Coisas Sérias - 16

 

'Notícias'
Vicente Jorge Silva - DN de 11 de Fevereiro de 2005

Num gesto digno e muito raro na imprensa portuguesa, a direcção do Público pediu ontem desculpa aos leitores por ter noticiado o que não era notícia na sua primeira página da passada terça-feira "Cavaco Silva aposta em maioria absoluta do PS". E acrescentava que "as convicções jornalísticas" sobre as "intenções ou desejos" dos políticos, "mesmo as mais bem fundamentadas, devem ser apenas objecto de textos de análise ou de comentário". Nada mais justo. Só que a retractação foi tardia e insuficiente. Com efeito, o Público de quarta-feira titulava ainda com mais destaque, numa manchete tão extraordinária quanto bizarra "Cavaco Silva tentou evitar vitimização de Santana Lopes". Era a tentativa tosca e quase charadística de justificar-se e emendar a mão. Pior: persistia-se no erro original e transformava-se a notícia em processo de intenção.

Isto já seria grave se fosse apenas excepcional. Mas não é. O recurso indiscriminado e irresponsável a fontes anónimas, a rumores, a sôfregas deduções e bisbilhotices febris assentou arraiais no chamado jornalismo político. E, no entanto, é nesse terreno minado pela falta de ética, de rigor e de espírito (auto)crítico, que vagueiam almas jornalísticas iluminadas por um fervor justiceiro e moralista quase inquisitorial (vejam-se, por exemplo, as chamadas colunas de sobe- -e-desce, cada vez mais propícias a pequeninas vinganças e safadezas sumárias).

Nada mais parecido, afinal, com o tão desacreditado mundo da política do que o tal jornalismo político agora em voga. Num país cujo primeiro-ministro é um fã inveterado da bisbilhotice e em que o principal partido da oposição se alimenta dela sempre que lhe convém, o rumor e a suspeita destronaram os factos. É por isso que a não notícia sobre as intenções reservadas de Cavaco se tornou a grande notícia da campanha eleitoral.


O bom povo e os maus políticos
José António Lima no "Expresso" 

Vai por aí um coro de queixumes sobre as alternativas políticas que se oferecem para as legislativas de 20 de Fevereiro que até leva a crer que os portugueses despertaram, subitamente, e não reconhecem o país onde vivem. É tal a onda de sobranceria face à qualidade dos políticos e de desdém pela campanha eleitoral que até chega a parecer que a sociedade civil portuguesa se tornou, de repente, a mais culta, exigente e desenvolvida da chamada civilização ocidental.
 
A lamúria atingiu níveis nunca vistos, em todos os quadrantes profissionais, ideológicos ou residenciais. E, no nicho de mercado dos comentadores jornalísticos e televisivos, atingiu os píncaros. Que os líderes partidários são produtos mediáticos vazios de conteúdo. Que só falam entre si e para si mesmos. Que o discurso é sempre igual e só se ocupam de «faits-divers» como a questiúncula dos debates. Que não apresentam ideias para o país nem galvanizam os eleitores. Que se vai votar com o mesmo entusiasmo com que se vai a um funeral. Que a abstenção ou o voto branco é o que eles merecem. Que, que, que… O comentário sobranceiro e depreciativo sobre os políticos e as eleições tornou-se a moda mais «in» neste início de 2005.
(...)
Artigo completo aqui.


O Homem É Perigoso
Por VASCO PULIDO VALENTE
"Público" de Domingo, 23 de Janeiro de 2005

Enquanto por cá nos distraíamos com os mil desastres do nosso pobre Portugal, Bush tomava posse e anunciava a sua política. "A América neste novo século", disse ele, "proclama a liberdade para todo o mundo". E disse mais: que a América não vai ignorar a "tirania", seja ela qual for, nem principalmente desculpar os tiranos. Segundo parece, para ele, expandir a liberdade é o imperativo e "o apelo do nosso tempo". À minha geração, o discurso de Bush lembra logo outro, feito no mesmo lugar e na mesma cerimónia. "Que as nações saibam, as que estão connosco e as que não estão, que pagaremos qualquer preço, suportaremos qualquer carga, aceitaremos qualquer sacrifício, apoiaremos qualquer amigo, combateremos qualquer inimigo, para garantir a sobrevivência e o sucesso da liberdade". Estas palavras messiânicas são de Kennedy e na altura emocionaram muita gente. Só que o messianismo conduziu a América ao Vietnam, a uma guerra fútil e perdida e a uma crise de confiança no Ocidente inteiro, que durou até Reagan e à sra. Thatcher: vinte anos, quase dia a dia. Mas nem Kennedy foi original. Em 1917, Wilson também entrou na guerra com a ideia heróica de "tornar o mundo seguro para a democracia". E, sem consultar a Inglaterra e a França, produziu os "catorze pontos" que iam impor esse prodígio. "A Deus bastaram dez", preveniu um cínico. De facto os "catorze pontos" criaram o caos na maior parte da Europa , contribuíram largamente para a emergência comunismo russo, do nazismo e do fascismo, tornaram inevitável a II Guerra e ainda hoje exigem uma "força de paz" na Bósnia.

O idealismo americano trouxe invariavelmente consigo a pior miséria e a pior violência. E atenção: Lincoln, Roosevelt e Truman não pertencem à escola. Para lá da retórica, tinham objectivos limitados. Lincoln manter a União; Roosevelt liquidar Hitler e o império japonês; e Truman não permitir a expansão do comunismo. Wilson, Kennedy e Bush, pelo contrário, partilham a paixão moral e a arrogância do poder, que, em nome da liberdade, sempre destruiu a liberdade. O programa de Bush, agora reiterado na sua definitiva forma, não promete nada de bom. Já o levou ao Iraque, um sarilho sem fim, e não tardará que o leve ao Irão e à Coreia do Norte. O homem passou o limite do senso, da responsabilidade e do realismo. O homem é perigoso. Topo de Página


Ai, Terra do Nosso Berço!
Por VASCO PULIDO VALENTE
Domingo, 16 de Janeiro de 2005


No século XIX, a estupidez nativa, quando falava do "progresso", citava infalivelmente a Bélgica. Porquê? Porque a Bélgica era pequena como Portugal e não era pobre como Portugal. Donde se concluía que, para ser como a Bélgica, Portugal só precisava de "economias, moralidade e ordem". A Bélgica, entre outras coisas, tinha carvão, falava francês e estava na confluência das grandes rotas comerciais da Europa. Mas nunca ninguém reparou nisso. Agora a estupidez nativa já não cita a Bélgica, cita a Irlanda, o "Tigre Celta", e, nos casos de maior sofisticação, a Finlândia, que, coitada, ainda não adquiriu o título feroz de "Tigre Báltico". Sendo fiel à sua natureza, e porque os partidos em véspera de eleições costumam fingir que pensam, o PS de Sócrates convidou um irlandês, o dr. Barret, para ensinar à saloiada o segredo do "crescimento". O irlandês veio e deu a receita: consolidação orçamental, "aposta" na educação, consenso político e uma administração pública competente. Ou seja, a velha fórmula: "economias, moralidade e ordem", com o canónico acrescento da educação, que, aliás, sempre foi em Portugal um remédio santo.

Como a Bélgica, a Irlanda atrai o pateta indígena porque é pequena e porque essa pequenez parece garantir que os pequenos também se podem safar, se por uma vez se portarem com juízo. A subtileza do raciocínio fica por aqui. Se eles conseguiram, também nós conseguimos. Afinal, não somos menos do que eles. Basta um bocadinho de imitação (uma especialidade da casa) e tudo se arranja. Infelizmente, os "teóricos" da "lição irlandesa, que por aí zurram aos céus, não descem a registar alguns pequenos factos. Primeiro, sucede que na Irlanda se fala inglês, como (imaginem!) em Inglaterra e na América. Segundo, a cultura erudita e popular irlandesa é parte e parcela da tradição inglesa e americana. Terceiro, emigração irlandesa - enorme, antiga e constante - criou, em particular na América, uma comunidade influente e, por assim dizer, "patriótica". E, quarto, a posição geográfica da Irlanda faz dela um entreposto ideal entre a América e a Europa. O "investimento estrangeiro directo", responsável pela miraculosa aparição do "Tigre Celta", não passa de um eufemismo para "investimento americano" e, em parte, inglês. A economia irlandesa é hoje largamente subsidiária da economia americana. Como se vê, o exemplo serve na perfeição a Portugal e mostra a viva inteligência PS. Ai, terra do nosso berço!


Conversas públicas.
Ricardo Garcia no "Público" de 9 de Janeiro de 2005

Até eu fiquei impressionado. "Mas 80 contos? Quatrocentos euros! Como é que foste gastar 80 contos num só dia?". Nitidamente, era a mãe que estava do outro lado da linha. Do lado de cá, orelha colada ao telemóvel, mas voz liberta de quaisquer constrangimentos verbais, a filha passava-lhe um sonoro raspanete, por razões que pareciam mais do que justificáveis. A mim e às dezenas de outros passageiros do comboio que ouviam a conversa, embora à revelia.

A mania de falar ao telemóvel nos transpor­tes públicos democratizou os diálogos mais íntimos. Na mesma viagem Cascais-Lisboa em que soube que a mãe da minha vizinha de as­sento tinha gasto um balúrdio em futilidades, tomei conhecimento de que o inventário não sei de quem, feito há 30 anos, já prescrevera, a crer. num suposto advogado: duas filhas de bancos adiante; que a Paxi encontrava-se em Barcelona, desempregada, e se calhar viria para Portugal, embora sem visto, de acordo com uma brasileira sentada atrás de mim; e que as favas com entrecosto, no "tupperware" na segunda prateleira do frigorifico, tinham ficado uma delícia e era só aquecer, segundo uma distinta senhora que não só deve ter con­feccionado a refeição, como aparentemente ansiava comê-la.

Mesmo cercado de estranhos por todo o lado, ninguém se coíbe de ter conversas publicas ao telemóvel nos comboios, nos autocarros e até nos elevadores - que não deixam de ser um transporte publico. A princípio, as pessoas ao redor ficam incomodadas, olham de soslaio, remexem-se no assento, mudam o apoio do pé direito para o esquerdo. Mas como nunca ninguém diz nada, presumo que acabam por interessar-se pelo falatório.

Confesso que às vezes até apetece intervir no diálogo. No caso da mãe perdulária, por pouco não agarrei no telemóvel para dar-lhe uns con­selhos. Quando pensei nas minhas próprias finanças, porém, desisti. Noutra ocasião, senti urgência em avisar um passageiro de que a per­gunta "Já tens a lista dos meninos todos?" não dialogo que se tenha nos dias que correm.

O problema dos telemóveis nos transpor-tes é que somos obrigados a ouvir a conversa alheia, mas só beneficiamos de metade do di-álogo. O resto temos de inventar mentalmente ou perguntar de uma vez: "Então, afinal o que é que ele disse?".

Mesmo com um só lado da história, qualquer escritor sem imaginação encontra um prato cheio de ideias nas conversas que se ouvem por aí. Outro dia, na mesmo comboio, apanhei um monólogo curto com enorme poder enigmático, bom para iniciar um romance policial: "Sim. 09978756400988. Ok. Adeus". Se era um código secreto, uma conta na Suíça ou se o homem era louco, isso eu não sei. Pelo sim, pelo não, anotei o número, para jogar na lotaria.

Fico intrigado a pensar no que é que leva as pessoas a partilharem assim tão facilmente as suas conversas - e em altos brados. O facto de a maior parte das pessoas aumentarem o volume da voz quando falam ao telemóvel é, aliás, um fenómeno merecedor de investigação cientifica. Talvez seja mera confusão mental, a crer na teoria de que os telemóveis esquentam os miolos.

Seja qual for a explicação, parece haver uma tipologia clara dos interlocutores. Os níveis sonoros mais elevados vêm daqueles que ou têm coisas importantíssimas para dizer ("Deixe-­me os papéis para eu assinar sobre a minha secretária e deposite-me os cheques no banco ainda hoje"), ou estão ligados à construção civil ("O que ê que queres, pá, já lá mandei a carrinha com o material!"), ou não se aperce­beram de que a chamada caiu ("Tô!...tô!...estálá!!...estou!!!...está!!!!... ").

Por outro lado, falam baixo aqueles que estão a inventar uma desculpa para chegar atrasados ao trabalho, em especial quando parecem conva­lescer de excessos etílicos da véspera: "Tive um problema lá em casa, mas já estou no comboio, a caminho." Quantas vezes já ouvi esta...

