ( igual ao ü açoriano) e o a da última sílaba aberto e curto e n final não nasalado.
24/02/2006
José Mário Costa
Ciberdúvidas


Tema
Organograma 'vs.' "organigrama"

Pergunta/Resposta
   Para esta vou precisar da vossa ajuda, pois trata-se da doutora Clara Pinto Correia (de quem sou admirador): então não é que defendeu avespadamente "organigrama" no "24horas"?! (3/02/2006).
   Alguém pode dar-lhe uma liçãozinha (sobre dicionários e grego) e convencê-la a dizer "organograma"?
   É necessária uma forte rectificação, bem publicitada, dado que o erro vinha em contracapa e vindo da Clara.
   Que acham: vale a pena salvarmos "organograma" deste ataque ou aguentamos "organigrama" por aí mais 30 ou 40 anos?
Gil Costa
Portugal
   Organograma é a forma que mais se aproxima dos elementos gregos que compõem esta palavra ['órgano(n)', «órgão» + 'grama', «escrito», «registo»] e foi assim que sempre se disse e ecreveu em português. Por isso, é a forma recomendada por todos os dicionários e prontuários, mesmo por quantos, mais recentes, já registam a variante organigrama (derivada do vocábulo francês "organigramme", formado pelos elementos "organi"(ser) e "gramme").
   Rodrigo de Sá Nogueira escreveu o seguinte sobre esta dúvida, no seu Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem (Livraria Clássica Editora, Lisboa):
   
   «Diga-se organograma e não "organigrama". Cf. organidinamia, organogenesia, organografia, organologia, organoplastia, organoscopia, em que temos o elemento grego 'órgano (n)' + -genesia, -grafia, -logia, -plastia, -scopia. A par temos: organismo, organista, organizar, que certamente serviram de ponto de partida aos que criaram a forma "organigrama". Esta é errada, deve-se evitar. Em organismo, organista e organizar entram o radical organ + os sufixos -ismo, -ista, -izar. Escusado será dizer que não foi nenhum português que criou a forma "organigrama": ela foi pura e simplesmente adaptada do neologismo francês "organigramme", cuja formação, se não estou em erro, não é regular em francês. O que seria regular em francês, creio eu, seria "organogramme", paralelamente a "organogénie", "organographie", "organoplastie", "organoscopie".»
   
   J.M.C.
Ciberdúvidas