No Reino Unido, já há comboios que reser-vam espaços onde é proibido utilizar telemó-veis. Se for adoptada em Portugal, a mesma medida trará alguns benefícios. Mas a viagem vai perder a piada.
Ricardo Garcia no "Público" de 9 de Janeiro de 2005


 

A política vista dos jornais
Clara Ferreira Alves no "Expresso"
de 24 de Dezembro de 2004

. António Vitorino vai ser o próximo ministro dos Negócios Estrangeiros.
. António Vitorino vai ser o provável cabeça-de-lista
para a Câmara do Porto.
. António Vitorino pode não aceitar a Câmara do Porto.
. António Vitorino quer regressar à política activa.
. António Vitorino redige o programa de Governo
e não quer regressar à política activa.
. Os transportes públicos vão aumentar em Janeiro segundo fonte do Ministério das Obras Publicas, Transportes e Comunicações.
. Os transportes públicos não vão aumentar em Janeiro,
segundo fonte do Ministério das Obras Publicas
Transportes e Comunicações.
. O PSD e o PP vão aparecer coligados nas eleições antecipadas de Fevereiro.
. O PSD e o PP romperam a coligação e irão em listas separadas às eleições antecipadas de Fevereiro.
(...)
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Contrafernização
Luís Fernando Veríssimo no "Expresso" de 18 de Dezembro.

- Dr. Anselmo, eu...
- Não me chame de doutor. Anselmo, Anselmo.
- Anselmo, eu...
- Tocão.
- Como?
- Meu apelido. Tocão. Me chame de Tocâo.
- Tocão.
- Isso. E o seu, qual é?
- O meu...?
- Apelido.
- Som, em casa me chamam de Di.
- Di! Maravilha. Viu só? Passamos o ano inteiro trabalhando juntos, nos tratando de doutor Anselmo e dona Dinoná, e só agora nos conhecemos de verdade. Sabe o que eu acho, dona Dinorá? Di? Que o apelido é o nome da alma. Sabendo o apelido de uma pessoa se conhece a sua alma. Tome mais champanhe.
- Não, obrigada. Vou parar. Já bebi demais.
- Tome! Sou eu que estou pagando. Eu não, a firma, mas fui eu que autorizei. Pedi do melhor. Foi um ano bom para a firma, vamos comemorar com o melhor. O melhor para todo o mundo. Sabe, Bi?
(...)
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A morte de Theo Van-Gogh,
desde Quinaxixe

José Eduardo Agualusa no "Público" de 12 de Dezembro

Tenho tentado acompanhar, a partir de Luanda, o debate europeu sobre imigração, a que o assassinato do cineasta holandês Theo Van-Gogh por um terrorista islâmico, há pouco mais de um mês, veio dar um novo ímpeto e uma outra urgência. Olhado daqui, do Largo do Quinaxixe, este debate parece opor apenas modelos generosos, ainda que equivocados. Percebem-se essencialmente duas grandes correntes - uma, maioritária na Holanda e na Alemanha, mas que os últimos acontecimentos vieram colocar em causa, defende uma espécie de desenvolvimento separado, em que os imigrantes têm o direito de exercer livremente a sua cultura, não se deixando transformar pelo país de acolhimento, e tão pouco o transformando. A segunda corrente, defendida pela França, e que é vista com simpatia nos restantes países latinos, entende que é necessário assimilar os imigrantes à cultura local, aceitando-se ao mesmo tempo que esta se enriquece em contacto com as culturas exógenas.
(...)
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A Crise da Incubadora
Pacheco Pereira
no "Publico" de 02 de Dezembro de 2004

FIM DO GOVERNO Há uma evidência incontornável, como agora se diz, quem acabou com o Governo foi o primeiro-ministro, com as suas escolhas de próximos, com a sua incapacidade de condução política, com a sua incompetência funcional, com a sua sucessão de contradições, com a mistura de demagogia e impreparação desde o primeiro momento (a entrevista da "deslocalização" de ministérios) ao último (o discurso de "Estado" da incubadora). Teve, como único traço detectável na governação, a obsessão com o que dele diziam os órgãos de comunicação social e a vontade clara de inverter essa situação por todos os meios ao seu alcance. Foi essencialmente aí que ele quis "governar" e, ao fazê-lo, lançou a confusão por todo o lado.
(...)
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Os políticos e a lei de Gresham
(Aníbal Cavaco Silva no "Expresso" de 27 de Novembo de 2004)

Nos anos recentes, muito se tem falado de uma certa degradação da qualidade dos agentes políticos em Portugal, da sua credibilidade, competência e ca-pacidade para conduzir os destinos do país. Independentemente de ser de facto assim, o certo é que há hoje uma forte percepção da parte da opinião pública de que, em geral, a qualidade dos agentes políticos tem vindo a baixar.

Para isso tem contribuído, entre outros factores, o afastamento crescente das elites profissionais, dos quadros técnicos qualificados da vida político-partidária activa. Os políticos profissionais de valor, com uma carreira seriamente estruturada, ficam, assim, mais mal acompanhados.
(...)
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O adeus a Berlim.
Clara Ferreira Alves no "Expresso" de 20 de Novembro de 2004

Quinze anos depois da queda do Muro de Berlim, Checkpoint Charlie é uma rua de lojas e armazéns chiques, e ao dobrar da esquina fica o Newton Café, in memoriam de Helmut Newton e das suas damas nuas. No lugar onde estavam as metralhadoras e o arame farpado, o lugar do medo e da separação, ficou um memorial nem sequer muito importante, nem sequer muito ostensivo. Quem não olhar para a guarita e a fotografia do soldado de duas faces pode acreditar que a Guerra Fria nunca existiu e foi uma invenção romanes-ca de escritores como John Le Carré.
(...)
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o MINISTRO-para-todas-as-estações Álvaro Barreto veio dizer, esta semana, que «é perfeitamente normal que todos os empresários de todos os países adoptem políticas de não hostilização dos governos». Acrescenta que acha igualmente «normal que um empresário» como Pais do Amaral tenha dito a Marcelo Rebelo de Sousa qualquer coisa como: «Veja lá se não podemos encarar um modelo diferente que não crie esta hostilização». E que, se estivesse no lugar de Pais do Amaral, também «era capaz de o fazer. Não considero que seja pressão». A concluir as suas elucidativas divagações sobre o tema, Álvaro Barreto salienta, com bonomia, que "não há ninguém nos governos que não tenha a tentação de influenciar a comunicação social quando ela é muito crítica. "Uns fazem-no mais inteligentemente do que outros».

A concepção de Álvaro Barreto da relação entre o poder político e o poder económico é, por si só, ilustrativa. É a cartilha típica do "bloco central"e da promiscuidade interesseira entre empresários e governantes. Para Barreto, um empresário como Belmiro de Azevedo, que mantém o seu espírito crítico e diz o que pensa sobre o mundo onde vive, incluindo sobre os políticos e os governos, deve ser uma aberração.

Mais grave, no entanto, é Álvaro Barreto extrapolar este seu olhar de arrogância empresarial (ao serviço momentâneo da política) e esta concepção retrógrada dos poderes em democracia, com primazia para o poder do dinheiro, às empresas de comunicação social. Que têm um estatuto particular e um lugar próprio numa sociedade democrática.

Barreto parece já ter esquecido, mas não é por acaso que a Constituição enfatiza a liberdade de expressão, estipula a especialidade destas empresas e obriga o Estado a assegurar a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico.

Álvaro Barreto não só acha natural como não considera «que seja pressão» a intromissão de Pais do Amaral no contendo editorial da TVI. Então é o quê? Um conselho amigo para o comentador autocensurar as suas opiniões, para ter cuidado com o que diz, para encontrar «outro modelo» de pensamento e de análise? Com uma tocante clareza, Álvaro Barreto não só confirma as óbvias pressões condicionadoras exercidas pelo empresário como defende, sem rodeios, a subordinação da liberdade de opinião e da comunicação social ao poder económico e, em simultâneo, às conveniências do poder político do dia. Eis o simulacro de democracia que o ministro nos propõe. E com o qual se identifica.
J.A.L
(Expresso de 13 de Novembro de 2004)
jalima@mail.expressa.pt


Os "merdia"
Clara Fereira Alves no "Expresso" de 6 de Novembro de 2004

(...)
O dono do mundo é, de facto, Rupert Murdoch, o império mais poderoso do planeta, o trunfo supremo no jogo da globalização. Três quartos da população mundial têm acesso a um dos “media” de Murdoch, e o restante quarto é demasiado pobre e subdesenvolvido para o fazer. Na América, a Fox News é uma cadeia de televisão tablóide que ultrapassa todos os critérios de deontologia jornalística e profissional e grosseiramente controla tudo o que transmite. A Fox News é poderosa, com milhões de espectadores, e obrigou as outras cadeias, a CBS, NBC, ABC e CNN, a ir a reboque das tácticas e fórmulas sob pena de perda de audiência. Os “media” transformam-se em “merdia”, neologismo que proponho.
(...)
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E depois do adeus.
José António Barreiros no "DN" de 29 de Outubro

Circunstâncias de alinhamento gráfico fazem com que eu compartilhe esta página com dois membros da Administração deste jornal.
Ambos convergiram numa decisão: afastar o director. Um deles anunciou-o ao País através de uma televisão, da qual é comentador.
Entretanto, uma senhora que, afinal, eles já haviam convidado para ser a próxima directora, veio publicamente dizer que não existiam condições para fazer deste jornal um diário «de referência, isenção e aceitação pública».
Chegadas as coisas a este ponto, compreendam os leitores que eu saia deste lugar. É patente o que está actualmente em causa na comunicação social portuguesa: o domínio dos media pelo grande capital, a entente cordiale entre esse grande capital e o actual Governo. Poucas serão as excepções.
A imprensa deixou de ser um problema de direito constitucional à liberdade de expressão, passou a ser um problema de direito comercial à distribuição de dividendos.
Num quadro destes, eu corro o risco de me transformar na demonstração de que as coisas não são tanto assim quanto parecem.
Enquanto aqui estive nunca sofri a mais pequena sugestão ou limitação de quem quer que fosse; não quero é continuar neste ambiente de degradação.
Ao público em geral há duas coisas que já não escapam. Primeiro, em Portugal está a instalar-se um clima de medo; não o medo antigo de se ser preso por um delito de opinião, mas um medo moderno, nascido na zona dos interesses, do que se ganha e do que se perde. A hipocrisia, em Portugal, passou a ser a forma de os fracos sobreviverem, a velhacaria um modo de os fortes dominarem.

Segundo, em Portugal a vida  política vive na mentira e na desconfiança: ninguém diz totalmente a verdade, ninguém acredita minimamente no que se diz. É evidente que é um problema de liberdade o que está em causa, um duplo problema de liberdade: é que sem liberdade de empresa, não há liberdade de imprensa.

Ora a concentração capitalista na comunicação social e a sua aliança com o poder político, num só golpe, geraram a miséria a que assistimos. Cada um que vai à quase moribunda Alta Autoridade para a Comunicação Social é mais um rol de ignomínias que vem ao de cima.
Começa a perceber-se o bastidor do espectáculo. Um destes dias os leitores, para estarem capazmente informados, talvez tenham, não de comprar um jornal, mas sim de comprarem o próprio jornal que o publica. Ser jornalista é hoje recolher notícias que outros embrulham no meio da publicidade e da propagan-da. Honrados profissionais vivem hoje essa agonia.

Sem ser jornalista, a minha vida está intimamente ligada a escrever nos jornais. O cheiro da tinta de imprensa ainda é para mim um excelente afrodisíaco. Antes do 25 de Abril, com 19 anos, já estava no Comércio do Funchal, no República e no Notícias da Amadora. Talvez, por isso, seja insuspeito para dizer com muita mágoa: pobres coronéis do «lápis azul» que, no antigo regime, a troco de uma magra avença, canhestros e ridículos, tentavam servir um regime, «cortando a raiz ao pensamento».
Comparado com o que se passa hoje, era um mundo artesanal.
É que, então, ainda tínhamos do lado das redacções alguém que, por meio de uns bons berros, em português vernáculo, fazia a notícia passar. Mutilada, esfrangalhada, às vezes quase ilegível, enfim, a notícia passava, e os leitores, habituados a ler nas entrelinhas, percebiam-na.
Hoje já quase não há quem dê berros. Numa só coisa estamos iguais: os leitores começam a saber ler nas entrelinhas.

Obrigado a quem me leu, obrigado a quem permitiu que aqui escrevesse. Durante semanas escrevi gratuitamente, espero não ter escrito em vão.
José António Barreiros no "DN" de 29 de Outubro


Sob suspeita
Fernando Madrinha no "Expresso" de 23 de Outubro

PENSAVA-SE que o caso Marcelo e os seus desenvolvimentos já tinham provocado todo o dano que podiam provocar ao Governo. E que, perante o desastre evidente a que conduziu o seu modo canhestro de reagir às críticas de um comentador incómodo, pelo menos um membro do Executivo - o dos Assuntos Parlamentares - teria aprendido a lição. Puro engano! Não só este mesmo ministro reincidiu num discurso provocatório e desconexo junto da Alta Autoridade para a Comunicação Social, como outro com maiores responsabilidades políticas veio lançar novas achas para a fogueira ateada pelo seu colega incendiário.
(...)
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Jogos de sedução
Fernando Madrinha no "Expresso" de 16 de Outubo de 2004

Após dois anos de austeridade, com a perda acelerada de poder de compra, em especial pelas famílias com menores rendimentos, mas também por centenas de milhar de funcionários públicos que tiveram os seus vencimentos congelados, as promessas de Santana Lopes deviam ser recebidas com o aplauso geral. Tanto mais que o que é normal e desejável é que haja aumentos de pensões e de salários - não que fiquem como estão, ano após ano. Mas, exceptuando o próprio Governo e a maioria, ninguém com voz audível através dos meios de comunicação social nem as oposições, nem os sindicatos, nem os empresários, nem os especialistas em economia e finanças, mais ou menos independentes elogia as promessas de Santana Lopes que o seu ministro das Finanças se esforçou por consagrar no Orçamento. Por que será?
(...)
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Domingo sem missa.
Paulo Cunha e Silva no DN de 10 de Outubeo de 2004

Este domingo não há missa. O famoso pregador remeteu se ao silêncio. O si lêncio é uma maneira de falar, disse. Este domingo a missa é uma missa de silêncio.
Ou melhor de silêncios, de meias palavras, de jogos de sombras.
Que Marcelo não fale, o homem que falava de tudo e por todos os poros, é já um sintoma importante.
Quer para os que defendem a tese do bluff. E para estes Marcelo estaria a criar a maior das suas ficções. Quer para os que defendem a teoria da conspiração e do atentado à liberdade de expressão, num remake pós moderno do Portugal Amordaçado.
Até hoje não sabemos o conteúdo da conversa ao almoço entre Miguel Paes do Amaral, o patrão da TVI, e Marcelo Rebelo de Sousa, o seu mais famoso actor, para lá de todas as quintas.
Não sabemos se foi sondado, pressionado, ou admoestado para se moderar.
Mas alguma coisa se deve ter passado. Raramente há fumo sem fogo.
E este fumo é uma cortina que impede de ver mais longe e com clareza.
Quem não estaria a contar com este efeito boomerang era o Governo.
As críticas do ministro Rui Gomes da Silva permitiram elaborar, mesmo que não exista, um nexo de causalidade entre o desconforto do Governo e a saída de Marcelo.
E este nexo é a mãe de todas as apreensões.
O carácter esquizofrénico da democracia mediática portuguesa fez do afastamento, aparentemente voluntário, de um comentador, um facto de tamanha relevância nacional que o Presidente da Republica convoca imediatamente o visado e dispõe se a comentar assuntos nacionais no estrangeiro, o Governo altera a agenda, o primeiro ministro sente se na necessidade de fazer uma comunicação ao Pais, Cavaco Silva fala com estrondo, Soares falará.
E até se levanta o fantasma da dissolução da Assembleia da República.
Longe vai o tempo em que o silêncio era de ouro. Infelizmente esta sucessão de silêncios e ruídos é muito pouco melódica. Falta um pouco de pais real a toda esta encenação político mediática.
É claro que o pregador não era um pregador qualquer. Era o mais famoso do pais.
Alojado no seu speaker's comer da TVI, faz do pais político e o outro ao sabor das suas conveniências, do seu génio, do seu humor, e sobretudo da sua agenda (política).
O mundo para ele era «vontade e representação». O país político era o palco predilecto, o xadrez, onde ia criando as suas ficções, mexendo as suas peças, com doses bem variáveis de verdade mas sempre com sentido de xeque mate.
O seu tom associava o brilho da decifração, a hermenêutica mais sofisticada, à evidência da banalidade. Marcelo era e é assim. Banalmente brilhante. Brilhantemente banal. Marcelo surfava (ou fazia bodyboard) sobre os assuntos. Não distinguia a TVI do Guincho. É a referência dos analista surfistas.
Ele não anda, desliza. E é também um espécie de Andy Warhol do comentarismo.
O seu processo era o mesmo do artista pop norte americano. Skin deep (pele profunda).
Ele encontrava profundidade na pele da realidade. (Mas já nos tinham dito que o mais profundo era a pele.) A explicação do mundo sai lhe da boca como a explicação dos pássaros. E no seu caldeirão de comentário divertia se com as suas diabruras, assertivamente apontadas aos seus ódios de estimação.
Santana Lopes, um ódio de peso inestimável, tinha se transformado no bombo das últimas festas. Não gostou. A missa acabou.
Paulo Cunha e Silva no DN de 10 de Outubeo de 2004


O que eles dizem.
J.A.L. no "Expresso" de 2 de Outubro de 2004

A TRAGÉDIA convertida em espectáculo e transformada num interminável «reality show». O fenómeno não é novo nas três televisões generalistas, mas o caso da morte da pequena Joana atingiu na TVI, na SIC e na RTP os limites da desvergonha. A aldeia de Figueira, entre Portimão e Lagos, foi tratada ao longo de dias a fio como uma espécie de Quinta das Celebridades.

As três televisões inundaram o país de directos onde nada de novo se passava, de reportagens sem qualquer informação relevante ("a polícia suspendeu as buscas, a polícia recomeçou as buscas, o tio entrou no tribunal, os curiosos amontoam se, está a cair a noite, a mãe do padrasto também está preocupada"... etc., etc.), de entrevistas indecorosas a qualquer curioso ou curiosa incluindo crianças que quisesse debitar umas banalidades ou umas alarvidades para o pequeno ecrã, de afirmações descabidas e irresponsáveis dos próprios repórteres e «pivots». Tudo isto à rédea solta, sem limitações de tempo para não perder audiências, sem contenção nas palavras ou nas imagens, sem o mínimo cuidado ou deontologia informativa.

Ao longo do fim de semana, então, a paranóia televisiva requintou se e a «overdose» atingiu os píncaros. O crime da Figueira abriu todos os noticiários da noite (e a maioria dos da tarde) e ocupou, por exemplo no sábado, 35 minutos no telejornal da TVI, 35 no da RTPI e 26 no da SIC. Nos dias seguintes, o «reality show» da Figueira continuou em força e em horário nobre.

Como já se disse, nada disto é novo e basta recordar os excessos e abusos da cobertura da tragédia de Entre os Rios. Mas o facto de se repetir não deve banalizar o despudor desta exploração televisiva da dor e das emoções. Nem atenuar o dever de criticar este tipo de cobertura e de «reality shows» sob a capa respeitável de «informação jornalística».

A degradação social e moral dos familiares da infortunada Joana, a bisbilhotice mórbida de vizinhos e curiosos, a coscuvilhice soez de vícios e fraquezas de vidas privadas, tudo serviu às televisões para montarem o espectáculo das audiências. O tratamento não é muito diferente daquele que irão receber as vedetas de plástico, os famosos extravagantes e os idiotas úteis de uma qualquer Quinta das Celebridades. A tragédia real e a farsa grotesca confundem se e equiparam se nas programações televisivas.


A "Generosidade" da PT
Por JOSÉ MANUEL ROCHA
"Público" de segunda feira, 20 de Setembro de 2004


As empresas existem para cumprirem três ordens de objectivos: servir os clientes e deixá los satisfeitos com o serviço prestado; criar riqueza, gerando valor acrescentado; produzir lucros que permitam remunerar os seus accionistas.

Como em tudo na vida, pode dizer se neste universo que há empresas e empresas. Umas, embora desempenhem melhor um dos objectivos para que foram criadas, procuram um justo equilíbrio entre os três pilares que justificam o seu ser. Outras, vivem quase exclusivamente para servir um único objectivo.

É neste último segmento que parece integrar se a Portugal Telecom. Confortavelmente instalada no quase monopólio da rede telefónica fixa e numa confortável liderança do segmento móvel, a PT, nos últimos anos, tornou se numa espécie de gigante adormecido, cuja única preocupação parece ser a remuneração (de uma generosidade sem limites) dos seus accionistas. De tal forma que vai avançar com um novo programa de compra de acções próprias e avança os milhões que irá disponibilizar para dividendos em 2005 (referentes ao exercício deste ano). No total, serão cerca de 800 milhões de euros, mais de dois terços dos fundos disponíveis no ano que vem, segundo se lê na imprensa.

É extraordinário. O exercício ainda não terminou, as contas do ano estão longe do fecho e já se sabe quanto será distribuído dos lucros gerados. Que interessa o investimento? Que interessa a melhoria da qualidade do serviço? Que interessa a consolidação dos negócios? Que interessa o crescimento estratégico e a aposta na diversificação das operações?

Imobilista, parada no tempo, a gozar as delícias de um pódio que quase lhe foi dado em bandeja de prata, a PT vive em função dos accionistas e do mercado de capitais. Assim poderá tornar se num alvo fácil de abater. Provavelmente será bom para os accionistas. Será para o país?

P.S.: A PT Multimédia anunciou que vai investir oito a dez milhões de euros até ao final de 2005. Na melhoria da programação? Na melhoria do sinal? Na contratação de novos canais? Não, em imagem!


Os panegiristas
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS
no "Diário de Notícias" de 24 de Setembro de 2004

De súbito, em Portugal, começa a parecer mal dizer se mal; por isso surgem pessoas, a escrever nos jornais, para dizer mal de quem diz mal. Não são só fervorosos panegiristas, são organizados militantes anticríticos.
Os leitores, habituados ao estilo bilioso da malta dos jornais, estranham esta cruzada santa de bondade e doçura, uma tal devotada catequese pelo dizer se bem.
Na aparência, de facto, tudo isto é basto confuso. Só que tudo isto tem a ver com o Governo.

A confusão primeira, a da falta de critério, mostra logo donde vem esta onda concertada de complacência. É que muitos dos que acham hoje mal que se diga mal do Governo fartaram se no passado de dizer o pior de outros Governos: assim, percebe se que, em matéria de Governos, do que eles gostam, afinal, é deste. Passa se com eles a história do freguês do restaurante que, não gostando de comida, gosta, sim, do que está a comer.

Claro que alguns desses bem dizentes têm azar, porque no mesmo jornal onde vem o seu elogio ao Governo vem a notícia do cargo para que o Governo os fez nomear. É aborrecido, eu sei, sobretudo quando na sua prosa untuosa vinham umas dentadinhas contra a falta de ética dos outros.
Outros, menos afortunados, ainda esperam a sua vez, cantando serenatas inflamadas nos pátios do poder, a aguardar uma janela entreaberta, que lhes retribua generosamente o seu devotado amor.

Naturalmente que há ainda os outros dos outros: os que estão realmente convencidos de que este é, de facto, um bom Governo. Esses, que seriam os que valeria a pena ler, para se saber ao menos porquê, são os que escrevem pouco, porque, a escreverem agora, não encontravam obra para tanta fé. Tal como São Tomé, seguem Cristo, mas esperam para ver.
Eu cá já estou avisado.
Cada vez que digo aqui mal do Governo há sempre quem de fora me faça uma fraternal prevenção, para meu bem.

Por isso, me lembrei do republicano Leal da Câmara, que tem museu em Rio de Mouro e que a polícia proibiu de criticar El Rei.
Então, o pobre caricaturista, cujo jornal ostentava, vistoso, a menção «o jornal com maior circulação no Governo Civil», fez a sua opção.
Perguntou se o que haveria que o proibisse de desenhar algo como uma inocente melancia, onde logo os do Paço Real, atentos à imagem do monarca, viram o ventre bojudo de Sua Majestade; o que existiria que lhe vedasse o direito de pôr em cima da dita melancia o desenho de uma simples abóborazita, onde logo os talassas censores lobrigaram a régia cabeça de D. Carlos, e por aí em diante.

A meu modo, e com as devidas proporções, sinto me mais ou menos parecido.
Claro que tenho, nisto de escrever, as minhas limitações.
Escrevendo gratuitamente, não estando em campanha eleitoral para coisa nenhuma, e não tendo, nem querendo, cargo público que seja pago pelos contribuintes, nem condecoração que me confunda com a legião dos já agraciados, fico à mercê de uma única coisa: os caprichos da minha vontade.

Às vezes, a vontade que eu tenho só Deus sabe. Nesses momentos, em que sinto a tragédia colectiva como se fosse um drama individual, escrevo uma crónica. Ficam assim. Nem mal nem bem. Ao lê las, as coitadinhas, que me ficam sempre aquém do sentimento, farto me de dizer mal de mim próprio. Somos de facto um povo de gente horrível. Não gostamos de nada, nem de ninguém.
(José António Barreiros no "Diário de Notícias" )


INJUSTIÇA SOCIAL
José Manuel Barata Feyo na "Grande Reportagem" de 18 de
Setembro de 2004

Se o princípio da solidariedade social nasceu com a Frente Popular, na França de 1936, a ideia das taxas moderadoras diferenciadas, acabada de anunciar por Pedro Santana Lopes, é pior que um regresso a 1935. Na prática, é a subversão do próprio princípio da solidariedade, aquele segundo o qual os mais abastados devem contribuir para atenuar o sofrimento dos mais desfavorecidos.

A menos que eu tenha entendido mal, o primeiro ministro, depois de se ter autopromovido a presidente de um inexistente «super» Tribunal Constitucional, fundamenta o seu propósito nas lacunas do sistema fiscal, de cuja ineficácia ele é o principal responsável. «Se o nosso sistema fiscal fosse perfeito, se quem pagasse impostos não fossem principalmente aqueles que vivem do seu trabalho, aí teríamos as desigualdades corrigidas. Mas como o nosso sistema fiscal não é perfeito, temos de introduzir estas correcções para corrigir as desigualdades.» Nem mais!
(...)
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O amor submerso
Por Inês Pedrosa no "Expresso" de 11 de Setembro de 2004

Há filmes que nos ensinam mais do que décadas de estudos. Só o inesquecível, eternamente actualizado pelo prazer cortante da memória, nos acrescenta. Se nunca existiu uma qualidade de inesquecível universalmente reconhecida, o frenesim celebrante que marca o nosso tempo acaba por diluir em fogo de artifício a possibilidade do inesquecível. Há pessoas que vivem uma vida inteira à tona, sem acesso a esse tesouro afogado que é o momento inesquecível feito de horas ou anos, da pele de uma palavra ou da noite de um corpo. Por isso é que filmes como O Regresso, de Andrei Zviaguintsev, são cada vez mais necessários; filmes que estendem sobre a tela a beleza inconsolável dos nossos mais profundos fantasmas, que nos oferecem um percurso ao fim do qual reconhecemos a matéria frágil de lama e luz de que somos feitos.
(...)
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O estudante
(Clara Ferreira Alves no "Expresso" de 05 SET 04)

Os livros nunca aparecem em cena, e os erros de ortografia abundam

Há muitos muitos anos existia uma palavra chamada estudante. Era uma palavra com prestígio e dignidade e significava e encerrava um conjunto de qualidades perdidas. Esforço, atenção, concentração, trabalho, mérito, afirmação da personalidade e da inteligência. Uma pessoa, não necessariamente um adolescente ou um jovem, estudava para melhorar o seu mundo mental e para melhorar o mundo físico à sua volta. O estudo era um método de auto aperfeiçoamento, muito antes de auto aperfeiçoamento significar apenas a cirurgia estética do corpo e da cabeça, ou o retoque cosmético da notoriedade.
(...)
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Moore vs. Bush
Clara Ferreira Alves no "Expresso" de 28 de Agosto de 2004.

Parece que não se pode gostar do filme de Michael Moore sem primeiro bater no peito e jurar três vezes que o homem é um manipulador. Claro que é, se não fosse, os seus filmes não teriam graça e não teriam eficácia. Michael Moore não é um jornalista, o que faz, e sobretudo o que faz bem, documentários editados, tem por trás uma tese sobre certos governantes, corporações e atitudes do seu país. E se a ingénua opinião pública pensa que aquilo que lhe servem numa bandeja como jornalismo «imparcial» e «objectivo» não sofre manipulações, sugiro lhe que pense outra vez. Vivemos na era da manipulação genial de imagens, uma indústria que centuplicou os seus créditos e lucros nas últimas duas décadas. Tudo o que nos servem está, mais ou menos rigorosamente, calibrado e calculado, sobretudo o que nos servem na televisão. Editar faz parte do oficio de informar e do de entreter. Fahrenheit 9/11 não é grande entretenimento.
(...)
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Bola na praia
José António Barreiros no "Diário de Notícias"

Há 30 anos, em Portugal, o poder estava nas mãos dos que haviam lido Das Kapital; hoje mandam os que frequentaram a Kapital.
Há nisto tudo uma substancial diferença: os primeiros queriam transformar o País em nome de uma ideologia, os segundos hesitam em governá lo, por total ausência dela.
Além disso, aqueles sofriam então inflamados num mundo de miragem, estes sorriem hoje bronzeados num mundo de imagem.
A política actual deu nisto, no reino do fait divers: o primeiro ministro não se livra dele, nem tem outro mundo em que consiga viver.
Pedro Santana Lopes dificilmente encontra um jornalista que queira dele ouvir se tem uma ideia de Estado, encontra dezenas que queiram saber onde almoça e com quem janta.
A política espectáculo impõe as suas regras.
Sem as luzes da ribalta política, Santana sabe que não existe, sem os bastidores do teatro da política, Lopes sabe que não subsiste. Por causa disso há um exército de assessores só para a imagem. Na lógica do entretém, a vedeta só se valoriza com um corpo de baile.
Num teatro de revista em que não haja coristas, o compère não tem graça. Essa é ciência do Parque Mayer.
Já os romanos, hedonistas antigos e antecessores dos de hoje, sabiam que não havendo pão, houvesse ao menos circo.
Por falar em festas, o ano político vem aí, este ano sem as festas de abertura dos partidos que estão no poder. Faz sentido, porque, com a central de imagem e mais os assessores de imagem, estaremos em festejos o ano todo.
Claro que quando acabar o que resta do subsídio de férias, virá o regresso ao real, do bronzeado à palidez.
No Outono, menos festivos, regressaremos todos: aqueles, homens políticos, que escolheram isto; aqueles, homens sem cara, que apoiarão isto; aqueles, homens sem nome, que sofrerão por causa disto. Para enganar estes últimos, os assessores transformarão a imagem do impossível na imagem do inacreditável.
O primeiro ministro sabe que basta que o País pense que não pode estar a suceder o que lhe aconteceu, para que o Governo se aguente: foi assim com ele, quando, parecendo lhe irreal, chegou de súbito ao lugar que tem. Para já, entre sol e aguaceiros, vivemos o jogo de bola na praia do segredo de justiça.
É um jogo de vaivém.
O segredo de justiça, coitadinho, mais do que violado, estuprado ele tem sido, já deu para tudo.
Houve carreiras políticas fulgurantes à conta dele.
Por causa dele antigamente bola! iam políticos para a rua. Agora, através dele bola! vão para a rua magistrados.
O problema é que, como os outros jogos de bola na praia, irritantemente salpica todos de areia.

Texto de José António Barreiros do "DN" de 20/8/04
ja.barreiros@mail.telepac.pt


Os melhores
(Texto de Vasco Pulido Valente no "Diário de Notícias de 7 de Agosto de 2004)

No exame do 12.º ano, em 95 621 alunos 50 000 (mais de metade) não conseguiram «passar». É esta a obra de incontáveis governos durante quase meio século e de uma pequena trupe de «educadores» que, de Veiga Simão a Roberto Carneiro e a Marçal Grilo, planearam e dirigiram a política de ensino. E a catástrofe não fica por aqui. Há 40 000 licenciados no desemprego e também muita gente com o mestrado e o doutoramento. Pior: o secundário deixa as crianças na inocente ignorância de praticamente tudo, quando não as deixa quase analfabetas, e a Universidade (em sentido lato), entregue a cliques de pêlo vário, só produz mentecaptos que repetem com indiferença o professor. Pouco a pouco, o país que «estudou» desceu a uma geral iliteracia: estultificante, grosseira e muito contente de si mesma. Os jornalistas não sabem escrever. Na televisão, não se fala português ou qualquer outra língua reconhecível. A «classe dirigente» (da política à economia e da ciência ao futebol) precisava, sem excepção, de voltar ao «básico». Mas, no meio disto, apareceu um tipo novo: o semiculto, o semi informado, o semiesperto, que viajou por aqui e por ali, que leu uns livros, que aprendeu uns nomes, que se imagina com «gosto», que tem um «título» e, naturalmente, opiniões. Nunca pensou nada a sério e nunca investigou nada a sério. Não mede o alcance do que diz, nem do que faz. Vive do «eu acho que», do «eu estive lá» e de meia dúzia de impressões. Generaliza com autoridade, cita muito e, se pode, usa um calão «técnico». É um cego e julga que viu e percebeu o mundo. É perigoso, porque não conhece a sua estatura e os seus limites e porque não se importa com a «realidade» ou a «verdade» de coisa alguma. De qualquer maneira, prospera; e hoje manda em nós. Tarde ou cedo, os filhos de Veiga Simão, Roberto Carneiro e Marçal Grilo haviam de mandar em nós. Os que «passaram», claro, os melhores.


OS POBRES QUE SE...
Por José Manuel Barata Feyo
na Grande Reportagem (DN) de 31/7/04


Nos primórdios da globalização, vai agora para uma década, ficámos a conhecer a bíblia político económica do século XXI. Em síntese, a teoria do mercado global defende duas linhas mestras. O conjunto dos Estados, reduzidos a uma única macroempresa, tem por função produzir o máximo pelo mínimo preço. O objectivo atinge se reduzindo drasticamente os postos de trabalho (só um em cada cinco trabalhadores terá acesso ao mercado de trabalho no decorrer do século XXI) e, depois, cortando no salário e na qualidade de vida dos trabalhadores restantes, os indispensáveis para assegurar o aumento sustentado da produção. Simultaneamente, e de modo a evitar indesejáveis revoltas sociais, a «empresa global» deve proporcionar a tittytainment, termo de calão que também designa o leite do seio materno e que, nesta circunstância, se aplica a «uma sábia mistura de divertimento estupidificante e de alimentação suficiente que permita manter de bom humor a população frustrada do planeta», escrevem Hans Peter Martin e Harald Schumann (A Armadilha da Globalização já várias vezes referido na GR edições Terramar, 1998).

Ilustrando as ideias que, em São Francisco, em 1995, presidiram à reunião das elites conservadoras do mundo político e empresarial, os dois jornalistas alemães, os únicos autorizados a acompanhar os trabalhos, exemplificam: «Os alemães e ainda mais os austríacos trabalham muito pouco, têm rendimentos demasiado elevados, tiram férias demasiado longas, gozam demasiadas baixas por doença.» Reflexo desta analise, no Frankfurter Allgemeine Zeitung conclui que «a sociedade de exigência ocidental está confrontada com as sociedades de renúncia asiáticas» produtividade maxima, baixos salários, poucas férias e boa saúde permanente. Por seu turno, o maior jornal austríaco, Neue Kronezeitung, considera que chegou o tempo dos sacrifícios. «O continente tem vivido acima dos seus meios.» As sociedades europeias devem, portanto, adaptar se «por baixo».

E à luz deste monstruoso conceito, que só consigo classificar lamento repetir me como o do sacrifl'cio da espécie humana à espécie

dos números, e da qualidade da vida à quantidade da produção, que se explica o discurso alarmista e miserabilista do Governo de Durão Barroso. E ele também que justifica a decisão agora tomada, na linha da mesma doutrina política, de excluir mais alguns milhares de pobres do Rendimento Mínimo Garantido (RMG), rebaptizado Rendimento Social de Inserção (RSI) em Abril do ano passado.

Ainda na oposição, Paulo Portas tinha rotulado o RMG de «mesada que o Governo dá a quem não quer trabalhar, um subsídio à preguiça e ao ócio». Chegado ao Governo, Bagão Félix, o ministro CDS PP da Segurança Social, usa todos os artifícios ao seu alcance para acabar com os «preguiçosos». Dando lhes trabalho? Não. Cortando lhes um subsídio que, na melhor das hipóteses, nem sequer chega a cem euros mensais para cada um dos elementos do agregado familiar, incluindo as crianças com mais de um ano. E, mais grave ainda, cortando o com flagrante injustiça em inúmeros casos. O resultado desta medida, dificilmente identificável com a caridade cristã apregoada pelos centristas, é que o RSI foi recusado a quase sete mil famílias tantas quantas dele beneficiam.

Não duvido que algumas das famílias excluídas pelo novo critério de atribuição do RSI sejam constituídas por «pobres desonestos», que se apropriavam de parte ou da totalidade de um subsídio a que não tinham direito os que poderiam trabalhar e não o fazem, por exemplo. São atitudes condenáveis, sem margem para dúvida. Mas essa minoria de pobres não detém o exclusivo nacional da roubalheira de subsídios e, sobretudo, não é tolerável que, por causa deles, se condene a uma miséria ainda maior a imensa maioria dos pobres autênticos que abundam em Portugal.

Zbigniew Brzezinski, durante quatro anos conselheiro de Segurança Nacional do presidente Carter, inventou a tittytainment. Defensores da ama seca, o CDS, Paulo Portas e Bagão Félix inventaram o RSI. É a teta sem leite. Resta provar que também ela é capaz de proteger a «empresa global» da explosão de insegurança e da revolta social que Brzezinski, sábia e cinicamente, pretendia acautelar.
Por José Manuel Barata Feyo
na Grande Reportagem (DN) de 31/7/04


À solta
Texto de Vasco Pulido Valente no "Diário de Notícias

O público recebeu este Governo como não tinha recebido nenhum outro: com espanto, com assombro, com irrisão, com censura. As trapalhadas não param. Há as trocas e baldrocas de última hora; 38 secretários de Estado, 38!, distribuídos sem lógica nem senso; o secretário de Estado que não toma posse porque foi a Bruxelas com Barroso; a secretária de Estado que fazia mais falta na Cultura do que na Defesa; ministros à procura de ministério ou mesmo no meio da rua à procura de casa; declarações delirantes de Santana e Portas. Numa palavra, a irresponsabilidade chegou ao poder: uma irresponsabilidade nova e nunca vista. Mas não surpreendente para quem conhece os gloriosos chefes da balbúrdia, a que o dr. Sampaio com a sua prudência entregou o País. Santana e Portas vêm da escola da intriga, do boato, do segredo e do truque. Dantes não se notava tanto, porque estavam limitados a uma pequena esfera (o PSD, o CDS, a Defesa e a Câmara) e até certo ponto sob a supervisão de adultos (e mesmo assim arranjaram sarilhos sobre sarilhos). Agora, sem supervisão e com Portugal inteiro para brincar, não existe limite ao que dali eventualmente sairá. Entrámos no universo do imprevisível. Pensar pela cabeça desta espécie política não é coisa fácil. Santana e Portas vivem do exibicionismo, do melodrama, da demagogia. Dizem isto e dizem aquilo e depois desdizem e depois tornam a dizer. Não interessa. Avançam sempre com certeza da inconsciência. Só pensar, ao fim de uma semana, que a ideia do Presidente era garantir a «estabilidade», mostra o erro sem desculpa em que ele caiu. Santana e Portas são, por natureza, o princípio da instabilidade. Sempre a provocaram e se alimentaram dela. Um espectáculo e eles não passam de um espectáculo precisa de mudar. De qualquer maneira, o começo promete.
Vasco Pulido Valente no "Diário de Notícias"


Modernices...
Por Vasco Prazeres no "Notícias Magazine" de 18/7/2004

Ouvi nas notícias que um gajo qualquer mandou a patroa desta para melhor. Depois, foi julgado e deram lhe uma porrada de anos de choça. Deram lhe tempo de mais e pediu para outro tribunal dizer o que é que achava. Parece que a mulher se negava ao gajo, que dizia que não havia nada para ninguém! Toma lá, que é para saberes! Então um homem atura as anos a fio até se comprometeu quando estava no altar e depois elas negam se a fazer aquilo que lhes compete, e esquecem se do que juraram ao padre? Não pode ser! Ou há moralidade, ou come toda a gente! Ainda por cima elas chagam desde que acordam até que adormecem e um homem só pede que estejam caladas dois ou três minutos por dia, que o servicinho não precisa de conversas! E, às vezes, nem é todos os dias... E, no caso deste senhor, até parece que ele estava a trabalhar fora e que só de vez em quando é que ia a casa, ou lá o que era! Armada em madame! A fazer se cara... Se calhar, o homem andava avergar a mola longe de casa e ela a meter se debaixo doutros! Isto é no que dá, agora, essa mania das independências. Cá para mim, ninguém me tira da ideia que, com estas modernices todas, foi uma juíza e não um juiz quem deu a sentença! Elas andam todas feitas umas com as outras! O que valeu foi que o outro tribunal não foi em cantigas, nem nas tretas dos direitos das mulheres e da violência doméstica, ou o que é isso! Quer dizer: um homem anda a dar cabo do canastro num sitio que não conhece, a comer mal mesmo quando elas cortam nos temperos por causa dessas mariquices da tensão alta e das gorduras no sangue, sempre é outra coisa dar ao dente na nossa casa , a ter que gastar uma nota para não enferrujar e depois, quando chega a casa.., não há nada para ninguém? Quer dizer, eu também acho que, se era a primeira vez não era preciso limpar lhe mesmo o sarampo. Bastava dar lhe umas chapadonas até que ela baixasse a bolinha. Mas, pelo menos, sempre serve de exemplo. E por isso que eu acho que é bom darem estas notícias, que assim pode ser que outras que estejam com a mesma ideia sempre tiram o cavalinho da chuva. Depois de os juízes virem dizer que o homem tinha tido uma pena injusta porque não sabia ler e porque a mulher não tinha direito a dar negas, eu só gostava de saber porque é que anda para ai toda a gente a dizer que a justiça em Portugal não funciona como deve ser. O que é que queriam? Tirem as mulheres dos tribunais e vão ver como este pais anda para a frente! E, já agora, tirem nas das escolas, que só estão a fazer com que os rapazes fiquem todos uns maricas! Ainda bem que eles vão começar a tirá las de médicas, que só fazem a malta gastar dinheiro na farmácia com remédios que não servem para nada Chiça! Como se não bastasse andarem todas a gritar pela selecção! Já nem quando queremos ver futebol nos desamparam a loja!«
Por Vasco Prazeres no "Notícias Magazine" de 18/7/2004


Consenso
Por Vasco Pulido Valente no DN

Sempre esperei que Sampaio não dissolvesse. Quando o vi na televisão, ofegante e solene , fiquei logo com a certeza. Sampaio tomou a decisão mais fácil para si próprio.
A indignação da Esquerda não lhe custa muito a suportar. Vem de amigos, que nunca terão por ele um ódio persistente e que, tarde ou cedo, o acabam por desculpar e perceber. Tirando Ana Gomes (que não conta) e talvez Louçã, toda a gente, aliás, reagiu com especial suavidade. Estavam «tristes», disseram os PS, «decepcionados». Nada de importante. Até os jornais não se excederam. Nem sequer os comentadores, que preferiram escolher Ferro para «mau da fita». Tivesse Sampaio resolvido ao contrário, a Direita havia de bramir e de se torcer enquanto ele continuasse em Belém. O nosso Presidente desde pequenino que não resiste a coisas dessas. Gosta mais de ir com a onda, seja ela revolucionária, democrática, socialista ou liberal. A onda agora é a Direita populista e ele só pede que o deixem andar pela paisagem, muito em sossego, a distribuir baboseiras. Há quem julgue que ele se «amarrou» a Santana e que um eventual fracasso de Santana o põe de rastos. Engano. Sampaio não se «amarrou» a Santana. Não fazendo eleições, não foi, no fundo, contra a vontade do PS, foi contra a direcção de Ferro. Apesar do que por aí proclamaram, João Soares, Sócrates, Lamego, Coelho, Carrilho, Gama, Costa e o resto da formosa plêiade do PS antes querem aturar Santana no Governo do que Ferro no partido. Ora Sampaio liquidou pessoalmente Ferro, mostrando o seu pavor de, mesmo com eleições, lhe entregar o País. Agora Ferro saiu, como devia, e o PS (ou a parte relevante dele) exulta e reza por Sampaio. Moral da história: não acreditem no que ouvem e no que lêem. O Presidente conseguiu um «consenso». Ele em descanso, a Direita feliz, o PS feliz, Ferro infelicíssimo e o PC e o sr. Louçã aos berros como de costume. Ah!? Sampaio é de Esquerda ! Pois.
(Texto de Pulido Valente no "Diário de Notícias" de 11/7/2004)


O Espírito do futebol

No meu país nunca acontece nada, dizia o poeta. Mas Portugal já não é um país de poetas, é um país de futebolistas ansiosos e eufóricos, e nacionalistas desembestados. No coração de cada português, aquele espécime humano que tinha vergonha da bandeira e a julgava pirosa, vais de vermelho de verde, que horror!, nasce agora uma flor de escudos e quinas, regada com o suor dos rapazes da Selecção. E o que eles suam! Uma pessoa passa duas semanas noutro país e quando chega não reconhece o país que tem. Coisas estranhas aconteceram. Começou no aeroporto, a periférica Portela parecia Heathrow à hora de ponta. E na fila dos táxis, o choque: arrumadores de tróleis e malas, taxistas bem educados e que não protestam nem põem a telefonia aos berros para se vingarem da corrida curta, arrumadores falando cinco línguas, ou peio menos uma que vale por cinco.
(...)
Artigo completo aqui.


SALVEM A BANDEIRA
Por José Manuel Barata Feyo.

Portugal mobilizou se em torno do Euro como a Polónia de Walesa pela liberdade ou Paris na hora da libertação. Cada povo, já se sabe, empenha se nas causas que correspondem às suas capacidades culturais e ao seu grau de civilização. Ainda assim, devia haver limites. Que a publicidade explore sordidamente um Euro que se encarregou de promover e os políticos popularuchos o aproveitem para fins eleitoralistas, já é sinal de parolice.
Que uma qualquer instituição bancária (em vésperas do jogo Portugal Grécia, dia em que escrevo) encha páginas de jornais com um estádio onde foi plantado um arremedo de colunas gregas e proclame, qual vândalo orguIhoso da sua barbárie, «Vamos deixá los em ruínas» e aí entramos na arrogância insultuosa, dirigida a um povo que o publicista considera estúpido e ignorante o povo português.
Da publicidade às emissões informativas, tão especiais que nem lhes escapa a magna questão das «bolas» nas cuecas de um jogador, o Euro já enjoa. Não os jogos, mas toda a boçalidade gerada à sua volta. Pessoalmente, dou comigo e com quantos outros portugueses? à beira de vomitar o Euro. E se não vomito mesmo, é porque o assunto só pode ser tratado com ironia a triste ironia possível.
Olhem a bandeira. Encomendada aos milhões, que o negócio é patriótico, e fabricada em cantos do mundo onde, manifestamente, faltava um original, a bandeira portuguesa foi desmultiplicada em várias. Não se chega ao extremo de trocar a localização das cores, como fizeram, vai para um século, os dois anónimos heróis que, nos confins da mata angolana, festejaram a notícia da implantação da República, em Lisboa (faça a si próprio o favor de ler a brilhante narrativa histórica A PeregrinaCão de Artur Vilar, de Eduardo Palaio edições Miosótis, 2004), mas os castelos conquistados por D. Afonso Henriques nem o próprio os reconheceria!
Há castelos para todos os gostos. De estilo românico, gótico, manuelino, acachapado, esticadinho e, até, os autênticos castelos árabes. Porém, o nec plus ultra da bimbalhada é o castelo estilo «pagode». Presume se que fabricadas na China, as bandeiras do pagode foram encomendadas por um hipermercado e apadrinhadas pela Fundação Luís Figo e por uma espécie de multibanco que, averiguação feita, é o logótipo da nova RTP Estes castelos pagode têm uma característica peculiar. A porta de entrada e a «muralha» que a rodeia recordam inevitavelmente o símbolo que os arquitectos utilizam, na planta das casas, para assinalar a localização das sanitas. «Vamos fazer acontecer», reza a embalagem que envolve a bandeira. Enigmático, verdadeiramente enigmático.
Bem mais elucidativa, no meio de vários textos densos de palavras em inglês a língua mais adequada para dar força a Portugal , é a sugestão dos promotores no sentido de lançar «uma moda patriótica», a hiperfashion. Para o caso de a imaginação do comprador se ter esgotado no acto de compra, acautelaram a estupidez restante sugerindo que a bandeira seja utilizada à laia de cintura, de boné ou de lenço (de pescoço, é claro). As sugestões estão apoiadas em desenhos, delicada atenção para com os nossos 30 por cento de analfabetos.
Perante manifestações de tão risonha indigência patriótica, ocorre me fazer aqui duas sugestões. A primeira prende se com o hino nacional. Deixemos de marchar contra os canhões, mania antiquada e direcção que só mobiliza os masoquistas, e avancemos, modernamente, contra os contribuintes, iniciativa tão do agrado de Manuela Ferreira Leite. A segunda é a adopção, por unanimidade, de uma lei supraconstitucional: voltamos à velha bandeira azul e branca, expurgada de qualquer símbolo da realeza. Penso que ela era menos berrante e terceiro mundista que a actual e, por conseguinte, mais discreta e adequada ao primeiro Estado Nação da Europa. Mas voltamos a ela e dela não saímos daí a tal lei supraconstitucional durante, digamos, um quarto de século. Assim se evitariam as precipitações revolucionárias ou populistas, que tantas vezes rimam com mau gosto, e se acautelaria a hipótese provável de Durão Barroso, adiando outra viagem de Estado, aproveitar a confusão entre castelos, pagodes e sanitas para substituir as quinas por dragões, águias ou leões, consoante o próximo vencedor de um qualquer campeonato de futebol.
(Em Sinais do Tempo por José Manuel Barata Feyo na Grande Reportagem de 19 de Junho de 2004)


Patentes de «software» na UE A Caixa de Pandora
 Bruno Dias no Expresso Online

Imagine que se dirige a uma papelaria para comprar um lápis. E que, como seria de esperar, a sua escolha recai sobre aquele que é o lápis mais vendido do mundo, que toda a gente usa e que se vê por toda a parte.
 
Chegado a casa ou ao escritório, abre a embalagem do lápis e fica a saber que tem de entrar em contacto com o fabricante, e fornecer lhe uns quantos dados pessoais sob pena de o lápis deixar de escrever ao fim de poucos dias.
 
Agora imagine que começa a descobrir que está impedido de afiar o lápis, que está impedido de escrever com ele num caderno fabricado pela concorrência, ou de apagar com borrachas da concorrência; que está impedido de o emprestar a quem quer que seja. Não querendo acreditar no que está a acontecer, chega à conclusão de que afinal não comprou um lápis o que fez foi adquirir o direito de o utilizar, em determinadas condições (que evidentemente não conhecia).
 
Tudo isto é demasiado estranho. Mas, só para me fazer a vontade, imagine ainda que o fabricante do lápis registou a patente e que agora mais ninguém o pode produzir, nem sequer utilizar essa tecnologia para outros produtos (compassos, por exemplo, ou lapiseiras).
 
E, para o delírio acabar em grande, imagine finalmente que, sem que ninguém dê por isso, esse maldito lápis ainda se põe a escrever sozinho, a copiar documentos seus e a assinar cheques!
(...)
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UM LADO

Ganhámos
Vasco Pulido Valente no "Diário de Notícias" de 28 de Maio de 2004

José Mourinho garantiu em Gelsenkirchen que ficará na história, pelo menos nos próximos cem anos, porque nos próximos cem anos ninguém tornará a ganhar, como ele ganhou, sucessivamente a Taça UEFA e a dos Campeões. Mourinho merece a nossa gratidão. Como de certeza nem o sr. Barroso, nem o sr. Sampaio ficarão na história, o Portugal do século XXI sobreviverá através dele, e só através dele, na memória humana. A vitória do Porto teve, na verdade, consequências de inconcebível alcance, que, de resto, e por assim dizer com grande espírito desportivo, o Presidente da República e o primeiro ministro se apressaram a reconhecer. Para o Presidente da República, ela trouxe ao país «felicidade», «auto estima» e também, dentro em pouco, a «retoma». Para o primeiro ministro, ela foi «boa», genericamente «boa». E, para o «povo», que se manifestou como hoje já nem por si se manifesta, nada de melhor podia acontecer? A partir de anteontem, Portugal é perfeito e não se compreende, na verdade como ainda há por aí gente que se queixa. O Porto demonstrou o nosso génio nacional; o Porto saiu da cauda da Europa para a cabeça da Europa. A Europa está prostrada perante nós, tremendo de admiração e respeito. Claro que para certos «velhos do Restelo» (que escaparam à polícia) esta versão das coisas, a versão oficial e geral, só mostra até que ponto se degradou a sociedade e corrompeu o Estado. Dizem eles que a baixa cultura da plebe democrática não devia, em circunstância alguma, servir à política de medida e muleta. Que, pelo contrário, se devia sempre resistir à força do futebol, às pretensões do futebol, à falsa vida do futebol. Os «velhos do Restelo» felizmente não contam. Que vale esse país desgovernado e pobre, e agora indiferente ao seu destino, que persiste em não desaparecer apesar das proezas de Mourinho? Ganhámos, não ganhámos?
Vasco Pulido Valente

OUTRO LADO

Um país como o FCP
Luís Delgado no "DIário de Notícias" de 28 de Maio de 2004

No dia em que Portugal, e os portugueses, for como o FC Porto, ganhador, convicto, empenhado e com uma auto estima acima da média, ganhará qualquer desafio, vencerá qualquer crise e correrá ao lado dos melhores.
Não interessa a euforia do momento, mas apenas olhar para uma equipa, verdadeira máquina vencedora, que não se vai abaixo com uma taça perdida no Jamor, mas logo a seguir conquista a que todos aspiram e desejam na Europa.
Ter um país à imagem do FC Porto não é pedir muito.
Basta seguir o exemplo, dar sempre o melhor, não descansar à espera de resultados, nem viver de glórias passadas.
É que isso já foi, não leva a lado nenhum, e só alegra os pessimistas.
Agora, com esta vitória, a selecção nacional tem a responsabilidade enorme de se portar à altura de ganhar um campeonato europeu tal como o Porto trouxe a Taça da Liga dos Campeões.
Isto não é subir a expectativa, é aceitar, como um facto positivo, que os melhores estão na base da selecção nacional, e que mal ficaria se Portugal não fizesse tudo, com toda a força, coragem e vontade, de chegar, no dia 4 de Julho, ao Estádio da Luz, para enfrentar a final.
Não é pedir muito, é exigir o mínimo.
O FC Porto abriu a janela, agora é preciso «agarrar» o momento, aproveitar a oportunidade e fazer pela vida e pela vitória.
Só disso é que a História falará.
Luís Delgado


Aplicações de estudo ainda não são claras
Cientistas tentam ler o cérebro de eleitores norte americanos
 Pedro Ribeiro, Nova Iorque
PÚBLICO

Muitos norte americanos concordariam com a afirmação de que os cérebros de democratas e de republicanos funcionam de maneiras diferentes. Agora há dados científicos para sustentar essa ideia. Dois especialistas em neurologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) estão a usar equipamentos de ressonância magnética nuclear para estudar as reacções cerebrais de indivíduos a anúncios televisivos políticos.
As experiências destes cientistas foram descritas na semana passada num artigo no jornal "The New York Times". O trabalho ainda está a meio, mas o estudo já colocou hipóteses curiosas. Entre elas: mostrando o mesmo anúncio de propaganda a duas pessoas, cada uma irá usar uma parte diferente do cérebro de acordo com a sua opinião sobre a mensagem.
O estudo da UCLA consiste em mostrar anúncios de propaganda política a indivíduos e medir as suas reacções através do uso de equipamentos de ressonância magnética nuclear. Marco Iacoboni, um professor na UCLA, descreveu ao jornal "Times" as reacções dos sujeitos testados.
Entre os vários anúncios usados estava um do Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, que usa imagens do 11 de Setembro. Segundo Iacoboni, os indivíduos com tendências democratas, que à partida não aprovam as políticas de Bush, responderam ao anúncio com a parte do cérebro ligada a ameaças e ao perigo.
Os republicanos, partidários de Bush, a quem o mesmo anúncio foi mostrado reagiram com outras partes do cérebro.
Este tipo de estudos é uma versão mais sofisticada das análises ao comportamento de eleitores feitas por cientistas políticos. Pelo método tradicional, um anúncio é mostrado a um grupo de indivíduos, que são questionados sobre as suas reacções.
Estas respostas são subjectivas e de fiabilidade limitada. O uso de equipamentos de ressonância magnética nuclear poderá permitir ter uma ideia mais exacta da verdadeira reacção de cada pessoa a um anúncio.
Nos dias seguintes à publicação do artigo, o "Times" recebeu cartas de alguns leitores preocupados com o efeito "Big Brother" desta pesquisa. Outros cientistas notaram que a investigação ainda está numa fase muito incipiente, e que não há que temer "lavagens cerebrais".
As aplicações concretas do estudo da UCLA ainda não são claras. Mas alguns analistas políticos vêem potencialidades no método. Tom Freedman, estratega do ex Presidente Bill Clinton, disse ao "Times": "Estes novos instrumentos podem ajudar nos a depender menos de 'clichés' ou ideias pré concebidas [sobre o comportamento dos eleitores]. Pode ser que [as novas técnicas] façam a ciência política ser um pouco mais científica."


Os homens do Presidente
(Clara Ferreira Alves no "Expresso" de 15 de Maio de 2004)

Eu acredito que o Presidente Bush não sabia. Na guerra, na guerrilha, nas invasões e ocupações, nas anexações, cometem se atrocidades. Na guerra branca, negra, islâmica, ocidental, hindu. Na guerra dos Balcãs ou da Tchetchénia, na de Israel e da Palestina, na do Tibete ou do Sri Lanka. Em qualquer lugar do mundo, neste preciso momento, alguém está a ser assassinado pelas assassinas razões da guerra, não a guerra militar, um conceito simples, mas a guerra entre os homens, a guerra dos homens entredevorando se, chacinando se, aniquilando se.

Acredito também que as famílias, pelo menos algumas famílias, não sabiam. As famílias daqueles soldados americanos que aparecem nas fotografias, homens e mulheres, a sorrir, fotografados em pose feliz junto a corpos nus e humilhados e escorraçados da humanidade. Um dos objectivos da guerra não é, como nobremente nos ensinam os incipientes manuais de história cravados de noções geopoliticas e propósitos românticos ou civilizacionais, mudar o mundo e acabar com opressões.
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A Caixa de Pandora
Por MARIA JOSÉ MORGADO
"Público" de quinta feira, 06 de Maio de 2004


Os Estados Unidos estão a começar a agir contra os oceanos de corrupção da América Latina, recusando vistos a políticos corruptos. Motivo: a corrupção é tão grande que receiam que as Honduras e as Argentinas se tornem num bom terreno para grupos terroristas lavarem dinheiro ou comprarem armas.

Se o combate à corrupção entre nós falhar, terão também de se preocupar connosco.

O ponto nevrálgico deste combate inadiável centra se nos métodos de trabalho. Não é possível apoiá lo e simultaneamente criticar os métodos de trabalho dos investigadores e do tribunal a propósito da demora dos interrogatórios, das detenções e buscas feitas oportunamente. A esse respeito logo se levantam os intermináveis choradinhos da sentimentalidade garantística, como se a condição social dos arguidos, ou o tipo de crimes, impusesse maior generosidade processual.
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A Distância Invisível
Por EDUARDO PRADO COELHO
"Público" de sexta feira, 30 de Abril de 2004


Já se tornou uma rotina. Antigamente eram fotógrafos, publicitários, especialistas de "marketing". Hoje estão em todo o lado. São os brasileiros. A gente entra num café, e o empregado é brasileiro. Vai à caixa pagar o estacionamento e ouve falar o português do Brasil. Compra uns sapatos e é acolhido por uma brasileira. Adquire uma revista de poesia (dou o melhor dos exemplos: "Inimigo Rumor") e encontra colaboradores portugueses e brasileiros. Compra um disco e é a voz esmagadora de Virgínia Rodrigues a cantar afro sambas. Quer aprender a ler a poesia portuguesa moderna e contemporânea, e tem um amplo volume desse leitor excepcional que é Jorge Fernandes da Silveira, intitulado "Verso com verso" (na Angelus Novus). Os brasileiros estão em todo o lado e estão naturalmente, numa verdadeira fraternidade. É verdade que mantêm laços de solidariedade entre si, e estranho seria se o não fizessem. Mas integram se plenamente na vida portuguesa, e contribuem para essa dimensão intercultural que é necessário desenvolver.

Há dias, os jornais noticiaram que se estão a criar escolas interculturais em Coimbra, Luanda e Recife, através de uma organização não governamental, a CEA, isto é, a Cooperativa de Ensino e Arte. E a CPLP (que começa a dar alguns discretos sinais de vida) dá o seu apoio. É em coisas dessas que ela justifica a sua existência. O Instituto António Sérgio também vai participar através de equipamentos e pagamento dos primeiros professores. No projecto já esboçado, poder se á ir do ensino pré escolar ao ensino superior. Para o Brasil, prevêem se escolas em Manaus, Rio de Janeiro e São Paulo. O projecto é apaixonante.

Aproveitando esta vaga, uma excelente jornalista brasileira, que em Portugal foi responsável pelo projecto da "Ícone" (onde estava também Ana Sousa Dias), de nome Paula Ribeiro, lançou se agora numa admirável aventura: tentar fazer um jornal semanal para os brasileiros que estão em Portugal e para os portugueses que se interessam pelo Brasil. Já vai em mais de dez números, calculo eu, e é uma leitura muito interessante e simpática. Leve em todos os sentidos (com uma notável qualidade gráfica), mas com aquele agudo sentido de qualidade que Paula Ribeiro gosta de impor nos seus projectos.

Folheemos o n.º 9, correspondente à semana que se iniciava em 15 de Abril. A telenovela está presente na primeira página, para nos contar que, na "Celebridade", ainda havemos de ver a protagonista, a actriz Malu Mader, "grávida, presa e pobre". Mas é nos prometido um aliciante suplementar: a morte de Lineu Vasconcelos (que parece com vocação para ser assassinado) e o habitual rol de suspeitos em que o mistério apenas se desvendará no último episódio. Mas o "Correio do Brasil" tem coisas bem mais interessante: uma crónica de Alberto Dines, crónicas de jornalistas portugueses (recordemos o belo texto de Maria João Guardão), indicações sobre lugares onde comer gastronomia brasileira, um "dossier" sobre o novo disco de Caetano, a evocação do inesquecível "Morte e Vida Severina", um artigo sobre Melo Neto, e duas páginas que nos deixam em estado de graça sobre a pequena cidade de Paraty. Há ainda o desporto, os livros, e as informações relativas ao GNT. No final da leitura, estamos um pouco mais brasileiros, e espero que os brasileiros se tenham tornado um pouco mais portugueses. A distância vai se tornando invisível.
Por EDUARDO PRADO COELHO
"Público" de sexta feira, 30 de Abril de 2004


A desconfianças da filosofia
Inês Pedrosa no Expresso (Única) de 24 de Abril de 2004

O debate sobre Abril revolução ou Abril evolução afigura se me invenção queirosiana póstuma, mais uma das múltiplas formas de assar carapaus fritos tão caras ao diletantismo nacional. Ao período de revolução seguiu se naturalmente uma história de evolução com avanços e retrocessos, como sucede em todos os processos, nada na vida é linear. De qualquer modo, o que importa repetir aos mais desmemoriados é que o 25 de Abril marca o fim de uma época de opressão (censura, prisões políticas, negação de direitos cívicos elementares às mulheres, lembram se?), miséria estagnada (as pessoas descalças, os pobres que não tinham direito a sair da pobreza, lembram se?) e medo. Como recordava Manuela de Freitas, há dias, no jornal «Público»: «Era um silêncio, vocês não imaginam. Era horrível, horrível. E por isso, às vezes, quando as pessoas dizem 'Ah, isto está pior do que antes do 25 de Abril'... as pessoas não fazem ideia do que é a sensação de vivermos em prisão». Pois é, as pessoas não percebem que comparar o incomparável é ofender o sofrimento passado e sujar o céu do futuro. O que importa hoje, nos 30 anos de celebração desse dia «inicial inteiro e limpo» (nas rigorosas palavras de Sophia) é aprofundar a reflexão.
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Base de Dados Vai "Corrigir" Estrangeirismos na Linguagem Desportiva
Por CLARA TEIXEIRA
"Diário de Notícias" de Sexta feira, 16 de Abril de 2004


Uma base de dados com a terminologia usada no desporto está a ser construída em Portugal desde 2003, ao abrigo de um projecto do Instituto do Desporto de Portugal (IDP) e da Sociedade da Língua Portuguesa (SLP) que pretende "corrigir" o excesso de expressões e termos estrangeiros utilizados tanto pelos agentes como pelos jornalistas desportivos.

André Fernandes da Cunha, técnico superior do IDP, traçou ontem como objectivos deste projecto, intitulado "Terminologia Associada ao Desporto", a "estruturação da linguagem utilizada no sistema desportivo português" e a sua adopção por "todos os agentes desportivos" e "todas as entidades com actuação no sistema desportivo". A melhoria de acesso, por parte dos cidadãos, a uma "informação de qualidade sobre linguagem desportiva" faz igualmente parte das finalidades do projecto.

Numa comunicação apresentada na conferência internacional sobre "Os novos desafios da informação desportiva", a decorrer em Lisboa, o responsável do IDP deu exemplos dos conteúdos produzidos, designadamente a tradução de expressões estrangeiras para a língua portuguesa, a definição de conceitos relacionados com o desporto e também as expressões e vocábulos de âmbito desportivo mais utilizados. O projecto apoiado por um total de 22 entidades desde federações desportivas a institutos de ensino superior deu já origem à criação de um endereço electrónico para recepção de perguntas de âmbito terminológico sobre desporto, à publicação de um boletim trimestral onde é apresentado o trabalho desenvolvido e também à disponibilização de uma terminologia do desporto na Internet, através dos conteúdos analisados no boletim. Em paralelo, foi sendo construída pelas entidades promotoras uma pequena base de dados de siglas, acrónimos e abreviaturas usadas no desporto em Portugal, com vista a melhorar a informação sobre a actividade.

Já no período de debate, alguns participantes deram conta da preocupação com que encaram o uso cada vez maior de uma terminologia não portuguesa no jornalismo desportivo, na medida em que são os próprios jornalistas que, ao considerarem "mais expressivos e elegantes" os estrangeirismos, os introduzem junto da opinião pública como se de uma "moda" se tratasse. "'Derby' é uma invenção recente. Porquê dizer 'derby' se podemos dizer 'clássico'?", perguntou um elemento da assistência, depois de ter sido referido que nas décadas de 20 e 30 foram realizados encontros de jornalistas desportivos para adaptar à língua portuguesa os estrangeirismos então já usados no desporto nacional.

Na conferência foram também abordados o papel da Internet e dos "weblogs" na divulgação da informação desportiva. Para hoje, último dia do encontro, estão agendadas comunicações sobre o poder da informação desportiva e a sua relação com a comunidade.

Por CLARA TEIXEIRA
"Diário de Notícias" de Sexta feira, 16 de Abril de 2004


Amêndoas amargas
António Valdemar no "Diário de Notícias"

Quem tem dúvidas? A instabilidade agrava se. A ameaça terrorista é real. 0 11 de Setembro marcou um novo ciclo da história. Voltou a intensificar se o terror com o 11 de Março. Terão de ser adoptadas medidas de reestruturação dos serviços de informação, das forças de segurança e das estratégias de defesa. A questão israelo palestiniana e a questão do Iraque terão de ser resolvidas, com urgência e eficácia, pois encontram se no cerne da espiral de violência que se generaliza através do mundo.
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Inveja, mal do português.
António Valdemar Diário de Notícias

0 temperamento e o carácter do homem português têm sido marcados pela inveja. Este sentimento indisfarçável é um dos estigmas profundos que se depara através dos séculos. Não foi por acaso, por liberdade poética, por exigência de métrica ou necessidade de rima que Luis de Camões, n'Os Lusíadas, terminou o último verso do último canto com esta palavra hedionda. Onde quer que seja, de Melgaço à ilha do Corvo, as pessoas corn quem nos cruzamos no dia a dia resmungam, conspiram, sofrem e insurgem se, ao verificarem que o semelhante é bafejado pela fortuna. Pouco lhes importa se estão acabrunhados, falidos, doentes com a famíllia na maor das desgraças e misérias o que não suportam é o bem dos outros.

Por natureza e formação, o português e isto ficou demonstrado nos estudos antropológicos desde Adolfo Coelho a Jorge Dias tem um fundo de resignação e melancolia. Conforma se, em excesso, com as fatalidades que lhe acontecem e se multiplicam, embora, quando menos se espera, intercale chicotadas de escárnio e de maldiser.

Um dos períodos mais complexos de Portugal, entre 1580 e 1640, relaciona se com as negociações e cedências para a ocupação e absorção do trono pelos Filipes. Schaefer, na sua História de Portugal que teve honras de tradução de Sampaio Bruno descreveu com palavras exactas e cores verdadeiras a sociedade dessa época de triste memória.

Para reforçar muitas afirmações, Schaefer recorreu, entretanto, a testemunhos de contemporâneos, entre os quais Conestaggio (1530/1611), diplomata, oriundo de Génova, que desempenhou funções em Lisboa e escreveu um livro acerca da sua permanência, entre nós: Dell' Unione del Regno di Portogallo alla corona di Castiglia. Teve versões em espanhol, em inglês, em alemão e em latim. Embora D. Francisco Manuel de Melo se tenha pronunciado em termos pejorativos acerca da obra e do autor, o meu amigo Glacinto Mannupela estudou, com inexcedível pormenor e apoiado numa extraordinária erudição, o texto de Conestaggio para concluir que é bastante objectivo, ao apresentar o quadro social dos usos e costumes, em especial o comportamento da nobreza e dos quadros dirigentes que flutuam dentro ou nos bastidores da hierarquia do Estado.
É a propósito deste último aspecto que denuncia Conestaggio o visível sentimento da inveja que, entre portugueses, assumiu nas altas esferas características muito peculiares que voltaram a confirmar se nas mais variadas conjunturas. Os porstugueses acentua Conestaggio , invejosos por índole, sentem com maior desgosto o proveio alheio do que o próprio dano.

Pôs o dedo na ferida. Nada mais correcto Ainda hoje podemos citar numerosos exemplos. Sobretudo, com os equívocos e as certezas a que temos assistido e a ritmo galopante na relação com a Espanha e as Espanhas. Todavia, sejamos claros: uma coisa são as elites, a classe política, o grande poder económico e a grande finança; outra o povo, a arraia miúda de que falava já Fernão Lopes e que exerceu papel decisivo na crise de 1383/1385. Se não tem a resposta pronta na língua, o povo repete o gesto consagrado, no ZéPovinho, por Rafael Bordalo.
(António Valdemar Diário de Notícias de 2 de Abril de 2004)


O fim da publicidade
FABIO FERNANDES no Jornal O Globo (Brasil)

Num país distante, um sujeito estava vendo tevê. Passou um comercial de cerveja. O sujeito sorriu. Na verdade, gargalhou. Ele gostava de comerciais como aquele, com bom humor. Aí ele olhou para o lado e viu que seu filho tinha gostado também: “Legal esse né, pai?”. Concordou. E passou a odiar aquele comercial.

Como é que podia um comercial engraçado, agradar também ao seu filho, um imberbe menor de idade? Se eu, que sou inteligente para discernir entre o certo e o errado, quase gostei desse comercial como não estará a legião de pobres incautos consumidores?

Decidiu escrever uma carta para o Congresso. Algum deputado leu e concordou: inteligente, já havia pensado nisso. Fez um projeto de lei que foi votado e... pronto, salvou a sociedade: nunca mais haveriam comerciais de cerveja a infestar as ingênuas e influenciáveis cabecinhas.

Tempos depois, outro consumidor atento reparou nos comerciais de cosméticos. Ora, raciocinou, a busca pela juventude eterna, a celebração da estética, tudo em detrimento do conteúdo verdadeiro de nossas almas. Isso corrobora o abismo entre os despossuídos, que estarão irremediavelmente associados ao conceito do “feio” enquanto aos mais ricos caberá sempre a imagem de jovialidade, beleza e saúde. Solução: fim da propaganda de cosméticos em geral.

Todos aplaudiram no Congresso daquele país. Mas, eis que outro senador, igualmente inteligente (mais que a média da população daquele país, com tão poucos consumidores inteligentes), levantou outra questão. Se automóveis atropelam e matam, então melhor seria que não fossem anunciados para não despertarem nas próximas gerações a vontade de dirigi los.

Foi por aclamação: aprovado. Assim como a emenda contra propagandas de hambúrgueres, e, já que esse era o assunto, de alimentos e restaurantes em geral, que era mesmo um despautério num país com tanta fome se admitir propaganda mostrando pessoas felizes comendo.

Aliás, por que as pessoas tinham que estar alegres na publicidade? Para despertar rancor nos entristecidos? E ficou proibido o sorriso na propaganda. No máximo seria permitida uma insinuação, de canto de boca. E depois da meia noite, já que os tristes dormem cedo. Alguém lembrou dos insones solitários. E cortaram do texto aquela liberalidade.

Propaganda de moda? Segregacionista. De sabão em pó? Racista, sempre que valoriza o branco. De banco? Pelo amor de Deus, será que ninguém ainda parou para ver o que está embutido nas mensagens dos comerciais de banco, gente? A sensação de que só com o dinheiro se pode ser feliz, lógico! Cartão de crédito? Este mês, até sem dinheiro, você pode ser feliz, caramba.

Nos jornais, a imprensa apoiava cada uma das medidas. Alguns jornalistas adoravam a idéia de que seus salários são integralmente pagos pelo leitor que compra jornal na banca: publicidade só enfeia o conteúdo editorial.

A sociedade acuada pela sórdida propaganda apoiava as medidas. E reclamava de toda publicidade que brincasse com qualquer uma das suas convicções pessoais. Gordo não pode, magro, também. Padre, freira, careca, viúva, estudante, feio, bonito, mais ou menos feio, surfista, narigudo... nem pensar. Satirizou homem, é feminista. Mulher, lógico, é machista. A sociedade estava de mau humor.

Até que um dia, alguém na casa do vizinho sorriu. Na verdade, gargalhou. E o sujeito que ouviu aquilo, não se sabe por que, teve uma intuição de que aquilo poderia ter alguma coisa a ver com a *&*%#!+*# (a palavra “propaganda” tinha sido proibida). Será que inventaram um câmbio negro de *&*%#!+*# e o meu vizinho conseguiu com traficantes uma fita de vídeo cheinha de *&*%#!+*#s engraçadas?, pensou o um formador de opinião. Pelo sim, pelo não, chamou a polícia.
FABIO FERNANDES é publicitário.
Artigo no Jornal O Globo (Brasil) em 25 de Março de 20004


Os falcões portugueses juravam que o mundo ia ficar menos perigoso
Clara Ferreira Alves
no "Expresso" de 20 de Março de 2004

O mundo não aguenta mais quatro anos de George Bush na Casa Branca. Bush pode retirar do Iraque em Junho, apanhar Bin Laden no Afeganistão ou no Paquistão, recuperar o dólar, recuperar a economia. O mundo continua a não aguentar mais quatro anos de Bush e do seu cortejo de «neocons» na Casa Branca. Quatro anos de Richard Perle, de Paul Wolfowitz, de Donald Rumsfeld, de Dick Cheney, quatro anos de dureza e de proposições absolutas, de nós contra eles, de Eixos do Mal, de atentados e Guantánamos. Bush está a começar a perceber isto e o mundo já percebeu isto. Eles enganaram se, falharam. E a grande vantagem da democracia sobre todos os outros sistemas é que os erros políticos se pagam na urnas, às vezes muito caro. Também se pagam no terreno, com sangue, como se vê pelo número de mortos de todos os mortos contados desde a invasão do Iraque. Se a invasão do Iraque se destinava a erradicar Saddam Hussein, teria sido melhor prepará la e iniciá la contando a verdade. Se se destinava a isto e muito mais, um perigoso amálgama de demonstração de força militar com desejo de vingança, de justicialismo primário com utopias políticas, de desejo freudiano de vingar o pai com intenções imperiais de fundar a nova ordem (petrolífera) mundial, de civilizar o infiel ou dar lhe a paz, a prosperidade e a democracia (e creio que se destinava a muito mais que a eliminação de um regime bárbaro e autocrático) então chegou o momento de avaliar os erros e as consequências. Para a América, para a Europa, para o Médio Oriente, para o Iraque em particular e o mundo em geral. Uma guerra travada sem uma definição de fins e objectivos, travada com coragem e sem clareza, é uma guerra de confusão.
(...)
Artigo completo aqui.


Obesity: Who is to blame?

Around 300m people around the world are obese and that figure is predicted to rise sharply in the years ahead. Who, if anyone, is to blame?

This week, the world's largest fast food chain announced plans to introduce healthier menus in many of its restaurants.
Out go super sized fries and drinks and in come chicken salads, yoghurts and chopped fruit.
But what should have been a public relations triumph for McDonald's quickly turned sour when it emerged that its salads may contain more fat than its burgers.
The subsequent headlines put the company back in the firing line over obesity.
The corporate giant, like many others in the food industry, has been accused of contributing to rising rates of obesity in many western countries, something it strongly denies.
(...)
O artigo, completo, encontra se aqui.


O adeus aos discos
Nuno Galopim
DN de 13 de Março de 2004


A poucos dias do lançamento de Patience, o seu primeiro álbum de originais em oito anos, George Michael surpreendeu a indústria discográfica através de declarações feitas aos microfones da BBC Radio 1, afirmando que este será o seu último disco e que, daqui em diante, passará a disponibilizar a sua música exclusivamente via Internet, admitindo que as suas canções possam mesmo ser oferecidas «gratuitamente» a quem as quiser descarregar da web. As principais justificações do músico prendem se com o facto de este sentir que não precisa mais de fazer dinheiro com os discos e de reconhecer que não aprecia a fama.
(...)
Restante aratigo aqui.


Trovões
Vasco Pulido Valente
DN de 6 de Março de 2004

Uma certa opinião que se publica ficou muito excitada com Avelino Torres e as suas cenas de hooliganismo. Como ficou muito excitada com as trapalhadas de Fátima Felgueiras. Mas muitíssimo menos com o caso de Martins da Cruz, que nem sequer foi investigado a sério e que num país decente teria levado à queda do Governo. O peixe miúdo apanha sempre, porque à mistura com a indignação da regra permite exibir um desprezo social, que os costumes normalmente proíbem. O ódio aos políticos está reservado ao burgesso, que arrombou a gaveta, e só em abstracto se aplica a gente bem educada e bem nascida (ou afim), que simpaticamente se dedica ao tráfico de informação e de influência. Pior ainda, só se aplica ao que é público e notório: se vem na televisão, se lê nos jornais ou se pode ver pela janela do carro. A pequena corrupção e os crimes contra o ambiente comovem imenso; os negócios de almoço e corredor não fazem urna onda. Há um snobismo na virtude. Qualquer pessoa que se preza, à Direita ou à Esquerda, detesta Paulo Portas, Jardim e Santana Lopes, que não são, por assim dizer, apresentáveis. Ninguém excessivamente se incomoda com as figuras pardas da hipocrisia, do oportunismo e da intriga, que sobem pelo pau de sebo do Estado e dos partidos. Nesse fomigueiro e nas discretas criaturas que discretamente o representam não se toca. O que o formigueiro agradece. Avelino Torres não é o nosso problema. O nosso problema é quase tudo o que passa, e não devia passar, por respeitável. Nada mais fácil do que trovejar contra aberrações de superfície, principalmente com a concordância universal. Seria melhor pôr por ordem o que anda fora de ordem. Porque pouco a pouco Portugal se começa a tornar numa auto invenção.


O misterioso sr. Khan
Clara Ferreira Alves no "Expresso"
de 28 de Fevereiro de 2004


É uma daquelas notícias que são abafadas pelo ruído da tri vialidade nos jornais e telejornais. Ou uma daquelas notícias que nem chegam a ser. O Sr. Q. Khan, Abdul Qadeer Khan, o «pai da bomba paquistanesa», andava a vender segredos nucleares ao Irão, à Líbia e à Coreia do Norte. Repare se que não estamos a falar de uma personagem qualquer, estamos a falar do homem mais condecorado do Paquistão, um herói nacional, um patriota tão respeitado como Mohamed Ali Jinnah, o fundador do país depois da cisão com a índia em 1947.
0 sr. Khan foi o responsável pelo programa nuclear paquistanês, e a garantia de que o Paquistão podia enfrentar uma guerra com a poderosa Índia. Por grosso, este dois países sempre foram um perigo para o mundo e para a região, e nunca ninguém pareceu muito preocupado com isso, incluindo os Estados Unidos, que não souberam negociar e tratar com os paquistaneses e os sucessivos e corruptos governos e militares, golpes, assassínios e contragolpes. Os talibã não teriam existido sem os paquistaneses e os seus serviços secretos, e Bin Laden também não. Só o 11 de Setembro veio alertar a América para esta terra sem rei nem roque, com armas de destruição maciça, autênticas e muito mais ameaçadoras do que as de Saddam Hussein.
(...)
Leia o resto do texto aqui.


Já repararam?
Por JOSÉ PACHECO PEREIRA
Quinta feira, 19 de Fevereiro de 2004


1. A três meses das eleições europeias, discutem se as eleições presidenciais de 2006. Não há problema, também quando forem as europeias vai se discutir futebol. A RTP, com as suas quinhentas horas de Euro 2004, deve fazer uns intervalinhos, pedindo imensa desculpa pelo incómodo, e lá passar uns debates apressados sobre a Europa, a horas mortas, entre dois jogos, ou treinos, ou pré jogos, ou acompanhamentos de autocarros das equipas, ou vistas do hotel, ou longos debates sobre a bola. Não há problema, o país quer circo e hoje dois espectáculos estão garantidos: o da política com Santana Lopes e o do futebol com o Euro. Dias grandes para a televisão. Muito circo, pouco pão.
(...)
O resto do artigo encontra se aqui.


Evolução tecnológica ameaça credibilidade

O progresso da tecnologia facilita o trabalho aos jornalistas e aos media, mas ameaça a credibilidade das notícias que eles veiculam. Quem o diz é Nik Gowing, reputado jornalista da BBC, para quem é preferível optar pela credibilidade, em detrimento de algo sobre o qual não se tem a certeza. «Claro que o ideal é combinar as duas coisas simultaneamente».

Uma opinião ontem proferida em Lisboa, na conferência que o British Council organizou sobre a Informação em situações de crise e conflito. e que não pode ser dissociada de quem a proferiu. A começar pelo facto de Gowing trabalhar para uma televisão que construiu a sua reputação em torno de credibilidade, colocando se acima de qualquer suspeita. Depois, porque foi expressa num momento particularmente difícil, e até traumatizante, para quem ali trabalha, dado que a estação acabou de ser acusada no Relatório Hutton de ter distorcido as motivações do governo britânico para intervir no Iraque. E finalmente, porque Nik Gowing é um profissional de televisão, o que pressupõe, nos dias que correm, um tempo de reflexão necessariamente mais curto do que aquele que desfrutam os seus colegas da imprensa escrita.

Tudo questões levantadas ao longo de uma hora e meia por um jornalista que coordenou parte do trabalho efectuado pela BBC World durante a intervenção dos EUA e do Reino Unido no Iraque, e que se sente incomodado com a pressão que é, cada vez mais, exercida sobre a sua profissão por via de um acesso sem precedentes a múltiplas fontes de informação sem que, muitas vezes, exista a possibilidade de verificar a respectiva veracidade.

Uma tarefa que é tanto mais difícil, quando se sabe que muito do acesso a tais fontes deriva da proliferação e da massificação da tecnologia, permitindo que um qualquer cidadão anónimo possa, em tempo útil, fotografar um acidente ou filmar um atentado, posicionando se, de imediato, como um prestador de serviços aos meios de comunicação, que, assim, desfrutam da possibilidade de bater a respectiva concorrência. Sem que, na maior parte dos casos, alguém pare para reflectir sobre a credibilidade de tais imagens, numa altura em que tanto as televisões, como as rádios, sofrem a concorrência de novos meios como os sites, os weblogs ou até os telefones portáteis, todos eles susceptíveis de poderem oferecer imagens e som em tempo real,

São situações desta natureza que, segundo Nik Gowing, têm vindo a suceder se nos últimos anos, e que, de uma forma ou de outra, continuam a ocorrer todos os dias, como, de resto, é perceptível aos telespectadores mais atento. Seja por via de um atentado na Indonésia ou em Israel, ou mesmo de um mega acidente de auto estrada, envolvendo dezenas ou centenas de viaturas. «Toda a gente possuiu uma máquina de fotografar, um vídeo, um telefone portátil ou até de uma webcam», alertou Nik Gowing, deixando subentender que, deste modo, existem milhões de potenciais fornecedores de serviços quotidianos aos media.

O que nos remete, uma vez mais, para a credibilidade como imagem de marca e até de referência dos media, questão que acaba por ser mais ou menos relevante, consoante a natureza do meio de comunicação e até as exigências dos respectivos públicos.

Ou seja, uma estação como a BBC, que construiu a sua reputação em torno da credibilidade e da veracidade daquilo que reporta, tem obrigatória e necessariamente de ser mais cuidadosa com aquilo que diz ou que mostra do que a sua concorrência. Uma receita que será, naturalmente, válida para a imprensa e para a rádio, cabendo, depois, ao público fazer a sua opção.

Uma relação que coloca igualmente maior acuidade sobre o acesso às fontes, uma vez que a ausência de informação acaba por colocar meios como a BBC em pé de igualdade com estações menos escrupulosas, como se verificou no Iraque, onde, segundo Nik Gowing, as maiores dificuldades se centraram na falta de tempo para verificar toda as informações disponíveis, sem que os militares lhes facilitassem a tarefa.

O que lhe permitiu concluir que, em situações de crise, é absolutamente vital aceder ao maior número de informações oficiais, sob pena de a ausência de tal informação só credibilizar os rumores existentes.

Armando Rafael "Diário de Notícias" 11 de Fevereiro 2004